Metamorfoses políticas na esquerda brasileira: do IV Congresso (1954) à Nova Política (1958) do PCB
FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.3, nº1, p. 159-181, jan.-jun., 2016.
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produções acima citadas retratam a questão da terra e a situação de penúria em que
viviam os trabalhadores rurais.
Ou seja, percebemos que muitos artistas estavam sensíveis a uma questão cara:
a Revolução brasileira como antifeudal, a necessidade de reflexão sobre o problema no
campo e da distribuição das terras. Transversalmente ao tema da Revolução brasileira
não se deve deixar de citar o fenômeno político-ideológico que configurou a sociedade
brasileira da década de 50: o nacionalismo. A necessidade de trabalhar com esta
categoria é imprescindível para a análise de qualquer pesquisa na área das ciências
humanas que se pretende estudar o Brasil dos anos 50. Mais: esse conceito analítico é
extremamente importante para entender a categoria central deste estudo: a Revolução
brasileira.
Em 1954 Dante Moreira Leite publicava seu famoso ensaio “O Caráter Nacional
Brasileiro”. A publicação dessa obra é um reflexo das discussões em torno do
nacionalismo. O autor discute com grandes nomes como Sílvio Romero, Euclides da
Cunha, Nina Rodrigues, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Júnior.
A defesa central da obra é que as diversas noções de “nacionalismo” não representaram
“a autêntica tomada de consciência de uma nação, mas obstáculos para que um povo
se torne livre de preconceitos” (LEITE, 2002). Interessante notarmos que este ensaio
é escrito no “coração” da década de 50, no ponto de inflexão político-institucional de
crise política que se deu após o suicídio de Getúlio Vargas e o avanço da ideologia do
nacionalismo pelos vários setores, inclusive, pelo PCB em 1955, quando há a o apoio ao
“o golpe preventivo” – ou o “golpe dentro do golpe” como preferem outros de setores
“legalistas” do exército.
Fruto intelectual, também, desses “nacionalismos
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” é a criação do ISEB
(Instituto Superior de Estudos Brasileiros) em 1956, órgão do Ministério da Educação
e Cultura. O ISEB congregava importantes intelectuais de matiz carioca e, pode-se
afirmar, configurava uma “intelligentsia” brasileira. Nelson Werneck Sodré, importante
historiador marxista, foi um dos seus mais ilustres professores. O ISEB desempenhou um
papel importante na disseminação e promoção de ideais nacionalistas. Desse instituto
é a obra de Álvaro Vieira Pinto, Ideologia e Desenvolvimento Nacional, (publicado em
1960; em realidade foi a aula inaugural do Curso Regular do ISEB, em maio de 1956).
Toda essa “apologia” do ISEB ao nacionalismo foi combatida por setores conservadores
e liberais (UDN, ESG, IPES, IBAD), bem como a grande imprensa (o Jornal O Globo, por
exemplo), que defendia interesses de classe contra as Reformas de Base no governo
João Goulart. Em realidade, há uma convergência, então, em defesa das Reformas, tanto
5. É oportuno falar aqui dessa palavra: [nacionalismo]. Desde o início do texto ela aparece, mas em con-
textos históricos diferentes. Segundo o Dicionário de Política organizado pelo filósofo político Norberto
Bobbio, há diferentes significados para este termo. Identificamos neste dicionário que a ideia de naciona-
lismo teria surgido após a Revolução Francesa (1789) e que designa uma ideologia nacional que abrange
num território tradição, língua, cultura etc., que estaria acima dos anseios de um grupo particular (um
partido, por exemplo). Mas o termo nacionalismo também pode tomar forma como algo particularizado,
um movimento político “[...] único e fiel intérprete do princípio nacional [...]” (BOBBIO, MATTEUCI, PAS-
QUINO, 1986, p. 799). A primeira definição foi a que deu suporte ideológico para a formação dos moder-
nos Estados nacionais no século XIX (Itália e Alemanha, por exemplo). A segunda definição em citação
direta identifica os “fascismos” surgidos na Itália (na figura de Mussolini) e o nazismo alemão (Adolf
Hitler). No entanto, o nacionalismo do ISEB não se identifica com nenhuma dessas definições. No ISEB
o nacionalismo estava atrelado à ideia de defesa do “nacional”, daquilo que é próprio do país (riquezas
naturais, a indústria nacional, a “cultura” nacional etc). Também sobre o ISEB ver obra: “ISEB: fábrica de
ideologias” de Caio Navarro Toledo.