FARIA, Guilherme José Motta
FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.3, nº2, p. 75-97, jul.-dez., 2016.
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muito brilhantismo/Pelo nosso samba trabalhou/Confederação Brasileira/
Lutou pelo mesmo ideal/Para que o samba se tornasse/O orgulho nacional.
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Na primeira parte, ressaltava-se o cotidiano de violência a que o escravo
estava submetido, vencido, entretanto, pelo ritmo do samba, gestado na agonia e dor
do pelourinho/tronco. A segunda parte procurava exaltar os meios de difusão que
o ritmo samba conseguiu se relacionar em seu processo de expansão. O elogio aos
jornalistas, radialistas e funcionários do então Departamento de Turismo parecia ser
uma estratégia de negociação para a aceitação e legitimidade das agremiações. Essas
ações de aproximação poderiam ser interpretadas pelas organizações mais radicais
dos movimentos negros como uma ação subserviente, portanto descoladas do intuito
central das organizações surgidas nos anos 1940-50.
Segundo Antônio Sergio Guimarães, em seu artigo sobre o pensamento de Abdias
do Nascimento, até os anos 1950, as representações estavam bem alinhadas com a ideia
do lamento (escravidão) e da democracia racial (integração étnica), muito embora uma
variada gama de representações estava se estabelecendo, a partir de um constante
debate e da circulação de ideias de pensadores, como Arthur Ramos, Roger Bastide,
Florestan Fernandes, Edison Carneiro e do sociólogo Guerreiro Ramos, citados em seu
artigo (GUIMARÃES, 2005-2006, p. 158-160).
A busca pela ancestralidade africana, religiosidade e visualidade das vestimentas,
simbolizando as crenças e o olhar sobre o mundo, estava na ordem das discussões,
ganhando espaço entre os intelectuais que debatiam ou militavam nos diversos
segmentos dos movimentos negros no Brasil. Esse processo teve como base os anos
1950, quando a questão da negritude passou a ser incorporada na ideia de democracia
racial, que parecia ser o pilar mestre da concepção da presença negra no país.
Os sambas, apresentados até aqui, estavam, sem dúvida, dialogando com as
discussões encetadas pelos intelectuais engajados na militância e na pesquisa sobre os
negros brasileiros. A forma encontrada pelas agremiações não parece diferir tanto das
resoluções estéticas e ideológicas dos textos do jornal Quilombo ou das encenações
realizadas pelo TEN (NASCIMENTO, 2004, p. 43).
O samba da Mangueira de 1964, Histórias de um preto velho, já citado
anteriormente, não parecia estar muito distante das ideias dos movimentos negros.
O samba denunciava a falsa inserção social e não mascarava a questão do racismo
existente, mas, a partir de uma construção figurativa positivada dos negros, indicava a
possibilidade de integração, sem conflitos ou confrontos diretos. Por outro lado, a base
da democracia racial foi sofrendo, na virada dos anos 1950/60, uma inflexão, carregada
de tensões, em que os intelectuais, como Abdias do Nascimento, Guerreiro Ramos, Roger
Bastide e Solano Trindade, entre outros, procuravam articular a integração, sem perder
o contato com o legado cultural africano, nem perder a relação com os acontecimentos
políticos no continente americano e na África contemporânea.
A ideia da democracia racial foi utilizada por diversos grupos, como uma
bandeira de luta, ora amortecendo sentidos, ora aguçando novas ações. A ideia central
era que a sociedade brasileira formava uma democracia racial. O papel desempenhado
pela Princesa Isabel no processo abolicionista foi um dos exemplos desse embate de
visões. Nos sambas apresentados pelas Escolas, apresentados até aqui, em sua maioria
39. <www.academiadosamba.com.br/memoriasamba/artigos>. Acesso em: 11/01/2012.