GINZBURG, Carlo. Medo, reverência, terror: Quatro ensaios de iconografia política. São Paulo: Companhia das
Letras, 2014.
FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.3, nº1, p. 211-215, jan.-jun., 2016.
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“filologia textual aplicada a textos não literários, problemas de História Social aplicados à
História da Arte, análise iconológica recolocada diante dos mitos, morfologia empregada
para análise de materiais históricos” (LIMA, 2006, p. 281).
O livro é composto de quatro capítulos independentes, que, em conjunto, se
preocupam em evidenciar a conexão entre a produção iconográfica e a política, o que
tampouco quer dizer que uma responderia à outra mecanicamente. O destaque para
este trabalho é justamente evitar este tipo de relação causal. A análise é construída a
partir do estudo das trajetórias individuais, das redes de relações pessoais, bem como
do conjunto de referências e escolhas que se constituem e precedem as iconografias.
O primeiro capítulo, Medo, reverência, terror: reler Hobbes hoje, consiste em uma
análise de Thomas Hobbes, partindo do livro O Leviatã e sua ilustração mais conhecida
2
.
Na interpretação de Ginzburg, o pensamento hobbesiano se baseia na constatação de
que o medo, juntamente com a sujeição, legitimado pela religião cristã, são os fatores-
chave para a formação do Estado. O desenvolvimento dessa afirmação é uma busca na
trajetória intelectual e nas vivências pessoais de Hobbes.
Dessa forma, as obras De Cive e, posteriormente, O Leviatã, não buscam
somente esboçar uma teoria política, são também resultado da experiência vivenciada
em seu contexto histórico. Ao mesmo tempo em que assistia a disputa entre o rei e o
parlamento Inglês, Hobbes se exilou na França, em meados do século XVII, após o início
da Revolução Inglesa e foi nessa época em que realizou uma tradução de A guerra do
Peloponeso de Tucídides.
Em uma das passagens deste trabalho, Hobbes concluiu que o medo dos deuses
guiava as leis e os limites da sociedade grega. Com a proliferação da peste em Atenas este
medo perdera seu sentido e, desse modo, também toda a coesão social. Na sociedade
ocidental, o medo de seu semelhante obriga os homens a cederem seus direitos naturais
ao monarca
3
. A ênfase no medo é colocada em evidência por Ginzburg por um desvio
de Hobbes em sua tradução de Tucídides: apeirgein (em grego) “manter sob controle” é
transformado em to awe (em inglês) – “amedrontar”.
Ao desenvolver esta teoria, Hobbes realizava uma variação de vocabulário, o
que quer dizer que suas leituras foram readaptadas, palavras foram traduzidas com um
sentido distinto daquele que teriam em outros idiomas, fato que, para Ginzburg, não
tem outra explicação senão o de transformar o medo em algo útil. Hobbes faz dele a
própria base do Estado.
Ginzburg finaliza o capítulo estabelecendo uma relação com a geopolítica atual,
em que as disputas entre os Estados se assemelham ao estado natural do homem,
e, na busca pela hegemonia, medo e terror são duas armas utilizadas amplamente
nessa disputa, com objetivos hobbesianos como a submissão e renúncia às liberdades
individuais, criando um mundo cada vez mais globalmente controlado.
O segundo capítulo, David, Marat: Arte, política, religião, trata sobre uma análise
do quadro Marat em seu último suspiro, do pintor francês Jacques-Louis David (1793).
Não é uma descrição feita a partir do ponto de vista artístico, mas das correspondências
políticas com as quais a obra dialoga, pois foi elaborada em um momento decisivo da
2. A primeira imagem ilustrativa d’O Leviatã foi uma homenagem ao rei Carlos II (GINZBURG, 2014, p.26).
3. O estado natural para Hobbes seria a “luta de todos contra todos”: Bellum omnium contra omnes
(GINZBURG, 2014, p. 14).