ROSSATTI, João Paulo
FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.3, nº2, p. 245-260, jul.-dez., 2016.
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de dimensões continentais, teve como ponto de partida a reflexão sobre a questão
dos partidos políticos que haveriam de se tornar importantes agentes no processo de
recuperação/reestabelecimento da cidadania. Esse percurso seria difícil, pois incluía
a construção de uma imagem positiva dos partidos, caminho árduo já que estes eram
vistos como instituições frágeis e sem penetração na sociedade civil.
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Nesse sentido, é
possível concordar com Bolívar Lamounier quando este afirma que as práticas eleitorais
eram mais institucionalizadas do que os próprios partidos políticos e por isso, para ele, “é
no tocante à questão partidária, especificamente, que se pode considerar o Brasil como
um caso flagrante de ‘subdesenvolvimento’ -, se se prefere, de baixa institucionalização”
(1989, p. 21-22). Restituir a soberania popular e redefinir os parâmetros de representação
política seriam, portanto, importantes bases para estabelecer o nascente regime
democrático no Brasil que deveria passar – mas não só – pela legitimação dos partidos
políticos. A consolidação de um sistema partidário que tornasse efetiva a representação
haveria de sanar um dos problemas principais da política brasileira naquele momento,
a saber: a exclusão do povo das tomadas de decisões. Nesse sentido, como aponta F.
H. Cardoso, “persiste uma descrença no sistema representativo. Há uma separação.
Aqueles que impõem decisões à frente do Estado sabem que há Parlamento, partidos,
mas excluem-nos das decisões fundamentais.” (1985, p.58)
Considerada umas das principais deficiências do sistema político brasileiro, a
frágil tessitura partidária não contribuiu para tornar débil a consolidação da participação
popular na vida política nacional.7 No seio da sociedade, ante a fraca interiorização
dos partidos como ponta de lança da efetivação da participação política, ao longo do
tempo formou-se uma cultura política8 de repulsão aos partidos políticos vistos como
artificiais, de acordo com Lamounier:
Há, na cultura política brasileira, um mal estar profundo em relação aos
partidos políticos; […] Essa frustração com os partidos tem uma raiz objetiva
e outra subjetiva, ou cultural: de um lado, a evidência incontornável de
uma excessiva intermitência e fragilidade nos sistemas partidários que se
sucederam em nossa história; de outro, o desencontro quase sempre amargo,
às vezes chocante, entre as expectativas que se formam e o desempenho
efetivo desses sistemas, ou das principais organizações que os integram.
(1989, p.19)
Uma possível resposta à pergunta do por que democracia certamente pode ser
encontrada nesse percurso. Falava-se que a construção de um sistema partidário sólido
traria em seu encalço a consolidação da possibilidade de participação social na atividade
6. Pesquisas realizadas por José A. Moisés no final dos anos 1980 apontam que para não mais do que 50%
das pessoas entrevistadas não existe preferência por partidos políticos. (MOISÉS, 1995.)
7. Sobre a fraqueza da sociedade civil diante da burocracia do Estado, o depoimento de F. H. Cardoso nos
dá uma dimensão um pouco mais efetiva do que ele caracteriza de “falta de força”: “Nós aqui passamos
realmente por um processo de transição política que, se deu no que deu, é por falta de força, não por
falta de vontade, não por falta de consciência nem de lucidez sobre a situação. É por falta de força da
sociedade para avançar mais. Por isso, o controle do processo de transição pode dar-se como se deu,
e continua em marcha, dentro de um âmbito muito limitado, em que de fato as decisões fundamentais
ficaram afiveladas, presas ao Palácio do Planalto ou a outros órgãos menos ostensivos mas presentes na
vida brasileira, e que controlam o processo”. (CARDOSO, 1985, p. 16)
8. Por cultura política entendemos: “o conjunto complexo constituído pela linguagem, comportamento,
valores, crenças, representações e tradições partilhados por determinado grupo humano e que lhe con-
ferem uma identidade”. (In: MOTTA, 1996)