Marfins africanos em trânsito: apontamentos sobre o comércio numa perspectiva atlântica (Angola, Benguela,
Lisboa e Brasil, Séculos XVIII-XIX)
FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.3, nº2, p. 8-21, jul.-dez., 2016.
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Outro ponto, também descrito pelo religioso, são os usos que os nativos faziam
de outras partes dos corpos dos elefantes. Segundo ele, a cauda do animal era muito
apreciada naquela região, tanto que duas caudas possuíam o valor de um escravizado.
As cerdas grossas dessas caudas, chamadas de nduro, serviam como adornos para
pescoço, braços, pernas e peitos: “Servem em algumas províncias, de raro enfeite,
cingindo a fronte das concubinas dos nobres” (CAVAZZI, 1965, p. 59).
O marfim é composto por material orgânico e inorgânico, de aparência branca,
muito resistente, utilizado na confecção de diversos objetos de uso pessoal, religioso,
doméstico e decorativo. A palavra marfim foi tradicionalmente aplicada para designar
apenas as presas de elefantes. No entanto, especialistas no reconhecimento desse
material afirmam que a estrutura química dos dentes e presas de mamíferos é a mesma,
independentemente da espécie de origem e que, portanto, o termo marfim pode ser
corretamente utilizado para descrever qualquer dente de mamífero ou presa que desperte
interesse comercial, pelo seu tamanho e possibilidade de ser esculpida (ESPINOZA e
MANN, 1999, p.4). Assim, o marfim pode ser obtido a partir da extração das presas dos
elefantes, dos hipopótamos, das morsas, do narval
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, do javali africano, do cachalote
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, dos
extintos mamutes e dos mastodontes siberianos (nessas duas últimas espécies, o marfim
é utilizado em sua forma fossilizada). Existe ainda o chamado marfim vegetal proveniente
da jarina. Jarina é o nome da semente da palmeira homônima, a Phytelephas, encontrada
no sudoeste e oeste da região amazônica, estendendo-se além das fronteiras brasileiras.
Essa semente, em especial a sua amêndoa, que há muito tempo chama atenção por suas
propriedades físicas similares às do marfim, é conhecida há mais de um século como
marfim vegetal, sendo, hoje, considerada como substituta à altura do marfim animal.
Nos elefantes, as presas de marfim são o par de dentes incisivos superiores.
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Existem, atualmente, três espécies de elefantes conhecidas no mundo: o elefante asiático,
o elefante africano das savanas e o elefante africano das florestas. Embora pareçam
semelhantes à primeira vista, sabe-se que os elefantes africanos são diferentes dos asiáticos
- por uma série de fatores e características físicas. Nos elefantes asiáticos, os machos
possuem as famosas presas de marfim, já nas fêmeas elas são vestigiais ou inexistentes.
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Notícias sobre a circulação de elefantes pela Europa, enquanto representantes
de uma fauna exótica e distante não são raras. Entre 1510 e 1514, Afonso de Albuquerque
– vice-rei da Índia Portuguesa – teria despachado quatro elefantes de Cochim para
3. O Narval (Monodon monóceros) é um mamífero cetáceo (parente das baleias), que vive nas águas
frias do Ártico. Essa espécie possuiu um dente incisivo de marfim, em forma espiral, que pode medir
até 3 metros. Esse dente lhes serve como instrumento de luta durante os combates rituais que realizam
os machos para estabelecer a ordem hierárquica pela posse das fêmeas, do mesmo modo como os cer-
vos utilizam os seus cornos. Informações disponíveis em: http://planetasustentavel.abril.com.br/plane-
tinha /fique-ligado/baleia-unicornio-narval-artico-daniel-botelho-745668.shtml e http://www.brasil247.
com/ pt/247/revista_oasis/68601/Narval---A-espetacular-migra%C3%A7%C3%A3o-do-unic%C3%B3r-
nio-do-%C3%81rtico.htm. Acesso em 26/01/2016.
4. Os cachalotes (Physetermacrocephalus) são mamíferos cetáceos com dentes, facilmente reconhecido
pela sua enorme cabeça quadrada e maxilar inferior estreito. Informações disponíveis em: http://escola.
britannica.com.br/article/574445/cachalote. Acesso em 01/02/2016, às 23h: 45min.
5. Informação disponível em: COSTA, Marcondes L. da; RODRIGUES, Suyanne F. S.; HOHN, Helmut. Jarina:
o marfim das biojoias da Amazônia. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rem/v59n4/v59n4a059.
pdf>. Acesso em 08/08/2015.
6. Informação disponível em: http://www.zoologico.sp.gov.br/mamiferos/elefanteafricano.htm. Acesso
em 01/11/2015.