Católica e ao discurso religioso, com plena consciência de sua luta feminista. Por sua
vez, a primeira, mesmo tendo vivido experiências transformadoras, não era militante
política. Lutou por mulheres, amparou desabrigados, mas sob a perspectiva do cuidado
religioso. No entanto, ainda que diferentes, é possível observar na escrita de vida dessas
duas mulheres um processo de construção de suas subjetividades.
Ivone Gebara é uma filósofa extremamente consciente do seu próprio processo
de escrita, ela escreveu de forma poética, filosófica e reflexiva, tinha consciência do que
seus debates representavam academicamente, diferente de Gladys que elaborou um
processo de narrativa de si, com a intenção de contar a outros por meio da
rememoração, as experiências vividas muito mais a título de exemplificação. Ademais, na
época, ela também buscava comover as pessoas em relação ao sofrimento dos chineses e
conseguir apoio financeiro para a missão. Assim como na autobiografia de Ivone, mesmo
sendo freira, observa Rago: “não se trata de uma narrativa confessional, mesmo sendo
escrita por uma freira católica, pois não visa justificar seus atos e decisões, menos ainda
se glorificar” (RAGO, 2013, p. 274). Da mesma maneira, a autobiografia de Gladys
também não corresponde a estas características.
Podemos destacar ainda, que a escrita de Gladys não apresenta aspectos de
“necessidade de purificação pela escrita confessional, que desenrola o filme da vida,
como nas autobiografias clássicas masculinas, que visam zerar o passado e aliviar a
alma[...].” (RAGO, 2013, p. 58). Ela não demonstra ter dever de confessar algo, ao
contrário, a história de Gladys tem foco em suas viagens, como ela percebeu a China,
como enxergou as pessoas e se relacionou com elas. Tem relação com suas dificuldades,
o que passou e como obteve socorro divino.
Assim como Ivone Gebara que “parece orgulhar-se da pioneira que foi, por ter
superado o sentimento de medo e da solidão diante de tantos desafios [...]” (RAGO, 2013,
p. 274), também encontramos esse sentimento na escrita de Gladys, pois ela não se
deixou limitar por instituições, falou sobre a igualdade entre homens e mulheres, e lutou
com os dispositivos que dispunha para alcançar seus objetivos.
Tendo em vista as definições de autobiografia e escrita de si, podemos perceber
as diferenças entre elas, ainda assim, é possível encontrarmos a prática da escrita de si
dentro da autobiografia, que apresenta uma perspectiva retrospectiva. A escrita de si,
pode então, permear este gênero que permite uma exposição do eu ao outro. Esta prática
contribui para a construção do sujeito, ao reputar que escrever de modo que permitimos
que outros nos vejam, pode ser considerado uma arte de viver.
A escrita de si e a autobiografia estão fundidas no texto da Gladys Aylward, visto
que a primeira foi elaborada com as características da autobiografia, mas também,