série de formações discursivas acopladas, presentes na mídia, na política, na economia, e
que pregam o desenvolvimento a qualquer custo. É o princípio da finalidade a qualquer
custo, que citamos acima, agindo para desconsiderar os prejuízos das comunidades
locais em função do progresso de quem lucrou e lucra com uma via de acesso rápido
interligando centros urbanos e regiões produtoras: uma verdadeira Estrada da Produção.
Como afirmei anteriormente, esse peso que faz a balança pender para um dos lados é a
noção de progresso, ainda muito forte na cultura ocidental e que, conforme vimos com
Pedro Cezar Dutra Fonseca (2004), foi incorporada pelo discurso desenvolvimentista.
Retornando às fontes, as palavras de Deomiro Passaia são fulcrais para demonstrar, mais
uma vez, como operam os argumentos pelo progresso: “Com a estrada é ruim, e sem a
estrada era pior!” (Deomiro Passaia, entrevista, 24 fev. 2015, p. 40).
Último debate, antes de encerrar. Gostaria de falar agora sobre um conjunto de
falas presentes nas entrevistas, às chamarei de Desabafos de angústia. Essas partes dos
relatos remetem ao sentimento de descrença com o tempo presente e a vontade/ou a
saudade dos tempos antes da estrada. Angélica afirma sem pestanejar: “[...] eu tenho
orgulho da minha origem, eu queria voltar àquele tempo. Tem gente que tem vergonha de
contar o que passou, eu não tenho!” [...] (Angélica Passaia, entrevista, 16 fev. 2015, p. 24).
Assim como Deomiro: “vendo hoje a poluição, que você não come nada que não seja
envenenado, eu sinto saudade do dia a dia de quando era criança” [...] (Deomiro Passaia,
entrevista, 24 fev. 2015, p. 32). Todavia esse sentimento quase nostálgico não aparece
apenas sob essa forma, senão também como uma resposta a uma parte marcante da
história pós-rodoviária; os acidentes, e as mortes causadas por eles, alimentaram não só
os atestados de desagrado, mas os desabafos de angústia: “[a rodovia] trouxe muita
desgraça também, quantas mães e quantos famílias sem pai, que uma rodovia dessa tu
tem uma visão ampla em cima de um carro, mas não dá para se esquecer, e eu dirijo à 30
anos, que na tuas costas tu carrega um caixão [...]” (Deomiro Passaia, entrevista, 24 fev.
2015, p. 38).
Mas para outros lados foi uma tristeza muito grande. Não chega lençol, colcha
para as mães enxugarem as lágrimas do que aconteceu nessa estrada. [...] Eu
não sei te dizer a quantia de gente, de crianças, de jovens, de pessoas
atropeladas, de animais, à cavalo... descuido, descuido né, pois moram mais
longe, não sabem que não é mais a mesma coisa. [...] Mais que um abatedouro,
isso é um açougue! (Angélica Passaia, entrevista, 16 fev. 2015, p. 30).
É um açougue, essa rodovia está virada num açougue. A quantia de acidentes,
só nesse pedacinho morreu 50. Tudo gente daqui da região, não contando os
acidentes de gente de fora. Nessa região foi um choque, pois morreu muita
gente conhecida da gente. Morreu gente nova, morreu gente velha [...] (Olair
Zaffanl, entrevista, 14 fev. 2015, p. 15).