O testemunho ético de Primo Levi sobre a zona cinzenta

um problema de julgamento e representação

Autores

Palavras-chave:

Primo Levi, Julgamento Moral, Zona Cinzenta, Auschwitz, Testemunho

Resumo

O artigo busca problematizar o caráter ético do testemunho literário do escritor italiano Primo Levi sobre sua experiência nos campos de morte de Auschwitz. Sua narrativa sugere às ciências sociais chaves analíticas importantes para compreender melhor não só o universo concentracionário enquanto local de desubjetivação humana, mas também o papel da máquina nazista na constituição de figuras arquetípicas e de contornos mal definidos no interior dos campos. O objetivo deste texto é examinar o fenômeno da zona grigia, a figura paradigmática do Muselmann e o caso de Hurbinek. Esses casos alertam para o risco do julgamento precipitado dessas figuras – que parecem compor um espaço nebuloso de indeterminação moral – com medidas do presente, sem que se avalie, antes de tudo, as circunstâncias empíricas às quais foram submetidas. Primo Levi argumenta, nesse sentido, que é preciso sempre ter em vista os pontos cegos que definem as fronteiras das zonas cinzentas de eventos traumáticos, a partir dos quais condutas sociais tendem a se confundir em razão das estratégias de perpetradores em imputar culpa e responsabilidade às vítimas.

Biografia do Autor

Lucas Amaral de Oliveira, Universidade Estadual Paulista UNESP

Professor do Departamento de Sociologia e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (PPGCS) da Universidade Federal da Bahia (UFBA), onde é líder do PERIFÉRICAS - Núcleo de Estudos em Teorias Sociais, Modernidades e Colonialidades. Pesquisador Visitante da British Academy na Queens University Belfast (Reino Unido) e Professor Visitante na Universidade de Copenhagen (Dinamarca), no âmbito do Programa CAPES-PrInt. Atualmente, realiza pós-doutorado junto ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia (PPGSol) da Universidade de Brasília (UnB). Doutor e Mestre em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), e Graduado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Autor do livro "Experiências Estéticas em Movimento" (Ape'Ku, 2020) e coorganizador de "Teoria Social e Desafios Pós-Coloniais" (Edufba, 2024). Possui experiência nas áreas de História Intelectual e das Ideias, Teorias Pós-Coloniais, Sociologia da Cultura e Sociologia da Literatura. Seu foco de pesquisa abarca a interseção de temas como literatura e formação nacional, pensamento social e crítica do cânone, trajetórias intelectuais e questão racial, além de cidadania cultural e direito à cidade.

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Publicado

30-06-2017

Como Citar

Amaral Oliveira, L. (2017). O testemunho ético de Primo Levi sobre a zona cinzenta: um problema de julgamento e representação. Patrimônio E Memória, 13(1), 103–130. Recuperado de https://portalojs.assis.unesp.br/index.php/pem/article/view/3402