As providências econômicas e os Secretários de Estado: considerações sobre a atuação dos ministros da mo-
narquia portuguesa – século XVIII
FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.5, nº1, p. 103-126, jan.-jun., 2018.
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o dão ainda mais a entender, porque à semelhança dos Príncipes, gozam dos
maiores privilégios e distinções [...].
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As “Memórias Políticas”, escritas durante a regência de D. João VI, das quais
extraímos o excerto acima, também ofereciam duras críticas ao “despotismo” praticado
pelos Secretários de Estado. “Lapin”, o autor dessas memórias, cuja verdadeira
identidade permanece desconhecida,
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repudiava as ordens que, em grande excesso,
eram firmadas e emitidas pelos secretários do Rei, tornando-os fontes de abusos e
terríveis alterações.
Com esta trincheira de criaturas revestidas de autoridade, passa-se a tudo,
adquirem-se honras e riquezas, coarctam-se as alçadas dos Tribunais, forjam-
se Leis novas, e desprezam-se as antigas, alteram-se todas as formalidades,
um enxame de Avisos dá e tira direito a quem se quer, se alguém alega que são
Leis em contrário, é revoltoso, ataca a Autoridade Real, e é representado ao
Soberano como criminoso: enfim é a custa do detrimento particular, e público,
e por consequência do grande detrimento do Soberano, que se consolida a
autoridade precária [dos Secretários].
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A crítica aos Secretários de Estado permeia boa parte das “Memórias Políticas”.
Nesse documento, afirma-se que “os interesses do soberano e dos vassalos consistem
na conservação da Monarquia”, enquanto que os interesses dos secretários, por sua
vez, consistem apenas “na alteração dela, e no estabelecimento do seu despotismo”.
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A crítica à atuação dos Secretários de Estado era a forma encontrada para atacar
os efeitos da centralização administrativa e do poderio monárquico, extremamente
fortalecido em Portugal ao longo do século XVIII, sem chegar, no entanto, a atingir
diretamente a figura do Rei. Daí se depreende que a crítica aos Secretários de Estado
tenha unido, ao menos neste ponto nevrálgico, desde agentes mais “progressistas” e
liberais até homens mais conservadores e apegados à velha ordem nobiliárquica. De
todo modo, o fato é que, do alto deste “despotismo ministerial”, os Secretários de
Estado passaram a dirigir uma série de políticas e reformas, vinculando o reino às
21 “Memórias Políticas”, 1803. Arquivo Distrital de Braga. Fundo da Família Araújo de Azevedo; subfundo
Antônio de Araújo de Azevedo; seção “Homem de Letras”, doc. 4492 e 4493. fl. 17-17v.
22 As “Memórias Políticas” foram publicadas pelo pesquisador José Norton, que atribuiu a sua autoria ao
3º Marquês de Alorna, D. Pedro de Almeida Portugal. Segundo José Norton, esse documento era formado
por alguns papéis que o Marquês de Alorna desejava apresentar a D. João VI em uma conferência. Apesar
de José Norton defender uma hipótese bastante plausível (e bem abalizada) no que toca à definição da
autoria do documento, os indícios e conjecturas apresentados ainda carecem de provas mais seguras.
O próprio José Norton reconhece as limitações de sua hipótese: “O que nos prova e quem nos garante
que esses papéis que fossem esse mesmo documento que a seguir se transcreve e a que foi dado o nome
de ‘Memórias Políticas do Marquês de Alorna’?”. Segundo o próprio José Norton, “Nada nem ninguém.
Afirmá-lo seria pura especulação”. Cf. MARQUÊS DE ALORNA. Memórias Políticas. Apresentação de José
Norton. Lisboa: Tribuna da História, 2008. p. 7-77. O historiador Nuno Gonçalo Monteiro, por sua vez,
atribui o documento ao 6º Conde de São Lourenço. Cf. MONTEIRO, Nuno Gonçalo. D. José: na sombra de
Pombal. Lisboa: Temas & Debates, 2008. p. 306. Diante das dúvidas, optamos por nos referirmos ao autor
de acordo com o pseudônimo que assina o documento em questão: Lapin.
23 “Memórias Políticas”, 1803. Arquivo Distrital de Braga. Op. Cit. fl. 18-19v.
24 Ibidem. fl. 18-19v. O “despotismo ministerial [foi] introduzido por Pombal e aprofundado no período
mariano e joanino até 1808”. Cf. MUNTEAL Filho, Oswaldo. O Príncipe D. João e o Mundo de Queluz: Des-
potismo ministerial, tensões estamentais e sacralização do Estado na crise do Antigo Regime Português.
Anais do Museu Histórico Nacional. vol. 31. Rio de Janeiro, 1999. p. 9-34.