Cotidiano e escravidão urbana na Zona da Mata de Minas Gerais: Juiz de Fora Século XIX
FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.3, nº2, p. 113-135, jul.-dez., 2016.
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Abstract: This study seeks to understand some aspects of daily life of slaves and
urban slavery in Brazil during the nineteenth century. To achieve this goal will address
the crime of theft that occurred at the home of Baron Bertioga in 1867 in the city
of Juiz de Fora, located in the Zona da Mata of Minas Gerais. From the study of this
documentation will be possible to understand the articulation of some social networks
developed among slaves, freedmen and free. In addition to this aspect of the criminal
theft case analysis will detect the aspects of daily life in slavery and acts of rebellion
and resistance promoted by slaves during the nineteenth century.
Keywords: slavery, Minas Gerais, nineteenth century.
Considerações iniciais
Os estudos sobre a escravidão no Brasil vêm apresentando temas diversos
como a formação da família escrava, as relações entre senhores e cativos, mestiçagens,
os processos de alforria, as várias formas de resistência escrava, dentre outros
assuntos que enriquecem a compreensão das diversas sociedades escravistas que se
configuraram no Brasil e na América. Essas novas pesquisas utilizam uma série de
documentos, como processos criminais, jornais, registro de batismo, casamento, óbito
e alforria, inventários, testamentos, censos, dentre outras fontes que fornecem uma
série de dados quantitativos e qualitativos, auxiliando na compreensão de que o escravo
era ativo dentro da sociedade na qual viveu.
Esta “Nova História” da escravidão vem se desenvolvendo desde finais da década
de 1970 e demonstra que o sistema escravista foi fundamentado nas negociações entre
os escravos e seus senhores. Nesse sentido, essa concepção se afastou da ideia de uma
escravidão estática baseada na relação rígida entre senhores e escravos, ficando o cativo
apático nessa sociedade
2
. Dentro desta perspectiva, os senhores eram a parte mais
forte do sistema, o que está claro. Porém, esta concepção não levava em consideração
as possibilidades que os escravos tiveram de criar espaços de sociabilidade, resistência
e mobilidade dentro dessa organização, sendo agentes históricos.
De acordo com Maria Helena Machado, esta “Nova História” demonstra que
o sistema escravista foi fundamentado nas negociações entre os escravos e seus
senhores (MACHADO, 1988). Além deste aspecto, de acordo com Machado, a partir
desta perspectiva foi possível detectar que os cativos tiveram uma autonomia dentro
da sociedade na qual viviam, ao conseguirem “permissões” que possibilitavam a esses
indivíduos acumular pecúlio, a “morar sobre si”, desenvolver redes de amizade, compadrio
e parentesco com indivíduos de diversos grupos sociais, inclusive outros escravos,
promover atos de resistência, crimes, dentre outros aspectos que contribuíram para a
autonomia do cativo dentro do sistema escravista (MACHADO, 1988).
Tal como exposto anteriormente, durante um longo período o escravo foi
analisado como um agente apático dentro da sociedade em que vivia e a escravidão era
2. Sobre essa virada na historiografia brasileira, baseada na dinâmica das relações existentes entre do-
minantes e dominados, bem como a respeito de alguns trabalhos pioneiros com esse enfoque, conferir:
MACHADO, Maria Helena Pereira Toledo. Em torno da autonomia escrava: uma nova direção para a
história social da escravidão. Revista Brasileira de História, 8:16, mar./ago. 1988, p.143-160. LARA, Silvia
Hunold. Blowin’ In The Wind: Thompson e A Experiência Negra No Brasil. Projeto História, São Paulo, v.
12, p. 43-56, 1995. GOMES, Ângela de Castro. Questão social e historiografia no Brasil do pós-1980: notas
para um debate (Ensaios bibliográficos). Revista Estudos Históricos, 34:2, 2004.