OLIVEIRA, Paulo Ferraz de Camargo.
FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.2, nº2, p. 161-175, jun.-dez., 2015.
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No campo literário rulfiano, por exemplo, pode-se citar o conto “Luvina”, de Chão
em chamas, que constrói em registro ficcional, do ponto de vista das diferenças das
temporalidades, as tentativas modernizadoras do Estado que buscava levar aos pueblos
perdidos no interior a dita educação civilizada. O projeto fracassou por vários motivos.
Aqui, o que importa salientar é justamente o descolamento entre esse tempo moderno,
do Estado, oficial, e o tempo dos camponeses, arcaico e das tarefas cotidianas, baseado
no ritmo da natureza. Esses camponeses, além de não compreenderem a proposta
apresentada pelos professores, negam-se a abandonar seu lugar de nascimento,
porque querem permanecer próximos a seus mortos (passado). Atitude impensável
para qualquer cidadão moderno, urbano, letrado na mentalidade europeia “avançada e
civilizada”.
Portanto, as reivindicações hegemônicas ou nacionalistas de tom cultural
(homogêneas) seriam, para Bhabha, insustentáveis. Com termos um tanto quanto
abstratos, o autor se refere a Julia Kristeva e sua concepção da construção temporal
da nação, que estaria dividida em dois tempos: o pedagógico e o performativo. Ou
seja, respectivamente, a sedimentação histórica e a perda da identidade no processo
de significação da identificação cultural. Essa narrativa continuísta, hegemônica, não
impede, contudo, a emergência da instabilidade cultural na qual vive, de fato, o povo.
É justamente por meio dessa fluidez de significações culturais que surgem as diversas
temporalidades – moderna, colonial, pós-colonial, nativa, entre outras (BHABHA, 1998,
p. 209-216).
Colocando a questão da nacionalidade em termos políticos, Michel de Certeau
fala sobre crença, mas não como dogma ou programa, e sim como “subject’s investment
in a proposition, the act of saying it and considering it as true”. A crença, portanto, seria
o suporte para a autoridade política que, em seu desejo de fazer as pessoas acreditar
nas instituições, forneceria uma contrapartida: a busca por identidade. Dessa maneira,
a crença teria vindo da esfera do sagrado, do religioso, e o Estado, com base em Thomas
Hobbes, teria se apossado desse sentimento. Assim, ela teria passado primeiro pela
Igreja, depois para a monarquia, até alcançar as instituições republicanas – percurso
idêntico ao estabelecido por Anderson (ANDERSON, 2007, p. 32-39). E tudo aquilo
que não pudesse ser transportado ao longo desse percurso seria classificado como
superstição. Ao fim e ao cabo, esse movimento foi profundamente intenso e muito bem
sucedido.
Trazendo essa discussão para um plano mais concreto e cotidiano, podemos
afirmar, tendo em vista o caso do samba, ou, mais exatamente, das canções de Ary
Barroso, que, mesmo que o conteúdo seja desprovido de qualquer significado,
coerência ou profundidade – talvez justamente por isso –, a mobilização nacional
em torno da definição e aceitação de que nessa musicalidade residiria um símbolo
nacional foi extremamente eficaz. É precisamente esse caráter artificial que Certeau
destaca, quando analisou a produção atual da crença, tanto em termos políticos quanto
comerciais (CERTEAU, 1988, p. 178-179).
Assim sendo, transportando esses conceitos para o caso latino-americano,
podemos afirmar que pensar no indígena como símbolo máximo da expressão de uma
cultura popular é, no mínimo, temerário, porque ele não pode ser tomado como único
elemento nacional. Há diversos outros povos que residem no continente clamando
por representatividade, como, até mesmo, os estrangeiros que para cá vieram e que