Andrew Guilherme Okamura Lima
FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.1, nº1, p. 147-174, jan.-jun., 2014.
corpo da revista. A própria constituição de uma revista crítica que buscava romper o discurso
histórico predominante, nos leva a uma série de questionamentos em relação ao
positivismo: – em quais pontos, a dita história positivista influenciou ou não os Annales? –
Os próprios mestres positivistas, tão atacados por Lucien Febvre, na figura de seu antigo
mestre Charles Seignobos, realmente não praticaram, até certo ponto, uma história
coerente? – Por que, apesar do ataque implacável de Lucien Febvre, Marc Bloch se
manteve praticamente neutro, ou mesmo expressou a sua admiração pelos antigos
mestres? – Essas são questões importantes, mas que não serão os pontos de nossa
reflexão neste artigo
.
Mesmo sem nos debruçarmos nas questões levantadas acima, elas nos indicam uma
luta pelo poder, ou melhor, uma luta pela consolidação de uma nova escola, que emerge às
sombras da antiga e poderosa escola positivista, e que, para conseguir ganhar espaço e
força institucional, fora obrigada a atacar os antigos mestres
, segundo Le Goff:
Antes de tudo, tirar a história do marasmo da rotina, em primeiro lugar de
seu confinamento em barreiras estritamente disciplinares, era o que Lucien
Febvre chamava, em 1932, de “derrubar as velhas paredes antiquadas, os
amontoados babilônicos de preconceitos, rotinas, erros de concepção e de
compreensão”. (LE GOFF, 2005, p.38)
Portanto, o enfoque deste artigo não será a discussão com o positivismo, ou mesmo
uma análise profunda das obras de Bloch e Febvre. Dentro de todo o revisionismo que está
ocorrendo em relação aos Annales, o nosso objetivo é analisar, mesmo que de maneira
A relação entre o positivismo e os Annales, suscita um caloroso debate, principalmente hoje, quando está
havendo uma releitura dos principais representantes da escola positivista, como Charles Seignobos e Charles-
Victor Langlois. É de conhecimento geral, que Lucien Febvre atacou de forma feroz seus antigos mestres, muitas
vezes injustamente, a tal ponto de Bloch sempre se manter meio reticente a esses ataques. Acerca este debate,
podemos encontrar no livro Teoria da História: A Escola dos Annales e a Nova História de José d’Assunção
Barros, no segundo capítulo uma boa explicação acerca da relação do positivismo com os Annales, ao afirmar,
na página 63, que “Marc Bloch, um dos fundadores do movimento, possui em seu acorde teórico notas de um
positivismo inspirado em Durkheim”. Há uma gama de livros que trabalham a ruptura realizada pelos Annales
com a escola positivista, como A escola dos Annales 1929- 1989, de Peter Burke, que nos oferece um panorama
geral da escola, mas nada que resulte em uma análise mais profunda da relação com o positivismo. Outra obra
que traça uma perspectiva mais completa do campo intelectual acerca da criação dos Annales é A história em
migalhas: dos Annales à Nova História, de François Dosse. Em seu primeiro capítulo “A pré-história dos
Annales”, o autor analisou o contexto de avanço da escola positivista, assim como suas influencias para a
disciplina histórica, principalmente no subcapítulo “A era Lavisse”. As obras mais recentes como, Correntes
históricas na França: séculos XIX e XX, já realizam um balanço da importância da escola positivista. Em sua
obra La escuela de los Annales: una historia intelectual, André Burguière nos fornece um panorama de toda a
escola, partindo de seus pais fundadores até chegar na “crise” da nova história. Nesta obra Burguière mostra
como os Annales procuraram paulatinamente ocupar os cargos e os espaços deixados pela escola positivista,
principalmente, após o isolamento da escola durkheimiana, que segundo o autor, era admirada por quase todos
os historiadores franceses.
Este fato foi trabalhado por José d’Assunção Barros na primeira parte do quinto volume de sua série Teoria de
História: A Escola dos Annales e a Nova História. Nesta primeira parte o autor procurou analisar o conceito das
escolas históricas. Ainda sobre esta temática, Fernando Novais e Rogério Forastieri explicaram na obra Nova
História em perspectiva, a necessidade, por vezes, que uma nova vertente historiográfica tem em derrubar a
antiga escola, o que justificaria os ataques frontais que Lucien Febvre realizou contra os escritos positivistas,
como o caso da crítica realizada contra a História da Rússia de Paul Milioukov com o prefácio para a edição
francesa de Seignobos.