SCHARGEL, Sergio
https://orcid.org/0000-0001-5392-693X
RESUMO: Autores como Gianni Fresu
sugerem que a Marcha Sobre Roma teria sido
um golpe de Estado. Na realidade, porém, a
despeito de suas pretensões nitidamente
golpistas, Benito Mussolini chegou ao poder
através das vias legais do parlamentarismo
italiano. Ante a questão sobre quais
características apareciam no Fascismo quando
da Marcha, a intenção deste artigo é analisar e
traduzir o
Discurso de Nápoles
, declarado dois
dias antes da Marcha, visando apontar
algumas de suas principais características e
sua relação com os períodos anteriores e
posteriores do Fascismo. A análise e tradução
inéditas permitirão ampliar o estado da arte
nos estudos sobre o Fascismo, ao mostrar
algumas reconstruções de seus traços. Para
isso, o artigo lançará mão de uma base teórica
com material de Gianni Fresu e Robert Paxton,
além de uma estratégia de análise de conteúdo,
com apoio na plataforma
Wordclouds
.
PALAVRAS-CHAVE: Fascismo; Mussolini;
Discurso de Nápoles; Marcha sobre Roma;
ciclo liberal do Fascismo.
ABSTRACT: Authors such as Gianni Fresu
suggests that the March on Rome would have
been a
coup d’état
. In reality, however, despite
his distinctly coup-based pretensions,
Mussolini came to power through the legal
channels of Italian parliamentarism. Faced
with the research question about which
characteristics appeared in Fascism during the
March, the intention of this article is to
analyze and translate the Speech of Naples,
declared two days before the March, aiming to
point out some of its main characteristics and
its relationship with previous and post periods
of Fascism. The analysis and translation,
unpublished in Portuguese, will make it
possible to expand the state of the art in
studies on Fascism, by showing some
reconstructions of its features. For this, the
paper will make use of a theoretical basis with
material by Gianni Fresu and Robert Paxton, in
addition to a hermeneutic methodological
strategy of close reading, supported by the
Wordclouds platform.
KEYWORDS: Fascism; Mussolini; Naples
speech; March on Rome; liberal cycle of
Fascism.
Recebido em: 19/07/2022
Aprovado em: 31/10/2022
Doutorando em Ciência Política pela UFF. Mestre em Letras pela PUC-Rio, mestre em Ciência Política
pela Unirio. Bolsista CAPES, ex-bolsista CNPq. Venceu o Prêmio Abralic de melhor dissertação do biênio
2020-2021. Sua pesquisa e produção artística são focadas na relação entre literatura e política,
tangenciando temas como teoria política, literatura política, fascismo, antissemitismo e a obra de Sylvia
Serafim Thibau. Contato: sergioschargel_maia@hotmail.com / sergioschargel@gmail.com.
Este é um artigo de acesso livre distribuído sob licença dos termos da Creative Commons Attribution License.
Introdução
“nada via, entre ele e as ações mais heróicas,
senão a falta de oportunidade”
(STENDHAL, 2010, p.92).
Robert Paxton (1998), entendendo o fascismo como um conceito elástico
necessário para entender um movimento de massas inédito que surgiu no século XX,
compreende sua ascensão através de cinco etapas: 1) a criação dos movimentos; 2)
enraizamento, quando um movimento se torna um partido e passa a ter influência; 3) a
chegada ao poder; 4) o exercício do poder; e 5) entropia ou radicalização. De acordo com
Paxton (1998), o Fascismo italiano seria um exemplo de fascismo que caminhou à
entropia, enquanto o Nazismo um exemplo de radicalização. O autor destaca que grande
parte dos movimentos morrem ainda no primeiro estágio, sem conseguir se tornar um
partido.
Paxton (1998) sugere alguns elementos que funcionam como ponto de inflexão
para determinar se um movimento fascista irá implodir nos primeiros estágios, ou se
desenvolver. Entre eles, a presença de uma liderança messiânica capaz de movimentar a
massa. Aliás, o próprio caráter massificado do movimento, e sua capacidade de penetrar
nas diversas esferas da sociedade civil, para além de pequenos círculos da extrema-
direita tradicional, desempenham papel em seu avanço. Também a resiliência
democrática e institucional de uma nação, o quanto ela consegue se salvaguardar contra
as investidas autoritárias e o apelo populista. O próprio fascismo, como lembra Paxton
(1998, p. 15), possivelmente teria morrido após a derrota sofrida nas eleições de 1919, não
fossem novas iniciativas nacionalistas e antissocialistas nos dois anos seguintes revivê-
lo.
Nesse sentido, ainda que limitado pelo escopo e espaço de um artigo, também é
preciso definir aqui, ao menos brevemente, o que se compreende por fascismo como
conceito genérico. Um desprendimento natural do movimento de Mussolini, o conceito
de fascismo, na perspectiva de Paxton (1998, 2007), supera a formação inicial de quem
absorveu o nome. Isto é, adquire novas características conforme ultrapassa a barreira de
seu espaço-tempo inicial, mas mantém pontos essenciais que o permite permanecer
sendo compreendido como análogo. A saber, Paxton (1998) classifica o fascismo como
um conceito, ideologia, movimento ou regime que agrupa quatro outros conceitos de
manifestação simultânea: populismo, reacionarismo, nacionalismo e autoritarismo. Todos
existem de forma independente, mas quando se manifestam ao mesmo tempo, exala um
aroma de fascismo. Que, como sugere Paxton à exaustão, e é corroborado por Ernesto
Laclau (2005, p. 250), é muito mais comum às democracias contemporâneas do que se
crê. Desses conceitos, decorrem subdivisões em características, agrupadas sobre eles,
em geral, mas não somente ou exclusivamente, constituídas por: messianismo,
masculinismo, base de massas, passado mítico, desumanização de grupos específicos,
paranoia e conspiracionismo, ressentimento melancólico, maniqueísmo,
anticosmopolitismo, antiliberalismo, antissocialismo, entre outros possíveis.
Para além de etapas genéricas de fascismos, o Fascismo italiano
1
teve, ele próprio,
alguns ciclos. Corroborando com os argumentos de que fascismos se reconstroem, como
qualquer conceito político, pode-se pensar em uma divisão que, ainda que um tanto
arbitrária, compreende alguns dos ciclos do Fascismo de Mussolini. Em seus mais de 20
anos de existência o próprio Fascismo alterou-se ciclicamente, conforme migrava
através dos estágios propostos por Paxton. Em diálogo com esses estágios, este trabalho
propõe a divisão de materiais sobre o Fascismo sobre cinco ciclos próprios de sua versão
italiana. São eles: 1) ciclo progressista (1915-1921), no qual o Fascismo ainda possuía
traços de sua origem socialista; 2) ciclo liberal (1921-1926), a partir do qual o Fascismo,
para poder ascender ao poder, liga-se a uma coligação conservadora-liberal e aplica
medidas liberalizantes na economia (a despeito de traços paradoxais de retórica
antiliberal); 3) o ciclo autoritário/corporativista (1926-1932), marcado pelo
Discurso
sobre Matteotti
, no início de 1925, a efeméride sobre a qual tem início o Fascismo como
uma ditadura; 4) o ciclo imperial (1932-1943), que marca a tentativa de Mussolini em
legitimar intelectualmente o seu regime e expandi-lo; 5) e, por fim, o ciclo nazifascista,
quando a Itália é invadida e o Nazismo e o Fascismo se tornam, de fato, um.
A proposta deste artigo é, levando em consideração essa divisão, discutir, analisar
e traduzirum material marcante do ciclo liberal: o
Discurso de Nápoles
. Para isso, lançará
mão de uma base teórica apoiada em Paxton (1998), e análise de conteúdo direcionada,
com apoio no
software
WordClouds. Último discurso proferido antes da Marcha Sobre
Roma antecede a ascensão de Mussolini ao poder e explicita suas pretensões
autoritárias. Ao fim, o artigo trará a primeira tradução para o português do discurso.
Prenúncios de uma ameaça golpista
É bastante clara a divisão entre o terceiro e quarto estágio do Fascismo: a
ascensão ao Executivo e o exercício do poder. O terceiro estágio ocorre em 1922, com o
1
Será empregado minúscula quando se trata do fascismo como conceito genérico, maiúscula quando se
fala sobre o movimento de Mussolini.
convite feito pelo chefe de Estado após a Marcha sobre Roma. O quarto, após o período
de 1924 e 1926, com a crise criada pelo assassinato do deputado socialista Giacomo
Matteotti, que por pouco não acabou com o Fascismo em seu terceiro estágio, mas
acabou por ter efeito contrário e impulsioná-lo. No terceiro, Mussolini chega ao poder,
apesar de uma demonstração de força autoritária, de forma legal. No quarto estágio,
realiza de fato uma ruptura e início ao terceiro ciclo do Fascismo: o ciclo
corporativista e abertamente autoritário.
Giovanni Giolitti, longevo primeiro-ministro liberal da Itália, ajudou tanto quanto
o Rei Vitor Emanuel na ascensão de Mussolini, ao dissolver o Parlamento em 1921 na
intenção de enfraquecer o quórum socialista (FRESU, 2017, p. 61). Isto porque os
socialistas haviam se dividido entre o Partido Socialista da Itália (PSI) e o Partido
Comunista da Itália (PCI). O efeito foi perverso: Giolitti não apenas falhou em sua
intenção, como favoreceu a ascensão do Partido Nacional Fascista (PNF). Nas eleições de
1921, o Partido Nacional Fascista colocou apenas cerca de 5% de deputados no
Parlamento e foi eleito fazendo parte da coligação de liberais e conservadores de Giolitti.
Ainda assim, o movimento e o partido cresciam em velocidade inédita, controlando
grande parte da região norte, o Vale do Pó, além de apoio de alguns setores estratégicos
como a polícia (PACHUKANIS, 2020, p. 36-38). Entre maio e dezembro de 1920, o
movimento, ainda como
Fasci di Combattimento
, migrou de 30 mil para 150 mil membros
e de 100 grupos locais para 8 mil (PACHUKANIS, 2020, p. 38); em 1922, de cerca de 8%
da população italiana era filiada ao PNF (BRAY, 2019, p. 264). Em paralelo, também
crescia o seu autoritarismo, com ascensão da violência
Squadristi
.
Contudo, ao contrário do que se crê no senso comum, a Marcha sobre Roma não
foi um golpe em si. Mussolini não rompeu com as instituições subitamente, mas utilizou a
pressão de sua marcha de 30 mil homens para enfraquecer a credibilidade do governo
liberal. O chefe de Estado, temendo uma guerra civil e uma alternativa à esquerda, achou
por menor dos males tornar Mussolini chefe de governo ao entregar o Executivo Federal
(FRESU, 2017, p. 62-65).
Mussolini, a essa altura, já havia suavizado o seu discurso social, migrado à direita
e abandonado a retórica anticlerical e antimonarquista. Nesse primeiro momento, além
do já discutido caráter liberal, Mussolini afirmou defesa da Constituição e da liberdade de
imprensa, mas, pensando em sua autossegurança, não dissolveu os
Squadristi
(PACHUKANIS, 2020, p. 41). Manteve alternativas para caso fosse preciso usar a força
como o seria, alguns anos mais tarde , o que surpreendeu a elite conservadora-
liberal (PACHUKANIS, 2020, p. 41). Esta, todavia, não se afastou completamente, pois “o
fascismo italiano convenceu muitos líderes liberais europeus de que o novo regime
estava realizando interessantes reformas sociais, capazes de fornecer uma alternativa
moderadamente revolucionária à ameaça comunista” (ECO, 2018, p. 30-31). Para manter
uma aparência de legalidade, transformou os
Squadristi
em órgão público.
A fragilização do
establishment
liberal, em parte por sua imagem associada à
Guerra, levou o eleitorado a buscar alternativas. Isso registra, na prática, um
crescimento tanto do PSI quanto do PNF (PACHUKANIS, 2020, p. 36). Entretanto, o
establishment
ainda possuía poder mais do que suficiente para influenciar na escolha
entre essas duas alternativas. E o Fascismo, com sua guinada para o liberalismo,
mostrava-se como a opção menos danosa, ainda mais porque greves, protestos e
revoltas proletárias varreram a Itália durante todo o ano de 1920, no chamado Biênio
Vermelho (PACHUKANIS, 2020, p. 37-38). Confirma-se, assim, ao menos no ponto
italiano, o que Paxton (1998) falou sobre as elites conservadoras-liberais como ponto de
inflexão necessário para o fascismo migrar para o terceiro e quarto estágio, algo que
Pachukanis já havia percebido na década de 1920:
Está claro que, em tal situação, a burguesia industrial está pronta para fazer um
acordo com qualquer um que lhe convenha, apenas para estabelecer a ordem”
[...] Nesse momento, os fascistas começam o apenas a investir contra as
cooperativas socialistas e transformá-las em suas próprias cooperativas
fascistas, não apenas investem contra as organizações operárias, mas ainda
criam seus próprios sindicatos nacionais (PACHUKANIS, 2020, p. 35-36, 38).
Entre vários discursos possíveis para analisar a época, escolheu-se aplicar um
método de análise de conteúdo sobre o discurso dado em Nápoles, apenas dois dias
antes da Marcha sobre Roma. A escolha se deu considerando a proximidade temporal
com uma clássica efeméride do Fascismo, mas também espacial, que Nápoles está a
uma província abaixo de Roma.
O discurso é, na prática, uma chamada à ação. Mais incisivo do que nos
programas e ou na doutrina, Mussolini (2020, p. 171, tradução nossa) convoca os
Fascistas para “o momento em que a flecha deve abandonar o arco, ou a corda irá
quebrar”. Uma metáfora pouco sutil à ameaça de ruptura democrática que propunha.
Segundo o livro que compila este discurso,
Mussolini as revealed in hispolitical speeches
,
Mussolini o concede travestido como um guerreiro pronto à guerra, conjurando o
imaginário bélico tão associado ao Fascismo. O
Duce
um epíteto que não por
coincidência também foi deslocado para nacionalistas como D’Annunzio e Giuseppe
Garibaldi vestiu-se com as cores de Roma e proferiu este discurso para 50 mil
pessoas que ecoavam “Para Roma!” em uníssono.
Figura 1. Nuvem de palavras sobre os termos que mais aparecem no
Discurso de Nápoles
.
Fonte: Elaborado pelo autor, baseado no
Discurso de Nápoles e
utilizando o
software
WordClouds.
Figura 2. Palavras mais relevantes e quantidade de vezes em que aparecem no discurso.
Fonte: Elaborado pelo autor, através da plataforma WordClouds e baseado no
Discurso
de Nápoles.
Com falsa humildade, inicia desculpando-se por ser deficiente na arte da retórica.
A suposta falha tem razão em ser convocada: concede uma roupagem de moderação à
proposta nada moderada que vem a seguir, para a oratória apocalíptica que aponta uma
necessidade última. É como se Mussolini (2020) respondesse a um chamado divino: ele
se coloca não como o melhor homem àquele objetivo, mas como o homem disponível. E
para isso, lança mão de palavras como “amor” e “fraternidade”, unindo Fascistas de todo
o país através de uma ideia de urgência e amizade. Da mesma forma, utiliza imagens
bélicas da Guerra para ressaltar irmandade através do nacionalismo, ao mesmo tempo
em que culpa a democracia e o pacifismo pelo resultado insatisfatório e, mantendo seu
traço de antipolítica, rotula a política romana como infame. Um fetiche que não é
exclusivo de Mussolini, pois, como lembra Eco (2018, p. 51), para o fascismo “não luta
pela vida, mas antes ‘vida para a luta’. Logo, o pacifismo é conluio com o inimigo, o
pacifismo é mau porque a vida é uma guerra permanente”.
Em uma passagem que adianta um ponto que se fará presente na sua doutrina de
1932, Mussolini (2020) levanta o seu movimento como o fenômeno político mais original
do pós-Guerra em todo o mundo, o que não deixa de ser real. De fato, o Fascismo foi a
maior invenção política do século XX, um método novo distinto de tudo o que havia sido
criado antes (PAXTON, 2007, p. 46). E voltando para o seu caráter messiânico, retoma a
falsa modéstia de desculpar-se por não ser a melhor pessoa possível para o que diz ser
um momento “extremamente grave(MUSSOLINI, 2020, tradução nossa), mas a melhor
pessoa disponível. Para isso, afirma: o Fascismo precisa apropriar-se e tornar-se o
Estado e, em um maniqueísmo autoritário e infantil, ainda que não sem seu tom
ameaçador, declara que faz o mal a quem pratica o mal. Transparece esse desejo a
quantidade de vezes em que “Estado” é mencionado, totalizando sete.
Aliás, o maniqueísmo autoritário não aparece apenas na posição que se coloca de
mensageiro do apocalipse, responsável por avisar e salvar a nação e o Estado da
decadência. Tanto mais se repete pela divisão simples que cria da realidade política,
diminuindo todo o complexo cenário da época em uma luta entre as forças nacionais e
as antinacionais” (MUSSOLINI, 2020, tradução nossa), exigindo que o Executivo
abandone uma presumida posição neutra. A nação, dessa forma, estaria refém dessas
formas antinacionais. E caberia ao Fascismo agir para derrotá-las, daí a sensação de
urgência e inevitabilidade presente em todo o discurso. Na prática, portanto, a essência
dos programas de 1919 e 1921 (e da doutrina de 1932, posteriormente) reside no mesmo
argumento, por mais que alguns pontos se difiram: a visão de uma nação refém de uma
elite afeminada, que a degenera, e cabe apenas ao Fascismo resgatá-la.
Um ponto interessante é que, mesmo apenas dois dias antes da Marcha sobre
Roma, Mussolini (2020) revela ressentimento com o Executivo. Lembra de ter pedido
que Fascistas fossem nomeados a pastas estratégicas: Relações Exteriores, Guerra,
Almirantado, Trabalho e Obras Públicas, ele próprio supostamente sem tomar parte
direta nisso, justificando por seu papel tanto como jornalista quanto como agitador. Mas
que a força do Fascismo foi subestimada, com propostas de ministérios menores. Um
insulto à visão teleológica do Fascismo como inevitabilidade Histórica (algo que o próprio
Mussolini diz, ao argumentar que o Fascismo tem uma visão histórica, oposta a uma
visão política ou parlamentar): “Nós, fascistas, não pretendemos chegar ao governo pela
janela; não temos a intenção de desistir do nosso direito espiritual de liderança por
restos de ministérios miseráveis” (MUSSOLINI, 2020, tradução nossa). “História” é,
inclusive, um dos termos que mais aparece no seu discurso, atrás de “nação” e
equivalentes. Em suma, se antes o ofereceram pouco, agora era chegada a hora de
perseguir o tudo, o que indica o messianismo de Mussolini. Igualmente o indica o
destaque que o livro faz logo a seguir, ressaltando que esta passagem foi aplaudida em
alto e prolongado som.
As ameaças à democracia, na passagem em seguida, ficam ainda mais virulentas e
assertivas. Não obstante, todo o discurso pode ser lido como uma grande ameaça à
democracia, que aparece, junto de “guerra”, como um dos vocábulos mais utilizados.
Mussolini (2020) passa a falar em força. Em disputa de forças. Retornando o seu
ressentimento, afirma que se o ignoraram por subestimarem sua força, é hora de
mostrá-la. E a intimidação fica mais clara, pois salienta que em uma referência
tipicamente reacionária a um passado mitificado assim como as legiões romanas, os
Fascistas estão prontos para utilizar o “recurso à força”, se necessário, com a qual “nós
venceremos” (MUSSOLINI, 2020, tradução nossa). Abandona-se, nesta passagem,
qualquer pretensão de verniz democrático que se mantinha até então. A mensagem é
evidente: caso o Fascismo não consiga o que quer, irá recorrer à violência contra o que
identifica como “incrustação parasitária do passado, que não pode se prolongar no
presente, pois significaria a morte do futuro” (MUSSOLINI, 2020, tradução nossa). Este
fragmento pode parecer solto a priori, mas não o é. Fica mais evidente no que talvez seja
seu material mais rico, a
Doutrina
, o que Mussolini quer dizer com parasitas do passado:
o comunismo e o liberalismo. Um parasita de duas cabeças (uma imagem que não à toa o
Integralismo também lança mão), que Mussolini (2006, p. 249) identifica como doutrinas
do século XIX, decadentes, condenadas ao desaparecimento, ao passo em que o
Fascismo responderia pelo futuro. Vale lembrar, porém, que em 1922 o Fascismo
trabalhava dentro de uma lógica economicamente liberal, o que pode sugerir que, por
mais que a ideologia antiliberal estivesse paradoxalmente presente, ela não poderia se
manifestar tão abertamente quanto em 1932.
O antimonarquismo e o republicanismo dos primeiros momentos também
desapareceram por completo. Ciente da necessidade de apoio de Vitor Emanuel,
Mussolini (2020) passa a exaltar a monarquia como guardiã das tradições da nação
sendo, portanto, essencial para a saúde desta. Manifesta, todavia, seu desejo de retirar o
que entende por forças que acorrentam a monarquia e a impedem de desempenhar
corretamente o seu papel. A mesma figura corruptora invisível que se manifesta em
todos os seus materiais, seja a doutrina, os programas ou os discursos, sempre
corrompendo a nação, o Estado, as tradições. Relembra que a monarquia não se opôs à
Guerra e, com uma ameaça velada, pergunta se ela teria agora motivos para se opor ao
Fascismo, quando este não pretende atacá-la, mas “libertá-la de toda a superestrutura
que ofusca sua posição histórica e limita a expansão do nosso espírito nacional”
(MUSSOLINI, 2020, tradução nossa).
Revela, logo após, as forças que identifica como corruptoras tanto da nação,
quanto da monarquia, esta segunda uma tradição da primeira: o Parlamento, o
comunismo e a democracia. Mais para frente, na
Doutrina
, Mussolini iria explicitamente
adicionar o liberalismo, e mesmo a maçonaria neste caldo. Mas por enquanto, dado a
proximidade com a Marcha sobre Roma, os alvos são a democracia e o Parlamento em
particular. Argumenta que ambos estariam colocando uma faca sobre o pescoço da
monarquia, impedindo que a instituição exerça suas funções. O Parlamento não seria
mais do que um “brinquedo do povo” (MUSSOLINI, 2020, tradução nossa), ao passo que
a democracia é descartável no século XX, pois, ainda que ela tenha sido útil no passado,
pode ser que modelos melhores surjam e estes não devem ser rejeitados apenas por
serem antidemocráticos.
Na prática, a nação é o centro ao redor do qual orbitam instituições como a
monarquia e o exército. O que dialoga com a centralidade do nacionalismo para o
Fascismo, a partir do qual partem o belicismo e o autoritarismo. Mussolini (2020) é
transparente ao defender que o seu movimento se baseia em uma paixão religiosa pelos
ideais nacionalistas, que assume uma centralidade mágica. Uma vez mais incorre ao
imaginário reacionário do Império Romano para reforçar a sua defesa da nação como
dotada de alma, de esferas espirituais corporificadas nas tradições de um povo. O
WordClouds identifica “nação” além de “Itália” e “Italiano” logo após como o termo
que aparece com mais frequência, indicando a manutenção da centralidade desta ideia
através das reconstruções do Fascismo:
É e amor ardente [...] nosso ideal é a nação. Nosso ideal é a grandeza da
nação, e a isso subordinamos todo o resto. Para nós a nação tem alma e não
consiste apenas em território. Existiram nações enormes em território e que
não deixaram traços na História da humanidade ainda assim. Não é o
tamanho que conta, porque, por outro lado, houve estados minúsculos e
microscópicos que deixaram marcas indeléveis na História da Arte e da
Filosofia. A grandeza de uma nação reside na agregação de todas essas virtudes
e todas essas condições. Uma nação é grande quando sua força espiritual é
transferida para a realidade. Roma foi grande quando, de sua pequena
democracia rural, aos poucos, sua influência se espalhou por toda a Itália. Então
ela conheceu os guerreiros de Cartago e lutou contra eles. Foi uma das
primeiras guerras da História. Pouco a pouco ela estendeu o seu domínio até os
limites do mundo conhecido. O Império Romano é uma criação do espírito, e foi
o espírito que inspirou as legiões romanas a lutar (Aplausos) (MUSSOLINI,
2020, tradução nossa).
O discurso não se faria completo sem um aceno duplo: ao anticomunismo e ao
proletariado. Intensificando o processo que começou no programa do PNF e vai crescer
na doutrina, Mussolini (2020) reforça o sindicalismo como ferramenta de proteção à
nação, ao mesmo tempo em que propõe sutilmente as noções do que virá posteriormente
a se tornar o corporativismo e sua conciliação de classes. Em outras palavras, há aqui os
primórdios da ideia que desenvolverá sobre substituição da luta de classes pela ideia de
luta de nações, rejeitando a ideia de ditadura do proletariado e o que chama de “mitos do
tipo inferior de literatura socialista” (MUSSOLINI, 2020, tradução nossa). Mas, ciente da
importância do apoio do proletariado, elogia as virtudes dessa classe e destaca sua
importância à nação.
Vale apontar uma curiosa passagem, logo depois da exaltação ao proletariado, na
qual Mussolini demonstra uma de suas características que, ao menos até agora, passara
despercebida: o machismo. Ao comparar suas preocupações com as disputas políticas,
nega que o Fascismo seria como “mulheres histéricas” (MUSSOLINI, 2020, tradução
nossa), preocupadas com um possível futuro catastrófico. E, em uma simplificação
absurda, proclama que os problemas financeiros são facilmente resolvíveis: basta um
homem forte disposto a dizer não. Não para os pedidos de financiamento dos diversos
pedidos do que percebe, paranoicamente, como forças ocultas e a quem cabe a
eliminação (MUSSOLINI, 2020).
Para concluir, uma tabela sintetizando algumas das principais características
identificadas no
Discurso de Nápoles
:
Tabela 1 - Características identificadas no
Discurso de Nápoles
Discurso de Nápoles (1922)
Segundo ciclo (1921-1924): Fascismo liberal.
Terceiro estágio: a chegada ao poder.
Conceito
Característica
Autoritarismo
Messianismo: não é a melhor pessoa, mas a pessoa disponível, o único
capaz
O Fascismo como o Estado, “Porque nós desejamos nos tornar o Estado!”
Maniqueísmo
Ressentimento, “restos de ministérios miseráveis”
Messianismo: Fascismo como inevitabilidade
Disputa de forças
Ameaça à democracia
Culpa a democracia e o pacifismo pelo resultado insatisfatório da Guerra
Anticomunismo
Belicismo: Utiliza imagens da Guerra para ressaltar irmandade através do
nacionalismo
Corporativismo
Substituição da luta de classes por luta de nações
Machismo
Figura do homem forte, masculinista, capaz de colocar limites
Imagem de mulheres histéricas
Nacionalismo
A nação como grande sol
Monarquia e exército como instituições para salvaguardá-la
Nação como personificação das tradições de um povo
Reacionarismo
Antipolítica
Nação degenerada, dominada por forças antinacionais
A monarquia como refém das forças corruptoras
Conspiracionismo paranoico (nação tomada por forças ocultas)
Fonte: Elaborado pelo autor, baseado no
Discurso de Nápoles
.
Este segundo ciclo do Fascismo e o primeiro no poder é caracterizado por
uma série de concessões às elites liberais e conservadoras. Mussolini colocou o
economista liberal Alberto de' Stefani no Ministério da Fazenda, e iniciou seu governo
concentrando-se inicialmente em realizar políticas de livre-comércio, redução de
impostos, privatizações e cortes de gastos e empregos públicos (SINGER
et al
, 2020). A
guinada, de fato, ao corporativismo e ao peso em um “Estado grande”
2
, voltado para o
desenvolvimento nacional, ocorreu apenas depois do golpe em 1926 e intensificado com
a Grande Depressão. Mas esse é um tema para outro trabalho.
Considerações finais
2
Em que pese que os primeiros programas do Fascismo eram ambíguos em relação a participação estatal,
mesmo sugerindo, no programa do Partido Nacional Fascista, que o Estado deveria se limitar ao essencial,
na fase mais tardia, Mussolini coloca centralidade na ideia de um “Estado grande”. Semelhante ao que seria
pregado posteriormente pelo Integralismo, Mussolini entende que o Estado como uma espécie de protetor,
uma defesa das tradições nacionais, intrinsecamente ligado, portanto, com a nação. Ou, “personificação
jurídica de uma nação” (SCHNAPP, 2000, p. 10, tradução nossa).
Por meio de análise de conteúdo, e apoiado por alguns
softwares
, este trabalho
tentou resumir e discutir os principais elementos que aparecem no
Discurso de Nápoles
,
proferido nas vésperas de uma efeméride essencial para o Fascismo. Por mais que
limitado no escopo de um artigo, a intenção foi apontar como este movimento evoluiu e
mudou suas características ao longo dos anos. O Fascismo proferido no
Discurso
possui
proximidades e diferenças em relação ao Fascismo como apareceria na década de 1930,
por exemplo, ou em 1940, com sua fusão com o Nazismo.
A tradução inédita do
Discurso
, presente no apêndice, forma um diálogo
fundamental à compreensão de um fenômeno que, ainda que encontre fortuna crítica,
sempre possui flancos para cobrir e compreender. Uma compreensão que se mostra
imprescindível, inclusive, à análise de movimentos de extrema-direita contemporâneos,
sejam eles fascistas ou não, independente do termo que se convencione chamá-los. Se a
História ensina algo sobre esses movimentos, é que eles se devoram
antropofagicamente, devorando por simbiose características de antecessores, ao mesmo
tempo em que adicionam novos pontos.
Referências
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ECO, Umberto.
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. Rio de Janeiro: Record, 2018.
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Nas trincheiras do Ocidente
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Grossa: Ed. UEPG, 2017.
LACLAU, Ernesto.
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MUSSOLINI, Benito.
My autobiography
: with “The political and social doctrine of
Fascism”. New York: Dover Publications, 2006.
MUSSOLINI, Benito.
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APÊNDICE ― Tradução para o português do Discurso de Nápoles
Discurso proferido em Nápoles, 26 de outubro de 1922. DisponívelemMussolini as revealed
in is political speeches.
“CHEGOU O MOMENTO EM QUE A FLECHA DEVE DEIXAR O ARCO, OU A CORDA
VAI ROMPER”
Fascistas e cidadãos! Pode ser, ou melhor, é quase certo, que minha eloquência os decepcione,
acostumados como estão à impetuosidade e às ricas imagens de seus próprios oradores. Mas
desde que me dei conta da minha incapacidade para a retórica, decidi limitar-me, ao falar, à
pura necessidade.
Reunimo-nos aqui em Nápoles de todas as partes da Itália para realizar um ato de fraternidade
e amor. Temos conosco nossos irmãos da fronteira da Dalmácia traída, homens que não
pretendem ceder (aplausos e gritos de “Viva a Dalmácia italiana!”). Há também os fascistas
de Trieste, Istria e Venezia Tridentina, fascistas de todas as partes do norte da Itália, mesmo
das ilhas, da Sicília e da Sardenha, todos se unem para afirmar silenciosa e positivamente a
indestrutibilidade de nossa unida, o que significa opor-se fortemente a toda tentativa mais
ou menos mascarada de autonomia ou separatismo.
Há quatro anos, a infantaria italiana, engrandecida por vinte anos de trabalho e sofrimento, em
que os filhos de seu país estavam tão amplamente representados, irrompeu do Piave e,
derrotando os austríacos, avançou em direção ao Isonzo, e apenas a tola concepção
democrática impediu que nossos batalhões vitoriosos marchassem pelas ruas de Viena e
Budapeste (aplausos).
De Roma a Nápoles. Há um ano, em Roma, certa vez nos encontramos cercados por uma
hostilidade dissimulada, que teve sua origem nos mal-entendidos e nas infâmias
características do mundo político incerto da capital. (Ouça, ouça!) Não nos esquecemos de
tudo isso.
Hoje estamos felizes que toda Nápoles esta cidade que eu chamo de grande reserva de
segurança da nação (aplausos) nos recebe com um entusiasmo sincero e franco, que faz
bem aos nossos corações, tanto como homens quanto como italianos. Por esta razão, peço que
nenhum incidente de qualquer tipo perturbe esta reunião, pois isso seria um erro, um erro tolo.
Exijo também, assim que a reunião terminar, que todo fascista que não pertença a Nápoles
deixe a cidade imediatamente.
Toda a Itália está assistindo a este encontro, porque e deixe-me dizer isso sem falsa
modéstia não um fenômeno pós-guerra de maior interesse e originalidade na Europa ou
no mundo do que o Fascismo italiano.
Você certamente não pode esperar de mim um grande discurso. Fiz um em Udine, outro em
Cremona, um terceiro em Milão, e quase me envergonho de falar novamente. Mas em vista da
situação extremamente grave em que nos encontramos hoje, considero esta uma oportunidade
adequada para estabelecer os diferentes pontos do problema para que as responsabilidades
individuais possam ser resolvidas. Chegou, de fato, o momento em que a flecha deve sair do
arco, ou a corda, esticada demais, se romperá (aplausos).
Vocês lembram que eu e meu amigo Lupi colocamos diante da Câmara as alternativas desse
dilema, que não é apenas fascista, mas também nacional; ou seja, legalidade ou ilegalidade;
conquista parlamentar ou revolução. Por que meio o fascismo se torna o Estado? Pois
queremos nos tornar o Estado! Bem, em 3 de outubro eu já tinha resolvido a questão.
Quando peço as eleições, quando peço que se realizem em breve, e sejam regulamentadas por
uma lei eleitoral reformada, está claro para todos que escolhi o meu caminho. A própria
urgência do meu pedido mostra que a tensão do meu espírito chegou ao limite. Ter ou não ter
entendido isso significa ter ou não a chave para a solução de toda a crise política italiana.
O pedido veio de mim; mas também veio de um partido constituído por uma massa
formidavelmente organizada, que inclui as novas gerações na Itália e tudo de melhor, física e
moralmente, da juventude do país; e de um partido, também, que teve uma enorme adesão
entre o público.
Mas, senhores, mais. Este pedido foi feito no dia seguinte aos incidentes de Bolzano e
Trento, que deixaram claro a todos os olhos a completa paralisia do Estado italiano e
revelaram, ao mesmo tempo, a não menos completa eficiência do Estado fascista.
Bem! Apesar de tudo isso, o governo incapaz de Roma coloca a questão na base da segurança
e da ordem pública!
Toda a questão foi abordada de maneira fatalmente equivocada. Os políticos perguntam o que
queremos. Não somos pessoas que fazem rodeios. Falamos claramente. Fazemos bem a quem
nos faz bem e mal a quem faz o mal. O que queremos, Fascistas? Respondemos com
simplicidade: a dissolução da atual Câmara, a reforma eleitoral e as eleições dentro de pouco
tempo. Exigimos que o Estado abandone a ridícula neutralidade que ocupa entre as forças
nacionais e as antinacionais. Pedimos medidas financeiras severas e o adiamento da
evacuação da terceira zona Dalmática; pedimos cinco pastas, bem como a Comissão de
Aviação. De fato, pedimos o Ministério das Relações Exteriores, o Gabinete da Guerra, o
Almirantado, os Ministérios do Trabalho e das Obras Públicas. Tenho certeza de que nenhum
de vocês achará nossos pedidos excessivos. Mas para completar o quadro, acrescento que não
participarei do Governo nesta solução legal do problema, e a razão é óbvia: para manter o
Fascismo ainda sob meu controle devo necessariamente ter uma esfera irrestrita de ação tanto
para fins jornalísticos quanto polêmicos.
E qual foi a resposta do Governo? Nada! Não; pior do que isso, deu uma resposta ridícula.
Apesar de tudo, nenhum dos políticos saiu da mara para encarar o problema do país de
frente. Foi feito um cálculo miserável de nossa força; falou-se de ministros sem pastas, como
se isso, depois das experiências da guerra, não fosse o ápice do absurdo humano e político.
Falou-se também de subministérios; mas isso é simplesmente risível! Nós, Fascistas, não
pretendemos chegar ao governo pela janela; o pretendemos abrir mão desse magnífico
direito de primogenitura espiritual por restos miseráveis de ministérios (vivos e prolongados
aplausos). Porque temos o que se poderia chamar de visão histórica da questão em oposição à
visão meramente política e parlamentar.
Se trata de incluir no Estado Liberal que realizou uma tarefa considerável que não
esqueceremos todas as forças da nova geração de italianos que saíram vitoriosos da
Guerra. Isso é essencial para o bem-estar do Estado, e não apenas do Estado, mas para a
história da nação. E então...?
Então, senhores, a questão, não sendo compreendida dentro de seus limites históricos, afirma-
se e torna-se uma questão de força. Na verdade, nos momentos decisivos da História, a força
sempre decide quando se trata de interesses e ideias opostas. É por isso que reunimos,
organizamos firmemente e disciplinamos fortemente nossas legiões, porque assim, se a
questão deve ser resolvida com o recurso à força, venceremos. Somos dignos disso. É direito
e dever do povo italiano libertar sua vida política e espiritual da incrustação parasitária do
passado, que não pode se prolongar indefinidamente no presente, pois significaria a morte do
futuro (aplausos).
É então bastante natural que o governo de Roma tente desviar e neutralizar o movimento; que
tente desmantelar a organização fascista e nos cercar de problemas.
E esses problemas têm nomes: monarquia, Forças Armadas e pacificação.
disse que a discussão, abstrata ou concreta, da monarquia como instituição benigna ou
maligna é absurda. Cada povo em cada época da história, dado o tempo, o lugar e as
condições necessárias, teve seu regime. Não dúvida de que a unidade da Itália se baseia
solidamente na Casa de Saboia (aplausos altos). Também não dúvida de que a monarquia
italiana, tanto por sua origem, desenvolvimento e História, não pode se opor às novas forças
nacionais. Não manifestou nenhuma oposição por ocasião da concessão da Carta, nem quando
o povo italiano que, mesmo sendo minoria, era uma minoria determinada e inteligente
pediu e obteve a participação de seu país na Guerra. Teria, então, razão para se opor hoje,
quando o Fascismo não pretende atacar o regime, mas libertá-lo de todas aquelas
superestruturas que ofuscam sua posição histórica e limitam a expansão de nosso espírito
nacional? Nossos inimigos tentam em vão manter vivo esse suposto mal-entendido.
O Parlamento, senhores, e toda a parafernália da democracia não têm nada em comum com a
monarquia. Não apenas isso, mas também não queremos acabar com o brinquedo do povo
o Parlamento. Dizemos “brinquedo” porque grande parte das pessoas parece pensar assim.
Você pode me dizer por que, de onze milhões de eleitores, seis milhões não se preocupam em
votar? Pode ser, no entanto, que se amanhã você tirar o “brinquedo” deles, eles ficarão
magoados. Mas não vamos tirá-lo. Afinal, é a nossa mentalidade e os nossos métodos que nos
distinguem da democracia. A democracia pensa que os princípios são imutáveis e que podem
ser aplicados a qualquer momento ou em qualquer lugar e situação.
Não acreditamos que a História se repita, que siga um determinado caminho; que depois da
democracia deve vir uma espécie de “super-democracia”. Se a democracia teve seus usos e
serviu à nação no culo XIX, pode ser que alguma outra forma política seja melhor para o
bem-estar da nação no século XX. Nem mesmo o medo de nossa política antidemocrática
deve influenciar a decisão a favor dessa continuidade de que falei há pouco.
Quanto à outra instituição em que se personifica o regime, as Forças Armadas sabem que
quando o ministério aconselhou os oficiais a andar à paisana para escapar a ataques, nós,
então não mais do que um punhado de espíritos audaciosos, o proibimos (aplausos
prolongados). Nós criamos nosso ideal. É e amor ardente. Não é necessário que ela seja
trazida para a esfera da realidade. É realidade na medida em que é estímulo à fé, à esperança e
à coragem. Nosso ideal é a nação. Nosso ideal é a grandeza da nação, e a isso subordinamos
todo o resto.
Para nós a nação tem alma e não consiste apenas em território. Há nações que tiveram imenso
território e não deixaram vestígios na História da humanidade apesar deles. Não é apenas o
tamanho que conta, porque, por outro lado, houve Estados microscópicos que deixaram
marcas indeléveis na história da arte e da filosofia. A grandeza de uma nação está na
agregação de todas essas virtudes e de todas essas condições. Uma nação é grande quando sua
força espiritual é transferida para a realidade. Roma foi grande quando, de sua pequena
democracia rural, pouco a pouco, sua influência se espalhou por toda a Itália. Então ela
conheceu os guerreiros de Cartago e lutou contra eles. Foi uma das primeiras guerras da
História. Então, pouco a pouco, ela estendeu o domínio da Águia até os limites mais distantes
do mundo conhecido, mas ainda assim, como sempre, o Império Romano é uma criação do
espírito, pois foi o espírito que primeiro inspirou as legiões romanas a lutar (aplausos).
O que queremos agora é a grandeza da nação, tanto material quanto espiritualmente. É por
isso que nos tornamos sindicalistas, e o porque pensamos que as massas, em razão de seu
número, podem criar na História algo que perdure. Rejeitamos esses mitos de literatura
socialista inferior. Mas o povo trabalhador faz parte da nação; e eles são uma grande parte da
nação, necessária à sua existência tanto na paz como na guerra. Eles não podem nem devem
ser repelidos. Eles podem e devem ser educados e seus legítimos interesses protegidos
(aplausos). Nós lhes perguntamos: “vocês desejam que este estado de guerra civil continue a
perturbar o país?Não! Pois somos os primeiros a sofrer com a incessante disputa com sua
lista de mortos e feridos. Eu fui o primeiro a tentar preencher a lacuna que existe entre nós e o
que é chamado de mundo bolchevique italiano.
Para provar isso, acabei de assinar um acordo com muito prazer; em primeiro lugar porque foi
Gabriele D'Annunzio quem me pediu, e em segundo lugar porque era, como eu pensava, mais
um passo para a paz nacional.
Mas não somos mulheres histéricas que se preocupam continuamente pensando no que pode
acontecer. Não temos uma visão catastrófica e apocalíptica da história. O problema financeiro
de que tanto se fala é uma questão de força de vontade. Milhões e milhões seriam salvos se
houvesse homens no Governo que tivessem a coragem de dizer “não” aos diferentes pedidos.
Mas até que a questão financeira seja trazida para uma base política, ela o será resolvida.
Somos todos pela pacificação e gostaríamos de ver todos os italianos encontrarem o terreno
comum sobre o qual seja possível viver juntos de maneira civilizada. Mas, por outro lado, não
podemos abrir mão de nossos direitos e interesses e o futuro da nação em prol de medidas de
pacificação que propomos com lealdade, mas que não são aceitas com o mesmo espírito pelo
outro lado. Estamos em paz com quem pede paz, mas para quem nos ataca e, sobretudo, ataca
a nação, não pode haver paz até depois da vitória.
E agora, Fascistas e cidadãos de Nápoles, agradeço a atenção com que me ouviram.
Nápoles uma bela demonstração de força, disciplina e austeridade. Foi uma ideia feliz que
nos levou a vir de todas as partes da Itália, que nos permitiu -lo como você é, ver seu povo
que enfrenta a luta pela vida como os romanos e que, com o desejo de reconstruir a vida e
enriquecer com trabalho árduo, carregam sempre no coração o amor por esta sua cidade
maravilhosa, que está destinada a um grande futuro, especialmente se o Fascismo não se
desviar de seu caminho.
Nem os democratas devem dizer que não necessidade de Fascismo aqui, que não houve
Bolchevismo, pois aqui existem outros movimentos políticos não menos perigosos que o
Bolchevismo e não menos propensos a impedir o desenvolvimento da consciência pública.
vejo a Nápoles do futuro dotada de um esplendor ainda maior como a metrópole do
Mediterrâneo; e vejo junto com Bari (que em 1805 tinha dezesseis mil habitantes e agora tem
cento e cinquenta mil) e Palermo formando um poderoso triângulo. E vejo o Fascismo
concentrando todas essas energias, purificando certos círculos, removendo certos membros da
sociedade, reunindo outros sob seus padrões.
E agora, membros do Fascio de toda a Itália, levantem suas bandeiras e saúdem Nápoles, a
capital do sul da Itália e a rainha do Mediterrâneo.