DAGIOS, Mateus.
FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.2, nº2, p. 121-140, jul.-dez.., 2015.
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Orestes: Ó amável sortilégio do sono, defensor contra a doença, como foi
suave a tua vinda – quando precisava de ti! Ó venerável Olvido dos males,
como és um deus sutil e como os infortunados te imploram! Donde, em que
momento vim para aqui? E como cheguei? Já me não lembro, privado como
estou da razão que antes tinha (Orestes, vv. 211-216).
A nósos de Orestes mostra-se como um problema para todas as personagens,
pois ela é manifestação de uma falta religiosa, de um crime bárbaro ao olhar dos homens
e dos deuses. Por outro lado, Eurípides não faz Orestes defender uma ideia de inocência
do ato do matricídio; ao contrário, Orestes não nega seu ato e justifica-o por agir por
inspiração de Apolo. Tal afirmação coloca a cidade em contradição, pois ao obedecer a
um dos deuses estaria em conformidade com a lei, apesar de cometer o mais cruel dos
crimes.
Orestes: Minha irmã, porque choras, com a cabeça escondida no peplo?
Envergonho-me perante ti, pelos sofrimentos que te provoco e pelo embaraço
causado a uma jovem, com as minhas doenças. Não te definhes, por causa
dos males! Pois tu aprovaste esses atos, mas foi por mim que foi executado
o assassínio de nossa mãe! E a Lóxias censuro, visto que, induzindo-me à
ação mais ímpia, com palavras me encorajou, mas com ações, não. Creio até
que meu pai, se lhe perguntasse rosto a rosto se devia matar minha mãe, ele
tocaria no meu queixo e havia de desfazer-se em súplicas, para que nunca a
espada ferisse a garganta da que me gerou (Orestes, vv. 280-90, grifo nosso).
A doença de Orestes advém do seu cumprimento de uma ordem de Lóxias, um
dos nomes de Apolo, o qual o encorajou com palavras, isto é, persuadiu-o com retórica,
e não com ações; nota-se, portanto, que Eurípides coloca as palavras em proximidade
com a doença. Orestes reclama de que o deus que o persuadiu agora não lhe presta
auxílio, deixando-o doente. Smith comenta que Orestes precisa de uma purificação para
poder curar-se da doença:
Orestes precisa de purificação, como a cerimônia catártica nas Eumênides,
dos efeitos nocivos do sangue da sua mãe. A purificação, se efetiva, poria fim
aos ataques das Erínias, as quais sentem o cheiro do sangue derramado, e
também ao efeito venenoso e repugnante do próprio sangue (SMITH, 1967, p.
295, tradução nossa).
Daisi Malhadas defende que Eurípides explora no seu texto as relações entre
Orestes e o seu entorno, não colocando a ênfase no homem doente à procura da cura,
mas na relação do grupo com a doença:
O estado de Orestes, assediado pelas Erínias, cena inicial do drama, não vai
ser a situação propulsora da ação. Esta não tem como objeto a liberação de
Orestes do cerco das Erínias. Livrar-se Orestes das Erínias, purificar-se,
depende de superar, romper um cerco mais visível, mais concreto: o cerco
da cidade. Se de um lado, Eurípides interessou-se pelos efeitos do matricídio
como falta — religiosa ou moral — tornou mais relevante, por outro lado, as
reações do grupo social (MALHADAS, 1995, p. 188).