MOREIRA, Danilo Leite*
https://orcid.org/0000-0003-0756-6683
RESUMO: Nas últimas décadas, de acordo com
os dados do Registro Nacional de
Transportadores de Cargas da Agência
Nacional de Transportes Terrestres (RNTRC-
ANTT), houve um aumento significativo na
frota de caminhões e carretas nas estradas do
Brasil. Portanto, reconhecendo a história do
Transporte Rodoviário de Cargas (TRC) como
um campo em potencial na historiografia, o
presente artigo tem como objetivo
contextualizar os caminhos que foram
percorridos historicamente para a
consolidação da profissão de motoristas (de
caminhão/caminhoneiros) e do TRC
(caminhões), bem como, a construção de
rodovias que cortam o país de Norte a Sul,
desde o período da América Portuguesa, até os
dias de hoje.
PALAVRAS-CHAVE: Transporte Rodoviário
de Carga (TRC); História; Caminhões.
ABSTRACT: In recent decades, according to
data from the National Registry of Cargo
Carriers of the National Land Transport
Agency (RNTRC-ANTT), there has been a
significant increase in the fleet of trucks and
trailers on the roads of Brazil. Therefore,
recognizing the history of Road Cargo
Transport (TRC) as a potential field in
historiography, this article aims to
contextualize the paths that were historically
taken for the consolidation of the profession
of drivers (truck/truck drivers) and the TRC
(trucks). As well as the construction of
highways that cross the country from North to
South, from the period of Portuguese America
to the present day.
KEYWORDS: Cargo Road Transport (TRC);
History; Trucks.
Recebido em: 23/01/2023
Aprovado em: 14/04/2023
Introdução
Este artigo é fruto de um fragmento auferido da tese de doutorado intitulada
Transportando Representações: Uma análise de gênero nas páginas da revista O
Carreteiro, defendida no ano de 2021, no Programa de Pós-Graduação em História da
Universidade Federal da Grande Dourados. A tese teve como objetivo analisar a
* Doutor em História pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal da Grande Dourados
(PPGH/UFGD). E-mail: daniloleitemoreira@hotmail.com
Este é um artigo de acesso livre distribuído sob licença dos termos da Creative Commons Attribution License.
representação histórica elaborada diante dessa categoria profissional: os motoristas de
caminhões e carretas. Para isso, fez-se necessário uma breve contextualização histórica
do desenvolvimento do rodoviarismo e do transporte de carga no Brasil. Uma vez que é
praticamente impossível destacar as representações impressas sobre esses profissionais
sem contextualizar os avanços do transporte de carga no Brasil, já que, ambos, caminhão
e motorista acabam sendo inseparáveis.
Para que possamos compreender a história do TRC, nesse caso, os caminhões e
as carretas, precisamos perceber os caminhos que foram percorridos desde o início da
colonização dos portugueses para a ocupação e integração da América Portuguesa, bem
como os principais momentos históricos, econômicos e políticos que foram cruciais para
a consolidação da indústria automobilística e para construção de milhares de
quilômetros de rodovias que cortam o país de Norte a Sul nos dias de hoje. Assim, o
artigo tem como objetivo contextualizar o desenvolvimento do rodoviarismo, bem como
o desenvolvimento do Transporte Rodoviário de Cargas (caminhões e carretas).
O surgimento das primeiras estradas e “carretas” no Brasil
Osorio Santana Figueiredo destaca em sua obra, Carreteadas heroicas, que as
carretas têm acompanhado a história da humanidade milhares de anos, que os
carros de bois são utilizados desde as primeiras civilizações em trabalhos de plantação e
colheitas. Um dos carros mais antigos puxados por bois era o Plaustrum,
1
utilizado pelos
romanos e pelos gregos, que se espalhou por diversas regiões da Europa até chegar à
Península Ibérica. As primeiras hipóteses que explicam estes carros na América são as de
que eles foram trazidos e/ou construídos pelos portugueses e espanhóis. Embora tenha
surgido na Europa, o Plaustrum romano é considerado o pai das carretas na América;
este modelo fora utilizado no processo de colonização, desde o período do Brasil
Colônia, nas mais diversas regiões. Porém, “[...] o nome carreta se definiu,
historicamente, quando o seu rodado passou a ter forma raiada, isto é, constituído de
maça, raios, cambotas e eixo fixo, mais tarde protegido por chapa de ferro circular”
(FIGUEIREDO, 2000, p. 18).
No Brasil Colônia (1500-1822), o bandeirante, representado na figura do homem
aventureiro e “desbravador”, foi o primeiro a utilizar veículos de rodas com tração
animal. Conforme destaca o historiador Sérgio Buarque de Holanda, Alguns mapas e
textos do século XVII apresentam-nos a vila de São Paulo como centro de amplo sistema
de estradas expandindo-se rumo ao sertão e à costa [...] (HOLANDA, 1994, p. 19). A
1
O Plaustrum era um carro de rodas cheias, inteiriças, que rodavam junto com o eixo, caracterizando-se
pelo rechino, assim como os carros cantadores no Nordeste do Brasil (FIGUEIREDO, 2000, p. 17).
abertura das primeiras estradas teve como finalidade auxiliar o escoamento de produtos
de uma região a outra e estas aberturas foram possíveis, como bem destacado por
Holanda, graças às técnicas dos indígenas, que abriam tais caminhos e, sem eles, não
seria possível a entrada dos não indígenas para “desbravar” os sertões, uma vez que:
[...] o primeiro progresso real sobre as velhas trilhas indígenas foi
definitivamente alcançado com a introdução em grande escala dos animais de
transporte. Em São Paulo, particularmente, com as primeiras tropas de muares.
Quebrando e varrendo a galharia por entre brenhas espessas, as bruacas ou
surrões que pendiam a cada lado do animal serviam para ampliar a passagem.
Novo progresso surgiria mais tarde com a introdução dos veículos de roda para
jornadas mais extensas [...] (HOLANDA, 1994, p. 26).
A palavra “carreta” começou a ser empregada para definir o que até então era
chamado “carroça”; é possível pensar que fora definido o termo “carreteiro” para quem
as conduzia. Sabendo disso, podemos perguntar: Quem foram os primeiros carreteiros
da América Portuguesa? Segundo, Figueiredo, “Foram soldados do exército luso, os
contrabandistas, os comerciantes chamados vivandeiros, os primeiros estancieiros que
iam se adentrando campanha a fora.” (FIGUEIREDO, 2000, p. 70).
As primeiras carretas foram utilizadas para várias finalidades. Em um primeiro
momento, auxiliaram no processo de colonização, mas também em situações de guerra,
quando estavam carregadas de materiais bélicos e demais apetrechos militares. Serviram
de apoio ainda para comerciantes, mascates, conhecidos também como vivandeiros, que
transportavam os mais variados tipos de mercadorias, desde produtos alimentícios, até
produtos mais simples, como pentes e espelhos. Desta maneira, surgia o carreteiro e,
junto a ele, as representações que iriam compor a identidade desses profissionais.
Segundo Figueiredo: “[...] Naqueles tempos de antanho, eles não podiam ser somente
tocadores de bois; tinham que ser um bom guerreiro, destemido e forte, dotado de tanta
coragem, quanto de paciência era formada sua alma mansa de inofensivo andante.”
(FIGUEIREDO, 2000, p. 71).
Com o crescimento do desenvolvimento econômico de outras regiões, bem como
criação do comércio, motivava-se a construção de estradas para atender aos interesses
de latifundiários e comerciantes, que se fazia necessária a abertura de caminhos para
escoamento e circulação de mercadorias. Esse fator fez com que, nas primeiras décadas
do século XX, “[...] os setores dinâmicos das economias nacionais estariam centrados,
até a década de 1930, em dois setores econômicos básicos: o agroexportador e o da
produção interna.” (NUNES, 2011, p.12). Ambos setores econômicos foram desenvolvidos
em grande parte pelas malhas ferroviárias do país, que, até então, a malha rodoviária,
além de ínfima, era precária.
Grande parte da movimentação econômica, ao longo desse período, ocorreu para
exportação de grãos de café, movimentando, deste modo, as principais ferrovias do país.
Porém, com a crise de 1929, houve uma redução drástica tanto nas exportações quanto
nas importações; mesmo com a redução da operação nas malhas ferroviárias, as
estradas de rodagem demoraram a aparecer, pois as ferrovias continuaram operando e
prestando serviços. A o início do século XX, existiam poucos quilômetros de estradas,
onde a maioria dos veículos existentes eram de tração animal. Com a crise de 29, os anos
seguintes foram decisivos para o declínio das ferrovias, que até então eram consideradas
“[...] símbolo do desenvolvimento capitalista do mundo contemporâneo, até pelo menos
os anos 30, quando foi substituída por outro invento ainda mais ‘diabólico’ e mais rápido,
o automóvel [...]” (ARRUDA, 2000, p. 107).
A Era Rodoviária e o desenvolvimento do TRC no Brasil
Os primeiros carros chegaram ao Brasil no início do século XX e, logo após, as
primeiras empresas instalaram suas linhas de montagem, como a Ford Motor Company
(1919), a General Motors (1924) e a International Harvest (1926). O poder público passou,
aos poucos, a manifestar uma necessidade de adaptar as estradas de rodagem aos
veículos motorizados. Com o aumento do número destes, na década seguinte, houve a
necessidade de “[...] estabelecer normas e regras para o tráfego (constitui uma espécie
de avant première do Código Nacional de Trânsito).” (NATAL, 1991, p. 81), que existia
pouca legislação a respeito.
Embora houvesse um número expressivo de carros em circulação pelo país,
salienta-se que, no Brasil, o rodoviarismo começou a ganhar espaço a partir da segunda
década do culo XX. Para Ramon Brandão a Era Rodoviária iniciou, no Brasil, “[...]
quando, então, o décimo primeiro presidente do Estado de São Paulo, Washington Luís,
inaugurou uma estrada de 110 km entre Campinas e a Capital do Estado [...]” (BRANDÃO,
2011, p. 23). As iniciativas tomadas por Washington Luís foram fundamentais para que ele
fosse eleito presidente do país em 1926. Segundo Jorge Miguel Mayer:
Em sua gestão à frente do governo paulista, Washington Luís concedeu atenção
especial à rede de transportes, permanecendo fiel a seu lema: “Governar é abrir
estradas”. Seu plano de expansão do sistema rodoviário estadual resultou na
construção de 1.326 km de novas estradas de rodagem, além da atenção que
concedeu à navegação fluvial, subvencionando o serviço de transporte pelo rio
Paraná e melhorando as condições de navegabilidade do rio Paraíba entre
Guararema e Queluz. Promoveu ainda a eletrificação da estrada de ferro de
Campos do Jordão, além de conseguir autorização para a construção de uma
ponte em Porto Cemitério, na divisa entre São Paulo e Minas Gerais. (MAYER,
2010).
Desde então, planos rodoviários foram traçados viabilizando a construção de
estradas. Por conseguinte, em 1928, deu-se o início do que se tornaria uma das principais
vias de ligação do país: “[...] a construção de uma estrada de rodagem ligando o Rio de
Janeiro a São Paulo, tendo as obras sido iniciadas no mesmo ano e entregues ao tráfego
em 1929, com um padrão considerado razoável para a época.” (NATAL, 1991, p. 83). Ramiz
Gattás, em sua obra A indústria Automobilística e a revolução industrial, destaca que
até então: “[...] as estradas eram de terra batida ou macadamizadas; o asfalto chegaria
duas décadas depois. Mas tudo era importado: as máquinas e equipamentos de abrir
estradas, os veículos automotores e suas peças, combustível e os lubrificantes.
(GATTÁS, 1981, p. 29).
Ainda que, desde o período do Brasil Império (1822-1889) e início da República
(1889-1930), houvesse as primeiras tentativas de implantação do modal rodoviário em
solo brasileiro, esse se consolidaria com a queda das oligarquias cafeeiras, que
sempre estiveram frente ao cenário econômico do país até 1929. Desde então, o cenário
nacional passaria por mudanças densas. O geógrafo Daniel Huertas, em sua obra
Território e circulação transporte rodoviário de carga no Brasil, destaca que:
A deficiência das ferrovias e da navegação de cabotagem fez com que o
transporte rodoviário começasse a ser visto como alternativa mais adequada
para a suplementação de capacidade e a maior abrangência espacial da malha de
transportes. Assim, o governo Vargas (1930-1945) arquitetou uma série de ações
e objetos marcantes para a configuração inicial da base material e normativa
desse modal. (HUERTAS, 2018, p. 54).
A partir de 1930, com o melhoramento das estradas existentes, as exportações
começaram a aumentar e as carretas de boi foram substituídas pelos caminhões e por
outros veículos automotores, passando a circular nas estradas brasileiras. Embora
houvesse um aumento no número de veículos, ainda alguns fatores limitavam o aumento
da frota automobilística, tais como: a falta de estradas asfaltadas, a ausência de postos
de combustíveis, uma vez que o Brasil ainda dependia da exportação de combustíveis, e,
principalmente, a falta de fabricação de autopeças para reposição, fazendo com que “[...]
a frota compunha-se de veículos alquebrados, sem nenhuma possibilidade de renovação
[...]” (GATTÁS, 1981, p. 41). Deve-se ainda destacar que:
Em 1938, 1939 e 1940, foram vendidos no Brasil, em média anual, 12.700 carros
de passageiros e 10.600 caminhões, num total de 23.300 veículos. Existiam no
País, em 1943:
Carros de passageiros 120.710
Caminhões 86.426
Ônibus 6.324
Total de 213.460 (GATTÁS, 1981, p. 63).
Ainda que houvesse um aumento no final da cada de 1930, até o início da
década de 1940, no período da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), quase não houve
importação de caminhões, tendo em vista que 90% dos veículos que trafegavam em solo
brasileiro eram de procedência norte-americana, tais como “[...] os caminhões Ford,
Chevrolet (da General Motors), Fargo e De Soto (da Chrysler) [...]” (GATTÁS, 1981, p. 64).
No decorrer da Segunda Guerra Mundial, a Fábrica Nacional de Motores (FNM) se
instalou no Brasil, no ano de 1942, com objetivo de produzir motores de aviões para os
Estados Unidos da América (EUA). Porém, com o fim da guerra, em 1945, a empresa
passou por problemas financeiros, já que os norte-americanos não tinham mais interesse
nos motores de aviões nacionais. Assim, novas funções foram redefinidas, e:
Através do Decreto-Lei 8.693, promulgado no dia 18 de janeiro de 1946, a
FNM foi autorizada a fabricar tratores agrícolas. Gradativamente, no entanto, a
empresa passou a produzir veículos de transporte, sobretudo caminhões.
Encerrou-se com isso definitivamente a fabricação de motores de avião.
(KORNIS, 2010)
2
.
Embora o decreto permitisse que produzisse caminhões a partir de 1946, foi
somente a partir de 1948 que a FNM estabeleceu um acordo com a empresa italiana
Isotta-Fraschini, que desde então passou a produzir os caminhões de motor a diesel
FNM D-7.300, com 30% de peças nacionais. Em 1949, a nacionalização dos caminhões
FNM se deu com surgimento da indústria de autopeças. Ainda nesse ano, com a
retomada das produções comerciais, a indústria norte-americana passou a fornecer
peças para outros países, entre eles o Brasil.
No período de 1939 a 1945, em função da guerra, vivenciou-se uma das mais
graves crises
3
enfrentadas no setor de transporte, dado que ao longo desse período
2
KORNIS, nica. Fábrica Nacional de Motores (FNM). In: ABREU, Alzira Alves de et al (coords.).
Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro Pós-1930. Rio de Janeiro: CPDOC, 2010. Disponível em:
http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/fabrica-nacional-de-motores-fnm Acesso
em: 25/06/2018.
3
A crise que afetaria o Brasil se em função de que, no período da Segunda Guerra Mundial, diversos
países deixaram de fabricar produtos que eram exportados para vários países. O historiador Eric
Hobsbawm destaca que é evidente que a guerra não promoveu crescimento econômico, dado que: “As
perdas de recursos produtivos foram pesadas, sem contar a queda no contingente da população ativa.
Vinte e cinco por cento do capital pré-guerra foram destruídos na URSS durante a Segunda Guerra
houve uma suspensão no processo de importação de peças e combustível em
consequência da guerra. Assim, a escassez de uma indústria de autopeças e de
combustível no país acabou levando a precarização do transporte interno;
principalmente, de caminhões e ônibus.
Esse fator fez com que nos anos que sucederam a Segunda Guerra Mundial, ainda
no ano de 1949, em meio a uma das mais graves crises enfrentadas pelo setor de
transporte, a FNM “[...] desfilou, no Rio de Janeiro, o primeiro lote de 50 caminhões
FNM-R-80, da Fábrica Nacional de Motores, de propriedade estatal, fabricados em
convênio com a Isotta-Fraschini, com maquinaria originalmente destinada à fabricação
de motores de avião.” (GATTÁS, 1981, p. 64). Logo, foram fabricados os primeiros
caminhões Alfa Romeo, com oito toneladas de motor a Diesel de 130 H.P em solo
nacional, adaptados para circular nas estradas de terra, “[...] tornando o FNM o rei das
estradas até os anos 50, que passa a ser substituído pelos Scanias e Mercedes com o
início do processo de asfaltamentos das principais ligações nacionais[...]” (NATAL, 1991,
p. 128).
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, o mundo estava vivenciando um período
de prosperidade econômica, período esse que ficaria conhecido como “Era de Ouro”.
Para Eric Hobsbawm “[...] na década de 50 o surto econômico pareceu quase mundial e
independente do regime econômico.” (HOBSBAWM, 1995, p. 255). A denominação surge
em função do baixo preço do petróleo saudita que, durante o período de 1950 a 1973, fez
com que houvesse um grande aumento na indústria automobilística, uma vez que:
A era do automóvel há muito chegava à América do Norte, mas depois da guerra
atingiu a Europa e mais tarde, mais modestamente o mundo socialista e as
classes médias latino-americanas, enquanto o combustível fazia do caminhão e
do ônibus o grande meio de transporte na maior parte do globo - [...] podia-se
reconhecer o desenvolvimento econômico de muitos países do Terceiro mundo
pelo aumento do número de caminhões. (HOBSBAWM, 1995, p. 259).
No cenário nacional, Getúlio Vargas era eleito para presidente da República,
tomando posse em 31 de janeiro de 1951. Ao tentar apagar a imagem de ditador,
solidificada no período do Estado Novo, Vargas iniciava o governo nas condições de um
Mundial, 13% na Alemanha, 8% na Itália, 7% na França, embora apenas 3% na Grã-Bretanha (mas isso deve
ser contrabalançado pelas novas construções de tempo de guerra). No caso extremo da URSS, o efeito
econômico líquido da guerra foi inteiramente negativo. Em 1945, a agricultura do país estava em ruínas,
assim como a industrialização dos Planos Quinquenais pré-guerra. Tudo o que restava eram uma imensa e
inteiramente inadaptável indústria de armamentos, um povo morrendo de fome e em declínio, e maciça
destruição física.” (HOBSBAWM, 1995, p. 55).
regime democrático. Empenhado em realizar um governo nacionalista, promoveu várias
medidas
4
para incentivar o desenvolvimento econômico do país.
[...] Uma das principais iniciativas dessa fase, a criação da Petrobras, expressou
o confronto entre “nacionalista” e “entreguista”, isto é, lideranças contrárias e
abertas à participação do capital estrangeiro. Com a pressão da campanha “O
petróleo é nosso” a Petrobras recebeu o controle monopolista de todas as
etapas da exploração do petróleo. (FICO, 2016, p. 14).
Por ser nacionalista, Vargas defendia a ideia de que a exploração do petróleo
deveria ser realizada por empresas estatais, autorizando a abertura das negociações no
Congresso e depois no Senado. Foi sancionada, no dia 3 de outubro de 1953, a Lei
2.004,
5
criando a Petróleo brasileiro S. A. Petrobras. Na busca de solucionar os
problemas econômicos e financeiros que o país vinha enfrentando, a criação da
Petrobras impulsionaria também a industrialização por meio de um Planejamento
Industrial, assim, o então “[...] Presidente Vargas criou, em 23 de junho de 1951, a
Comissão do Desenvolvimento Industrial (CDI-1951), ligada à presidência [...]” (GATTÁS,
1981, p. 77). Dividida em oito subcomissões, a segunda, instalada em 20 de março de 1952,
presidida pelo comandante da marinha cio Martins Vieira, ficou responsável pela
fabricação de jipes, tratores, caminhões e automóveis, que tinham por objetivo a
atividade comercial e industrial de materiais automobilísticos no país. Assim, para dar o
suporte econômico necessário e “[...] tomando por base os estudos bem fundamentados
da comissão, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), criado em 1952,
privilegiou iniciativas mais qualificadas em termos de auxílio técnico e financeiro.” (FICO,
2016, p. 36).
De acordo com dados levantados por Gattás, “[...] em fins de 1952, o país possuía
610.233 veículos, sendo classificados: carros de passageiros 299.625; caminhões 244.941;
ônibus 19.815; tratores maq. de terraplanagem 20.508; motocicletas 25.344; total
610.233.” (GATTÁS, 1981, p.91). O desenvolvimento econômico ao longo desse período fez
com que, no ano de 1953, fosse realizada a “Primeira Mostra da Indústria
Automobilística”, sendo um marco histórico no país, visto que havia 320 empresas
brasileiras inscritas. Tal período é um divisor de águas na história do país, sendo um dos
4
Segundo Boris Fausto: “No início da década de 1950, o governo promoveu várias medidas destinadas a
incentivar o desenvolvimento econômico, com ênfase na industrialização. Foram tomadas providências
para se realizarem investimentos públicos no sistema de transporte e energia, contando com a abertura de
um crédito externo de 500 milhões de dólares. [...] Em 1952 foi fundado o Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico (BNDE), diretamente orientado para o propósito de acelerar o processo de
diversificação industrial.” (FAUSTO, 2018, p. 225).
5
BRASIL. LEI 2.004, de 3 de outubro de 1953. Dispõe sobre a Política Nacional do Petróleo e define as
atribuições do Conselho Nacional do Petróleo, institui a sociedade Anônima, e outras providências.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L2004.htm. Acesso em: 30 jun. 2018.
mais importantes para o desenvolvimento da indústria automobilística, devido aos
grandes avanços. Segundo destaca Jaques Lambert,
[...] mesmo no estado precário atual das estradas, é o automóvel que constitui o
principal meio de transporte. Enquanto no período de 1946 a 1954 o tráfego de
mercadorias, por via férrea e marítima, pouco cresceu, o dos transportes
rodoviários aumentou em 500%. Os motoristas de caminhão, no Brasil, são de
uma audácia, pois, apenas do mau estado tanto das estradas quanto dos seus
caminhões, enveredam por qualquer caminho. Sem sua audácia estaria
paralisada a economia brasileira. Nas boas estradas do Rio, de São Paulo ou de
Belo Horizonte, os caminhões circulam aos milhares todos os dias, mas mesmo
nas estradas secunrias de barro, mais distantes, sempre um outro
motorista de caminhão que consegue passar. O motorista de caminhão é hoje o
mais precioso dos pioneiros. (LAMBERT, 1971, p. 161-162).
Com o aumento da circulação dos veículos do transporte rodoviário, na busca de
melhorar as péssimas condições das estradas e dos veículos em circulação, era preciso
que a indústria automobilística se desenvolvesse para que pudesse atender as demandas
de peças, combustíveis, bem como melhorar a qualidade das estradas. Deste modo, no
dia 25 de novembro de 1955, na sede da Federação das Indústrias de São Paulo (FIESP),
os representantes das fábricas que se dedicavam à montagem de veículos automotores
do estado de São Paulo reuniram-se na busca por construir uma nova página na história
da indústria automobilística brasileira, assim
[...] dedicando-se à fabricação de veículos automotores com peças fabricadas no
Brasil. Assim, antes mesmo da posse do presidente Juscelino Kubitscheck e,
portanto, antes da criação do GEIA, engajaram-se na tumultuada campanha em
favor da Indústria Automobilística Nacional. (GATTÁS, 1981, p. 177).
Alguns meses antes da posse de JK, ocorreu um dos maiores avanços na indústria
automobilística do país: Fritz Koenecke, Daimeler Benz e Arnold Wycchodil, após uma
reunião com o Presidente da República, em abril de 1956, declararam para a imprensa a
vinda da Mercedes-Benz para o país.
A Mercedes-Benz viveu um momento histórico, em 21 de dezembro de 1955.
Nesse dia, pela primeira vez na América Latina, realizou-se a fundição de um
bloco de motor para veículos (vazado pelo Presidente eleito Juscelino
Kubitschek), na Sofunge, destinado ao caminhão Diesel da Mercedes. (GATTÁS,
1981, p. 224).
No decorrer de sua campanha, JK divulgava uma proposta de modernização para
o país por meio do slogan “cinquenta anos de progresso em cinco de governo”. Ele
retomaria o plano de industrialização iniciado por Vargas por meio do Plano de Metas,
que previa investimentos em diversos setores do país, sendo um dos mais importantes
no setor rodoviário. Portanto, buscando cumprir com as promessas em campanha, dava
início a uma fase de desenvolvimento da industrialização, que colocaria o país no
contexto da nova economia mundial.
O Plano de Metas tinha por objetivo o investimento em setores-chaves da
economia do país, visando o crescimento acelerado da industrialização. Para isso, o
Plano definia trinta metas nos campos da energia, transportes, alimentação, indústria de
base e educação. Dava-se início ao que “[...] foi a primeira iniciativa brasileira mais sólida
de planejamento econômico e, mais especificamente de industrialização.” (FICO, 2016, p.
35).
Desde os primeiros anos do século XX, o rodoviarismo, bem como a indústria
automobilística, vinha se consolidando no território nacional com a construção de
estradas, instalações de montadoras e importação de veículos, como mencionado
anteriormente, porém é com o Plano de Metas que se consolidam, de fato as, rodovias,
bem como a indústria automobilística. De acordo com as metas estabelecidas para o
rodoviarismo:
A meta 8 prevê a pavimentação asfáltica de 5.000 km de rodovias. Em 1956, a
rede asfaltada federal era de 920 Km; em 1960 estará aumentada para 5. 920
km. A meta 9 prevê a construção de 12.000 km de novas rodovias de primeira
classe. A rede federal era de 10.000 km, ficando assim aumentada em 1960, para
22.000 km. (BRASIL, 1958, p. 43).
A meta 27 do Plano:
[...] incluiu a implantação da indústria automobilística no país. A meta inicial,
revista, importou no estabelecimento de um sistema de estímulos aos
empreendedores. Já existem, hoje, no Brasil, em funcionamento ou em processo
de instalação, 16 fábricas de automóveis e cerca de 1.200 fábricas de autopeças.
Em conjunto, essas empresas representam investimentos da ordem de 20
bilhões de cruzeiros. (BRASIL, 1958, p. 87).
O Plano de Metas pensou em conectar os principais setores de energia,
transporte, alimentação e da indústria de base do país, visando assim o desenvolvimento
econômico. É possível perceber que, com o aumento dos setores de produção, se fazia
necessário o escoamento dos produtos; isso foi possível pelo desenvolvimento do modal
rodoviário, que ligaria as indústrias aos portos e ferrovias. De tal modo, destacamos as
metas oito e vinte sete, que foram responsáveis pelo desenvolvimento e pela
modernização desse modal. Ambas estavam ligadas uma a outra, já que a meta vinte sete
previa a implantação da indústria automobilística no Brasil. Com isso, se fazia necessário
prever também o aumento da malha rodoviária, ampliando, principalmente, as redes de
estradas asfaltadas para atender a demanda de veículos em circulação no país.
Para que fosse desenvolvida cada uma das metas, JK criou uma comissão
responsável para colocar em prática o desenvolvimento da indústria automobilística, por
meio do decreto 39.412
6
de 16 de junho de 1956, que estabelecia as normas diretoras
para a criação da Indústria Automobilística Brasileira e instituía o Grupo Executivo para
aplicação dessas normas. Assim, criou-se o Grupo Executivo da Indústria
Automobilística (GEIA), que tinha a finalidade de examinar, negociar e aprovar os
projetos singulares referentes à indústria automobilística para o Brasil. Esses planos
estabelecidos por JK faziam com que “O Brasil tomasse a decisão de enfrentar o desafio:
romper cadeias e iniciar-se na industrialização automobilística, a indústria do século.”
(GATTÁS, 1981, p. 199).
Desta maneira, na busca de instituir os Planos Nacionais da Indústria
Automobilística, novos decretos foram assinados com relação a indústria de veículos de
grandes portes; neste caso, os caminhões ficavam subordinadas ao Decreto 39.568,
7
de julho de 1956, que foi responsável pelas aberturas e fixação das atividades fabris bem
como pelas exigências de realização manufatureiras. O decreto era relativo aos
automotores de carga, assim designados comercialmente, com peso bruto (gross vehicle
weight) entre 4.200kg e 15.000kg.
Deve-se destacar que, até 1955, os automóveis não eram produzidos no Brasil. A
Ford Motor Company Export Inc., General Motors e a International Harvester estavam
em atuação desde 1920 e limitavam-se somente à montagem de veículos. A criação do
Grupo Executivo da Indústria Automobilística (GEIA) foi de grande relevância para o
desenvolvimento da indústria automobilística nacional, com o intuito de promover a
ampla concorrência. O GEIA, a partir da segunda metade da década de 1950, aprovava a
instalação de empresas de diversas nacionalidades que passaram a fabricar veículos no
Brasil. Assim, em 08 de fevereiro de 1957, “[...] a Ford recebeu aprovação, pela resolução
6
BRASIL. DECRETO 39.412, 16 DE JUNHO DE 2016. Estabelece normas diretoras para a criação da
Indústria Automobilística Brasileira e institui o Grupo Executivo para aplicação dessas normas. Disponível
em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1950-1959/decreto-39412-16-junho-1956-332154-
publicacaooriginal-1-pe.html. Acesso em 30 de Jun. 2018.
7
BRASIL. Decreto 39.568, de 12 de julho de 1956. Institui o Plano Nacional da Indústria Automobilística
relativo a caminhões. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1950-1959/decreto-39568-
12-julho-1956-333904-publicacaooriginal-1-pe.html. Acesso em: 30 jun. 2018.
16, do GEIA, para o seu plano instituído na fabricação de três tipos de caminhões: F-
600, F-350 e o “pick-up” F-100. (GATTÁS, 1981, p. 221).
Empresas passaram a fabricar automóveis no país na década de 1950, como a
General Motors, na qual “O lançamento de seus veículos se deu: em junho de 1957, o
caminhão 6503; em julho de 1958 o caminhão 3104 e, em 1968, o Opala.” (GATTÁS, 1981,
p.222). A Mercedes Benz, como destacado anteriormente, foi a primeira a lançar o
primeiro caminhão nacional, com motor também nacional, e “Em 28/9/1956, foi
inaugurada, em São Bernardo do Campo, cidade satélite da Capital Paulista, à margem da
Via Anchieta, numa atmosfera de justificado entusiasmo, a fábrica de caminhões
Mercedes-Benz.” (GATTÁS, 1981, p. 243). E a VEMAG S/A, responsável pela montagem e
distribuição no Brasil da Scania Vabis, porém “Em 1956, formou-se a Scania Vabis do
Brasil S.A. Motores Diesel, com a participação da AB Scania Vabis e Vemag S.A.”
(GATTÁS, 1981, p. 227).
Embora tenha sido ao longo do governo de JK (1957 a 1960), que deflagrou no país
o que Gattás denomina “Segunda Revolução Industrial”, cabe destacar, como visto
anteriormente, que em governos anteriores se desenvolveram setores do país
importantes para a consolidação da indústria automobilística, fazendo o Brasil aparecer
nas estatísticas de produção de automóveis. Deste modo, não podemos deixar de
salientar que, ao final do governo de JK, já estava
Concluída a progressiva nacionalização dos veículos, com índices que se
situaram praticamente ao redor de 98%, em peso, encerrou-se a fase da
implantação da indústria automobilística no País. O Brasil realizou, assim, de
1956 a 1960, o seu maior e mais arrojado esforço no campo da industrialização
e, nessa arrancada histórica, efetivou, em menos de cinco anos, uma façanha
que nenhum outro país havia conseguido lograr. Vencendo etapas, ingressou,
pois, na Era do motor e na produção em série de veículos da mais avançada
tecnologia. (GATTÁS, 1981, p. 331).
Esses avanços ao longo da década de 1950 foram essenciais para que, nas
décadas seguintes, a indústria automobilística se consolidasse no país, dado que
Vista em termos numéricos e de organização empresarial, a instalação da
indústria automobilística representou um inegável êxito. Porém ela se
enquadrou no propósito de criar uma ‘civilização do automóvel’ em detrimento
da ampliação de meios de transporte coletivo para a grande massa. A partir de
1960 a tendência a fabricar automóveis cresceu, a ponto de representar quase
58% da produção de veículos em 1968. Como as ferrovias foram na prática
abandonadas, o Brasil se tornou cada vez mais dependente da extensão e
conservação das rodovias e do uso dos derivados do petróleo na área de
transporte. (FAUSTO, 2018, p. 237).
A cada de 1970, no Brasil, foi marcada pelo Milagre Econômico Brasileiro
8
que
sucedeu em função do crescimento da indústria de bens de consumo duráveis, tais como
a indústria da construção civil, a agroindústria, a indústria de eletroeletrônicos e a
indústria automobilística. Com a implementação do I Plano Nacional de Desenvolvimento
(PDN),
9
traçado a partir de 1971, o “milagre” saía do papel.
Embora o Milagre Econômico deixasse um déficit enorme nos cofres blicos, os
seus impactos foram sentidos durante algum tempo, principalmente por conta da dívida
externa, que aumentou vertiginosamente naquele período. É importante enfatizar que os
reflexos da expansão dos diversos setores ocasionaram profundas mudanças, tanto na
forma de produção, quanto na sociedade.
10
Tanto é que foi ao longo desse período que o
rodoviarismo vivenciou seu apogeu. É visível que, a partir de 1967, o setor de transporte
rodoviário estava em franco desenvolvimento; a expansão do setor agrícola levou a um
aumento nas exportações, fazendo com que “[...] uma expressiva mecanização da
agricultura, favorecendo a produção industrial de tratores, colheitadeiras e caminhões.”
(FICO, 2016, p.80). Tanto o aumento na indústria automobilística, quanto no número de
veículos em circulação, se deu por intermédio da criação de estradas, bem como pelo
amplo desenvolvimento que o país estava vivenciando relacionado à geopolítica do
período anterior. No entanto, foi na década de 1970 que:
A indústria automobilística foi a que mais cresceu, chegando à produção de 750
mil veículos em 1973, o que deixava bem distante a produção dos tempos de
Juscelino Kubitscheck estimada em 130 mil em 1960. Não foi à toa que o petróleo
tornou-se elemento vital para o chamado “modelo brasileiro”. País, importava a
maior parte do combustível que consumia, a preços internacionais que
8
A expressão “Milagre Econômico” foi usada pela primeira vez em relação à Alemanha Ocidental. A
rapidez da recuperação desse país na década de 1950 foi tão inesperada que muitos analistas passaram a
chamar o fenômeno de “milagre alemão”. A expressão foi posteriormente repetida para o crescimento
japonês na década de 1960. Finalmente, na década de 1970, a expressão “milagre brasileiro” passou a ser
usada como sinônimo do boom econômico observado desde 1968 e também como instrumento de
propaganda do governo (PRADO; EARP, 2017, p. 219).
9
O I Plano Nacional de Desenvolvimento (I PND) foi publicado em dezembro de 1971 e prometia
transformar o Brasil em “nação desenvolvida” dentro de uma geração. Pretendia elevar a taxa de
investimento bruto para 19% ao ano, dando prioridade a grandes programas de investimentos: siderúrgico,
petroquímico, corredores de transportes, construção naval, energia elétrica (inclusive nuclear),
comunicação e mineração. Para viabilizar estes programas, são fundamentais tanto as grandes empresas
estatais, quanto os cditos de rede de bancos oficiais e o conjunto de incentivos coordenados pelo
Conselho de Desenvolvimento Industrial (incluindo instrumentos como isenção de impostos, créditos-
prêmio, depreciação acelerada etc.) (PRADO; EARP, 2017, p. 221).
10
“A década de 70 presenciou uma imensa expansão da massificação das informações e dos padrões de
comportamento e de consumo do mundo capitalista sobre a extraordinária consolidação da indústria
cultural e dos meios de comunicação em geral [...] O acelerado processo de industrialização, centrada no
polo da indústria de bens duráveis, e a expansão da capitalização no campo foram acompanhados de
importantes transformações na classe trabalhadora e na urbanização. [...] As cidades incharam, crescendo
desordenadamente para o alto e para os lados. Pelas ruas congestionadas trafegavam dez vezes mais
carros que na década anterior.” (HABERT, 1992, p. 70-73).
mantiveram-se relativamente baixos até o início da crise do petróleo em 1973.
(HABERT, 1992, p. 16).
Com o aumento das exportações e da frota de veículos, fazia-se necessária a
construção de estradas para o escoamento da produção. Deve-se se destacar que, em
1967, o Brasil passava por um momento de desenvolvimento, tanto na construção civil e
residencial, como na construção pesada,
11
que se encontrava em fase de expansão. Deve-
se salientar que “[...]o ramo da construção pesada foi bastante beneficiado pelo grande
aumento da demanda estatal por obras de infraestrutura.” (PRADO; EARP, 2017, p. 225).
Assim:
[...] no que se refere às formas de engenharia, cumpre ressaltar o crescimento
da indústria de construção, destacando-se as de pavimentação e terraplanagem
e construção de estradas e as construções de obra de arte expressão típica do
desenvolvimento econômico encetado pelo milagre. (NATAL, 1991, p. 240).
Com o desenvolvimento da construção civil acelerada para além das estradas,
realizavam-se construções de obras de arte, chamadas pela crítica de “Projetos
faraônicos”, podemos destacar as “Obras de impacto como a Rodovia Transamazônica
ou a ponte Rio-Niterói, pareciam indicar que o Brasil realmente se tornaria uma grande
potência.” (FICO, 2016, p. 81).
O Milagre Econômico no Brasil não durou muito em virtude da “crise do
petróleo”,
12
iniciada em outubro de 1973, que atingiria em cheio a indústria
automobilística brasileira. A partir de 1974, “[...] o petróleo era um dos itens pesados na
pauta das importações brasileiras. Afinal, boa parte do ‘milagre’ estava montado na
‘civilização do carro’ [...]. Pagar o petróleo em 1974,
13
significa gastar sete vezes mais que
em 1972.” (HABERT, 1992, p. 41-42).
11
O termo “construção pesada” é utilizado na engenharia civil pelo seu alto grau de complexidade, tais
como portos, pontes, aeroportos, hidrelétricas, túneis etc. Obras que, em geral, são executadas por
empresas e órgãos públicos.
12
Aparentemente, os primeiros sintomas da crise mundial manifestaram-se na esteira da chamada crise do
petróleo, quando os países árabes membros do OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) e
responsáveis pela maior parte da produção mundial de petróleo suspenderam suas exportações em
represália ao apoio dado a Israel por potências do Ocidente na guerra do Oriente dio. A medida
provocou a elevação dos preços mundiais do petróleo que em pouco tempo triplicaram. O encarecimento
do petróleo beneficiou os Estados Unidos, sede de cinco das sete irmãs as empresas multinacionais que
monopolizavam a extração e a comercialização mundial do petróleo e prejudicou os países não
produtores como Alemanha e Japão, e, sobretudo aqueles países menos desenvolvidos que eram
grandemente dependentes do petróleo importado, a exemplo do Brasil (HABERT, 1992, p. 40-41).
13
“Na realidade, o crescimento da economia brasileira entre 1969 e 1973 nada tinha de milagroso [...] A
“milagrosa” expansão da economia brasileira fazia-se, pois, à custa da pauperização e do silêncio forçado
de imenso contingente de trabalhadores assalariados.” (HABERT, 1992, p.13-15).
Os avanços da industrialização do país nas décadas 1950 até 1970 tornaram
evidentes as profundas mudanças que ocorreram na sociedade brasileira ao longo destas
três cadas. No que se refere ao setor econômico, o rodoviarismo cresceu
vertiginosamente com o aumento na produção de veículos, bem como por meio do
número da construção de estradas e rodovias pavimentadas. Segundo Vilaça:
A rodovia explica muito na continentalidade brasileira repita-se e a preferência
pelo transporte rodoviário es justificada na alta qualidade dos serviços
prestado por esse setor, modernizando-se a cada passo, oferecendo ao usuário
vantagem de tempo e facilidade de entrega a domicílio, valorizando-se na
política progressiva dos seguros contra danos e somente em função da rápida
expansão da rede rodoviária, combinada com o aumento da frota comercial de
caminhões é que foi possível atender à crescente demanda de transportes no
Brasil. (VILAÇA, 1987, p. 52).
Com o surgimento dos veículos automotores, aos poucos, as estradas de terra
foram asfaltadas; as carretas, que antes eram de tração animal, iam sendo substituídas
pelos caminhões mais potentes de tração mecânica. Apesar das modificações das
carretas, por conta do desenvolvimento da indústria automobilística, e em função do
desenvolvimento tecnológico, ainda muitas terminologias dos veículos de tração animal
do passado se fazem presentes nos veículos de tração mecânica nos dias de hoje. Na
obra Em torno da sociologia do caminhão, de Marcos Vilaça, evidenciam-se as
terminologias utilizadas em veículos de tração animal que também foram e são utilizadas
nos veículos de tração mecânica; para ele, o “Caminhão e motorista refletem agora, sob
novos aspectos técnicos, mas dentro das mesmas formas sociológicas, o que foram
tropeiros e tropa no passado.” (VILAÇA, 1987, p. 24). Assim, pensando no contexto dos
veículos de tração mecânica, Vilaça salienta que:
O velho carroção emoldurou-se diferentemente. Onde havia a almofada está a
boleia; no lugar do lastro para a carga, a carroceria; o motor substituiu os
cavalos, na era do “Horse Power”. E tudo isso sobre as duas linhas dos chassis.
Boleia, termo que se conservou, vindo dos veículos de tração animal. Estribo
também herdado às carroças e animais de montaria. Adaptou-se aos serviços, a
carroceria, sem perder muito do que era. Modernizou-se. (VILAÇA, 1987, p. 16-
17).
Existe uma historicidade com os veículos de tração animal, uma vez que muitos
termos e nomenclaturas utilizadas nesses veículos, tais como estribo, cavalos e diversos
outros, também foram empregados mais tarde nos caminhões. Os caminhões foram,
gradativamente, adequando-se às necessidades de cada serviço a ser prestado. O chassi
e o eixo utilizados na montagem dos caminhões foram moldados de acordo com as
necessidades das mercadorias carregadas, surgindo, assim, outros modelos de veículos;
tais como, o caminhão tanque, boiadeiro, cegonha, guincho, e até mesmo os ônibus.
14
Dessa forma, surgia também a carreta, um tipo de cavalo mecânico engatado em um
reboque. Segundo Vilaça:
O aproveitamento integral da potência do caminhão, de largo uso em áreas
desenvolvidas, alastra-se em meios brasileiros. É comum atrelar carretas
capacitando-o ainda mais os transportes de cargas. Muitas vezes o carrêgo é
leve e vilaçavolumoso a carroceria fica totalmente ocupada e o motor
esbanjando força. A carreta resolve a interação motriz. O caminhão ganha em
tamanho, ficando “jamanta”, nome do autocarga com extensa carroceria
separada da cabina. O “papa filas” é a sua versão em ônibus. (VILAÇA, 1987, p.
18).
Cabe salientar que as práticas dos carreteiros, de tração animal, também
estivessem ligadas às práticas dos primeiros Tropeiros/chofer, hoje designam a
profissão de motorista. Kapron salienta que o:
Carreteiro é de uso bastante popular, inclusive institucional, para designar o
motorista de caminhão, porém pode ser mais restrito em relação ao motorista
do tipo de “caminhão carreta” em comparação com um motorista de “caminhão
simples” [...] (KAPRON, 2012, p. 40).
Embora hoje, no Brasil, a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) denomina
esses profissionais de motoristas de veículos de cargas em geral,
15
cabe destacar que a
autoidentificação do motorista está de acordo com o tipo de veículo ou da carga que ele
leva, como caminhoneiros, boiadeiros, carreteiros, cegonheiros e etc. Além do mais, se
faz importante destacar que o “Carreteiro, aqui perdeu em parte, o sentido etimológico
da palavra, como transportador de cargas de frete. Carreta, neste caso, é o caminhão
articulado, formado pelo cavalo-mecânico e a carroceria (semirreboque) acoplada com
um a três eixos.” (CHEIROBIM, 1984, p. 115).
14
“O ônibus nada mais é que um aproveitamento do caminhão. Hoje as empresas intensificaram a
produção dos chassis, monobloco, tipo “self-supporting especializado para ônibus, numa nova etapa, a
distinguir os chassis caminhão, dos chassis do ônibus.” (VILAÇA, 1987, p. 18).
15
De acordo com a classificação Brasileira de Ocupações (CBO). Código: 7825-05: Motoristas de veículos
de cargas em geral Descrição Sumária Transportam, coletam e entregam cargas em geral; guincham,
destombam e removem veículos avariados e prestam socorro mecânico. Movimentam cargas volumosas e
pesadas, podem, também, operar equipamentos, realizar inspeções e reparos em veículos, vistoriar cargas,
além de verificar documentação de veículos e de cargas. Definem rotas e asseguram a regularidade do
transporte. As atividades são desenvolvidas em conformidade com normas e procedimentos técnicos e de
segurança (BRASIL, 2002). BRASIL. Classificação Brasileira de Ocupações. 7825: Motoristas de veículos de
cargas em geral. Disponível em:
http://www.mtecbo.gov.br/cbosite/pages/pesquisas/BuscaPorTituloResultado.jsf. Acesso: 05 abr. 2018.
Ainda que muitas vezes relegados ou ignorados pelos historiadores, veículos e
condutores foram importantes para desenvolvimento econômico, urbano e social do
país. Já que parte considerável para a construção e desenvolvimento do país foram e são
transportados na carroceria desses veículos de grande porte, conduzidos pelos
motoristas (de caminhão/caminhoneiros), que cortam as estradas de Norte a Sul, desde a
América portuguesa até os dias de hoje. Como bem destacou o geógrafo Daniel Huertas,
em sua obra Território e circulação transporte rodoviário de carga no Brasil:
À EXCEÇÃO DA AMAZÔNIA, O CAMINHÃO É UMA FIGURA ONIPRESENTE na
paisagem brasileira. A Estrada, concebida em gabinetes e forjada como uma
cicatriz que ultrapassa os obstáculos naturais interfere na dinâmica social, faz
parte do imaginário coletivo como aspecto de uma modernidade tardia que
rapidamente conseguiu se capitar pelo território nacional, mesmo que de modo
heterogêneo. No comando da boleia está o caminhoneiro, o homem de confiança
que se agarra ao volante para cumprir uma nobre tarefa, mesmo diante das
típicas incertezas de uma vida itinerante. (HUERTAS, 2018, p. 35, grifo do
autor).
No Brasil, a partir da década de 1970 e 1980, o motorista (de
caminhão/caminhoneiro) passou a ganhar visibilidade com o desenvolvimento do
rodoviarismo. Nesse período, é visível que os caminhoneiros tinham mais autonomia
sobre suas cargas e seus destinos, o que, de certa forma, provinha a eles uma vida
itinerante. Mas, nas décadas seguintes, o aumento no número de veículos, dado pelo
surgimento das empresas transportadoras e o desenvolvimento da logística, fizeram com
que os motoristas perdessem essa autonomia, o que resultou na: “[...] mais-valia e a
diminuição relativa da participação dos salários e o maior controle disciplinador dos
motoristas num padrão industrial, se demonstrou a proletarização do trabalho.”
(KAPRON, 2021, p. 483).
Mesmo considerando o aumento e a modernização significativa da frota no TRC,
acrescidos pela expansão do agronegócio, mineração, construção civil, entregas do e-
commerce e o aumento de volumes das exportações, é importante destacar que o
motorista de caminhão ainda sofre pelas péssimas condições das estradas, falta de
segurança devido aos assaltos de cargas e veículo, aumento do preço do Diesel e os dias
de espera em filas por fretes melhores. Consequentemente, são acometidos por
problemas de saúde causados pela rotina estressante que não visa o bem-estar dos
caminhoneiros, fazendo com que muitos acabem abandonando a profissão.
Considerações finais
Por meio do levantamento bibliográfico, foi possível contextualizar os momentos
históricos, econômicos e políticos que foram cruciais para a consolidação do Transporte
Rodoviário de Carga (Caminhão), e o crescimento do rodoviarismo que se deu através da
construção de milhares de quilômetros de rodovias que cortam o Brasil de Norte a Sul.
Podemos perceber que a construção das estradas no Brasil se deu, sobretudo,
para atender as demandas dos grandes latifundiários na exportação de matéria-prima,
pois o Brasil ainda é um dos países que mais exporta para o mundo. Porém, foi somente
na segunda metade do século XX que se desenvolveu o TRC e a construção das
principais rodovias, com o surgimento tardio da industrialização brasileira, integrando-se
ao sistema capitalista global. no século XXI, o aumento do TRC tem se consolidado,
principalmente, por dois fatores: atender ao aumento das demandas dos grandes
latifundiários, hoje denominado de agronegócio; e ao aumento do volume das
exportações mundiais em decorrência do e-commerce.
Portanto, pesquisas, como essas, ajudam a pensar a função social da história, que
é de organizar o passado em função do presente. Assim, podemos perceber que a
consolidação da profissão de motorista (de caminhão/caminhoneiros) se funde com o
surgimento do TRC e das rodovias no Brasil, contribuindo para o desenvolvimento
econômico do país.
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