Forjando o historiador: periodização e longa Idade Média
FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.2, nº2, p.202-206, jun.-dez., 2015.
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concordância/discordância com o envelhecimento do mundo. A noção de moderno era
incompatível com a finitude das seis idades.
Para Le Goff, o renascimento intelectual do século XII, cujas mudanças levaram
esses clérigos a flertarem com a concepção de moderno, foi conservado sob uma zona
cinzenta. A escolástica continuou como objeto principal da crítica e rejeição dos letrados
entre os séculos XVI e XVIII, como Voltaire, que apontava que a teologia escolástica era
uma filha bastarda de Aristóteles.
Apesar da reabilitação da Idade Média no século XIX, Ernest Renan ainda
apontava a escolástica como barreira para o delicado; os homens e mulheres medievais
ainda eram bárbaros. Desta forma, Le Goff delineava uma Idade Média multifacetada e
também apontava, como contraposição, que certos aspectos atribuídos a esse período
estavam localizados, temporalmente, no Renascimento, como os pogroms, a inquisição
e os movimentos milenaristas.
No capítulo A Longa Idade Média, Le Goff retoma sua tese e intenta provar
que não haveria mudança fundamental durante o século XVI e XVIII que justificasse
a separação entre Idade Média e Renascimento, um período novo. O historiador
visa a apontar as continuidades do período medieval no mundo “moderno” e, assim,
apesar da descoberta da América, em 1492, ser apontada por Delumeau como ponto
característico da singularidade do Renascimento, Le Goff expõe que a América só se
tornaria interlocutor da Europa após as Independências entre o fim do século XVIII e
XIX. Não existia um mundo unificado, mas territórios do mundo.
As carestias na área agrícola foram frequentes desde o século X até o século
XVIII e a alimentação europeia foi primordialmente vegetal até o século XVIII. O século
XVI foi um período marcado pelas guerras de religião e o cristianismo é majoritário até
o século XVIII. Apesar do assassinato de Carlos I, em 1649, na Inglaterra, a monarquia
francesa conservou-se até o século XVIII.
Se Cristóvão Colombo descobre a América em 1492, ele ainda era um homem da
Idade Média, pois sua preocupação consistia em trazer aos pagãos/indígenas todos os
preceitos e fundamentos condizentes à doutrina e à fé cristã. Nisso, Le Goff indaga se
no prolongamento do período medieval o que é mais importante: as continuidades ou as
rupturas? Desta forma, para Le Goff, a Idade Média só se encerraria com o advento da
indústria moderna e das enciclopédias. O Renascimento do século XV e XVI é, portanto,
encarado como o último renascimento dessa longa Idade Média prenunciando os tempos
modernos.
No último ensaio, Periodização e Mundialização, Le Goff tenta voltar à ideia inicial
do texto, de entender como a mundialização implicava no questionamento da noção de
periodização. Para o autor, a periodização se torna indispensável para o historiador
compreender o tempo tendo em vista que a própria periodização seria a necessidade
do homem de agir sobre o mesmo. A mundialização causaria essas questões em torno
do tempo, das continuidades, rupturas, dos modos de pensar a História. A periodização
seria deste modo, o meio encontrado por Le Goff de problematizar essas questões,
esclarecendo como a humanidade se organiza e evolui no tempo. Desta forma, a História
deveria sim ser dividida em partes.
Le Goff, em A História deve ser dividida em pedaços?, retoma problemas que
já haviam sido expostos no livro Uma Longa Idade Média (2008) evidenciando como