Raquel de Souza Machado
FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.1, nº1, p. 203-223, jan.-jun., 2014.
Imaginário erudito, - conhece anatomia, iconografia, valores espaciais,
entalhadura, douração, pintura, esgrafiado, segredos dos materiais-, Veiga
Valle pode ser homem de poucas letras, mas é artista consumado. A falta de
documentos que desvendem a sua formação artística não deve levar à
conclusão precipitada de uma iluminação súbita, mito redivivo da
genialidade (SALGUEIRO, 1983, pág. 74).
Esculpir uma imagem, geralmente, é um processo dividido em três etapas. Primeiro,
a estrutura: a madeira e o entalhe; em segundo, o aparelho: uma base intermediária entre a
madeira e a capa de douração e a pintura; em terceiro, a douração, a policromia e o
esgrafiado
·. Veiga Valle era o responsável por todas as etapas desse processo, desde a
escolha do cedro, madeira preferida pelo artista, que era cortada de acordo com as fases da
lua, até chegar a etapa final da pintura e douração.
Salgueiro também denomina Veiga Valle como um santeiro singular, devido ao zelo
que ele tinha ao fazer suas esculturas, os detalhes nos desenhos, o cromatismo, o
acabamento, as expressões das imagens. As imagens trazem, em si, a marca da
subjetividade do artista. O artista primava pela doçura e serenidade nos semblantes das
suas imagens sacras. A singularidade do artista pode ser mais bem definida pelas técnicas,
nas soluções pessoais do artista, nos pormenores - traços faciais, o tratamento dos cabelos,
a policromia, o pastilho e o jogo do planejamento - do que por ele estar isolado em Goiás.
Veiga Valle era cuidadoso ao modelar e lixar a madeira. A morfologia facial não
apresenta tensões e raramente detalha ossos. As linhas são nítidas e o relevo é suave.
As imagens veigavallianas podem ser reconhecidas com facilidade:
características de estilo, forma e cor que singularizam a produção do artista,
fugindo aos estereótipos que a sociedade conhece. Embora o estilo e o
gênero, considerados historicamente, sejam codificados, a imaginária de
Veiga Valle escapa ao serial da arte anônima que marca a maior parte da
escultura religiosa. (SALGUEIRO, 1983, p.310).
Um artista contemporâneo a Veiga Valle, apontado pela autora Salgueiro (1983), é o
pernambucano Manuel da Silva Amorim, porém o estilo desse artista era mais o
neoclássico
. Já em Veiga Valle encontram-se a dualidade harmônica dos estilos Barroco e
Neoclássico com traços do Rococó. É na suavidade do estilo rococó mineiro que se
encontra a expressão mais original do barroco brasileiro.
Esgrafiado é uma técnica de pintura a fresco, que consiste em aplicar sobre um fundo preto de estuque
(espécie de argamassa, feita com pó de mármore, caltina, gesso e areia) uma camada de tinta branca,
arranhada posteriormente com estilete, de modo que o fundo apareça em forma de sombras.
Movimento cultural europeu, do século XVIII e parte do século XIX, que defende a retomada da arte antiga,
especialmente greco-romana, considerada modelo de equilíbrio, clareza e proporção. O movimento, de grande
expressão na escultura, pintura e arquitetura, recusa a arte imediatamente anterior - o barroco e o rococó,
associado ao excesso, à desmedida e aos detalhes ornamentais.