O despertar do período moderno: uma síntese
analítica e histórica das tecnologias implementadas
nas caravelas (bússola, astrolábio,
leme e terceiro mastro)
The awakening of the modern period: an analytical
and historical synthesis of the technologies
implemented in the caravels (the compass,
the astrolabe, the rudder and the third mast)
PAES, Elvis Rogerio *
https://orcid.org/0000-0002-1263-0881
RESUMO: Este artigo tem por objetivo realizar
uma síntese investigativa nas atualizações de
alguns instrumentos, que tornaram a caravela
uma embarcação mais eficiente para realizar os
propósitos mercantis europeus. A intenção é
analisar como a modernização de quatro
instrumentos náuticos, a saber: a bússola, o
astrolábio, o leme e o terceiro mastro, foi
fundamental para as transformações das rotas
marítimas e o desenvolvimento do que os
historiadores conceituaram como Grandes
Navegações. A análise percorrerá averiguando
estas inovações, as quais foram possíveis devido
a dois principais processos: uma apropriação de
tecnologias existentes e a renovação
econômica e social europeia, um fator
indispensável para a expansão comercial. Desta
forma, a pesquisa elege como objeto central de
estudo estas duas variáveis que fizeram a
engenharia naval europeia avançar nas
navegações ultramarinas a partir do final do
século XV.
PALAVRAS-CHAVE: Sociedade; Tecnologia;
Instrumentos Navais; Grandes Navegações.
ABSTRACT: This article aims to conduct an
investigative synthesis on the updates of some
instruments that made the caravel a more
efficient vessel for carrying out European
mercantile urposes. The intention is to analyze
how the modernization of four nautical
instruments, namely the compass, the astrolabe,
the rudder, and the third mast, was fundamental
for the transformations of maritime routes and
the development of what historians
conceptualized as the Great Navigations. The
analysis will investigate these innovations, which
were possible due to two main processes: an
appropriation of existing technologies and the
economic and social renewal of Europe, an
indispensable factor for commercial expansion.
Thus, the research elects as its central object of
study these two variables that made European
naval engineering advance in overseas
navigation from the end of the 15th century.
different types of textual and visual materials.
KEYWORDS: Society; Technology; Naval
Instruments; Great Navigations.
* Graduado em História pela Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP), Campus de Jacarezinho-PR e
Especialista em Humanidades pela mesma Instituição. Mestre em História, na área de Política: Ações e
Representações, pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho(Unesp), Campus de Assis-SP.
Bacharel em Psicopedagogia pelo Centro Universitário Internacional (UNINTER), Curitiba-PR e, atualmente,
aluno do curso de Engenharia da Computação no mesmo Centro Universitário. E-mail: e7rp@hotmail.com.
Este é um artigo de acesso livre distribuído sob licença dos termos da Creative Commons Attribution License.
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Recebido em: 13/08/2023
Aprovado em: 08/11/2023
Introdução
Eventos que trazem grandes transformações sociais, sejam culturais ou econômicas,
costumam ser acompanhados de produções ou inovações tecnológicas. Esta afirmação pode
ser comprovada à medida em que se avança na leitura deste artigo, cujos registros
demonstram o potencial humano para elaborar ou alterar instrumentos tecnológicos, o que
acarreta em mudança comportamental da sociedade, que passa por alterações. Nada
melhor para ilustrar estas palavras que exemplificar com a contemporaneidade: Ao
direcionar o olhar para a rápida transformação da tecnologia dos microprocessadores, o
aperfeiçoamento do Smartphone (telefone inteligente), da Smart Television (televisão
inteligente), que estão repletos de aplicativos e que a cada dia recebem uma nova
atualização no mercado. Tudo integralizado em redes, através da World Wide Web. Não se
pode negar o quanto estas tecnologias alteraram a forma de se relacionar com o mundo e a
sociedade ao redor.
Contudo, estando imersos nestas diversidades tecnológicas do contemporâneo, têm-
se uma tendência a uma desvalorização (mesmo que inconsciente) daquilo que é anterior ao
mundo digital. Diante deste panorama, este artigo se propõe a refletir como a inovação de
alguns instrumentos náuticos, trouxeram impactos significativos para que as embarcações
europeias do século XV se constituíssem em meios de transporte eficazes ao ponto de no
final do mesmo século, atravessarem o Atlântico. Entretanto, não é a intenção entrar no
mérito meticuloso de como tais instrumentos foram construídos, quais foram as suas
propriedades e nem discutir os resultados de seus impactos para os povos que foram
colonizados, mas sim entendê-los a partir de sua importância que despertou uma nova
realidade social para o europeu daquele período. Um processo que impulsionou os
investimentos para o aperfeiçoamento de tais instrumentos pela engenharia
1
naval do
período.
É importante enfatizar que o assunto é denso, portanto, a proposta não visa esgotá-
lo, mas, ao contrário, trazer alguns pontos que merecem ter relevância quando as
navegações europeias são abordadas. Fato, aliás, que teve significativa influência em todo o
1
Cumpre destacar que o termo engenharia, aplicado neste cenário, não pode ser compreendido da mesma
maneira que se entende atualmente. Haja vista que a engenharia “[...] como se conhece hoje, começou a se
formar há cerca de 400 anos [...]” (Ferlin; Carvalho; Eleutério, 2015, p. 2).
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ocidente moderno e contemporâneo. A temática estará limitada nas principais ocorrências
do século XV, um período que testemunhou crescente diferenciação na construção náutica:
Em começos do seculo [sic] XV, os navios quasi [sic] exclusivamente empregados
pelos portugueses nas grandes expedições militares eram naus e galés. No decurso
d’esse [sic] seculo [sic], figuram também nas armadas os seguintes navios: barcha
[sic], caravela, barinel, urca, taforéa, carraca, da classe dos navios a vela; galeota,
bergantim, fusta, da classe dos navios longos e de remos. (Mendonça, 1892, p. 5).
Destas embarcações que foram destacadas pelo autor, a que irá ser a protagonista
deste artigo será a caravela, o modelo responsável por fazer os europeus alcançarem rotas
cada vez mais distantes e de forma mais segura em suas navegações. Mas, antes, é relevante
abordar, ainda que sinteticamente, o contexto europeu, ou seja, os motivos que
favorecerem o aprofundamento do interesse pela renovação em suas embarcações e seus
instrumentos. Este interesse tem como pano de fundo uma sociedade que vivenciava uma
transição de sua cosmovisão
2
de mundo. Uma transformação que abalou o alicerce em que
toda a sociedade europeia estava assentada séculos. Verdades que foram estabelecidas
pelos pensamentos e costumes de um “mundo medieval”, que era regido por uma
perspectiva fundamentada em dois grandes pilares: Geocentrismo e Teocentrismo.
Não como precisar uma data que demarque este período de transição, no
entanto, o que se pode afirmar com propriedade é que o modus operandi do homem
“medieval” não mais correspondia às transformações ocorridas no século XV, o que pode ser
visto no alvorecer da Idade Moderna. A antiga cosmovisão de natureza geocêntrica e
teocêntrica acabou substituída pelo heliocentrismo e o antropocentrismo: Dois conceitos
que emergiram com toda força pela sociedade renascentista. Isto configurou para o europeu
uma mudança de paradigmas, cujo resultado foi a busca de novos alicerces para o
fundamento da sociedade, que acabou por incorporar as principais realizações dos “ideais da
Antiguidade Clássica: Grécia e Roma” (Guarinello, 2013, p. 13). Esta crescente realidade
trouxe consigo o interesse em uma renovação em todos os sentidos da vida. Dentre eles,
2
Este conceito empregado deve ser entendido neste contexto da seguinte forma: “[...] uma cosmovisão não é
algo que surge num único instante. Ela vai sendo construída aos poucos e está sempre sendo atualizada,
modificada, confirmada. Depende das experiências que temos e de como respondemos a cada uma delas. [...]
Em sua composição, a cosmovisão é constituída por um núcleo central, isto é, uma estrutura que é fruto das
relações sociais que temos. Esse mesmo núcleo costuma ser resistente a mudanças, embora não signifique que
seja imutável [...]” (Silva, 2018, p. 59).
154
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encontravam-se conhecimentos técnicos, adaptados para recuperação ou aperfeiçoamento
de sua tecnologia náutica.
Diante dessas considerações, é significativo mencionar que nenhum dos
equipamentos aqui referidos constituem uma criação exclusiva do homem europeu. No
entanto, não como negar que as atualizações introduzidas por eles possibilitaram viagens
cada vez mais eficientes e seguras com técnicas bem elaboradas. Isto deve-se a um
planejamento que visou “uma constante adaptação as mudanças e as condições e
circunstâncias em um mundo onde o azar, a incerteza e a ambiguidade dominavam.”
(Murray, 1994, p. 1 apud Vigo, 2005, p.12, tradução nossa)
3
. Em suma, visa-se, com este
artigo, construir uma síntese analítica de alguns instrumentos que embora não sejam
criações propriamente europeias, mas que, ao mesmo tempo, não deixe de identificar o
aperfeiçoamento que aconteceu aos poucos em mãos dos europeus, uma vez que lapidaram
o invento, o que possibilitou as Grandes Navegações
4
.
Conceituando o termo caravela
Como pode ser visto nas linhas acima, o europeu do século XV vivenciou
transformações sociais que impactaram toda a sociedade. Dentre elas estava a construção
náutica e um dos seus modelos de embarcações, a caravela. A fim de um melhor
entendimento da temática proposta, buscou-se, a partir da literatura especializada,
compreender o significado deste meio de transporte. Sua etimologia vincula-se ao idioma
grego, grafado com os seguintes caracteres: κάραβος. Posteriormente, foi transliterada e
traduzida para o idioma latino, que a grafou como cáravos ou carábos (Carabela, 2023, [n.
p.]). Este termo tem em sua essência o sentido de “uma embarcação asiática de vela latina”
(Caravos, 2023, [n. p.]). Note que, por sua definição, pode ser constatado que nos
primórdios de confecção deste tipo de barco não se atribui aos europeus.
Contudo, existem registros na Europa, que além de mencionar algumas datas
enfatizava que o termo em questão não se restringia a um único modelo de embarcação,
conforme pode ser visto na citação a seguir:
3
[No Original] “[...] una constante adaptación a los cambios de condiciones y circuntancias en un mundo donde
el azar, la incertidumbre y la ambiguidade dominan (Murray, 1994, p.1 apud Vigo, 2005, p. 12).
4
Por Grandes Navegações entende-se um período que abarca os finais do século XV e o século XVI. Tratou-se
de momento marcado pelo encontro dos europeus com povos autóctones da, assim chamada posteriormente,
América, e o estabelecimento de rotas marítimas mais abrangentes, como a rota do Atlântico e as viagens
transoceânicas, que possibilitaram circundar o globo terrestre.
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O termo caravela aparece em Itália, em 1159, para designar uma embarcação de
serviço a navios de grande porte. Em Portugal, embora seja referida em 1255, no
Foral de Vila Nova de Gaia, imediatamente desaparece das fontes escritas
portuguesas durante o século XIV, reaparecendo somente em meados do século
XV, para significar um navio de cerca de 50 até um máximo de 200 tonéis de
arqueação e com 20 a 25 tripulantes. (Monteiro; Castro; Génio, 2011, p. 359).
Note que, embora seja confirmada a data 1255, a citação faz referência ao termo na
Itália, cuja presença aconteceu bem antes, por volta de 1159. Tendo essas informações, o
importante é compreender que a caravela de origem portuguesa se diferenciava das barcas,
uma vez que possuía um maior calado
5
. Embora não fossem todas do mesmo tamanho, elas
eram conhecidas por sua capacidade de alcançar uma boa velocidade de locomoção pelos
mares do Mediterrâneo. Isso despertou, de saída, o interesse em uma navegação mais
avançada, isto é, uma motivação para a descoberta de novas rotas comerciais, cuja intenção
era valer-se do meio de transporte com vistas à mercantilização, que se intensificava
significativamente, tendo em vista que os europeus buscavam novos mercados na região.
Outro ponto importante sobre a caravela, é que:
Uma longa experiência dos mares generalizou o uso da Caravela, que é apenas a
antiga e pequena construção naval dos mouros e que eles usavam para costear o
Mediterrâneo. A Caravela portuguesa, de incomparáveis qualidades náuticas,
equipada com 2 ou 3 velas latinas, com capacidade de 40 a 50 toneladas, foi o
navio preferido dos navegadores [...] (Fonseca, 1933, p. 64, tradução nossa).
6
Em síntese, os registros declarados nas linhas acima são importantes para
compreender a essência desta temática. Adota-se, como ponto de partida de análise, os
meados do século XV, trazendo como objeto de constatação as atualizações realizadas pelos
europeus em alguns dos equipamentos presentes em uma caravela. Renovações que fizeram
5
Em linhas gerais, o calado de uma embarcação, como uma caravela, refere-se à profundidade na qual se
encontra o ponto mais baixo da quilha em relação à superfície da água. No caso da caravela portuguesa dos
séculos XV e XVI, o calado atingia aproximadamente três metros.
6
[No Original] “Une longue experiénce des mares gènéralisa l’emploi de la Caravela, qui n’est que l’ancienne et
petite construction navale des maures et dont ils s’en servaint pour cotoyer la Méditerranée. La Caravela
portugaise, d’incomparables qualités nautiques, appareilée de 2 ou 3 voiles latinas, d’une capacite de 40 a 50
tonnes, fut le vaiseau préféré des navigatours [...]” (Fonseca, 1933, p. 64).
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deste modelo uma embarcação de alto nível para a época, desempenhando um papel
fundamental na história do Ocidente, com repercussões que perduram até a atualidade.
Essas inovações incluíam melhorias na capacidade de carga, velocidade e manobrabilidade,
permitindo viagens mais longas e seguras, quando se compara com embarcações anteriores.
Alguns instrumentos que garantiram às caravelas uma navegação com eficiência: bússola,
astrolábio, leme e terceiro mastro
As caravelas não necessitavam de altos investimentos para
a sua fabricação e manutenção. Por isso, comerciantes e
até reis estavam dispostos a financiar viagens com essas
embarcações. (Apolinário, 2014, p. 164).
Infere-se que o espírito científico do século XV expressou-se na sociedade europeia
com grande ênfase. Em verdade, através destas conjunturas de eventos, ocorreram as
concretizações das transformações sociais que estavam em curso desde o século XI. Nesta
dinâmica de transformações bastante expressivas, produziram-se novos projetos que
propuseram renovar os conhecimentos calcados na tradição. Por exemplo, até o século XIV,
o conhecimento geográfico de mundo que os europeus possuíam estava muito limitado ao
próprio Mar Mediterrâneo, a algumas localidades da Ásia e da África:
O que era realidade da terra para o homem no século XIV? Acreditava-se na
existência do Equador, dos trópicos, de cinco zonas climáticas, três continentes,
três mares, doze ventos. A Europa setentrional e o Atlântico se confundiam com
o imaginário, sendo descritos como ficção: na primeira, os hiperbóreos viviam nas
trevas; no segundo, havia uma quantidade de ilhas misteriosas. Sobre a África,
falava-se do Magreb e do Egito, desenvolviam-se hipóteses sobre as fontes do Nilo,
que seriam na Índia esta, ligada à África, fechava o Índico ou no curso superior
do Níger. (Souza, 1986, p. 24-25).
Esta situação, aliada a um equipamento que não produzia resultados eficientes,
impossibilitava estudos de novas rotas para se ter acesso a locais onde os mares fossem
mais revoltos. Para complicar a situação, o imaginário da sociedade europeia do período,
vivia assombrado por histórias de monstros marinhos e abismos.
Com o fogo que lança, abrasa como a boca de um forno, com uma chama tão alta e
tão ardente que os [aos marinheiros] faz temer pela morte. O seu corpo é
excessivo, e solta mugidos com maior força que quinze touros juntos. [...] As ondas
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que desloca são tão altas que não necessita de mais nada para provocar uma
tempestade. (Apolinário, 2014, p. 163).
Visto que o objetivo aqui não é abordar em suas nuances o imaginário do medo no
homem ocidental e sim mapear alguns de seus temores, o fato é que na “Idade Média
acreditava-se que a Terra tinha formato de um disco.” (Arruda; Piletti, 1997, p. 139).
Todavia, esta maneira de conceber o mundo e todo o pilar que sustentava uma visão em
defesa do Geocentrismo,
7
começou a desmoronar devido à exaltação do racionalismo
científico que despontava. Com ele, o conhecimento começou a se libertar das amarras que
o impediam de avançar, como, por exemplo, a escolástica. Também estava atrelado a ele
uma busca pela inovação tecnológica
8
, cuja intenção era alcançar melhores resultados em
transações comerciais. Nestes novos empreendimentos, seria “preciso ter as condições
técnicas. Os progressos da cartografia (os portulanos), o uso da bússola e do astrolábio e,
sobretudo, a invenção da caravela” (Arruda; Piletti, 1997, p. 139).
A própria monarquia lusitana, sob a dinastia de Avis, percebendo a importância do
desenvolvimento do comércio para o progresso do país e o fortalecimento do
Estado, passou a estimular as atividades mercantis. Uma das medidas de incentivo
adotadas pelo governo foi a criação da Escola de Sagres
9
, um centro de
sistematização e ensino dos conhecimentos e técnicas de navegação, dirigida pelo
infante D. Henrique, filho do rei D. João I. (Vicentino, 1997, p. 179).
Em suma, na transição entre a Baixa Idade Média e a Idade Moderna, a Europa
passou por transformações socioeconômicas com características ainda tímidas, mas que
foram sendo ampliadas consideravelmente à medida que o século XV chegava ao seu fim.
Diante deste quadro, tornou-se primordial atualizar a caravela latina (que representava
uma alteração em relação aos barcos pesqueiros). Portugal reconheceu a importância deste
7
Foi o astrônomo polonês Nicolau Copérnico (1473-1543) que contestou a teoria geocêntrica, “elaborada pelo
grego Ptolomeu e reafirmada pela Igreja Católica, de que a Terra era o centro do Universo. No lugar, defendeu
a teoria heliocêntrica, segundo a qual o Sol era o centro de tudo e a Terra e os demais planetas giravam em
torno dele.” (Apolinário, 2014, p. 115).
8
Neste contexto, a palavra inovar pode ser interpretada considerando-se a invenção ou a atualização de algum
instrumento, haja vista que a “ideia de inovação é concebida como uma criação ou renovação de algo
existente, partindo de estudos, observações e persistência, na busca de soluções, que sejam práticas e simples,
ao passo que possam ser facilmente entendidas e aceitas[...]” (Bispo et al., 2012, p. 5).
9
Fundada em 1417, a Escola de Sagres funcionou como pólo [sic] coordenador e executor das futuras
expedições marítimas lusas. Esse centro de estudos e pesquisas de navegação reunia astrônomos, geógrafos,
matemáticos, especialistas em instrumentos náuticos, além de cartógrafos e navegadores. Foi ao seu tempo o
mais avançado centro de estudos náuticos de todo o mundo, catalisando o anseio da burguesia mercantil e do
Estado nacional luso de criar uma nova rota comercial com o Oriente, conquistando o valioso comércio de
especiarias. (Vicentino, 1997, p.180).
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meio de transporte para a época, tornando-se o pioneiro em investir no aperfeiçoamento de
suas tecnologias. Mas questiona-se: qual foi a razão para este pioneirismo português?
Dentre os vários fatores que podem ser elencados, o principal deles encontra-se em
sua centralização de poder. Tratava-se de grande benefício diante de uma Europa que ainda
trabalhava para deixar os antigos feudos. Um segundo ponto, não menos importante, diz
respeito à sua posição geográfica, a qual lhe conferia um litoral que se encontrava “[...] na
metade do percurso entre a Itália e o mar do Norte, Portugal passou a constituir um
excelente ponto de escala e de abastecimento para os mercadores italianos e flamengos”
(Vicentino, 1997, p. 179).
A bússola
A bússola foi portanto [sic] a mais importante invenção
tecnológica desde a roda. Com exceção das balanças
antigas, foi também o primeiro instrumento de medida
inventado, bem como o primeiro dotado de um ponteiro
permitindo visualizar uma medida nesse caso a direção.
(Aczel, 2002, p. 7).
A respeito do conhecimento técnico e funcional em relação ao magnetismo, faz-se
necessário elucidar, mesmo que por uma síntese, como foram os primeiros passos para o
desenvolvimento e a história da bússola. A sua origem está relacionada à descoberta de um
material conhecido por pedra-ímã. Este mineral encontra-se diretamente relacionado aos
primórdios do estudo do magnetismo e o seu campo. Neste material, encontra-se a
magnetita (Fe3O4), um minério de ferro que possui propriedades magnéticas. Deste modo,
parafraseando Pessoa Junior (2010), o termo pedra-ímã relaciona-se a qualquer amostra
natural de minério que possua uma magnetização permanente, ou seja, uma pedra
condutora.
O potencial contido na pedra-ímã foi devidamente explorado na fabricação da
bússola, que era constituída por uma caixa com uma abertura circular, na qual se movia
agulha magnética colocada horizontalmente na extremidade superior de uma haste vertical,
para indicar o rumo e a orientação” (Bússola, 2023, [n. p]). Não se pode negar que durante a
Era das Grandes Navegações, ela se tornou um dos instrumentos mais conhecidos e
amplamente utilizados pelos navegadores. De fato, era um objeto de extrema importância e
praticamente indispensável em qualquer meio de transporte marítimo, pois uma de suas
principais características era a capacidade de determinar direções horizontais e diferenciar
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os polos magnéticos dos geográficos. Parafraseando (Campos, [s. d], p. 5), a primeira bússola
recebeu o nome de Si Nan e possuía como significado “O Governador do Sul”, sendo
simbolizada por uma concha cuja pega apontava para o Sul.
Esta forma de pensar foi definitivamente derrubada pelos estudos de William Gilbert,
em sua clássica obra De Magnete, Magneticisque Corporibus et de Magno Magnete Tellure
Physiologia Nova”, em que o físico e médico inglês, considerado o pai da física elétrica e do
magnetismo. Ele defendeu de uma forma sistemática que as bússolas possuíam como
orientação o norte devido ao fator de que o próprio planeta se comporta como um imã.
As contribuições de Gilbert foram importantes para a época, pois o próprio Galileu
Galilei “aproveitou a metodologia do trabalho e acrescentou, além de uma experimentação
controlada, uma segunda ferramenta crucial para a física: a matemática” (Campos, [s. d.], p.
5). Apesar destes avanços na compreensão de como a bússola se comportava, ressalta-se
que a sua invenção também não teve origem europeia, haja vista que:
O desenvolvimento da bússola data do ano 2000 a.C., e a busca pelo seu
aperfeiçoamento ocorreu durante séculos. Um avanço considerável foi obtido
quando se descobriu que uma fina peça de metal poderia ser magnetizada,
esfregando-a com minério de ferro. Em 850 d.C., os chineses, em busca de maior
precisão desse instrumento, começaram a magnetizar agulhas de forma a ganhar
maior precisão e estabilidade, surgiu então a bússola - que atualmente funciona
com o mesmo princípio desenvolvido pelos chineses. (Guitarrara, 2023, [n. p.]).
Apesar desta clara citação, “[...] a história da bússola é uma série de mistérios que,
até o momento não foram satisfatoriamente contemplados. [...] Geograficamente, a história
atravessa o mundo, da China ao Mediterrâneo [...]” (Aczel, 2002, [n. p.]), porém, o texto
referência sua origem em território oriental, particularmente na China. Além disso, ressalta
que foram os próprios chineses que buscaram uma atualização deste equipamento muito
útil para a localização. Embora o seu desenvolvimento não tenha ocorrido em terras
ocidentais, o seu papel foi relevante na história das Grandes Navegações, tendo em vista
que, por meio dele, espanhóis e portugueses abriram o caminho para a navegação em mares
mais afastados e profundos, em busca de novas rotas comerciais.
Um ponto importante e que vale a pena ser considerado, é que com as chamadas
Grandes Navegações, deu-se início a uma prática de navegar chamada de cabotagem, uma
arte de navegação atribuída ao navegador veneziano do século XVI, conhecido como
Sebastião Caboto. Este método consistia em restringir as navegações aos portos marítimos e
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as rotas costeiras. Noutras palavras, esse tipo de tráfego marítimo não permitia que os
navegadores perdessem de vista a costa do continente. É plausível salientar que havia duas
maneiras de realizá-la: a primeira era conhecida como a doméstica, que conectava
diferentes pontos na costa de um único país, enquanto a segunda, era realizada de forma
internacional, ou seja, visava a conexão de vários portos estrangeiros.
Neste contexto, a bússola passou por constantes melhorias a partir das contribuições
europeias que remodelaram o instrumento para uma utilização mais eficiente. Por exemplo,
é creditado ao navegante italiano Flávio Gioia, que viveu no século XIV, o seu
aperfeiçoamento, ao sobrepor a agulha sobre um papel que tinha a rosa dos ventos
desenhado, assim ficava mais nítida a localização norte apontada pela agulha. Também
pertence a ele o crédito de inserir o equipamento em uma caixa com uma tampa de vidro.
Uma inovação que permitiu aos navegadores determinar com mais precisão a direção do
norte e, consequentemente, navegar com mais segurança e eficiência. Ademais, a caixa com
tampa de vidro protegia a agulha e o papel da rosa dos ventos de danos causados pelo
ambiente marítimo, como o fenômeno de maresia, frequente nas regiões costeiras, que
poderia danificar o objeto.
A bússola tornou-se um instrumento indispensável para os navegadores. Graças às
melhorias introduzidas por Flávio Gioia e outros inventores, passou de um simples
instrumento de orientação para uma ferramenta sofisticada de navegação. Isso significou
aos navegadores a possibilidade de navegar com maior confiabilidade em águas até então
desconhecidas e cercadas por mistérios. O resultado foi o descobrimento de novas terras e a
expansão do comércio entre diferentes regiões do mundo.
Também é digno de nota que a cartografia marítima se beneficiou com a utilização da
bússola. Com sua ajuda, os cartógrafos puderam criar mapas mais precisos e detalhados das
rotas marítimas recém traçadas. Pois, com ela, podia ser calculada de maneira mais assertiva
a posição em relação à Linha do Equador e aos Meridianos. Isso facilitou ainda mais a
navegação e permitiu aos marinheiros melhor planejamento de suas viagens. No entanto,
embora a bússola tenha sido um instrumento útil para o advento das grandes navegações,
ela não foi o único. O viajante náutico possuía outro instrumento de uso significativo: o
astrolábio.
O astrolábio
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Para o mar, melhor é dirigir-se pela altura do sol, que não
por uma estrela; e melhor com o astrolábio, que não com
um quadrante nem com outro nenhum instrumento.
(Faras, 1500, p. 3 apud Gesteira, 2014, p. 1018).
As palavras acima foram proferidas pelo Mestre João Faras, um médico que estava a
bordo da esquadra de Pedro Álvares Cabral. Tais registros foram realizados com o intuito de
manter o rei de Portugal, Dom Manuel I, ciente do que estava ocorrendo em terras que
passaram a ser chamadas pelos europeus de Novo Mundo. Nesta citação de sua carta, pode
ser lido uma menção a um instrumento presente nas esquadras marítimas, o astrolábio.
Define-se astrolábio como “uma placa circular vertical de metal dourado com
graduações, sobre a qual uma alidade com duas miras gira diametralmente.” (Cittert, 1954,
p. 1, tradução nossa).
10
Este instrumento representou a concretização dos esforços na área
de matemática de vários pensadores gregos, sendo um marco na história do avanço
científico. Todavia, foi a Hiparco (séc. II a.C)
11
que se atribuiu a sua construção. Era um
equipamento que possuía uma variedade de uso, por exemplo, através dele era possível
desvendar problemas astronômicos e matemáticos relacionados às posições nas quais os
corpos celestes se encontravam.
Um outro propósito para a utilização do instrumento era medir a altura dos astros
acima do horizonte e, assim, determinar a latitude em que uma embarcação estaria em alto
mar. Devido às suas diversas utilidades, o astrolábio, assim como a bússola, tornou-se um
instrumento indispensável para os navegantes, sendo uma presença constante em suas
viagens marítimas, auxiliando a navegação e as novas rotas marítimas que vinham se
descortinando diante dos europeus daquele período. Sobre ele ainda pode ser mencionado
que “[...] no mar, as observações para determinação de latitude são mais precisas quando
feitas com o astrolábio e tomando a altura do sol.” (Gesteira, 2014, p. 1018). Gesteira
enfatiza em seu texto o astrolábio português, o qual possuía como ponto de referência
inicial o Zênite:
10
[No Original] “Usually na astrolabe is a vertical gilt metal circular plate with graduations, over which an
alidade with two sights revolves diametrically.” (Cittert, 1954, p. 1).
11
Embora a criação do astrolábio esteja vinculada a Hiparco (Séc. II), o Museu de Topografia do Instituto de
Geociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) apresenta uma referência da tradição
islâmica que atribui a Ptolomeu, um contemporâneo da época de Hiparco, a sua origem.
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O astrolábio que usam os pilotos portugueses começa sua graduação em nada, ou
cifra no Zênite, que é debaixo do arganel, e acaba em 90 graus no Horizonte assim
para uma como para outra parte, ao contrário dos astrolábios castelhanos que
começam a graduação em nada no Horizonte e acabam em 90 graus no Zênite.
(Gesteira, 2014, p. 1019).
As navegações em regiões marítimas mais distantes e profundas, que tiveram o seu início no
final do século XV e que continuaram de forma mais intensa no século seguinte, trouxeram consigo o
aperfeiçoamento deste instrumento para que suas medições fossem cada vez mais precisas e, com
isso, trouxessem mais segurança à tripulação em alto mar. Um exemplo notável do aperfeiçoamento
deste instrumento de navegação, foi a atualização realizada pelos portugueses, que remodelou o
astrolábio planisférico para o modelo náutico. Este melhoramento no equipamento proporcionou
uma maior segurança para enfrentar as condições adversas encontradas nas viagens marítimas.
O astrolábio português é uma adaptação feita ao quadrante que permitia
calcular a latitude através da Estrela Polar, apenas no hemisfério norte. Os
portugueses criaram então o astrolábio náutico, adaptação feita com base no
astrolábio planisférico que, tal como o quadrante, também poderia utilizado com a
Estrela Polar, ou através do Sol, o que tornava possível medir a posição do navio
em qualquer latitude. (CCM Marinha, [s. d.: n. p]).
Ao refletir sobre a era das navegações ultramarinas, esta adaptação dos portugueses
ao quadrante, trouxe uma maior segurança ao navio em qualquer latitude em que se
encontrava. Repare bem que o texto deixa devidamente explícito que os navegantes
portugueses passaram a ter ciência de sua posição em alto mar a qualquer hora, fosse dia ou
noite, o que passou a ser possível devido ao fato de o aparelho permitir que fosse utilizado a
partir de dois pontos de referência, a Estrela Polar ou o Sol. O astrolábio efetuou um papel
tão importante para a navegação deste período que passou a ser tema poético, como
podemos perceber na canção de Leonina Oliveira, denominada: Astrolábio.
Primeiro foram criados as correntes marinhas/E dada aos seres a vontade de
navegar/Ninguém sabia de onde esta vontade vinha/Ninguém sabia como era o
mar./Depois foram criadas as estrelas/E as posições da ursa polar/Constelações se
fizeram e vê-las/Despertou nos seres a vontade de voar./Um dia surgiram as
ilhas/Os continentes a se desmembrar/Pedaços da terra/Pedaços de trilhas./Então
existia uma razão para se deslocar/Entre as faixas marinhas/Entre as ilhas e
trilhas/Pessoas distantes a se esperar./E disto nasceu a saudade/Trazendo consigo
a brisa do mar./Os ventos foram criados,/a lua chegou para ficar/Criaram marés e
soldados/Cantavam glórias sobre o luar./Surgiram os barcos/surgiram as
velas./Vieram os remos para impulsionar/Ousados marujos que em
caravelas/Faziam-se ao largo tentando encontrar/O porq do desejo de
navegar/O porquê do desejo de navegar/Ninguém sabia donde este desejo vinha/E
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monstros marinhos surgiram aos montes/Fenícios e gregos observaram uma
linha/Egípcios e etruscos observaram o horizonte./Estudos complexos de um
tempo distante/Criaram um objeto para cartear/Cartas náuticas baseadas em
estrelas brilhantes/A fim de que o oceano pudessem mapear./Clepsidras
existiam e também as lanternas para guiar/Era preciso criar um sextante/Que
nunca nem antes/Ousou-se criar./O astrolábio surgiu/E os seres se fizeram ao
mar./E ninguém nunca descobriu/De onde nasceu a vontade de marear/[...]
(Oliveira, 2012, [n. p.]).
Embora seja um pouco extensa a referência poética acima, ela descreve muito bem o
papel do desenvolvimento tecnológico quando os homens buscavam novos caminhos para
conhecer. A autora deixa claro em seu texto que diante do desejo dos seres, estudos
complexos foram realizados, o resultado foram as cartas náuticas, o sextante e, por fim, o
astrolábio, que “emprestou” o seu nome a esta poesia. A sua importância é tão atual que
durante o ano Geofísico Internacional (1957-1958), vários “astrolábios do modelo
denominado impessoal, distribuídos por todo o globo terrestre, foram utilizados com
sucesso para a determinação do tempo e da latitude.” (Marques dos Santos, 2005, p. 146).
O leme
A direção é dada pelo leme, quando o barco vira para a
esquerda o rumo é bombordo, e à direita é estibordo.
(Pelizzari, 2020, p. 26).
A bússola e o astrolábio permitiram determinar a latitude e manejar a direção nos
sentidos Norte ou Sul, respectivamente. Eles foram determinantes para auxiliar a navegação
da época, permitindo-a mesmo em condições desfavoráveis, fruto de um desconhecimento
dos mares a que se lançavam. Para além destes, um outro equipamento que (inclusive até os
dias atuais) é fundamental para uma embarcação é o leme, uma peça móvel que assegura a
direção de um navio e que em síntese pode ser descrito como:
[...] peça de madeira utilizada no governo da embarcação, geralmente constituído
de uma tábua, e com partes principais chamadas de madre, cabeça e porta do
leme. É a porta que oferece resistência à água; cabeça é a parte de cima; e madre é
a parte mais a vante, onde ficam as governaduras [sic]. (Pelizzari, 2020, p. 22).
Para conhecer um pouco da história deste instrumento, deve-se voltar a alguns
estudos que tiveram como ponto de partida a arqueologia e suas escavações. De acordo
com algumas referências, “o leme começou a ser incluído nas embarcações no século 1 d.C.
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Porém, em escavações realizadas em túmulo imperial, do século 1 a.C, foi encontrada
maquete de um barco chinês com leme” (Oliveira, 2003, [n. p.]). Através dos registros
históricos, o leme passaria a ser utilizado no Ocidente “somente 1100 anos após” (Oliveira,
2003, [n. p.]). Chama atenção o fato de que as suas principais atualizações ocorreram nas
sucessões das embarcações que circum-navegavam o Mar Mediterrâneo.
No Norte os lemes eram laterais, e as vezes, único à mão direita, dando a este lado
o seu nome: estibordo de steer-board (steer = dirigir). No Sul usavam-se sempre os
dois lemes laterais, como solicitava a armação latina, pois com o casco mais
estreito e os ventos de través podia haver grande adernamento, que chegava para
trazer o fora de água o leme de barlavento, inutilizando a sua acção [sic]. Era
preciso outro leme. No Norte foi-se combatendo aquele real inconveniente,
embora ali menor, levando pouco a pouco, o leme mais à ré, de modo a diminuir a
amplitude de sua saída da água. (Barata, 1970, p. 7).
Aproximadamente até o século XIII, estas embarcações que cruzavam o
Mediterrâneo possuíam os lemes de acordo com a sua localização regional: no Sul, o
instrumento era disposto em uma localização da embarcação; no Norte, por sua vez,
estava adaptado em outro ponto. Isso significa que era necessário estabelecer um padrão e,
para tanto, fazia-se necessário elaborar um novo projeto para o leme. Devido a estes
fatores, aos poucos, as embarcações passaram a ser construídas com o leme adaptado à
popa. Esta alteração, que se iniciou a princípio de forma modesta, produziu um modelo de
leme que “pouco a pouco se chegou, talvez no século XIII, ao leme axial, que nos fins do
século XIV já se vê nas naus mediterrâneas de vela redonda” (Barata, 1970, p. 7).
O leme axial foi uma importante inovação na história da navegação, haja vista que
veio para substituir o leme de esparrela, que consistia em um remo ou similar colocado
lateralmente na embarcação, ficando voltado para o lado oposto ao vento. Embora, fosse
eficaz em embarcações menores, ele encontrava limitações em embarcações maiores, como
as caravelas. Com o advento das Grandes Navegações e a necessidade de embarcações mais
robustas e capazes de enfrentar longas viagens, o leme axial mostrou-se uma solução eficaz.
Sua estrutura vertical e alinhamento com a quilha permitiam maior controle e
precisão na navegação. Além disso, o leme axial era mais resistente e durável, suportando
melhor as condições adversas do mar. A adoção do leme axial também teve impacto na
construção naval. As embarcações passaram a ser projetadas levando em consideração a
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utilização deste tipo de leme, o que resultou em mudanças na forma e no desenho dos
cascos.
Com o aparecer do leme axial o casco fechou-se, a ré, com uma forma de canastra,
em duas nádegas ao lado do cadaste, dando assim a «pôpa redonda» [sic] ou «alia
bastarda», que perdurou em toda a Europa enquanto houve navegação à vela em
navios de alto bordo. Nos começos do século XVI, e certamente não antes da
«época manuelina», foi trazida do oriente [...] pelos portugueses, a «pôpa de
painel» [sic], plana, fazendo esquinas com os flancos do costado, como é a dos
juncos malaios. Essa construção espalhou-se por toda a Europa, talvez por ser,
embora menos sólida, de mais fácil execução, evitando o curvamento apertado de
grossas tábuas e espessos verdugos, trabalho esse sempre custoso. (Barata, 1970,
p. 7-8).
Ao efetuar uma observação atenta dos registros referenciais enunciados acima,
constata-se que a inserção do leme de modelo axial teve impactos profundos nas
transformações da construção naval do período. A Europa do século XIV vivenciou
importantes atualizações em suas embarcações, o que acabou contribuindo para os desafios
de uma sociedade que estava em um processo de mudanças. Neste contexto, o leme axial
desempenhou um papel expressivo para aumentar a manobrabilidade, a estabilidade e a
velocidade das embarcações, adaptando-os as diferentes condições climáticas e geográficas.
Tais renovações contribuíram à chamada expansão marítima europeia, que, como
afirmado anteriormente, teve o seu início em fins do século XV.
O terceiro mastro
Os navios de vela sofreram mais alterações entre 1400 e
1550 do que em todo o período posterior. (Lima, 2022, p.
24)
Os equipamentos que são objetos deste estudo, em mãos europeias passaram por
significativas atualizações. No entanto, tais ajustes surtiriam os efeitos desejados caso a
estrutura da embarcação também fosse inovada. E, isto pode ser visto, nas mudanças que o
leme passou a receber no decorrer do mesmo século. Em vista disso, pode ser afirmado que
foi “neste clima de mudança tecnológica e de experimentação com novos tipos de navios
que apareceu a nau de três mastros que permitiu a expansão marítima Europeia [sic].
(Domingues, 2012, p. 54). Embora o fato de adicionar o leme na popa tenha trazido um
significativo avanço, era fundamental estabelecer um contrapeso no local da sua instalação.
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Noutras palavras, a fim de equilibrar o mastro do leme, era necessário a instalação de um
mastro a mais nas embarcações para contrabalancear o peso.
Este fator foi um dos motivos que conduziu a engenharia naval da época a buscar
uma solução mais apropriada para equilibrar as alterações que o corpo da embarcação
passou e torná-las mais seguras e dinâmicas. Além disso, era necessário possuir um meio de
transporte marítimo que pudesse alcançar locais mais distantes, com uma maior tripulação,
com suficientes mantimentos e que retornassem com uma maior quantidade de carga.
Diante de novas demandas, as caravelas de dois mastros, embora possuíssem uma boa
eficiência, não se adequavam com esta exigência que o mercado europeu estava começando
a vivenciar.
Diante destes desafios, estabeleceram-se projetos para uma embarcação com um
terceiro mastro. Com isso, em fins “da Idade Média algumas dessas embarcações tinham
60 m de comprimento com uma boca de 15 metros e uma capacidade de carga de 1.400
toneladas.” (Hodgett, 1975, p. 131).
No século XV, o navio mercante do Atlântico, denominado de cog, era redondo e
era equipado com um único mastro e uma única vela. Por meados do século XV,
introduziu-se um mastro a fim de equilibrar a vela triangular (latina). [...] Essa
armação, conhecida de carraca era muito comum no Mediterrâneo. Entretanto,
foram os portugueses que desenvolveram uma armação usando velas latinas e
[acrescentando o terceiro mastro]. Esses navios receberam o nome de caravelas.
(Espíndola, 2013, p. 2).
A adaptação de um terceiro mastro a caravela significou o recebimento de “uma vela
triangular presa a uma verga em um ângulo agudo com o mastro, em contraste com as velas
retangulares mais conhecidas, presas a vergas perpendiculares” (Rosemberg; Birdzell Jr.,
1986, p. 91). Com um mastro a mais e a junção das velas triangulares com as
quadrangulares, o resultado foi um melhor aproveitamento das forças eólicas em um barco
mais estável. O que configurou uma perfeita união para abrir caminhos por mares mais
profundos.
Considerações finais
Ao longo das considerações que foram propostas neste texto, foi possível observar
uma série de elementos que colaboraram para um interesse mais pontual em inovar a
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instrumentação náutica. Atitudes que tiveram como pano de fundo os acontecimentos
sociais que aos poucos se concretizavam ao longo do século XV e que acabaram conduzindo
ao período histórico das Grandes Navegações, as quais impactaram profundamente o
Ocidente.
Como pode ser observado, ações que partiram através de práticas contrárias a um
discurso prevalecente em fins da Baixa Idade Média, que defendia um acomodamento em
relação aos conhecimentos disseminados no período, começaram a sofrer fortes
questionamentos de pessoas que buscavam mudanças. Esta postura que, a princípio, surgiu
como um discurso, mas que acabou por conduzir o homem europeu a uma prática de ações
as quais alteraram a sua relação com a realidade do mundo e consigo, ocasionando uma
ruptura com o modelo tradicional vigente.
Esta atitude produziu resultados práticos, que refletiram em várias áreas da
sociedade, dentre elas a da tecnologia náutica que foi objeto desta pesquisa. De fato, apesar
de os equipamentos abordados aqui não terem sido de origem europeia, estes souberam
aproveitar essas tecnologias aprimorando-as e utilizando-as em prol de suas embarcações
para alcançarem uma navegação em rotas anteriormente vistas como inatingíveis, como
ficou demonstrado ao contextualizar o espírito da época.
A caravela é o melhor exemplo para representar como estas atualizações em
tecnologias disponíveis para a época trouxe resultado. Pois foi através da sua utilização, que
surgiu uma navegação visando novos horizontes e na esperança de alcançar novos mercados
para a expansão do comércio europeu.
Contudo, diante deste panorama, surge uma reflexão essencial sobre o uso das
tecnologias nas sociedades que as detém, e como elas podem ser usadas para o bem ou
para o mal. As Grandes Navegações demonstraram que o desenvolvimento tecnológico pode
auxiliar na solução de vários problemas, contudo, tem potencial para gerar outros que
podem vir a se tornar “irreparáveis”.
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