ENTREVISTA COM HILÁRIO FRANCO JÚNIOR
FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.2, nº2, p. 116-120, jun.-dez., 2015.
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HFJ – Ao contrário do que certas correntes historiográficas muito ideologizadas
defendiam, como o positivismo de fins do século XIX ou o marxismo do pós-guerra, em
Ciências Humanas os métodos e os conceitos não são e jamais poderão ser universais
e atemporais. Diferentes abordagens convivem, dialogam, e mesmo se por certo tempo
alguma delas é predominante, as outras não desaparecem. Felizmente: é desse embate
de ideias que a ciência se alimenta. No caso da História, os instrumentos de trabalho são
construídos, abandonados e remodelados de acordo com os interesses e expectativas
de cada época, ou seja, conforme as modalidades da relação entre presente e passado,
como foi lembrado na pergunta anterior. Daí porque os conceitos de mentalidade e
imaginário não estão recebendo críticas da “historiografia contemporânea”, mas de
certos setores dela. Tal abordagem ter deixado de ser hegemônica não significa falta
de validade, o fato é expressão da dinâmica historiográfica, cada vez mais rápida,
acompanhando a dinâmica histórica. Embora seja uma evidência, não podemos esquecer
que a historiografia não é apenas um certo olhar sobre a História, ela é também um
produto da História.
No ensaio “Modelo e Imagem”, do mesmo livro, o senhor propõe que a
Europa Medieval compartilha de uma visão analógica de mundo e que
esta forma de pensamento é o lugar no qual melhor podemos observar
a cultura intermediária – conceito defendido em trabalhos anteriores.
Qual a relação entre estes dois conceitos e como eles podem nos ajudar
a compreender a cultura do medievo europeu?
HFJ – Quando propus o conceito de cultura intermediária foi na tentativa
de escapar à polarização cultura erudita/cultura popular, a qual deixa, a meu ver,
inexplicados vários fenômenos culturais importantes. É o caso dos exempla (pequenos
contos moralizantes): eles estavam no âmbito da cultura popular devido à sua origem
oral e anônima, ou no da cultura erudita por terem sido colocados por escrito em
grandes coletâneas destinadas a fornecer material aos pregadores? Os clérigos por
sua condição de pessoas letradas tinham perdido todo contato com a cultura laica da
sua família (pois ninguém nasce clérigo) e de seus paroquianos? Mas a maior prova da
existência de um substrato cultural que abarca toda a população – sem negar algumas
especificidades grupais – é a predominância da visão analógica de mundo. Ou seja,
a forma de raciocínio que sem excluir outras privilegia as associações, as oposições,
as comparações. A rigor, tal mecanismo mental parece ter emergido no processo de
evolução humana anteriormente ao pensamento lógico, e continua essencial no homem
contemporâneo como pesquisas recentes de neurobiologia e de psicologia cognitiva
têm mostrado. Nesse sentido o pensamento analógico não é exclusividade da Idade
Média, esta foi apenas uma etapa na qual ele era reconhecido e valorizado. Em suma,
parece-me que sem levar em conta a cultura intermediária e o pensamento analógico
muitos aspectos da sociedade medieval ficam insuficientemente compreendidos.
O interesse pelos estudos medievais vem aumentando consideravelmente
no Brasil, em especial nas duas últimas décadas. Como o senhor avalia