Ave Libertas: mulheres abolicionistas nos espaços socioculturais
do Recife (1884-1888)
Ave Libertas: abolitionist women in the sociocultural
spaces of Recife (1884-1888)
LEANDRO, Jacilene de Lima.*
https://orcid.org/0009-0005-7590-7760
RESUMO: O presente artigo analisa a
abrangência da mobilização antiescravista, que
atuou em diversos espaços, conquistando um
público vasto e essencial para o avanço do
abolicionismo. Diante disso, observamos as
mulheres abolicionistas fundadoras e associadas
da sociedade Ave Libertas, explorando suas
atuações nas ruas e nos teatros da cidade do
Recife entre 1884 e 1888. Averiguamos como a
associação somou-se à construção de uma
Cultura Política que utilizou símbolos conhecidos
para fortalecer a identidade do movimento
abolicionista. O uso político desses espaços pelas
militantes favoreceu a sensibilização do público
urbano, da mesma maneira em que a
organização de grandes eventos em teatros,
circos, ruas e praças ajudou o grupo feminino a
ganhar notoriedade. Com isso, o engajamento
das mulheres colaborou para a criação da
memória abolicionista, além de conquistar novas
possibilidades políticas para as moças e senhoras
oitocentistas.
PALAVRAS-CHAVE: Mulheres; Abolicionismo;
Espaço urbano; Ave Libertas.
ABSTRACT: The current article explores the
reach of the anti-slavery movement, which
functioned in various contexts and attracted a
sizable and significant audience for the
promotion of abolitionism. In light of this, we
observe the abolitionist women founders and
members of the Ave Libertas society, exploring
their activities between 1884 and 1888 in the
Recife city’s theaters and streets. We
demonstrate how the association contributed to
the development of a political culture that
strengthened the abolitionist movement's
identity by using prominent symbols. The
political use of these spaces by the militants
favored the awareness of the urban public, in
the same way that the organization of large
events in theaters, circuses, streets and squares
helped the women's group to gain notoriety.
Thus, the engagement of women collaborated to
the creation of the abolitionist memory, along
with opening up new political opportunities for
girls and women in the 19th century.
KEYWORDS: Women; Abolitionism; Urban
space; Ave Libertas.
Recebido em: 12/04/2023
* Graduada em História, UFRPE, mestranda, PGH-UFRPE, Recife-PE. O presente trabalho foi realizado com apoio
da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior Brasil (CAPES). E-mail:
jacilima.jll@gmail.com.
Este é um artigo de acesso livre distribuído sob licença dos termos da Creative Commons Attribution License.
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Aprovado em: 08/06/2023
Introdução
A mobilização abolicionista no Recife, assim como nacionalmente, espalhou-se por
diversos espaços. Dessa forma, o movimento retirou dos prédios institucionais a
exclusividade dos debates políticos, fazendo com que as discussões adentrassem também
em lugares públicos, em que, cotidianamente, conviviam escravizados e trabalhadores,
intitulados por alguns, na década de 1880, como pertencentes às classes inferiores. Eles,
certamente, já debatiam sobre suas condições de trabalho e as decisões imperiais sobre o
assunto. Insuflar discussões sobre as questões políticas nos lugares do cotidiano foi uma
possibilidade encontrada pelos ativistas para a divulgação da imagem criada pelo repertório
moral do abolicionismo, a qual deslegitimava a escravidão, sendo trazida como ilegal e
imoral.
A disseminação dessas ideias foi possível com a organização de diversas
manifestações públicas, inspiradas, principalmente, pelo movimento britânico e norte-
americano. Entretanto, essa mobilização internacional tinha a religião protestante como
aliada, enquanto, no Brasil, a religião mais influente era o catolicismo, que estava atrelada
ao Estado escravista. Assim sendo, os abolicionistas brasileiros fizeram adaptações em suas
propagandas que passariam a fazer uso das artes como mecanismo de engajamento político
(Alonso, 2012, p. 103).
Além disso, os ativistas tiveram que utilizar espaços urbanos de sociabilidade, os
quais auxiliaram na aproximação de indivíduos distantes do debate político parlamentar das
discussões sobre o trabalho escravo. Os ambientes teatrais foram grandes colaboradores
nesse processo, que esses lugares seculares deram abertura para os rituais abolicionistas.
Como afirma Maria Stella Bresciani (2002, p. 30) “[...] nesses espaços, instauram-se
possibilidades de ação pela presença coletiva dos atores sociais e pelo registro dessa
presença dramatizada em espetáculo”.
Segundo Celso Castilho (2012, p. 339), o fenômeno do teatro abolicionista foi crucial
para conectar um público maior às atividades do movimento recifense. Além disso, o teatro
ajudou nas mudanças do discurso antiescravista e na nacionalização dos debates acerca da
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escravidão. O uso desses espaços aconteceu em algumas capitais, construindo uma
identidade coletiva abolicionista e expandindo a esfera política.
1
Assim, os militantes antiescravistas e os novos agentes sociais que embarcaram na
mobilização, ajudaram a politizar a cidade do Recife, junto às transformações dos
oitocentos, a partir dessas atividades inovadoras, as quais buscaram elementos urbanos que
possibilitassem atrair o blico, para assim, colocar em prática seu proselitismo, bem como
criar memórias.
A capital pernambucana tinha alguns teatros blicos e privados, localizados
normalmente perto de praças e espaços movimentados, o que facilitava o acesso a um
maior número de pessoas. No entanto, apesar dos teatros possibilitarem ritualizar a
propaganda antiescravista na ausência das igrejas, indícios de que alguns ativistas
utilizaram também práticas religiosas junto às atividades abolicionistas. Inclusive, alguns
eventos eram bastante semelhantes aos ritos católicos, como as passeatas que tinham certa
similaridade com as procissões.
Como podemos verificar, muitas manifestações aconteceram nas ruas e nas praças,
como marchas, procissões cívicas, meetings, entre outras. Foram eventos que deixaram o
movimento em evidência, firmando um caráter festivo e popular. Essas solenidades eram
acompanhadas com bandas de música, iluminação, distribuição de cartas de alforria e
discursos, mostrando novas formas de mobilização pública, capazes de cativar a população,
assim como o uso político do espaço urbano, cada vez mais caracterizado por
representações do abolicionismo. Nos jornais, podemos evidenciar o trabalho de mulheres
nas organizações dessas cerimônias, participando, além disso, como parte das atrações e
entre as homenageadas.
Após os revisionismos historiográficos ocorridos no final do século XX, a questão do
gênero feminino ganhou uma abertura, apesar disso, ainda existem poucos trabalhos que
tomam moças e senhoras como personagens centrais na investigação. Destacamos
determinados estudos realizados nas últimas décadas, que se debruçaram nas pesquisas
acerca da participação de mulheres no movimento abolicionista, principalmente,
delimitando-se em algumas regiões como Goiás (Sant’Anna, 2006), Amazonas (Menezes,
1
Por identidade coletiva, referimo-nos aos critérios que identificam os agentes políticos do movimento
abolicionista, ou seja, referenciais políticos e sociais que indicam a realidade dos militantes. Como nos aponta
João Paulo Pimenta (2006), esse conceito abrange os aspectos políticos que são compartilhados coletivamente
por determinados grupos para uma identificação dos sujeitos, por eles mesmos ou por terceiros.
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2014), Rio de Janeiro (Silva, 2014), Minas Gerais (Macena, 2015), Espírito Santo (Rocha,
2015) e a cidade de Pelotas, no Rio Grande do Sul (Nunes, 2020).
Com relação a Pernambuco, encontramos alguns trabalhos que nos trazem
informações sobre esse engajamento, como o livro de Luzilá Ferreira (1999), que, além do
aporte documental, apresenta também reflexões sobre a atuação de mulheres, traçando
diversos perfis, desde a década de 1870 até a abolição. Além do artigo da historiadora Maria
Ângela de Faria Grillo (2015), intitulado Ave Libertas: O movimento abolicionista feminino
de Pernambuco”, que discorre sobre informações iniciais do envolvimento dessas senhoras
com a articulação antiescravista.
Através desses trabalhos e de análises documentais percebemos que em
Pernambuco, o engajamento feminino fez bom uso dos elementos presentes na cidade, o
que favoreceu um prestígio angariado pelas abolicionistas, ficando cada vez mais
reconhecidas pelos militantes e escravizados. Essas mulheres, através da sociedade
abolicionista Ave Libertas,
2
criavam uma notoriedade ficando à frente de cerimônias que
eram relevantes para o movimento, organizavam ilustres eventos, com grandes públicos,
que eram sensibilizados pelo repertório moral do abolicionismo. Com isso, a associação
liderada por moças e senhoras foi ganhando mais espaço na agenda pública antiescravista
do Recife. Tendo em vista que “os grupos tanto constroem a cidade enquanto um tecido de
relações sociais e representações, quanto são constituídos por ela” (Monteiro, 2012, p. 104),
faz-se importante observar como as militantes femininas buscaram destacar os aspectos do
seu ativismo nos espaços da capital pernambucana, criando novas sociabilidades a partir
desses recursos urbanos.
Podemos ver essa utilização dos espaços quando destacamos que as mulheres
abolicionistas recifenses participavam de passeatas, não apenas como manifestantes, mas
discursando e agitando os protestos de rua. Vejamos essa passagem:
A’ tarde d’esse dia houve uma outra passeiata de mais de 6,000 pessôas,
promovida pela commissão central emancipadôra. No trajecto fizeram-se ouvir
muitos oradores, notando-se a distincta representante da Sociedade Ave Libertas,
2
Sociedade abolicionista, fundada em 20 de abril de 1884 na cidade do Recife, voltada para o público feminino,
mas com participação ampla de membros masculinos. A associação foi dirigida exclusivamente por mulheres,
que se empenharam na causa abolicionista e tinham o objetivo de libertar os escravizados da capital.
Efetivaram ações legais e ilegais junto aos grupos abolicionistas pernambucanos, ajudando a impulsionar o
movimento no final da década de 1880.
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exma. sra. d. Carlota Villela, que em eloquentes palavras saudou ao povo
pernambucano (A província do Espírito Santo, p. 2, 1885, grifo próprio).
A abolicionista Carlota Vilella, que tinha passado por diversos cargos na sociedade
Ave Libertas, atuou também como oradora e, na ocasião, fez um discurso em uma
manifestação pública que comemorava a eleição de Joaquim Nabuco. A nota mostra ainda
que o evento contou com ao menos seis mil pessoas. O ato da militante, assim como outras
ações da sociedade, deu destaque para o ativismo feminino, mostrando sua existência para
a população que estava nas ruas.
Além das vozes e ideias femininas, seus símbolos, igualmente, estavam presentes nos
espaços urbanos, como notamos na notícia de um evento em homenagem a José Bonifácio,
realizado em um teatro, em que, ao retratar a decoração, é relatado:
Sobre o pedestal elevava-se uma pyramide truncada, tendo sobre uma estrella
radiante a legenda Verdade e justiça. A pyramide era ladeada pelos estandartes
das associações abolicionistas Commissão Central Emancipadora, Ave Libertas,
Club Abolicionista e Nova Emancipadora, e o estandarte nacional desfraldada na
parte anterior, formando um trophéo de bandeiras (A província do Espírito Santo,
p. 4, 1886, grifo próprio).
Como podemos reparar, o estandarte da sociedade abolicionista Ave Libertas é
ressaltado entre tantos outros, destacando-se entre as bandeiras das associações
abolicionistas pernambucanas. Estar presente em diversos lugares e diferentes eventos
ampliou a ocupação de espaços por essas mulheres ativistas, assim como suas sociabilidades
no âmbito da vida pública.
Colocando-se nessas novas relações com o público e com os lugares, as militantes
construíram relações sociais em diferentes ambientes, o que se deu também a partir de uma
nova cultura política, construída por meio de pensamentos de grupos antes afastados da
política institucional. Serge Berstein (1998) considera o conceito de Cultura Política como um
fenômeno evolutivo que difunde representações até sua normalização. Sobre o surgimento
dessas culturas ele afirma:
A complexidade do fenômeno implica que o seu nascimento não poderia ser
fortuito ou acidental, mas que corresponde às respostas dadas a uma sociedade
face aos grandes problemas e às grandes crises da sua história, respostas com
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fundamento bastante para que se inscrevam na duração e atravessem as gerações
(Berstein, 1998, p. 355).
Isso significa que, ao percorrer pelos processos históricos, as populações acumulam,
em seu imaginário, representações que acabam guiando o futuro social e político. Expresso
em outros termos, a vida cotidiana, os regimes políticos, os desejos, os símbolos e as ideias
debatidas e difundidas sobre a população acabam por influenciar as decisões e soluções das
sociedades. De certa maneira, nessa perspectiva, o cultural formaria uma base para o
político, dinâmica que se sucede e modifica-se ao longo do tempo. Dessa forma, se a cultura
política é construída através da complexidade das ações humanas e os vários parâmetros
existentes nas sociabilidades, quando se observa e se apropria de novas atividades, surge
então uma nova forma de fazer política. (Berstein, 1998, p. 350).
Assim posto, o uso dos espaços urbanos para a construção dessa cultura política
abolicionista, junto com outros símbolos e elementos do movimento antiescravista, criou
uma estrutura simbólica que alimentou esse ativismo. Em toda a mobilização nacional
podemos observar a utilização de elementos que moldaram as dinâmicas políticas, como o
uso dos teatros, a adoção de símbolos e a propaganda impressa, um modo capaz de
aproximar diferentes tipos de pessoas e caracterizar a militância.
3
As mudanças sociais que o movimento queria, como a participação popular, a
liberdade para os escravizados e políticas que facilitassem o futuro dos libertos, podiam ser
explicadas também pelos símbolos, ou ganhavam significados e importância através dos seus
característicos eventos. Assim como nas grandes revoluções foi preciso politizar o cotidiano
(Hunt, 2007, p. 81). Para isso, os ativistas tentaram marcar a vida pública e privada dos seus
apoiadores, deixando os sinais da causa em suas roupas e até em suas casas.
Para ser abolicionista, não bastava apenas afirmar seu apoio, era preciso mostrar e
engajar-se na mobilização ou, ao menos, representar as ideias do movimento com suas
ações. Portanto, o dia a dia era importante para evidenciar os apoiadores, os quais sabiam
da importância de participar de uma associação, presenciar os eventos, fazer doações para
as atividades e conversar sobre o trabalho escravo nos mais variados momentos e lugares.
3
Essa mobilização nacional pode ser evidenciada em diversos trabalhos historiográficos, como os que
dissertam sobre o início da teatralização do movimento no Rio de Janeiro (Alonso, 2012.) e também os estudos
sobre a libertação de territórios ocorrida no Ceará, estratégia em que os abolicionistas ocuparam os espaços
cearenses gradativamente, até o fim do trabalho escravo na província. (Castilho, 2016).
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Essas ações ficaram cada vez mais habituais, que a escravidão estava em toda parte e a
causa abolicionista também ganhava cada vez mais espaço.
Eduardo Silva (2003) fez um estudo sobre o uso das camélias, flores que ganharam
significado pelos abolicionistas cariocas, os quais relacionavam a liberdade com a flor que
era plantada no quilombo do Leblon, rara, especial e carente de manutenção. O símbolo
logo se tornou poderoso nacionalmente, ramalhetes eram entregues nas cerimônias,
homens e mulheres utilizavam como acessórios em suas roupas, servindo, inclusive, como
uma espécie de código de identificação, grandes líderes e, até mesmo, a família imperial
teria adotado esse e outros símbolos para aproximar-se da causa. Assim, os elementos
materiais ganharam uma função simbólica que se somou à identidade característica da
mobilização abolicionista.
Apesar das camélias tornarem-se importantes simbolicamente também fora do Rio
de Janeiro, não encontramos vestígios concretos de que essa flor foi usada nas atividades
abolicionistas em Pernambuco. Entretanto, as flores em geral marcaram presença tanto nas
decorações festivas, como em algumas atividades da Ave Libertas. Encontramos a formação
de comissões em que algumas senhoras pretendiam vender ramalhetes (Jornal do Recife,
1884, p. 1), provavelmente, para arrecadar dinheiro. Mesmo que aparente ser uma ação
mais pragmática, podemos encarar a escolha das flores como produto simbólico de uma
mobilização pautada em metáforas e filosofias figurativas.
Desse modo, percebemos que a cultura política do movimento abolicionista utilizou,
do mesmo modo, de uma cultura material, que serviu como instrumento para as
representações do ativismo. Cientes de que o meio cultural era um caminho profícuo, as
ativistas seguiram criando uma identidade para a mobilização.
Em uma publicação do Jornal do Recife de 1884, encontramos um comunicado da
Ave Libertas com o seguinte pedido:
A directoria da Ave Libertas, roga aos habitantes desta cidade, especialmente aos
sinceros abolicionistas, que no dia 28 do corrente, anniversario da lei humanitária
do benemérito Visconde de Rio Branco, armem as frentes de suas casas com
bandeiras e luminárias, em signal de adesão a santa causa da extinção da
escravatura (Jornal do Recife, p. 2, 1884).
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A ocasião a ser comemorada seria os 13 anos da Lei do Ventre Livre, datada de 28 de
setembro de 1871, que foi, sem dúvidas, um grande marco e um impulsionador para a
mobilização antiescravista. Neste sentido, os militantes sempre tentavam valorizar as datas
de conquistas importantes. Como grandes representantes do abolicionismo na cidade, a
associação feminina convocou os cidadãos a iluminar e decorar suas casas, incentivando
seus apoiadores. Esse ato serviria para celebrar, mas também para mostrar o tamanho do
apoio que a causa angariou na cidade. Ao imaginarmos ruas com casas iluminadas e
enfeitadas, percebemos a concepção que o movimento queria produzir com o seu
simbolismo, o de um ativismo festivo, alegre e otimista, criando marcas visuais e temporais.
A nota jornalística trazida mostra ainda o otimismo das abolicionistas, uma vez que,
elas afirmam que a ideia seria bem acolhida, o que evidencia o reconhecimento da
associação, assim como a abertura dos apoiadores e dos militantes que, aparentemente,
mostravam-se dispostos a construir e realizar juntos essa identidade política.
As comemorações e festejos relacionados à política não eram novidades na capital
pernambucana. A historiadora Lídia Santos (2018, p. 49) relata, em seus estudos, que desde
a primeira metade do século XIX, os pernambucanos realizavam atos com cortejos, sicas,
luminárias e bandeirolas, após notícias importantes e conquistas.
Com isso, notamos, mais uma vez, o uso de elementos materiais conhecidos pela
população, como bandeiras e luminárias, componentes de eventos festivos que o
movimento também se apropriou, utilizando elementos usuais para ambientar os sujeitos
que delas participavam. Assim, buscava aproximar as ações e particularidades da
mobilização com o cotidiano das pessoas, articulando as zonas de contato entre espaços
públicos e privados, como as ruas, as portas e as fachadas das casas.
Essas atividades que marcavam os espaços urbanos e sociais ajudavam a fortalecer e
construir ideias em torno da mobilização, importante para a consolidação das novas formas
de fazer política, que o abolicionismo tinha ainda que ultrapassar um sistema consistente
e disseminar concepções, que, muitas vezes, estavam na contramão do que aquela
sociedade viveu e acreditou por um determinado tempo. Logo, os militantes organizaram
um processo de normalização das novas dinâmicas políticas, realizado de forma gradual e
ocupando o dia a dia dos indivíduos.
Diferentes elementos conquistavam públicos diversos, assim também aconteceu com
os espaços, por isso, o movimento antiescravista organizou manifestações públicas em
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ambientes fechados, como teatros e circos, mas também tratou de ocupar os locais abertos
como as praças e ruas das cidades, da mesma forma que, tentou adentrar nas casas de seus
apoiadores. É notável que as mulheres recifenses engajadas no movimento abolicionista,
ademais, alimentaram essa cultura, incentivando a adoção dessa linguagem simbólica e a
ocupação desses lugares.
Sendo assim, a mobilização movimentou a vida social e usou práticas culturais para
atingir as sociabilidades. Ao envolver o ativismo com os hábitos cotidianos, os abolicionistas
começaram a alterar o imaginário cercado pela presença da escravidão, além de trazer ideias
de participação popular e cidadania. Analisando essa trajetória, Celso Castilho (2016) afirma
que “o abolicionismo fomentou a ‘política de massas’ em nível nacional”.
Esse incentivo ao envolvimento das massas culminou em uma pluralidade de grupos
e ações, além de promover diversas discussões políticas, de modo que esse cenário permite
caracterizar o abolicionismo como o primeiro movimento social brasileiro, segundo Angela
Alonso (2014, p. 122).
A sociedade Ave Libertas nas ruas e nos teatros
Após a criação da sociedade feminina Ave Libertas em 1884, as mulheres engajadas
do Recife, imediatamente realizaram cerimônias festivas, que eram preparadas em diversas
reuniões ocorridas em sua sede, inicialmente, instalada em um sobrado na Rua do
Imperador, sendo transferida, em seguida, para o segundo andar de uma casa pertencente à
presidente eleita da associação, D. Leonor Porto
4
. Essa segunda instalação era localizada na
Rua Larga do Rosário. Ambas as sedes ficavam no Bairro de Santo Antônio, local com muitos
estabelecimentos comerciais e a maior parte das repartições públicas. Além dos espaços de
movimentação e comunicação como as sedes de jornais, travessas, praças, igrejas e largos.
Ademais, atentamos que, historicamente, as mulheres eram apartadas das ruas,
ficando reclusas aos domicílios, exceto para as escravizadas, forras ou livres pobres que
trabalhavam fora das casas (Silva M, 2003, p. 4). Entretanto, na segunda metade do século
XIX, a presença feminina oriunda das classes dominantes ficou mais frequente nos espaços
públicos. Esse fato foi despertado pela nova civilidade buscada pelos recifenses, que
4
D. Leonor Porto era costureira do estilo modista, que replicava a moda parisiense, ganhou popularidade na
capital pernambucana e recebeu muitas homenagens entre os abolicionistas. Em anúncios dos seus serviços,
podemos constatar o mesmo endereço de sua casa e da secretaria da associação Ave Libertas. Anúncio da
costureira em: Diario de Pernambuco, p. 5, 1883; convite da sociedade: Jornal do Recife, p. 3, 1884.
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popularizou passeios, visitas e bailes inspirados nos hábitos europeus (Da Silva, 2011, p.
220).
Segundo Gonçales (2020, p. 54), a moda, da mesma forma, sugeriu e impulsionou
uma autonomia feminina através do consumo, os jornais oitocentistas voltados para
mulheres incentivavam que elas mesmas saíssem de suas casas e fossem comprar nos
armazéns seus tecidos e peças de roupas, ao invés de pedir para que uma figura masculina
da casa fizesse esse papel. O mundo da moda cada vez mais próximo da feminilidade
possibilitou uma maior inserção de moças e senhoras das elites e das camadas médias no
espaço público. Com os novos lugares ocupados, novos modelos de roupas também foram
sendo adotados, incluindo roupas ditas femininas que se mesclaram com o vestuário
masculino, a fim de dar mais praticidade para o cotidiano sem perder a elegância.
Essas mudanças ajudaram as abolicionistas a ocuparem lugares como os teatros, nos
quais as sócias da Ave Libertas ganharam cada vez mais autonomia. Ao longo dos anos, a
associação foi responsável for diversas exibições de dramas, concertos orquestrais e
recitações de poesias. Normalmente, as atrações retratavam a vida dos escravizados e
tinham também alguns espetáculos de comédia e dramas da literatura europeia. Dessa
forma, as moças e senhoras não se distanciavam da elite e dos espaços acessíveis às
“mulheres de família”.
O espaço do teatro, por exemplo, era um dos mais importantes locais de
sociabilidade, era nas dependências do Teatro de Santa Isabel que as famílias
aristocratas encontraram o divertimento adequado: cantatas, óperas, peças e
apresentações extraordinárias. Os encontros ocorridos em seu salão principal eram
responsáveis por lançamentos de modas, flertes, encontros políticos etc. (Da Silva,
2011, p. 222).
Historicamente, os espaços teatrais além de construir relações sociais, promovem
trocas políticas, com pensamentos e concepções expostas dentro e fora dos palcos. Sendo
assim, para além das exibições artísticas, o movimento de ir ao teatro, no século XIX,
resultou em um convívio social entranhado com a política, transformando a sociedade junto
a uma modernidade iminente.
A maioria dos anúncios da Ave Libertas nos periódicos aponta o uso do Teatro de
Santa Isabel e o Teatro Santo Antônio, que foram palco de muitos festivais, os recintos eram
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comumente iluminados e enfeitados com flores e bandeiras.
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A decoração típica dessas
manifestações festivas abolicionistas tinha motivo para ser organizada, o uso de cada objeto
acusava uma afirmação do posicionamento político, os detalhes dispostos nos salões e nas
ruas representavam os princípios do abolicionismo (Santos, 2014, p. 62).
Com o sucesso dos festivais da sociedade feminina, logo as mulheres abolicionistas
passaram a organizar manifestações em espaços abertos ou em locais não elitizados, em
vista disso, encontramos notícias em que a associação anunciou um espetáculo em um circo:
Circo equestre É em benefício da sociedade abolicionista Ave Libertas o
espectaculo annunciado para hoje, no circo ao largo do Arsenal de Guerra, e no
qual as companhias reunidas dos Srs. João Gomes e Paulo Serino exhibirão os seus
melhores trabalhos.
O Exm. Sr. Presidente da província e os Srs. Drs. José Marianno e Joaquim Nabuco
prometteram assistir a essa função, incontestavelmente digna de attrahir a
concurrencia publica, a vista do generoso fim a que se destina (Jornal do Recife, p.
1, 1884).
Na nota podemos observar a organização de uma exibição circense no Largo do
Arsenal de Guerra, localizado no Bairro do Recife, ponto mercantil da cidade, constituído por
casas de comércio, bancos e associações comerciais (Figueiredo, 1975). O espetáculo
contaria com a presença de figuras famosas do abolicionismo, José Mariano e Joaquim
Nabuco, anunciados como artifício para atrair participação pública, entretanto, imaginamos
que o circo não atraia o mesmo público presente nos teatros, que o repertório era menos
solenizado, com atrações mais ousadas, sem as dramaturgias sérias das casas de espetáculo
(Silva, 2007, p. 75). Além disso, a localidade do evento, relatada no anúncio, pode nos
mostrar uma estratégia do grupo feminino para levar a mobilização aos indivíduos distantes
do centro político da cidade, que muitos trabalhadores do comércio, carregadores e
operários do porto, que conviviam naquele espaço, poderiam despertar o interesse em
assistir ao circo. Por conseguinte, o desejo de divertir-se acabava se transformando, mesmo
que involuntariamente, no aprendizado das ideias contra a escravidão.
Dessa forma, notamos que diferentes espaços conquistavam públicos distintos, afinal
as formas de sociabilidade mudam a partir das particularidades de cada evento. Nas ruas,
5
Podemos ver o uso dos ornamentos citados em uma programação de espetáculo no Teatro Santo Antônio em
benefício da Sociedade Ave Libertas em: Jornal do Recife, p. 3, 1884.
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essas diferenças reuniam-se, podiam ser vistas nas manifestações, que ocorriam nas
principais vias dos bairros centrais, diversos grupos aliados à causa antiescravista.
A sociedade Ave Libertas também organizou e conduziu algumas das grandes
passeatas que uniam as forças das associações recifenses para as causas do movimento,
como nas campanhas eleitorais e comemorações dos seus resultados. Localizamos, em uma
nota jornalística, que uma de suas sedes, localizada na Rua do Imperador, foi ponto de saída
de passeatas, as quais eram guiadas pelas senhoras abolicionistas que levavam seu
estandarte (pendão) junto com membros de outras associações, além da banda musical.
(Diário de Pernambuco, 1885, p. 3)
A publicação em questão apresenta-nos detalhes de uma marcha iluminada com
lanternas ou tochas, nomeadas de marche aux fambleaux, que eram passeatas noturnas
feitas para dar destaque às luzes. A manifestação foi em homenagem a Joaquim Nabuco
como reconhecimento pelo seu papel como deputado.
Para destacar e analisar o uso dos espaços urbanos nessas caminhadas,
reconstruímos, na Imagem 1, o trajeto da marcha de julho de 1885, a partir do
detalhamento nos jornais. O ponto de partida foi a sede da Ave Libertas na Rua do
Imperador, da qual não sabemos a localização exata. Destacamos em azul uma parte da via
para indicar o início da passeata. O circuito começou com muitos fogos e foi em direção ao
escritório do Diário de Pernambuco (1), que teria servido de espaço de parada para,
provavelmente, saudações e manifestações, no local também houve discursos e vivas, com
palavras de euforia, e, em seguida, os participantes foram em direção ao palácio da
presidência da província, na parte superior da imagem (2).
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Imagem 1. Percurso de Passeata abolicionista.
Fonte: Adaptado do Acervo iconográfico da COMPESA, Sir Charles Douglas Fox, Planta da Cidade do
Recife, 1:10,000. 1906.
Entre exaltações e ovações, a marcha seguiu para a ponte Santa Isabel em direção à
Rua da Aurora, onde foi saudada a secretaria de polícia (3). Seguiram então até a ponte da
Boa Vista, alguns discursos foram ouvidos no caminho até o pátio do Carmo (4), depois, foi
feita uma parada em mais uma tipografia, do periódico Rebate, a qual não localizamos com
exatidão. Em seguida, o cortejo foi para o pátio de São Pedro (5), até voltar para a rua inicial
da caminhada com paradas no escritório do Jornal do Recife e novamente nas instalações da
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sociedade Ave Libertas, a qual apresentava uma varanda que teria sido palco de muitos
discursos.
6
A partir das informações, notamos que a organização do evento selecionou pontos
importantes para compor o trajeto do passeio, como o palácio do governo e a secretaria de
Polícia, além das residências de figuras respeitáveis, os quais teriam discursado e agradecido
os ativistas pela consideração. O cortejo passaria ainda por tipografias, como a sede do
Diario de Pernambuco, do Rebate e do Jornal do Recife, as quais priorizavam localidades no
centro do poder político, pois precisavam ficar perto dos espaços em que a movimentação
pública acontecia, além disso, esses lugares eram os destinos das principais notícias da
província e de outras regiões.
Além de reconhecer a importância da imprensa, as escolhas das associadas também
serviriam para dar destaque à manifestação nas edições jornalísticas. Somando-se ao fato de
que era importante ser prestigiado por figuras de renome e relevância para a comunicação
da cidade. O Diário, inclusive, agradeceu publicamente a visita, ao relatar sobre a marcha no
jornal. (Diário de Pernambuco, 1885, p. 3)
O editorial indica ainda que a passeata seguiu sempre “em boa ordem”, sendo que,
com isso, podemos evidenciar uma atenção que os militantes tinham em demonstrar uma
pacificidade, a qual teria ocorrido na manifestação, o que pode ser um indicativo de que o
movimento também se importou em mostrar-se familiar e convidativo, inclusive para
mulheres. Além disso, essa caracterização aponta uma certa ideia de respeitabilidade,
envolvendo as abolicionistas em um padrão de honra, assim como ocorreu nas narrativas
sobre as rebeldes participantes das lutas pelas independências na América Latina, Maria
Lígia Prado (1999, p. 46) afirma que suas biografias muitas vezes retrata um ideário de
mulher, destacando a generosidade, a modéstia e o altruísmo, negando o engajamento ativo
delas.
Nessa perspectiva, apresentar moças e senhoras da elite à frente da passeata
destaca como a mobilização queria mostrar-se pacífica e legítima. A edição do Jornal do
Recife ao relatar a pacificidade ainda aponta que “muito recomenda a índole dos
manifestantes” (Jornal do Recife, 1885, p. 1), reafirmando como a passeata e os seus
participantes foram ordeiros e preocupados com o uso civilizado dos espaços públicos da
cidade.
6
Podem ser encontrados os relatos dos discursos na varanda da Ave Libertas em: Jornal do Recife, p. 1, 1885.
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A expressão “boa ordem”, ademais, sinaliza a preocupação com a estética das
manifestações nas ruas. Constatamos que assim como os teatros decorados, as cerimônias
externas apresentavam-se festivas, com a iluminação das lanternas coloridas nas ruas e
casas, e atrativas, com a banda musical que animava o cortejo. Os abolicionistas criaram
uma identidade para a cidade a partir da publicidade desses eventos, além de construir
memórias que são elementos essenciais para a identidade de um lugar. (Abreu, 1998, p. 10)
Como podemos constatar, além dos elementos concretos e visuais, os aspectos mais
sensoriais também foram símbolos do abolicionismo, como a música. As festas tornaram-se
grandes palcos para os discursos e ensinamentos, visto que o abolicionismo utilizou isso para
transmitir mensagens, essa mobilização ritualizou esses eventos, os quais eram organizados
com diversas composições e hinos, que iniciavam e encerravam as cerimônias. Combinava-
se, assim, festa, música e propaganda (Costa, 2016, p. 124).
Tradições de ritos religiosos e desfiles cívicos e militares foram ressignificados nas
atuações do movimento abolicionista. Manuela Areias Costa analisa ainda como a música foi
porta de entrada para artistas negros, além de conquistar uma parte do público que foi “[...]
preso pela audição” (Costa, 2016, p. 128). O meio artístico também levou muitas mulheres
para o centro das organizações dos eventos da mobilização.
Esses novos públicos angariados mostram como os elementos culturais conseguiram
somar as diferenças dos diversos grupos sociais, facilitando a expansão desse movimento
social em nível regional e nacional. Esse processo, que utilizou práticas culturais e sociais
como ferramenta política, formou uma nova identificação com a sociedade, a qual se
aproximou das discussões públicas, criando interesse pelos protestos, mudanças e decisões
políticas.
Dessa maneira, a prática política foi ressignificada juntamente com os elementos que
se tornaram formas simbólicas, assim como em outros momentos da história. A exemplo,
temos a própria Revolução Francesa, que mostrou a importância das identidades dos
movimentos que buscaram alterações nos sistemas sociais e políticos, os quais contestaram
os símbolos vigentes e instauraram novos emblemas que expressam seus ideais e princípios
(Hunt, 2007, p. 78).
As decorações, igualmente, foram ressignificadas e apropriadas pela Revolução
Francesa, como a adoção das cocardas, espécies de laços tricolores que enfeitaram as
manifestações dos revolucionários republicanos, incluindo as suas vestimentas. Na França,
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assim que os símbolos provavam sua popularidade ficavam mais oficiais em seus rituais. “As
cercas, os decretos e a incorporação desses símbolos às cerimônias e festivais oficiais
marcaram o disciplinamento das novas formas de poder popular” (Hunt, 2007, p. 84). O
movimento abolicionista, por sua vez, adotou características simbólicas, como as
bandeirolas aqui citadas e os estandartes das associações, os ativistas queriam, dessa forma,
destacar-se e criar uma identificação para o movimento.
Além da ressignificação de símbolos, o movimento abolicionista também usufruiu das
utilidades proveitosas da imprensa. Sendo um dos únicos meios de comunicação, os
elementos tipográficos, como os folhetos, passaram a dar voz aos grupos e indivíduos. Tanto
abolicionistas quanto escravistas faziam suas divulgações impressas e, muitas vezes,
protagonizaram debates e confrontos em suas publicações. Por isso, muitos aspectos devem
ser levados em conta ao analisar os jornais da época, pois:
[...] os impressos, suas ideias e informações relacionavam-se de forma dinâmica
com a sociedade, circulavam, eram repetidos e podiam ser reapropriados. As
fronteiras e definições entre grupos políticos e seus vocabulários, o perfil de
formadores de opinião e a circulação de vozes e clamores pelas ruas divulgam
outras dimensões do que chamamos aqui de transformação dos espaços públicos
(Morel Barros, 2003, p. 44).
Em outras palavras, por trás das tipografias, existiam motivações e os escritores
envolviam seus leitores a fim de disseminar suas convicções. Dessa forma, a imprensa
ajudou também nesse processo de alteração dos espaços sociais, que suas informações
eram dinâmicas e circulavam pelas ruas. Os eventos abolicionistas eram anunciados nos
periódicos, assim como os discursos e acontecimentos eram detalhados. A conquista de um
público plural pelo movimento abolicionista teve, ademais, a contribuição de uma utilização
efetiva dos jornais, pois seus líderes aproveitaram as transformações da comunicação que
estavam se operando no império (Machado, 2003). Desse modo, o uso da imprensa foi mais
uma prática abolicionista que auxiliou na expansão do movimento.
As mudanças sociais e as formas de atuação antiescravista no final do século XIX,
exemplificam como o movimento abolicionista trouxe sua mobilização para a cidade, sem
limitar o debate aos espaços formais da política. As passeatas, os eventos, as suas
divulgações e a presença feminina, de certo modo, davam novas formas aos lugares urbanos
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e contribuíram para a história da cidade, visto que “a história de um lugar é o resultado da
ação, num determinado momento e sobre um determinado espaço” (Abreu, 1998, p. 17).
Assim sendo, é notório que a participação feminina na mobilização antiescravista
utilizou as localidades urbanas da cidade do Recife, promovendo sociabilidades,
sensibilização pública e identificação, colaborando, dessa maneira, para a formação da
memória histórica da capital pernambucana.
Os homens e as mulheres abolicionistas valorizavam cada conquista e tentaram
perpetuar suas ações com diversas homenagens. Retratos dos seus líderes eram destacados
nas cerimônias e em espaços do cotidiano, em vitrines de lojas e bibliotecas. Para exemplo,
temos o envio de um quadro com retratos da diretoria da Sociedade Ave Libertas, que o
próprio grupo enviou para a Confederação Abolicionista, associação importante na corte, as
imagens ficaram expostas na Rua do Ouvidor, uma das mais antigas e importantes ruas do
Rio de Janeiro (Jornal do Recife, 1885, p. 1). Nessa rua, localizava-se a maioria dos jornais
cariocas e era o lugar para o qual se dirigia grande parte da população em busca de notícias.
Além disso, eventos nos teatros eram realizados em nome dos prestigiados ativistas,
nos anúncios da sociedade feminina podemos ver que alguns festivais foram dedicados à
Leonor Porto, ou outras cerimônias e passeatas que homenageavam Joaquim Nabuco. Essa
maneira de evidenciar os apoiadores e as apoiadoras também foi uma forma de chamar
atenção e incentivar o engajamento.
Ao venerar as ações desses e dessas personagens, os militantes mostravam para a
população que as atividades abolicionistas tinham certo reconhecimento, magnitude e valor
social. Ademais, essas reverências e culto aos seus representantes deixavam a causa
abolicionista com mais evidência, criando uma memória histórica e uma popularidade que
poderia ser almejada por muitos grupos sociais.
Com isso, foram criados ainda diversos documentos organizados para valorizar os
participantes e emancipacionistas, como o Livro de ouro criado no Rio de Janeiro, que serviu
para registrar os nomes daqueles que contribuíram para os fundos de emancipação (Mattos,
2011), o qual logo espalhou-se e tornou-se em algumas províncias, um símbolo de
resistência política. Logo, o emblema foi popularizado nas cerimônias de libertação,
documentando os nomes dos libertos e dos que cooperaram para as manumissões (Cowling;
Castilho, 2010).
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Assim, conseguimos constatar que o ativismo formulado no fim do século XIX,
criou uma atmosfera pública que tinha a participação de diversos agentes sociais e alcançava
as ruas, o que, de fato, ainda influenciou muitas outras pautas e as novas formas de pensar
politicamente, que foram aprimoradas ao longo do tempo. Esse alcance e crescimento do
movimento mostrou a importância de mobilizar diversos públicos e demonstrar para a
sociedade as ideias sobre mudanças sociais, resultado de uma cultura que resistiu por muito
tempo na política brasileira.
Outrossim, a disseminação de ideias abolicionistas em variados espaços sociais,
igualmente, impulsionou pensamentos divergentes e novos mecanismos políticos que
agitaram os militantes e instigaram as associações a conseguirem conquistas ainda mais
edificantes e concretas. A esperança e a força política que o movimento abolicionista
demonstrava incentivou muitos grupos a encontrar estratégias legais e ilegais em busca de
liberdades, por meio de brechas nas leis, ou até fugas organizadas. A mobilização estava em
toda parte desordenando as instituições públicas e animando o espírito da reação popular.
As novas práticas pulsadas por esse movimento alteraram as normas de cidadania no
final do império, grupos populares somaram-se com a mobilização, o que foi essencial para
combater o contramovimento que se fortalecia, principalmente nas províncias que
apresentavam um escravismo mais incidente. Esse apoio popular ajudou, até mesmo, nas
eleições, em que se foi ganhando representação abolicionista pouco a pouco. Com
conquistas graduais, o abolicionismo fez-se presente na história e nas formas de fazer-se
política.
A cultura política estabelecida pelo abolicionismo concretizou os caminhos para a
abolição, projeto que acabou sendo o resultado da união de forças populares, nacionalização
e imersão no sistema governamental. Certificava-se, pois, a relevância dos novos símbolos
estabelecidos pela mobilização antiescravista.
Por isso, analisar os comportamentos políticos dos homens e mulheres ao longo
daquelas décadas ressalta como um movimento social, que iniciou com atividades elitistas,
conseguiu modificar as dinâmicas públicas no império brasileiro, não apenas daqueles que
detinham o poder, mas incluindo grupo de pessoas que por muito tempo estiveram
distantes da administração governamental ou longe da evidência pública, porém tinham
desejos de participação e consciência dos direitos e deveres. Criou-se, por conseguinte, uma
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nova cultura política com uma abrangência necessária para atingir as ruas e,
consequentemente, as vozes dispersas na sociedade.
Com a utilização dos espaços urbanos, o debate sobre o fim da escravidão estava em
todos os lugares, que o trabalho escravo também estava entranhado em toda parte, nas
ruas, nas praças, nos teatros e, também, nas discussões de homens e mulheres das mais
variadas classes. Assim, o movimento abolicionista se perpetuaria, do mesmo modo, nos
elementos da cidade, atualmente algumas ruas carregam o nome de figuras importantes da
mobilização antiescravista.
Inclusive, a ativista pernambucana, Dona Leonor Porto, tem o seu nome em uma rua
no bairro de Santo Amaro no Recife e em uma escola no município de São Lourenço da
Mata, na Região Metropolitana do Recife. Com esses indicativos, podemos assegurar e
constatar que o movimento abolicionista fez-se presente na história da cidade do Recife,
evidenciando como esses aspectos exemplificam que as vivências nas cidades transpassam
as épocas e marcam as memórias dos lugares.
É importante salientar que o silenciamento da participação feminina ou a falta de
valorização das atividades antiescravistas lideradas por mulheres também atingiu a criação
dessa memória abolicionista, uma vez que, em Pernambuco, apenas Leonor Porto está
presente em nomes de vias ou instituições. Por sua vez, um grande número de ruas e lugares
públicos recifenses foi nomeado com as alcunhas dos militantes masculinos pernambucanos.
Podemos citar aqui a Rua Joaquim Nabuco e a Rua João Ramos no Bairro das Graças; a Rua
Dr. José Mariano no Bairro Boa Vista; a Rua Numa Pompilio no Bairro de Santo Amaro; Rua
Barros Sobrinho no Bairro de Areias, entre outras.
Com isso, constatamos que a hierarquia de gênero, igualmente, atingiu o período
pós-abolição e o processo de concretização das memórias abolicionistas, assim como fez
com a própria participação política dos indivíduos. Os obstáculos criados a partir das
construções sociais de gênero alcançaram e ainda interferem nos meios políticos brasileiros,
dificultando o acesso e a participação dos indivíduos, como também outros aspectos sociais
e concepções excludentes.
A notabilidade e os interesses das abolicionistas
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O movimento abolicionista em Pernambuco esteve comprometido por redes de
sociabilidades familiares, que envolviam homens e mulheres determinados a lutar pela
causa antiescravista, essa teia familiar e outros elementos ajudaram a participação feminina,
colocando, assim, as militantes em espaços políticos ocupados normalmente pelos homens
brancos, como as diretorias de associações.
Em contrapartida, vale indagar quais eram as reais intenções das moças e senhoras
ao participar de um movimento político e o que, de fato, essas militantes receberam em
troca desse esforço e engajamento. A participação feminina, ao contrário do que muitos
textos da época queriam mostrar, não foi apenas causada pelos generosos corações das
mulheres oitocentistas, provavelmente as ativistas tinham interesse em realmente participar
do debate político que se instaurava e, assim, conseguir espaço em outras pautas políticas.
As abolicionistas tinham noção do afastamento do gênero feminino da política e
poderiam imaginar que suas ações no movimento tivessem condições de alguma forma criar
um caminho para outras possibilidades de ação na esfera pública. Para isso, elas precisavam
ganhar reconhecimento e mostrar que podiam também atuar nos espaços públicos e
administrativos.
7
A comunidade abolicionista recifense, em sua maioria, formada por homens, aos
poucos, apoiou e reconheceu o trabalho das moças e senhoras, as quais eram sempre
citadas em eventos de outros grupos, reverenciadas pelas suas conquistas e prestigiadas por
grandes abolicionistas. Como exemplo, Joaquim Nabuco e José Mariano que teriam visitado
as instalações da Ave Libertas, assim como presenciado eventos da associação.
A liderança da sociedade Ave Libertas nas organizações dos grandes eventos, os quais
tinham a participação de diversas associações antiescravistas de Pernambuco, como na
passeata aqui analisada, demonstra que as ativistas tiveram um trabalho notável que
abrilhantou a mobilização pernambucana, tornando-se espelho para muitos grupos.
Essa notabilidade resultou em uma popularidade, muitas vezes, revelada em ações
registradas nos jornais. Uma admiração declarada pelos indivíduos abolicionistas seja para
todo o grupo feminino e suas atividades ou para personalidades femininas específicas. Neste
7
Algumas virtudes estavam associadas às mulheres no culo XIX, como benemerência, bondade e até a
própria maternidade. Assim, a visão sobre feminilidade tornava-se empecilho para a atuação política de moças
e senhoras. As abolicionistas sabiam dos obstáculos que precisavam ultrapassar para a concretização um
engajamento na vida pública, na primeira sessão da Ave Libertas, a primeira secretária cita essas barreiras e
fala da importância de persistir e prosseguir na luta para mostrar as capacidades femininas (Jornal do Recife, p.
2, 1884).
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caso, principalmente, sua matrona, Leonor Porto, que foi agraciada diversas vezes com
demonstrações de respeito e veneração. Observamos esse enaltecimento em algumas
notas, como nesse trecho, em que é evidenciado uma exposição de um retrato da modista e
militante realizada em uma livraria:
Retrato Na vitrine da Livraria Franceza acha-se esposto um retrato à nankin da
Exma. Sra. D. Leonor Porto, presidente da Sociedade Ave Libertas, trabalho do Sr.
Vera Cruz, que o vai oferecer áquella senhora.
É mais um atestado do mérito artístico do Sr. Vera Cruz (Diário de Pernambuco, p.
3, 1885.)
Verifica-se que a abolicionista era prestigiada por artistas que queriam presenteá-la
com seus desenhos, poemas e pinturas, como um ato de gratidão pela sua atuação política
em torno da luta pelo fim da escravidão. Como nos mostra a nota jornalística citada, em que
o desenhista Vera Cruz, antes de entregar o retrato para a costureira, expôs seu desenho em
uma livraria, local de acesso para um público letrado, consumidor de livros e que,
provavelmente, dispunha de poder aquisitivo, o qual poderia, com a exibição, admirar a
militante, as ideias e as ações que sua imagem representava, além de comprar os desenhos
do artista.
Ademais, as suas colegas e associadas, por sua vez, não mediam esforços para
homenagear a presidente da sociedade, muitos eventos do grupo deram-se em seu nome e
o jornal único da associação Ave libertas carregou, na capa, o rosto da senhora Leonor Porto
(Jornal Ave Libertas, 1885). As moças e senhoras que participaram desse ativismo sabiam da
importância da abolicionista, que demonstrava altivez, coragem e respeito em suas ações
antiescravistas.
Com esse reconhecimento, a imagem da ativista supracitada passou a ser venerada
por muitos grupos da comunidade abolicionista. Na imprensa, além da sociedade Ave
Libertas, encontramos outra tipografia/jornal que também utilizou seu retrato como capa.
Imagem 2. Capa do jornal A Ideia.
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Fonte: Jornal A Ideia, Recife, n. 24, 13 ago. 1885, p. 1 Biblioteca Nacional Digital.
O jornal abolicionista e republicano A Ideia, em sua vigésima quarta edição,
homenageou D. Leonor Porto, trazendo seu rosto e textos, em uma “coluna de honra”, com
artigos e poemas, que prestaram gratidão e que validaram as ações da abolicionista. As
palavras dos jornalistas demonstram, além de tudo, uma veneração e coloca a modista como
destaque do ativismo feminino em Pernambuco, como uma base sólida para o grupo Ave
Libertas.
Salientamos que os anos em que Leonor Porto esteve à frente da associação foi o
período que mais encontramos vestígios de eventos, conquistas e menções. Seu nome
representava mais do que apenas uma diretora, era símbolo de um ativismo esperançoso e
influente.
Assim, o prestígio da modista serviu, de igual forma, como firmamento do ativismo
feminino e alargou as possibilidades da sociedade Ave Libertas. Não foi à toa que essa
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senhora foi eleita duas vezes como a presidente do grupo. Aliás, essas escolhas eram sempre
bem-vistas pela comunidade escrava e abolicionista.
Em outra ocorrência jornalística, encontramos um texto que demonstra a
importância e a aceitação em ter uma figura tão relevante no comando da associação:
Sr. Redactor Queira V. S. dar publicidade a estas linhas, filhas de meu pobre
coração.
Parabéns aos abolicionistas!
Parabéns a Pernambuco!
Parabéns ao Recife!
Parabéns à causa da abolição dos escravos!
A intrépida e nunca assás victoriada abolicionista D. Leonor Porto foi reeleita para o
cargo de presidente da humanitária sociedade Ave Libertas.
Esta noticia encheu de júbilo os corações dos escravos oprimidos e fez correr
lágrimas de gratidão pelas faces daqueles que a sua mão generosa e benfazeja
conseguio livrar das garras da escravidão!
Parabéns damos ainda à tão distincta brasileira e a todas as suas consócias que não
podiam ter feito melhor e nem mais acertada escolha.
26 de agosto de 1885.
Uma Liberta.
(Jornal do Recife, p. 2, 1885.)
A publicação, que aparenta ser um texto de uma correspondência, foi assinada pelo
codinome de “uma liberta”, não temos como afirmar que, de fato, o autor ou autora do
artigo foi uma pessoa libertada da escravidão, mas o eu lírico traz a ideia de gratidão dos ex-
escravizados, beneficiados pelo auxílio de abolicionistas, o que teria ocorrido através das
ações da Leonor Porto. Além disso, a nota apresenta uma comemoração pela reeleição da
presidente da Ave Libertas, o que demonstra que os líderes do movimento abolicionista
queriam externar publicamente, além de relevância no meio social, um papel de esperança e
impulsionador das conquistas antiescravistas.
Na publicação trazida, vemos ainda que as ações da sociedade feminina estão
associadas a atividades humanitárias, e Leonor Porto, relacionada à generosidade. Talvez o
reconhecimento das abolicionistas femininas estivesse sempre atrelado às virtudes da
feminilidade. O papel maternal carregado pelo imaginário do gênero feminino deixou essa
ideia de bondade no ativismo de mulheres.
Por esse motivo, as práticas das abolicionistas sempre eram associadas às atividades
de caridade, entretanto, evidenciamos que, ao longo dos anos, as militantes
demonstraram que podiam agir politicamente, e transformaram essa natureza benevolente
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em justificativa para mobilização. Embora as brasileiras não tivessem investido em causas e
movimentos de sufrágio e emancipação feminina, como as militantes dos EUA e Grã-
Bretanha, foi aberto o debate acerca da aptidão de mulheres na participação das discussões
públicas (Kittleson, 2005, p. 100).
Um texto assinado por um homem de sobrenome Buxton, escrito em 1884, reforça
características presas nas construções sociais que envolvem o gênero feminino, ao opinar
que o abolicionismo precisava ser somado com as virtudes de mulheres como o amor e o
encanto feminino, entretanto, o autor mostra-se favorável à participação ativa de mulheres.
Para ele, esse engajamento serviria de “atestado do desenvolvimento intelectual das
pernambucanas” e (Diario de Pernambuco, 1884, p. 3), e com isso, poderiam conquistar
mais elementos que proporcionassem exercer funções nos ambientes sociais.
Logo, percebemos que, gradativamente, a conquista de aumentar as discussões
sobre as capacidades femininas foi reconhecida também pelos homens abolicionistas, que
começaram a apoiar as aspirações de mulheres que adentravam na vida pública. Portanto, o
apoio foi se redirecionando para ideias mais políticas e não apenas moralistas. Afinal, estar
no movimento abolicionista proporcionou às moças e às senhoras a inserção em debates
intelectuais. Com isso, as pernambucanas foram incentivadas a procurar por mais formações
sobre administração e política, além de instigar os desejos femininos em lutar pelo direito de
ter e ecoar suas opiniões.
8
Portanto, participar do movimento abolicionista beneficiou essa nova geração
feminina, que estava inserida em uma época de mudanças, como as novas profissões
oferecidas para as mulheres, as quais eram desvalorizadas, mas, de alguma forma, levaram
esse público para novos espaços. Engajar-se nessa mobilização possibilitou a aproximação de
moças e senhoras aos lugares de intelectualidade, comunicação e informação, além de
influenciar futuros grupos de mulheres.
A continuação de algumas mulheres que fizeram parte desse engajamento em outros
movimentos e eventos políticos nas décadas seguintes legitima o desejo dessas senhoras em
atuarem politicamente, não apenas para ajudar a sociedade brasileira no combate a uma
8
Para exemplificar mulheres abolicionistas com habilidades em funções administrativas e de comunicação,
citamos Maria Albertina Pereira do Rego, que esteve atuante na sociedade Ave Libertas desde sua fundação,
sendo, inicialmente, secretária interina e, depois, participando ativamente das comissões organizadoras da
associação. Essa senhora representou o grupo na imprensa por um período, publicando anúncios das sessões e
eventos, seu nome foi associado e mencionado em diversas atividades da Ave Libertas. Seu discurso realizado
na reunião de fundação pode ser visualizado em: Jornal do Recife, Recife, n. 92, 22 abr. 1884, p. 2.
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instituição que feria a pátria e a família, mas também para terem voz e mostrarem suas
ideias para a sociedade, bem como colocar em prática suas abrangentes concepções
políticas.
Considerações finais
O movimento abolicionista percebeu que para aumentar a mobilização
antiescravista, era preciso espalhar as ideias abolicionistas para os diferentes grupos sociais.
Dessa forma, os militantes fomentaram o debate público nos lugares do cotidiano,
insuflando discussões existentes nas ruas, praças e locais de sociabilidades. Nesses
espaços, foi possível realizar eventos com características diversas, criando novas formas de
fazer política através de símbolos festivos, comemorações, decorações e discursos.
Assim, conquistaram um corpo político composto por grupos diversos, ao ocupar
esses locais não institucionalizados e ao manter uma identidade carregada de
representações conseguiu atingir as sociabilidades de uma sociedade que não estava
familiarizada com essa ampla participação nas discussões públicas.
As mulheres recifenses também trilharam por esse caminho, organizando eventos
comemorativos em diversos espaços e convocando a população em situações variadas. Os
jornais nos evidenciam o trabalho de moças e senhoras abolicionistas nas ruas, nos teatros e
até em circos da cidade do Recife. os atos festivos ritualizados, conseguiam sensibilizar o
público urbano e a pluralidade de grupos que participavam ativamente mostraram para a
sociedade que havia espaço também para suas diferenças. Nesses lugares públicos, além de
agitar a mobilização, as moças e senhoras também puderam mostrar suas ideias através dos
discursos proferidos por elas nas cerimônias.
Por isso, podemos considerar que o engajamento feminino no movimento
abolicionista incentivou as mulheres pernambucanas do século XIX a buscarem novos
caminhos para alargar ainda mais esse espectro inicial de possibilidade política. O
abolicionismo foi, antes de tudo, uma porta de entrada para que essas militantes se
aproximassem dos debates em torno dos problemas da sociedade, além de conseguir
mostrar as capacidades femininas nesses debates.
Desse modo, percebemos que, para além de uma breve participação, as associadas
da Ave Libertas interessaram-se verdadeiramente pelo ambiente político. Além disso,
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conseguiram alguns benefícios a partir desse engajamento, como novos caminhos para
outras discussões políticas. Percebemos também que esse grupo de mulheres incentivou
notoriamente uma geração feminina que serviu de exemplo para que outras dinâmicas
pudessem ser seguidas e para que novas conquistas fossem alcançadas pelo público
feminino.
Dessa forma, as militantes pernambucanas agitaram a cena política do Recife,
discursando nos teatros, nas ruas e em suas varandas, incentivando moças e senhoras de
diversas províncias, a mostrarem também seus pensamentos e suas vontades políticas,
unindo, assim, uma geração que buscou espaço na vida pública e, consequentemente,
somando-se com as futuras mudanças, desejos e ativismo de mulheres quanto à
participação política.
Ao observar essas mudanças políticas e anseios femininos no século XIX, percebemos
que o uso de símbolos e espaços urbanos auxiliou nos novos rumos tomados pela
mobilização antiescravista. Além disso, podemos considerar que para além de ajudar a
disseminação de ideias, os diversos locais da cidade do Recife foram marcados pela memória
abolicionista, perpetuando suas ações e incentivando reconhecimento por um movimento
que transbordou a capital pernambucana, unindo o social ao político.
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