PIRES, João Davi Avelar
FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.3, nº1, p. 128-142, jan.-jun., 2016.
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involuntários da alma, aos sonhos, por exemplo; a interrogação da morte;
os harmônicos do desejo e da repressão; a imposição social, geradora de
encenações de evasão ou recusa, tanto pela narrativa utópica ouvida ou pela
imagem, quanto pelo jogo, pelas artes da festa e do espetáculo... (PLATAGEAN,
1990, p. 291).
Concordando com a definição de Platagean (1990) em relação ao imaginário,
pode-se dizer que o esforço para que se estabelecesse e se justificasse a hierarquia
de gênero não foi uma investida apenas da Igreja, mas também de alguns setores mais
conservadores da sociedade que deram apoio à Igreja, como a aristocracia. Entretanto,
não bastava apenas que a delimitação dos papéis e espaços fosse instituída, mas também
que a mulher ocupasse papel inferior ao homem e que a ele estivesse subordinada.
A disseminação dessas interpretações sobre a hierarquia de gênero foi tão
grande que, segundo Ribeiro (2000), ocorreu um processo de interiozação, por parte
das próprias mulheres, dos comportamentos e práticas sociais que se esperam delas.
Nesse sentido, os textos, discursos e sermões, produzidos em grande medida por
clérigos e homens religiosos, ou pelo menos influenciados por eles, situavam a mulher
em funções e espaços distintos, alternando sua imagem entre a pecadora, descendente
de Eva, e a santa, numa clara analogia à Virgem Maria, que servirá como modelo de
conduta às mulheres que almejam abandonar os resquícios da Eva primitiva.
Entre esses dois polos - Eva e Maria – está situada a figura de Maria Madalena,
a qual representa o arrependimento, exemplo que as pecadoras, descendentes de Eva,
devem seguir para tentar alcançar a santidade de Maria e a salvação. Em outras palavras,
a visão que se tinha das mulheres não era única e não representava a totalidade do
gênero feminino.
Por vezes, as mulheres foram vistas como Eva, quando não conseguiam se libertar
de sua carnalidade e servir de corpo e alma a Deus e à Igreja e, quando o faziam, eram
vistas como pecadoras arrependidas, que recusaram as paixões da carne e, por isso,
tornavam-se semelhantes à Maria Madalena, numa busca constante pela santificação e
ao ápice da santidade feminina, representado pela figura de Maria.
Dessa forma, as visões sobre o feminino não atuavam em uníssono, pelo
contrário, foram criadas categorias móveis, às quais, na perspectiva clerical, as
mulheres se identificavam a partir de seu comportamento. Tais categorias móveis -
Eva, Maria Madalena e Maria - frequentemente se entrelaçavam atribuindo às mulheres
características inerentes a cada uma dessas representações, como frágeis ou fortes,
vítimas ou culpadas, santas ou pecadoras (SILVA; MEDEIROS, 2013).
Simultaneamente, foi sendo construído o estereótipo
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do masculino, numa clara
oposição à todo o sexo feminino e suas características depreciativas. Ao homem, foram
atribuídas características que o valorizavam, como a retidão, a honra, a espiritualidade,
entre outras. À mulher, pelo contrário, atribuiu-se características que a colocavam em
posição oposta á do homem, através de elementos que a desvalorizava e a inferiorizava,
como, por exemplo, a desonra, a mentira, a confusão, a sedução, a tendência ao pecado,
entre outros. Por essas e outras justificativas, o homem era responsável por atuar no
espaço público, enquanto a mulher era responsável pelo ambiente privado, onde se
2. Optamos pela utilização do termo estereótipo para nos referir às construções feitas em relação ao
feminino e ao masculino, em detrimento de outros conceitos que possam parecer similares.