Juventudes, Socialização e temporalidades: víncu-
los midiatizados
Youth, socialization and temporalities: mediatized
links
SOUZA, Cirlene Cristina
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MAÇANEIRO, Marcial
2
Resumo: As tecnologias digitais contemporâneas afetam não só o campo informativo,
mas a percepção que os sujeitos têm de si e dos outros, as trocas interpessoais e as
inserções no tempo e no espaço. Mais do que nunca, a linguagem tecnológica nos
estimula psicológica e sensorialmente com ritmo mais constante e instantâneo, abre-nos
novos campos de socialização e incide na nossa percepção de tempo. Neste contexto,
o modo juvenil de viver o presente – que se estende e se intensifica entre continuidade
1. Professora doutora - Departamento de Técnicas e Métodos Escolares - Faculdade de Educação, UFMG
Universidade Federal de Minas Gerais. Av. Pres. Antônio Carlos, 6627 - Pampulha, CEP31270-901, Belo
Horizonte, MG, Brasil. A pesquisa que resultou neste artigo contou com financiamento da CAPES.
2. Professor doutor - Escola de Educação e Humanidades - Programa de Pós-Graduação em Teologia,
PUC PR – Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Rua Imaculada Conceição, 1155 - Prado Velho, CEP
80215-901 Curitiba, PR, Brasil.
Recebido em: 28/02/2016
Aprovado em: 27/04/2016
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FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.3, nº1, p. 43-59, jan.-jun., 2016.
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e descontinuidade – se torna também um modo de encarar o futuro com seu inevitável
devir no hoje das diferentes temporalidades, seja interior-afetiva, seja exterior-instituída.
Por meio de ensaios biográficos e identitários, os jovens enfrentam os riscos e encaram
o futuro. Este artigo apresenta alguns tópicos dessa relação entre midiatização juvenil,
socialização e temporalidades. O artigo foi divido em dois eixos, a saber: Midiatização
da cultura contemporânea e Juventudes, socialização e temporalidades.
Palavras-chave: Midiatização; Juventudes; Socialização; Temporalidades.
Abstract: Contemporary digital technologies affect not only the informational field, but
also the perception that individuals have of themselves and of others, interpersonal
exchanges and insertions in time and space. More than ever, technological language
stimulates young people in a psychological and sensorial way, with constant and
instantaneous rhythm, opening new socialization fields and imposing upon their
perception of time. In this context, the way the youth lives thepresent – more extended
and intensified, between continuity and discontinuity – also becomes a way to face the
future, with its inevitable becoming experienced in different temporalities, as much
at an internal-affective level as an external-establishedone. Through biographical and
self-identifying narratives, young people face the risks and the future. This article
presents some topics of the relationship between youth mediatization, socialization and
temporality. The article is divided into two axes, namely: Mediatization of contemporary
culture, and Youth, socialization and temporalities.
Keywords: Mediatization; Youth.Socialization; Temporalities.
Midiatização da cultura contemporânea
Para Braga (2007), a midiatização da cultura contemporânea implicaria em
novas formas de organização, visibilidade e presença no mundo dos indivíduos
e das instituições sociais, com novos modos de negociação e/ou estratégias
entre essas instituições e seus indivíduos. A midiatização inauguraria, portanto,
na contemporaneidade, uma nova ambiência, um novo padrão de condutas e
comportamentos diferenciados entre os sujeitos contemporâneos, com alterações
perceptivas e organizadoras da realidade social e novas formas de interação. O fato
novo desse contexto “midiatizado” é que a mídia - além de funcionar como conjunto
de meios instrumentais com suas mensagens - passa cada vez mais à condição de
produtora de sentidos sociais, como observa Sodré,
[...] de fato, muda a natureza do espaço público, tradicionalmente animado pela
política e pela imprensa escrita. Agora, formas tradicionais de representação
da realidade e novíssimas (o virtual, o espaço simulativo ou a escrita) interagem,
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expandindo a dimensão tecnocultural, onde se constituem e se movimentam
novos sujeitos sociais (SODRÉ, 2006, p. 19).
A midiatização seria deste modo, um processo social que altera o modo de
conceber a comunicação humana e suas questões, as quais passam a ser combinadas
no contexto cultural de tecno-interação.
Para alguns estudiosos da midiatização, essas mudanças são tão profundas
que nessa nova ambiência se instalaria uma ecologia comunicacional distinta – o bios
virtual: “Entendo que, mais do que uma tecnologia, está surgindo um novo modo de ser
no mundo, representado pela midiatização da sociedade” (GOMES, 2008, p. 19-20).
Esse processo implicaria em um modelo e em uma atividade de operação de
inteligibilidade social, superando a mera funcionalidade das mídias e trazendo a
midiatização à esfera das identidades, sentidos e vínculos sociais.
Hoje as mídias, sobretudo digitais, constituem uma ambiência povoada de
conexões, pelas quais os jovens se dizem, se referenciam, se dispõe às provas sociais,
se identificam, enfim, se constroem no cotidiano; de tal modo, que alguns autores
consideram a midiatização uma importante chave hermenêutica para a compreensão e
interpretação da realidade hodierna.
Tendo presente as emissões mercadológicas e os interesses dos grandes
conglomerados de comunicação, de um lado, bem como os novos instrumentos de
interpretação e reação disponibilizados pela tecnologia recente, emerge uma leitura
crítica da midiatização: admite-se o caráter político-econômico dos processos
midiáticos (SILVERSTONE, 2002), nota-se o “embate de forças” entre “afetar e ser
afetado” pela variedade de mensagens e interações (FRANÇA, 2006, p. 86), num
contexto relacional em que os sujeitos se envolvem na circulação de bens culturais e
de consumo (PERALVA, 1997).
Advertimos, porém, que se trata de uma ambiência, de um processo ainda em
curso e heterogêneo nas formas e nas possibilidades de acesso, sobretudo no caso de
sociedades em vias de desenvolvimento, como a brasileira.
Historicamente, pode-se dizer que a inscrição dessa nova realidade midiática
e seus impactos nas formas de comunicação e, por conseguinte, da constituição de
nossas experiências cotidianas, advêm desde a invenção da escrita, numa dinâmica de
ampliação, até a abrangência técnica hoje alcançada (imprensa, audiovisuais, internet
e dispositivos digitais). Em tal situação, a experiência humana ganha novos rumos, com
novas possibilidades de interações e mesmo de constituição quanto aos indivíduos e
sociedades, afetando seus modos de ser, agir e conviver.
Outro elemento a ser considerado neste artigo, é o fato de os estudos da
midiatização não focarem apenas os produtos midiáticos ou as tecnologias que permitem
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a sua produção (ou seja, os meios), mas especialmente os processos sociais que estão
à base dessas interações, com seus sujeitos, sentidos e formatos. Como se nota, esses
processos significam muito mais que a objetiva inovação tecnológica das mídias, pois
atingem os sujeitos, com suas identidades, conhecimentos e sociabilidades; ampliam as
formas de contato e expressão; alteram a percepção de tempo e espaço e incrementam
o circuito de informações locais e globais.
O estabelecimento, acesso e uso habitual dessas conexões têm configurado
formas midiatizadas de relação, marcadas por novos padrões quanto à linguagem,
seleção de informações, temporalidade e expressões da subjetividade, sobretudo
entre as novas gerações. Esses padrões de interação não se confinam às variantes
tecnológicas, mas se estabelecem pelo sentido, hábito e intensidade das próprias
relações – agora midiatizadas. Em suma, a midiatização atravessa os sujeitos e suas
realidades, passando a tomar parte de suas interações cotidianas e interferindo,
de modo cada vez mais marcante, em seus processos de socialização e em suas
experiências temporais.
Daí a definição decorrente de Gutiérrez (2006), para quem a midiatização é um
processo relacional, resultante do encontro de variados fatores, originando um novo
ambiente existencial caracterizado por novas formas de cultura, atuação e percepção
da realidade. Trata-se de um processo dialético, que move a vida social e ao mesmo
tempo é movido por ela.
Sua singularidade está pautada na ideia de que a interação humana passa de
alguma forma pelos “filtros” dos dispositivos midiáticos, manifestando maior ou menor
força e ritmo, conforme aos seus quadros de sentidos e à situação comunicativa a que
está associada e é constantemente interpelada. Castells (2008) chama nossa atenção
para o fato de que a presença das tecnologias na organização social atual não absorve
toda a complexidade das ações humanas na determinação da vida social.
As tecnologias de informação não orientam, por si só, as relações entre pessoas,
os escopos das instituições e os rumos histórico-culturais da sociedade. Há sempre
uma potência decisiva reservada às ações humanas. A partir desta compreensão,
Castells coloca as tecnologias como fator influente e participador, mas não como causa
da mudança multidimensional da sociedade. Destaca ainda que as técnicas não têm o
poder de determinar o curso da história humana (já que o mesmo curso é considerado
múltiplo).
Lévy (1999), por sua vez, acrescenta que a significação e o papel de uma
configuração técnica não podem ser separadas de um projeto social mais amplo,
que dinamiza essa configuração através das diferentes agendas de poder, ideologia,
mercado, nacionalismos e até mesmo religião.
É importante também compreender o estágio atual das técnicas como resultado de
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uma série de disputas entre os diversos atores sociais, de projetos rivais constantemente
em choque, de novas descobertas imprevistas que podem alterar radicalmente o uso e,
portanto, o sentido e o destino de um dado objeto “técnico”.
As tecnologias (neste caso, de comunicação) não são neutras, nem simplesmente
boas ou más. Elas estão associadas a um meio social mais amplo, em parte determinando
este contexto, mas também sendo determinadas por ele. Dentro desse contexto mais
amplo da midiatização, é colocada em debate a afetação da midiatização no processo da
socialização e das experiências de temporalidade dos jovens contemporâneos.
Juventudes, Socialização e Temporalidades
Para os debates sobre socialização, assume-se aqui a linha de análise de
Abrantes (2011) e Setton (2005), cuja reflexão assimila os conceitos clássicos, inclui as
transformações sociais recentes e oferece elementos de compreensão da experiência
social das novas gerações. E, com o intento, de compreender os jovens em midiatização
pela percepção das “temporalidades” por eles vivenciadas, são conjugados autores que
têm lido as vivências histórico-culturais do tempo, focando nas percepções de passado
e futuro inscritas no presente dos sujeitos.
Com Koselleck (2006), são observadas as dimensões de passado, presente e
futuro na percepção contemporânea do tempo. Atenta-se, sobretudo, para a intensidade
das vivências juvenis no presente e as projeções (certas e incertas) de seus horizontes
de expectativa; ao passo que com Leccardi (2005) e Melucci (2004), são discutidas
diferentes temporalidades dos jovens contemporâneos em midiatização.
Sentindo-se num hoje que ora se amplia, ora se comprime com as inúmeras
possibilidades que ali acorrem (LECCARDI, 2005), os jovens contemporâneos
se comportam como nômades do presente, migrando entre escolhas e sentidos
(MELUCCI, 2004). De fato, as novas gerações se mostram fortemente imersas na trama
das interações midiáticas, acessando tecnologias e costurando “redes” de contato
e/ou relacionamentos, em compasso com o acelerado avanço dos novos meios de
comunicação social
3
.
3. Este artigo foi motivado pela tese de doutorado, intitulada: Juventude(s), mídia e escola: ser jovem e
ser aluno face à midiatização das sociedades contemporâneas. Nesta se investigou quais os aspectos do
processo da cultura midiatizada contemporânea que marcam, de forma singular, a vida de jovens estu-
dantes do ensino médio. A autora realizou uma extensa pesquisa de campo em escolas do ensino médio
da região metropolitana de Belo Horizonte. A análise revelou que as tecnologias digitais, que se mesclam
à vida cotidiana dos jovens, encontram-se imbricadas de modo extenso e intenso em suas interações de
jovens-alunos no espaço da escola e das ambiências midiáticas por eles frequentadas. Inspirados por
esse trabalho, os autores do presente artigo apresentaram no I Simpósio Aproximações com o Mundo
Juvenil (FAJE 2016) um recorte que se concentrou na apresentação teórico-reflexiva sobre: como aqueles
jovens midiatizados pensavam e viviam a relação entre a percepção subjetiva e social do tempo cotidiano
e os campos de possibilidade em face do futuro, nas diversas temporalidades do ser jovem.Desta comu-
nicação decorre o presente artigo, aqui desenvolvido com explanação conceitual e argumentação mais
acurada.
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A condição juvenil midiatizada
4
Os estudiosos brasileiros das questões que atravessam a condição juvenil
contemporânea têm se voltado para o debate da pluralidade de traços que compõem a
realidade da nossa juventude. No curso de tais debates há múltiplos olhares e sentidos
sobre o “ser jovem”. Diante dessa multiplicidade, como destaca Sposito (2000), sempre
há necessidade de se eleger uma definição de juventude, ainda que provisória.
Na opinião desta autora, a faixa etária de referência tem um valor especificamente
metodológico para se iniciar uma pesquisa focada nos jovens, pois neste horizonte,
mesmo sendo insuficiente, a categoria etária se faz necessária para ativar algumas
delimitaçõesbásicas na demarcação da condição juvenil, desde que se evite a
homogeneização de todos os sujeitos situados na mesma faixa etária
5
.
Porém, pertencer a uma faixa etária – e à juventude, particularmente – representa,
para cada indivíduo, uma condição provisória e transitória, vivida em processo
dinâmico. Isto significa que os indivíduos não “pertencem” a grupos etários: eles os
atravessam (LEVI; SCHMITT, 1996). Este processo se faz de maneira diferenciada em
cada sociedade, determinado, por um lado, pelas atitudes sociais (a atitude dos “outros”
no seu confronto) e, por outro, pela visão que os jovens têm de si mesmos. Levi e
Schmitt (1996) observam que este processo de atravessamento não se caracteriza de
modo estável ou universal, distinguindo-se do que poderia ser uma simples passagem
etária. Na verdade, há conflitos na transição de uma idade para outra e na transmissão
do conjunto de prescrições e valores entre as gerações, com diferentes impactos
psicológicos e culturais. Deste modo, pensar o “ser jovem” implica em reconhecer
a condição dos sujeitos aí imbricados, as questões intrínsecas dos seus âmbitos de
relações e os conflitos aí gestados.
Segundo o historiador Philippe Ariès (1983), o desenvolvimento da sociedade
moderna ocidental foi processando a juventude como categoria social. Enquanto, na
Idade Média, o mundo infantil não detinha autonomias sociais – mas era totalmente
referido ao mundo adulto – a partir do século 17 as transformações da instituição
familiar e educacional colocaram em conflito este modelo social, mudando
4. “Do latim, conditio refere-se à maneira de ser, à situação de alguém perante a vida, perante a socieda-
de. Mas, também, se refere às circunstâncias necessárias para que se verifique essa maneira ou tal situa-
ção. Assim existe uma dupla dimensão presente quando falamos em condição juvenil. Refere-se ao modo
como uma sociedade constitui e atribui significado a esse momento do ciclo da vida, no contexto de uma
dimensão histórico-geracional, mas também à sua situação, ou seja, o modo como tal condição é vivida a
partir dos diversos recortes referidos às diferenças sociais – classe, gênero, etnia etc.” (DAYRELL, 2007,
p. 1109).
5. A referência etária utilizada em análises demográficas e definição das políticas públicas variam de país
para país e de instituição para instituição. No Brasil, há uma tendência – baseada em critérios estabeleci-
dos por instituições oficiais, como o IBGE – de localizar a juventude entre os 15 e 29 anos.
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visivelmente as formas de sociabilidade nas relações entre crianças e adultos. Neste
panorama, a família passa a ser o espaço de referências morais, de outra percepção
da afetividade e de novos modos de olhar e tratar a infância;e a escola, por sua vez,
se torna o lugar da aprendizagem formal, com a transmissão de conhecimentos
e valores instituídos, resultando numa certa visibilidade para os adolescentes. É
somente no século 19 que a adolescência aparece como uma etapa socialmente
distinta, merecendo abordagens
6
.
A partir daí, a especificidade do sujeito jovem vai sendo lentamente processada,
em níveis progressivos de constatação e reconhecimento social. Dessa forma, estudar a
juventude em seus elementos mais comuns e caracterizadores não será suficiente para
conhecê-la. Importa, sobretudo, considerar a sua diversidade, incluindo as imprecisões
que o “ser jovem” comporta, em função de suas peculiaridades. Incluem-se, nesta ótica,
os fatores socioculturais de construção da identidade, a acolhida das subjetividades
e as linguagens pelas quais os próprios jovens se expressam. Portanto, o período
denominado juventude não se caracteriza apenas por ser uma fase da vida; mas, ao
contrário é um momento singular e complexo da realidade vivenciada por sujeitos na
sociedade.
A juventude é, então, objetivamente heterogênea, porque existem juventudes
socialmente diferentes e desiguais. Sendo assim, o conceito de juventude não pode
remeter “[...] a qualquer homogeneização, mas, ao contrário, à pluralidade e às
circunstâncias que marcam a vida juvenil, considerando a diversidade e as múltiplas
possibilidades inerentes ao sentido de ser jovem” (DAYRELL, 1999, p. 3). Conforme Pais,
[...] não há de fato, um conceito único de juventude que possa abranger os
diferentes campos semânticos que lhe aparecem associados. As diferentes
juventudes e as diferentes maneiras de olhar essas juventudes corresponderão,
pois necessariamente, diferentes teorias. (PAIS, 1993, p. 36).
Tais diferenças direcionam os jovens a múltiplas experiências adquiridas em
suas relações sociais (cultura, escolarização, família, trabalho, etc.) que compõem suas
identidades juvenis. Estas identidades são construídas em diálogo com a multiplicidade
de experiências significativas que os jovens vivenciam no período da juventude, durante
o qual serão levados a fazer escolhas e a tomar decisões que permanecerão em sua
história de vida.
Com efeito, lançar o olhar sobre a juventude contemporânea, na busca de
apreender sua condição, é reconhecer esse terreno discursivo complexo e povoado
de variáveis: “[...] a juventude é uma categoria socialmente construída, formulada no
6. Ariès (1983) recorda, porém, que somente os jovens filhos da burguesia podiam se manter longe da vida
produtiva e social e, assim, se dedicar à formação escolar, acumulando um horizonte de expectativa que
projetava uma vida futura. Tais expectativas e projeções não chegavam até os jovens da camada popular,
que assumiam responsabilidades da vida adulta ainda na juventude, como, por exemplo, o trabalho.
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contexto de particulares circunstâncias econômicas, sociais ou políticas; uma categoria
sujeita, pois, a modificar-se ao longo do tempo” (PAIS, 1993, p. 29). Dessa forma, a
juventude não pode ser olhada apenas na sua aparente unidade, mas é preciso considerar
também na sua diversidade.
Compreender o conceito de juventude exige o reconhecimento dessas imprecisões
em função da complexidade que permeia a construção da identidade dos sujeitos na sua
individualidade. O conceito de juventude deverá remeter, portanto, “[...] à pluralidade e
às circunstâncias que marcam a vida juvenil, considerando a diversidade e as múltiplas
possibilidades inerentes ao sentido de ser jovem” (DAYRELL, 1999, p. 3).
Socialização, sociabilidade e juventudes
Desde os anos 90, os processos de socialização têm sido interpretados por
estudiosos da juventude, que já alertavam para seus câmbios e rumos. Segundo alguns
autores, os jovens contemporâneos vivenciariam novas percepções de espaço e de
tempo marcadas pelo fluir das relações, pelos vínculos virtuais e por novos modos de
inserção na sociedade.
Os jovens ensaiam novos modos de ser, de se expressar e se relacionar,
impactando diretamente na sua relação com as instituições tradicionais (família,
escola, igreja, Estado) que até então detinham a função de demarcar o espaço e
o tempo, e legitimavam as relações cotidianas neles situadas.Portanto, os jovens
estão mais expostos ao excesso e à diversidade de informações: velocidade de
acesso aos fatos; imediatez de imagens e dados; influxo direto da propaganda;
os novos modos de viver a intimidade, a moral e a vida privada; outras formas
de compreender e vivenciar as diferenças; e, por fim, a crescente miscigenação
de linguagens de diferentes meios (cinema, televisão, jornais, fotografia, livros,
publicidade, computador).
Estes elementos compõem a recente “ambiência” na qual os jovens tendem a
sentir-se cada vez mais familiarizados, produzindo valores, opiniões, aprendizagens e
comportamentos. Esse contexto tem impactos sobre as relações dos jovens com as
instituições e sobre seus modos de ser e se posicionar diante do mundo e compõe parte
do complexo processo de midiatização da cultura contemporânea.
Hoje, debate-se sobre a socialização numa ótica que equaciona a inscrição objetiva
deste processo (cultura, trajetórias de vida, práticas sociais, relações de poder) com
sua inscrição subjetiva (individuação, sentidos e reflexibilidade), ambas dialeticamente
implicadas na dinâmica social (ABRANTES, 2011, p. 121-122).
Compreende-se, pois, que “[...] todas as experiências do indivíduo, ao longo
da vida, contribuem para o processo de socialização, ou seja, para a construção de
disposições internas que permitem (e orientam) a participação na vida social” em “[...]
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processos de seleção, generalização e analogia” (ABRANTES, 2011, p. 122). Pode-se
dizer que “[...] socialização e individualização constituem duas faces da mesma moeda
(Elias, 1983):nos mesmos atos e relações, tornamo-nos pessoas e fazemos sociedade
(ABRANTES, 2011, p. 122).
Daí se configuraria o novo arranjo entre socialização primária e secundária que,
embora fronteiriças e institucionalmente estabelecidas, são hoje abaladas por sentidos,
negociações e transversalidades carregadas pelos sujeitos, com suas biografias e
escolhas marcadas de afetos, tensões, gostos e prospectivas. Hoje, os contextos
educativos, comunicacionais e simbólicos – atravessados por intensa midiatização –
diluem a rígida demarcação entre socialização primária e secundária.
Embora permaneça o caráter singular da socialização na infância e a dependência
da família no caso dos adolescentes e/ou jovens, a “[...] intensidade da socialização
varia ao longo da vida, com tendência para uma redução gradual; mas o trabalho de
(re)construção identitária, induzido por recomposições biográficas e/ou sociais, na
modernidade tardia, apontam para algo mais estrutural do que a definição clássica
de ‘socialização secundária’”(ABRANTES, 2011, p. 125), pois “[...] na sociedade atual,
se desenvolve um trabalho mais reflexivo e autônomo dos sujeitos em torno da sua
identidade e biografia. Esses dois terrenos [da socialização primária e secundária] são
mediados por um período de ‘semi-dependência’, mais ou menos tenso e prolongado,
que caracteriza hoje as experiências juvenis” (ABRANTES, 2011, p. 125).
Para Setton (2005), as experiências sociais são combinatórias subjetivas de
elementos objetivos, tensionando os sujeitos e, deste modo, fazendo-os efetivamente
atores sociais. Contudo, este “ator social” hodierno [...] não é redutível aos seus papéis,
nem aos seus interesses e o indivíduo não adere totalmente a nenhum de seus papéis,
que têm como tarefa articular lógicas de ação, que o ligam a cada uma das dimensões
de um sistema. O ator é, então, obrigado a combinar lógicas de ação diferentes e é
a dinâmica gerada por essa atividade que constitui a subjetividade do ator e sua
reflexividade (SETTON, 2005, p. 345).
Assim, o conjunto das experiências dos sujeitos contemporâneos não é
sistematicamente coerente, homogêneo ou compatível; há diferentes tempos e ritmos,
fragmentos e composições. Sobretudo os jovens ressentem estas características, na
forma de descontinuidade e diferenciação entre seus papéis de aluno, sua situação de
filhos e sua condição de jovens em sentido não apenas social, mas subjetivo.
Deste modo, “[...] por não ocupar posições semelhantes em todos os
espaços sociais, o indivíduo vive experiências variadas e às vezes contraditórias na
contemporaneidade” (SETTON, 2005, p. 345). Disto decorre, ainda, um distanciamento
gradual entre a coerência das práticas dos atores (os indivíduos) e os espaços
institucionais em que transitam (como escola, família ou a mídia). Certa perplexidade
e até incongruência percebida nos jovens é, portanto, compreensível, pois à medida
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que as referências sociais e identitárias se diversificam e cruzam, caberá ao indivíduo
avaliar e compor opções, deliberando sobre seu presente e futuro, com mais ou menos
segurança.
Neste sentido, os jovens contemporâneos não manifestam “[...] uma identificação
coerente com papéis sociais identitários e com padrões normativos institucionais
atribuídos a eles, nem interiorizariam linearmente projetos institucionais, mas
articulariam uma gama variada de padrões e valores identitários” (SETTON, 2005, p.
345). Para Setton, como produtos de uma história social, “[...] todas as escolhas ou
pré-disposições são resultado de condições de socialização específicas que traduzem o
pertencimento a uma dada estrutura social” (SETTON, 2010, p. 21).
Na contemporaneidade midiatizada,socialização e individuação se aproximam
nas práticas juvenis (encontros de amigos, opções de entretenimento, preferências
midiáticas, identificação com times ou bandas, assiduidade no uso das redes sociais,
frequência à determinada religião). Assim, neste cotejo entre socialização e individuação
– com vínculos e instituições ao lado de gostos e identidades – os jovens não estão
ilhados na própria subjetividade, nem na pura virtualidade das tecnologias (SOUSA,
2014). Ao contrário, são sujeitos que afetam e são afetados pela sociedade em geral,
pela economia, pelas ideologias e pelas instituições.
Portanto, a socialização dos indivíduos está entremeada de relações de poder
expressas em práticas e discursos que, embora influentes, dão-se dialeticamente,
acompanhadas de interpretação, representação e negociação por parte dos indivíduos.
Juventudes e suas temporalidades
Focando especificamente a relação dos jovens com o tempo, o historiador
ReinhartKoselleck (1923-2006) fornece um instrumental teórico apropriado, ao delinear
um “campo de experiência” e um “horizonte de expectativas”, relacionados entre si,
como expressões da experiência temporal do homem contemporâneo.
Em sua obra Futuro passado (1979), Koselleck desenvolve a argumentação de que
cada presente não apenas reconstrói o passado a partir de problematizações geradas na
sua atualidade,mas também que cada presente ressignifica tanto o passado (“campo da
experiência”) como o futuro (“horizonte de expectativas”). O autor também observa que,
nas experiências cotidianas de relação entre presente e passado, presente e futuro, há
uma assimetria e mesmo uma tensão entre estas instâncias da temporalidade, devidas,
de um lado, à ruptura entre presente e passado, e, de outro, à extensão do presente no
futuro, sentida como expectativa.
Esta assimetria e esta tensão marcam o que poderíamos chamar de sensibilidade
contemporânea a respeito do tempo e, por conseguinte, a respeito da relação entre
tempo e espaço, vivenciada pelos sujeitos. Referindo-se não apenas ao tempo
Juventudes, Socialização e temporalidades: vínculos midiatizados
FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.3, nº1, p. 43-59, jan.-jun., 2016.
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objetivamente demarcado (tempo mecânico dos relógios ou tempo institucional das
agendas profissionais), mas também ao tempo subjetivamente percebido, Koselleck
entende a “experiência” (tendida ao presente) e a “expectativa” (tendida ao futuro)
como duas categorias históricas que “entrelaçam passado e futuro” (KOSELLECK,
2006, p. 308).
Assim, mediante a experiência e a expectativa, as temporalidades – passado,
presente e futuro – podem sofrer expansão e/ou contração e até mesmo se alterar
conforme o contexto histórico de cada sociedade em específico. Com efeito, “[...] o
tempo histórico não apenas é uma palavra sem conteúdo, mas uma grandeza que se
modifica com a história, e cuja modificação pode ser deduzida da coordenação variável
entre experiência e expectativa” (KOSELLECK, 2006, p. 309). Ele mesmo explica:
A experiência é o passado atual, aquele no qual acontecimentos foram
incorporados e podem ser lembrados. Na experiência se fundem tanto a
elaboração racional quanto as formas inconscientes de comportamento, que
não estão mais, que não precisam estar mais presentes no conhecimento. Além
disso, na experiência de cada um, transmitida por gerações e instituições,
sempre está contida e é preservada uma experiência alheia (KOSELLECK,
2006, p. 309-310).
Já as expectativas visam ou tendem ao futuro, configurando um conjunto de
sensações, percepções e antecipações referentes ao que ainda virá. Como expressam
muitos jovens hoje, as expectativas se apresentam nos temores e esperanças, nas
inquietações e certezas, nas ansiedades e confianças que – plurais e até contraditórias
– apontam ao devir, ao futuro que se anuncia ou se esvai no presente vivido.
Eis o que Koselleck oportunamente caracterizou como “horizonte de expectativa”,
semelhante a uma linha que se projeta sempre adiante, sempre além, na medida em que
dela presentemente nos aproximamos. Contudo, o campo de experiência e o horizonte
de expectativa não se opõem, mas repercutem um no outro, já que ambos entrelaçam o
futuro e o passado na vivência do sujeito.
Há, portanto, três componentes-chave nesta concepção temporal: as experiências
(visando o passado), as expectativas (visando o futuro) e o sujeito (visando o presente).
Observe-se, porém, que a mesma tensão e assimetria tocarão também o sujeito histórico
em cujo presente se entrelaçam o futuro e o passado, com expectativas e experiências
forjando diferentes percepções do tempo, da durabilidade mecânica do tempo produtivo
à perplexidade afetiva do instante que passa. Daí que as fusões ou cotejos que as três
instâncias da temporalidade (presente, passado, futuro) estabelecem no sujeito, se
configuram de modo diferenciado na contemporaneidade repleta de tecnologias que
aceleram a informação, multiplicam os contatos interpessoais e cruzam fronteiras
espaciotemporais há até poucas décadas resistentes.
Seguindo a perspectiva de Koselleck, é possível deduzir que as novas fusões
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da temporalidade numa cultura midiatizada explicariam a fluidez do presente, a
progressiva perda da historicidade linear, o aceleramento vertiginoso do ritmo
cotidiano e, possivelmente por decorrência desses fatores, certo encurtamento da
linha demarcadora das expectativas: à medida que o presente se acelera, avançando
vorazmente à frente, também as expectativas encurtam seu prazo, pondo em crise
o sentido do tempo vivido – como percebido no relato de muitos jovens, para quem
o presente é paradoxalmente um ganho (na intensidade e diversidade das múltiplas
conexões) e uma perda (na celeridade e provisoriedade do momento que foge).
Trata-se, assim, de um “presente estendido” ao ritmo da aceleração temporal “[...]
bordeja o cotidiano e avança, num hoje ao mesmo tempo contínuo e breve” (LECCARDI,
2005, p. 45). Esta autora interpreta esse desconcerto temporal das novas gerações
como efeito de uma passagem histórica, do “futuro aberto” da primeira modernidade,
destinado ao progresso, à “crise do futuro” da modernidade avançada, repleto de riscos
(LECCARDI, 2005, p. 41-45).
Na moderna sociedade industrial predominou a perspectiva do progresso
científico-tecnológico, paralelo a uma projeção desenvolvimentista do tempo, com
identidades e papéis sociais interligados em seu interior. Contudo, a modernidade
avançada é caracterizada pelos riscos e uma consequente crise do futuro: A segunda
modernidade, pelo contrário, a modernidade contemporânea, filha do sucesso da
modernização, parece cada vez mais governada por processos como a intensificação
da globalização e dos mercados globais, o pluralismo dos valores e das autoridades, o
individualismo institucionalizado.
No plano cultural, parecem favorecidas as formas de identidade compósita,
nas quais elementos globais e locais se misturam, impondo a convivência conflituosa
entre diferentes imagens de si, as “identidades cosmopolitas” (BECK, 2012). Sabe-
se por experiência direta com o cotidiano, e não apenas por reflexões teóricas, que
essa modernidade caracteriza-se por uma dimensão de riscos globais: crise ambiental,
terrorismo internacional, ameaças econômicas (mas também, por exemplo, sanitárias) de
tipo planetário, novas modalidades de desigualdade social, a partir do empobrecimento
crescente de áreas cada vez mais vastas do planeta, e, associadas a essa última, novas
formas de subocupação com reflexos devastadores no plano existencial (LECCARDI,
2005, p. 44).
Se o futuro que a primeira modernidade visualizava era o futuro aberto, o futuro
da modernidade contemporânea é o futuro indeterminado e indeterminável, governado
pelo risco. Não o risco natural ou causado por efeitos mensuráveis da industrialização,
que poderia ser previsto e remediado pelos cálculos probabilísticos, mas o risco
humanamente produzido por nossa aplicação do conhecimento e interferência na
ordem natural “[...] manipulação genética, diminuição da camada de ozônio, tecnologia
bélica, insegurança nuclear etc.” (LECCARDI, 2005, p. 45). Esses tipos de risco não
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nos falam de um bem, mas concentram a atenção exclusivamente sobre os males que
o futuro pode difundir. A ideia de futuro a que conduzem é, portanto, não determinada
e, ao mesmo tempo, marcada por um sentimento difuso de alarme, associado a uma
sensação de impotência (LECCARDI, 2005, p. 45).
Nessas condições, a capacidade de apreender o tempo tende a fragmentar-se.
A atenção volta-se, predominantemente, para a dimensão do presente. Para os jovens
contemporâneos “[...] o presente (ora mais, ora menos estendido) aparece como a única
dimensão temporal disponível para a definição das escolhas” (LECCARDI, 2005, p.
47), o que seria um largo “horizonte de expectativa” (no dizer de Koselleck) se foca no
presente próximo, vivido como um “[...] horizonte existencial que, em certo sentido,
inclui e substitui o futuro e o passado” (LECCARDI, 2005, p. 47).
Avançando na discussão sobre a experiência do tempo dos jovens, com atenção
à sua construção identitária, incluímos a contribuição de Alberto Melucci (1997). Este
autor observa que na sociedade contemporânea experimentam-se vários tempos,
simultaneamente: o tempo natural pautado pelo ciclo biológico; tempo industrial
pautado pela produção; o tempo subjetivo pautado pelos percursos cotidianos; o tempo
dos fins, que marca o devir da História (MELUCCI, 1997).
Em geral, cada um desses tempos corresponde a diferentes papéis, em diferentes
condições sociais; e sua concomitância nas experiências do sujeito é um dos fatores da
fragmentação percebida na modernidade avançada, especialmente no caso dos jovens.
Uma vez que entre “os múltiplos tempos da experiência cotidiana” há uma “tensão não
resolvida”, o sujeito transita entre esses tempos, com seus papéis sociais distintos,
experimentando limites e possibilidades (MELUCCI, 1997, p. 8).
Semelhante ao que ocorre com a roda no “jogar” da engrenagem
7
, os jovens
vivenciam “jogos” de encaixe e desencaixe, envolvidos na engrenagem tempo/espacial
de uma “[...] sociedade planetária grávida de potencialidades e de riscos” (MELUCCI
2004, p. 15-16).
Em nossa pesquisa de campo, muitos jovens demonstraram viver esta tensão de
lugares e tempos, ritmos e papéis, em busca de sentido. Ao mesmo tempo, constatamos
que as novas tecnologias têm fornecido não só instrumentos para isto, ao modo de
uma máquina que apressa o tempo moderno, mas oferecem também uma ambiência
em que esses sujeitos se distinguem, se conectam e se contradizem, num processo de
referenciamento, de trocas intersubjetivas e de vínculos, pelo qual os indivíduos se
mostram, se dizem.
Outros autores também têm notado que os jovens contemporâneos midiatizados
são singularidades que se diferenciam e se conectam. É, nesse sentido, queMelucci
7. Segundo Melucci (2004), o jogo é a expressão usada na linguagem mecânica para indicar que uma
engrenagem não está rigidamente presa em seu encaixe. Diante dessa folga, o eu pode sentir medo e
perder-se, ou, então, aprender a jogar.
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(2004) diz haver entre tais jovens um tempo exterior (objetivo, instituído, funcional)
e um tempo interior (subjetivo, tensionado, motivacional), que não se coadunam mais
no que toca os pertencimentos sociais dos jovens como família e escola. De fato, entre
tempo subjetivo e tempo social há uma descontinuidade, já sentida pelos jovens de hoje
como uma experiência comum.
Melucci observa que isto também conduz à dissolução do tempo linear –
baseado no passado e com uma expectativa de plenitude no futuro – fazendo do “hoje”
o momento intenso, repleto de possibilidades e tensões: a cada “hoje” os jovens se
veem interpelados a dizer-se, a construir-se, em face das múltiplas possibilidades,
vivenciando o cotidiano de modo menos rígido e coeso, e mais fluido e metamórfico,
como “nômades do presente” (MELUCCI, 2004, p. 59). O presente dos jovens, tão
repleto de possibilidades, é paradoxalmente o tempo que os limita, o tempo que lhes
falta, experimentado com desconcerto e descontinuidade (MELUCCI, 2004).
Apontamentos finais
Os jovens contemporâneos são indivíduos em distinção e conexão, buscadores
de si no tempo que flui; enredados nas múltiplas conexões midiáticas e expostos a
um futuro de riscos que lhes convoca todos os diasa buscarem novas relações “[...]
entre o processo de produção e criação pessoal, comumente associado ao futuro, e as
condições particulares de incerteza nas quais esse processo é vivenciado hoje em dia”
(LECCARDI, 2005, p. 51).
Seus modos de viver o presente se tornam também um modo de encarar o
futuro, com seu inevitável devir a cada “hoje” das diferentes temporalidades, interior-
afetiva ou exterior-instituída. Afinal, é impossível ao jovem escapar de toda e qualquer
perspectiva futura, já latente nas suas vivências positivas (vínculos de amizade, sonhos
de realização, gostos promissores, aprendizados profissionais) e negativas (medos
do amanhã, desencaixe com o ritmo escolar, rupturas com o tempo dos pais, medo
da morte). Assim os jovens se inscrevem na História, experimentada como presente
estendido em aceleradas biografias diárias.
Enredados na trama de relações dos espaços midiáticos e cotidianos, a
singularidade e a identidade pessoal dos jovens contemporâneos se delineiam
numa dialética de vínculos, que lhes possibilitam ver e serem vistos, em interação e
socialização.
Em grande medida, por meio do processo de midiatização, as identidades dos
jovens contemporâneos se constituem e se manifestam em novas territorialidades e
espacialidades, marcadas pela ação e dinâmica interativa dos próprios sujeitos-em-
relação.
Novas territorialidades, novas espacialidades, novas temporalidades e novas
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identidades, pedem novas relações, novas interações e novas compreensões entre o
ser jovem e a midiatização da vida contemporânea.De fato, na contemporaneidade
midiatizada, os jovens são os sujeitos que se veem mais cotidianamente afetados em seus
mapas de referências culturais, temporais e identitários. Daí que “navegam” em rotas
que se cruzam, entre espaços midiáticos e cotidianos, promovendo trocas e interações
(extensas e intensas) entre virtualidades e realidades cotidianas, e identificando-se com
diferentes papéis sociais.
Assim, pode-se afirmar que o diálogo crescente entre a vida juvenil e a cultura
midiática é produtora de relações, reações e grandes processos comunicativos e
virtuais, sobre questões concretas da vida juvenil com encaixes e desencaixes nas
suas experiências temporais. Portanto, nesse contexto midiatizado, o debate das
temporalidades vivenciadas pelos jovens contemporâneos passa, necessariamente, pela
compreensão de que nelas se cruzam a construção das subjetividades e das experiências
de socialização e midiatização, num ensaio que os marca como sujeitos em individuação
e interação – ou seja – os marca concretamente como jovens em midiatização.
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