A redenção da raça negra em uma perspectiva internacional: discursos do garveysmo no jornal O Clarim da Alvorada
FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.1, nº1, p. 89-105, jan.-jun., 2014.
Defender privilegiavam as questões dos direitos civis dos negros nos Estados Unidos, o
Negro World trabalhava com a noção de diáspora negra, difundindo a mensagem de
solidariedade negra em um amplo espaço transnacional. O periódico de Marcus Garvey,
mais do que qualquer outro, embarcou em uma onda de internacionalismo afro-americano
que se iniciou na Primeira Guerra Mundial. Com a participação de combatentes negros nas
áreas de conflitos na Europa, os ativistas negros ampliaram os seus horizontes, sobretudo
ao testemunharem outros padrões de relações raciais e experiências negras, como as dos
senegaleses que se juntaram ao exército francês (LENTHZ-SMITH, 2009). Um ano após o
fim da guerra, ativistas afro-americanos já organizavam encontros com africanos radicados
na Europa para pensar a situação do continente africano e das populações negras pelo
mundo, como foi o caso do primeiro Congresso Pan-Africano, em 1919, na cidade de Paris.
Para Marcus Garvey, essa expansão de horizontes significava a possibilidade real de
estreitamento de laços entre as populações negras das Américas e do continente africano.
Com a expectativa de alcançar leitores fora dos Estados Unidos, o Negro World, em suas
quinze páginas, passou a publicar algumas seções em francês e espanhol. O periódico do
líder jamaicano circulou entre várias sociedades africanas, penetrando áreas remotas do
continente e atraindo a atenção de autoridades coloniais preocupadas com o conteúdo
“subversivo” de suas mensagens. Jomo Kenyatta, líder nacionalista do Kenya, comentou
que, durante a sua infância, nacionalistas do Kenya, muitos deles analfabetos, reuniam-se
em torno de uma pessoa que lia o Negro World umas três vezes, possibilitando, assim, a
memorização e difusão dos conteúdos dos textos (LAWLER, 2005, p. 33).
O periódico também chegou a alguns países onde se consolidava o discurso da
harmonia racial em contraposição à violência racial norte-americana. Em Cuba, o Negro
World circulou por cerca de vintes anos, onde encontrou, principalmente, minorias
jamaicanas entusiasmadas pelo discurso garveysta. Em 1921, Garvey desembarcou na ilha
para promover os seus ideais entre os cubanos, recebendo uma calorosa recepção por
parte dos seus compatriotas, enquanto a população nativa demonstrava certo ceticismo.
Para os cubanos, o discurso de Marcus Garvey não fazia sentido, já que os negros haviam,
durante a guerra para independência de Cuba, adquirido uma cidadania de primeira classe,
ajudando a construir uma nação onde se presumia a inexistência do preconceito racial
(ROBAINA, 1998).
O fato é que o Negro World se transformou em um periódico importante e, apesar
das proposições controversas de Marcus Garvey, encontrou um grande número de
interessados nas mensagens do líder radical além do cenário político norte-americano.
Nesse sentido, o periódico cumpriu um papel importante no que o sociólogo Paul Gilroy
(2001) define como Atlântico Negro: um espaço transnacional, entre a América, a África e a
Europa, onde circulavam as ideias concebidas por ativistas e intelectuais negros.