Definindo alteridade: Um estudo sobre as noções de raça e etnia nas
Siete Partidas
e na
Primera Crónica Gene-
ral de España
de Afonso X
FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.2, nº2, p. 83-99, jun.-dez., 2015.
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Um primeiro aspecto relevante aos dois títulos é o fato de haver distinção
conforme a religião, tendo, portanto, uma seção específica para os credores da religião
Judaica e Islâmica, regulamentados por um reino Cristão, assim definido por Afonso X.
Dessa forma, encontra-se no início do título “De los Judios”, que estes são “vna manera
de gente, que como quier que non creen la Fe de nueftro Señor Jefu Chriftro, pero los
grandes Señores de los Chriftianos fiempre fufrieron que biuieffen entre ellos” (Título
XXIIII, p. 183)
16
. Logo em seguida, a Ley I tenta explicar o que quer dizer judeu e de
onde este termo surge: “Jvdio es dicho, (i) aquel que cree, e tiene, la Ley de Moyfen,
fegun guena la letra dela, e que fe circuncida, e faze las otras cofas que manda fu Ley”
(Título XXIIII, Ley I, p. 184). Igualmente, se busca uma definição sobre os mouros no
título seguinte, sendo definidos como “vna manera de gente, que creen que Mahomat
fue Propheta, e Mandadero de Dios” (Título XXV, p. 188). Seguindo a descrição de onde
surgira o nome de Moro, ligando-o ao termo “sarraceno”, de origem bíblica de Sara,
mulher de Abraão: “Sarracenus, en latin, tanto quiere dezir, em romance, como Moro”
(Título XXV, Ley I, p. 188).
Para Poutignat, a língua e a religião apresentam-se como um dos aspectos
mais importantes dentro de uma comunidade étnica, uma vez que “elas autorizam a
comunidade de compreensão entre aqueles que compartilham um código linguístico
comum ou um mesmo sistema de regulamentação ritual da vida” (POUTIGNAT, 1998,
p. 38). Este último aspecto revela-se um elemento especialmente significativo para
o medievo, justamente por essa ligação religiosa ser praticamente ontológica, para
além de um membro de comunidade, “havia um senso da qual um era nascido Cristão,
Muçulmano ou Judeu, assim como um era nascido Inglês ou Persa”
17
(BARTLETT, 2001,
p. 4, tradução nossa).
No caso específico dos mouros, a utilização do termo sarraceno como sinônimo
na Ley I do título XXV, tem efeito semântico, como explora José Rivair Macedo
(2001/2002),
Em estudo exaustivo, Dolores Pérez deu a conhecer a evolução semântico
do vocábulo nos textos peninsulares entre os séculos VIII e XIII, observando
uma profusão de usos e seu respectivo conteúdo sêmico. Para esta, nos
textos anteriores ao século XI, os hispanos distinguiam claramente os
povos oriundos do Oriente Médio daqueles provenientes do Norte da África,
chamando os primeiros de “sarracenos”, e os últimos, de “mouros”. Nos séculos
concomitantes à Reconquista, generalizou-se o emprego do vocábulo “mouro”
para designar a todas as populações islâmicas, enquanto “sarraceno” assumiu
conotações exclusivamente religiosas, sendo equivalente a “muçulmanos”
(MACEDO, 2001/2002, p. 75).
Nesse aspecto, os documentos parecem demonstrar aquilo que Bartlett defende
sobre a relação íntima entre etnia e raça, onde os aspectos de identificação cultural são
tornare Judio, o Moro, e fe arrepiente defpues, tornandofe a la Fe de los Chriftianos, fe puede efeufar de
la pena fobredicba; Ley IX: Como los Moros que vienen em mengagerla de otros Reynados a la Corte del
Rey, deuen fer faluos, e feguros, ellos, e fus cofas; Ley X: Que pena merefee el Moro, e la Chriftiana, que
que yoguieren de fo uno.
16
Aqui e nas partes que seguem, quando forem citados os documentos analisados, foi escolhido manter
a linguagem original.
17
Tradução livre do original:
“[…]there was a sense in which one was born a Christian, a Muslim, or a Jew,
just as one was born English or Persian”
(BARTLETT, 2001, p. 4).