Raphael - É possível associar a História dos Transportes com outras áreas de
estudos, como a história das rotas comerciais ou a história da circulação de livros e
impressos? É possível fazer uma História Cultural dos Transportes?
Daniel - Sem dúvida. Quando falamos da história da mobilidade, pensamos naturalmente
no movimento de mercadorias e pessoas. Eu gosto da contribuição da professora Alice
Mah (2014), que representa as cidades portuárias seguindo um padrão de duas cores: o
azul e o negro. O azul representaria o comércio, o futuro, os intercâmbios, as
expectativas, o horizonte, em definitivo, as transformações culturais. A cor negra,
contudo, representaria os aspectos negativos vinculados à marginalidade social, o
contrabando, a pobreza, a precariedade, a contaminação; em suma, os aspectos obscuros
desses enclaves urbanos. Sendo assim, há oportunidades muito interessantes na área.
Pensemos no papel da censura nos portos e centros ferroviários no período
entreguerras. As forças policiais se afanavam em controlar a informação que se
transmitia nestes entornos, posto que a transferência era extraordinária. Penso, por
outra parte, nos diários de viagem, desde os primeiros de Antonio de Pigafetta (primeira
volta ao mundo), e as possibilidades que existem desde o ponto de vista da literatura
comparada e da visão de outros indivíduos desconhecidos.
Raphael - Poderia o professor indicar trabalhos recentes na História dos
Transportes que sejam inovadores? Existem investigações recentes dedicadas à
reflexão sobre o transporte em áreas temáticas, espaciais ou cronológicas
previamente inexploradas?
Daniel - Essa questão é muito complexa e requereria uma análise muito extensa. Como
eu disse, há trabalhos interessantes acerca das fases de difusão tecnológica no
transporte e nas telecomunicações em escala internacional, como os de Yrjo
Kaukinainen. Outras aproximações da geografia espacial e a análise de redes me
parecem especialmente atrativas, como as múltiplas contribuições de César Ducret.
Ambos os autores frisam as revoluções tecnológicas nas duas grandes ondas de
globalização. Para o caso particular do continente africano, encontramos importantes
contribuições já citadas anteriormente, ainda que haja aproximações novas em relação
às redes de transporte terrestre por parte de autores como Herranz, Moradi, Fourie,
Engerman, Chaves, Magrinyà e Oliete. Merece uma menção à parte as decisivas
contribuições de Ayodeji Olukoju sobre a história marítima e a mobilidade do transporte
na época contemporânea na África Ocidental. Neste sentido, tive sorte de coordenar um
livro editado junto com o professor Olukoju sobre portos na África na época
contemporânea, cinquenta anos depois do trabalho pioneiro de Hilling e Hoyle (1970).