Os 50 anos do golpe militar e o processo de modernização conservadora que fundamentou a sociedade brasi-
leira atual
FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.3, nº1, p. 205-210, jan.-jun., 2016.
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Chagas, A ditadura militar e os golpes dentro do golpe: 1964-1969
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e a coletânea de
artigos Ditadura: o que resta da transição, organizada pelo sociólogo Milton Pinheiro
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.
Ambas as obras tem um caráter transdisciplinar e contribuem muito para alimentar o
debate histórico acerca do período. Na obra aqui resenhada, A ditadura que mudou
o Brasil: 50 anos do golpe de 1964, são apresentadas novas análises, que partem de
fontes e metodologias diversas, tais como o uso da história oral como ferramenta
para resgatar a memória de um período, a análise de periódicos de época e, ainda,
de documentos oficiais publicados por órgãos como o IBGE. Sendo assim, os artigos
reunidos dão um novo frescor a temas já explorados pela historiografia, tanto por sua
variedade documental quanto metodológica.
Tendo como fio condutor central, que perpassa a maior parte dos capítulos
apresentados, a discussão sobre o processo de modernização autoritária e conservadora
que foi empreendida durante o período militar. Podemos observar que em todos os
aspectos da sociedade brasileira analisados na obra, sejam estes, econômicos, sociais,
políticos ou culturais, mudanças foram empreendidas, para que em outros aspectos
tudo continuasse exatamente do mesmo jeito. Os artigos vão apresentando cada um a
sua maneira a temática “transformar para conservar”; modernizar sim, alterar a ordem
social jamais. E as bases metodológicas utilizadas são bastante amplas e abrangem, entre
outras, aquelas que se utilizam dos preceitos difundidos pela Nova Historia Cultural e
pela Nova Historia Política.
O primeiro artigo, escrito por Daniel Aarão Reis e intitulado A ditadura faz
cinqüenta anos: história e cultura política nacional-estatista, funciona como uma
espécie de introdução à obra, pois observa permanências e rupturas na sociedade
brasileira nos últimos 50 anos e faz uma análise bibliográfica e de fontes primárias,
tais como discursos proferidos por várias figuras públicas, em momentos específicos,
antes, durante e após o regime militar.
O autor também discute a própria delimitação temporal do período ditatorial,
que tem oficialmente como marco inicial o ano de 1964, e como fim o ano de 1985 com a
eleição indireta para presidente. O marco inicial do período não é questionado por Reis,
que considera o fim do regime algo mais fluido, levando em consideração a importância
do ano de 1979, marcado pela revogação dos Atos Institucionais, e o ano de 1988,
marcado pela promulgação da nova Constituição. Essa fluidez cronológica seria para ele
algo bem característico do que foi o regime militar e a própria transição democrática. O
autor questiona até que ponto a cultura política característica do período não teria sido
construída antes da ditadura, e perdurado depois dela, embora sofrendo metamorfoses.
Nesse aspecto, o artigo tem um caráter bastante introdutório aos demais capítulos,
pois cada um deles, partindo da temática escolhida, aborda aspectos contraditórios do
período analisado.
O segundo capítulo, intitulado As oposições à ditadura: resistência e integração,
de Marcelo Ridenti, traz uma extensa análise bibliográfica de historiadores e de
autores do pensamento político e sociológico, e aborda o modo relacional com que as
oposições à ditadura devem ser compreendidas, envolvendo zonas intermediarias entre
a colaboração e a resistência, pois o próprio regime ditatorial instaurado se encontrava
3. CHAGAS, Carlos. A ditadura militar e os golpes dentro do golpe: 1964-1969. Rio de Janeiro: Record,
2014.
4. PINHEIRO, Milton (org.). Ditadura: o que resta da transição. São Paulo: Boitempo, 2014.