As transformações no conceito de patrimônio do IPHAN e suas práticas de tombamento no estado do Espírito
santo
FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.3, nº2, p. 194-212, jul.-dez., 2016.
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encarregadas de sua tutela.
O Estado, assim, assume a tutela do patrimônio como bem coletivo, e aumentam
os grandes museus nacionais, que ampliam então o conceito de arte e patrimônio,
passando a contemplar as artes aplicadas, decorativas ou industriais, que contavam
com defensores destacados, como John Ruskin
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. Passa-se também a valorizar a antes
desprezada arte medieval, devido fundamentalmente ao movimento romântico, definindo
os estilos Romântico e Gótico. De fato, os edifícios desses estilos, principalmente o
Gótico, passam a integrar o patrimônio coletivo ou convertem-se em monumentos
nacionais, como é o caso da Catedral de Colônia e da Notre Dame, de Paris, entre outros.
Esse patrimônio de todos deveria ser preservado. Para isso, foi necessário
estabelecer limites físicos e conceituais, regras e leis: “foi a ideia de nação que veio
garantir o estatuto ideológico (do patrimônio), e foi o Estado Nacional que veio assegurar,
através das práticas específicas, a sua preservação” (FONSECA, 1997, p. 28). Segundo
a pesquisadora Maria Cecília Londres Fonseca (1997), essa é uma prática característica
de Estados Modernos, que, por meio de determinados agentes e intelectuais, e com
base em instrumentos jurídicos específicos, delimitam um conjunto de bens no espaço
público. Outra autora, Márcia Chuva, destaca a grande proximidade entre o projeto de
construção da Nação e o que ela chama de patrimonialização:
Essas práticas de atribuição de valor e significados a bens materiais tomaram
novas proporções no século XIX, quando a construção de um patrimônio foi
articulada à formação dos Estados nacionais. Desse modo, constituiu-se, em
diferentes países, um sentimento de pertencimento ao grupo-nação, no qual
todos se identificariam a partir de referências, ícones ou marcas aos quais
eram atribuídos valores. (CHUVA, 2011, p.37).
“O patrimônio” no Brasil surge nesse contexto. A atuação do Estado brasileiro
na proteção do patrimônio cultural registra alguns momentos distintos nessa práxis
preservacionista. Em um primeiro momento, prevaleceu o valor artístico; em outro, o
valor histórico; em outro, o valor histórico como valor de documento.
Criado em 1937, pelo Decreto-Lei nº 25, o Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (Iphan), inicialmente Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (Sphan), prestava, como definiam seus primeiros diretores, um serviço à nação
na preservação do patrimônio. As abordagens, recortes e olhares sobre o patrimônio
do Brasil foram definidos por muito tempo pelo grupo à frente do Sphan na época e
devem, portanto, ser analisadas conjuntamente, buscando não excluir outros institutos
de memória criados pelo Estado Novo com esse mesmo propósito.
Para a compreensão do processo de construção e conceituação das práticas
preservacionistas orientamo-nos pela divisão da história institucional do Iphan
realizada por Fonseca (1997), já tornada clássica, e que enfoca dois momentos-chave na
história da repartição: a fase heroica, que abrange as três décadas seguintes à criação
do Sphan, e a fase moderna, que se inicia na década de 1970. Ao destacar essas duas
fases cronológicas, Fonseca constrói sua análise institucional ao redor das gestões
3. John Ruskin (Londres, 8 de fevereiro de 1819 – 20 de janeiro de 1900) foi um escritor mais lembrado por
seu trabalho como crítico de arte e crítico social británico. Foi também poeta e desenhista. Os ensaios de
Ruskin sobre arte e arquitetura foram extremamente influentes na era Vitoriana, repercutindo até hoje.
Fonte: Wikipédia