KOSTECZKA, Luiz Alexandre Pinheiro
FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.3, nº1, p. 81-105, jan.-jun., 2016.
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A cor negra só ganha significado quando posta em relação à cor branca: “é a
‘diferença’ entre o branco e o negro que significa, a qual carrega significado” (HALL,
2003, p. 234). Não existe a essência do civilizado sem o reconhecimento do selvagem,
porque, no filme, a dimensão da brutalidade dos atos dos citadinos só obtém sentido em
contraste com a construção visual dos índios empreendida pela diretora.
Essa construção binária torna-se mais visível com a sequência de entrevistas de
Thomas Pashley, branco, tratado nas legendas do quadro como um homem de negócios.
Ele aparece em duas sequências no decorrer do filme, sempre no mesmo espaço de
cena, uma marina com um lago ao fundo do campo da imagem.
A primeira participação ocorre aproximadamente aos 27 minutos e 47 segundos
do documentário e se dá num plano-médio de 7 segundos. A fala inicial versa a respeito da
sua participação no apedrejamento da Whiskey Trench e argumenta sobre a trivialidade
de seu protagonismo, afirmando que se limitou a observar o acontecimento.
Aos 51 minutos e 10 segundos do filme, o voz off de Alanis Obomsawin narra as
medidas jurídicas tomadas contra alguns dos protestantes e, logo em seguida, indaga a
Pashley se ele havia atirado pedras no comboio.
Em um plano mais próximo que a entrevista anterior, o homem, incisivamente,
sem mudar a expressão de seu rosto, responde que não e que foi apenas sentenciado
por distúrbio da paz. Novamente, ainda não aparecendo no campo visual, Obomsawin
formula uma nova pergunta acerca do que significaria essa sentença.
Esse plano dura 31 segundos e começa a pontuar a intensidade da participação da
realizadora no interior do documentário. O homem, aparentando uma idade relativamente
avançada, começa a se construir como um dos referenciais representativos do agressor.
Desvela-se a produção da diferença para com pessoas que se assumem opostas aos
aborígines e ao menos duas identidades contrapostas formalizam-se no interior do
filme: a do nativo, em certo sentido vitimado, não tão somente pelo evento, mas por
uma prática histórica de cerceamento de direitos, e o seu oposto, o suposto civilizado,
perpetrador de uma violência selvagem.
Randolph Lewis, a partir da observação de cenas como essa, define os filmes
de Obomsawin como claros exemplos de uma produção que procura promover uma
mediação entre os nativos e os outros canadenses. Ele a define como middle ground
e, essencialmente, uma cultural broker. Nesses conceitos, o pesquisador exprime os
anseios de Obomsawin em também dar voz ao outro, nesse caso, Pashley, e promover
entendimento entre ambos os lados:
A tentativa de Obomsawin em conectar as pessoas ultrapassando as linhas
da diferença não apenas intelectual, histórica, ou lógica em seu apelo, e
seus filmes são mais do que recitações áridas, nas quais, os ‘fatos’ visuais
são empacotados como evidências no júri da opinião pública.Ela parece
estar muito atenta que formas mais viscerais de persuasão devem ocorrer
no middle groundintercultural, onde o sentimento é tão importante quanto
os subsídios. Por essa razão, ela é igualmente interessada na persuasão
emocional, na formação de sentimentos de uma audiência sobre histórias
e identidades indígenas, apesar de fazê-lo sem uma manipulação grosseira.
Quando o documentário alcança o coração de sua audiência sem descer à
demagogia, é dito que possui a intangível qualidade da paixão, algo que