Recebido em: 08/08/2015
Aprovado em: 30/10/2015
Limites saxonicarum
– Fronteiras militares na In-
glaterra Anglo-saxônica e na Saxônia continental,
séculos IX e X.
Limites saxonicarum
– Military frontiers in An-
glo-Saxon England and Continental Saxony, IX
th
and X
th
Centuries.
ARAUJO, Vinicius Cesar Dreger de
1
Resumo: A fronteira como categoria de análise para o medievo surgiu na década de
1920, a partir dos estudos acerca da expansão a Oeste encetada nos EUA durante o
século XIX. Já a aplicação do assim chamado Paradigma Estratégico Vegeciano, emergiu
na década de 1980. A fusão entre elementos destas duas escolas de pensamento nos
permitiram realizar uma análise comparativa entre as fronteiras militares estabelecidas
entre os Anglo-saxões e Escandinavos na Inglaterra e as estabelecidas pelos Saxônios e
Bávaros, contrapondo-se a Eslavos e Magiares entre os séculos IX e X.
Palavras-chave: Inglaterra Anglo-saxônica; Saxônia Continental; Fronteiras militares;
Estratégia Vegeciana; História Militar Medieval.
Abstract: The frontier as an analytical category to the Middle Ages emerged in the 1920s,
from studies on the United States western expansion during the nineteenth century. On
the other hand, the application of the so-called Vegetian Strategic Paradigm emerged in
1
Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP). Professor de História Antiga e Medie-
val na UNIMONTES – Universidade Estadual de Montes Claros (MG). É membro do Brathair – Grupo de
Estudos Celtas e Germânicos. E-mail: viniciusdreger@hotmail.com
Limites saxonicarum – Fronteiras militares na Inglaterra Anglo-saxônica e na Saxônia continental, séculos IX e X.
FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.2, nº2, p.61 -82, jun.-dez., 2015.
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the 1980s. The merger between elements of these two schools of thought have enabled
us to perform a comparative analysis between the military borders established between
Anglo-Saxons and Scandinavians in England and the frontiers established by Saxons and
Bavarians, as counterpoint to the Slavs and Magyars between IX
th
and X
th
centuries.
Keywords: Anglo-saxon England; Continental Saxony; Military Frontiers; Vegetian
Strategy; Medieval Military History.
O Conceito:
Publicações relativamente recentes, como as coletâneas Medieval Frontiers:
Concepts and Practices (Ashgate, 2002) organizada por David Abulafia & Nora Berend
e Borders, Barriers, and Ethnogenesis - Frontiers in Late Antiquity and the Middle
Ages (Brepols, 2005), dirigida por Florin Curta, nos mostram que o interesse na questão
das fronteiras no medievo continua presente e gerando debates muito interessantes e
polêmicos em relação à adequação do conceito ao período.
A ideia de “fronteiras lineares” como realidade político-espacial bem definida,
conforme conhecemos, nasceu do processo histórico de formação dos Estados
Nacionais. Embora o termo tenha surgido pela primeira vez em Castela no século XIII
(frontera), as interpretações que os medievais teriam para o conceito ainda estão em
aberto, sendo um campo de debates de grandes proporções entre os medievalistas
devido às diversas concepções que podem ser associadas ao termo. Debateremos
aqui algumas das questões teóricas acerca da validade da “fronteira” como categoria
analítica e discutiremos suas aplicações no estudo de questões militares na Germânia
Imperial e em Wessex nos séculos IX e X.
Em primeiro lugar, devemos recordar que a origem do debate acerca do papel da
fronteira se encontra na historiografia norte-americana, especificamente na questão da
expansão para Oeste, no artigo “The Significance of the Frontier in American History”
de Frederick Jackson Turner, originalmente publicado em 1893 e posteriormente
incorporado como capítulo inicial em seu livro The Frontier in American History, de
1920.
É interessante notarmos que, para Turner, a Teoria de Fronteira retrataria uma
característica única da história dos Estados Unidos: o movimento para a ocupação
de “terras livres”, no qual ocorria o encontro entre selvageria e civilização – onde
os pioneiros compartilhavam de seus costumes e onde o desenvolvimento social
recomeçava do zero, em um vasto experimento social que incentivava a criação de
instituições essencialmente democráticas e estaria para sempre fechada, já que seria
impossível reproduzir suas circunstâncias originais.
Os pressupostos turnerianos influenciaram o pensamento sobre outras
sociedades já em fins do século XIX. Por exemplo, Friedrich Ratzel em seu Politische
Geographie (1897), combinou a abordagem de Turner com Darwinismo social e
concluiu que os estados mais avançados possuíam a necessidade de expandirem-se
territorialmente para garantir sua sobrevivência. Walter Prescott Webb, em sua obra
The Great Frontier (1951), propôs que a noção de fronteira deveria ser empregada como
um conceito explanatório não apenas para a história dos Estados Unidos, mas para toda
a História da Civilização Ocidental após 1500 (WEBB, 1951, p. 2).
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Webb entendia a vida na fronteira como a luta entre o homem e a natureza e
a fronteira como uma “área de entrada convidativa” que providenciava “uma vasta
quantidade de riquezas sem proprietários” e que causou um ciclo de crescimento que
teria durado nada menos do que quatro séculos, criando assim as condições para a
emergência do indivíduo por intermédio da descontinuidade das instituições medievais
e pelo surgimento de novas instituições (WEBB, 1951, p. 13). Para ele, a influência da
fronteira perpassava pela cultura moderna, afetando ciências, leis, governos, economias,
literatura, artes e a história.
Nenhum aspecto da tese original de Turner sobreviveu a uma análise mais
apurada
2
; sendo que na verdade, concluiu-se que nenhuma de suas ideias possuía
embasamento efetivo (BEREND, 1999, p. 56), por exemplo:
a) Ele ignorou solenemente os aspectos negativos da expansão, como exploração
ambiental e extermínio das populações nativas (lembrem-se, “terras livres”);
b) A vida na fronteira reproduzia as estruturas sociais básicas do Leste norte-a-
mericano, incluindo a hierarquia social e as disputas de poder. A sociedade
continuava dividida em linhas raciais e classistas ao invés da imagem romântica
de democracia e autoconfiança do pioneiro conquistador da natureza projeta-
da por Turner;
c) Não havia a existência de um “Oeste” unificado (basta compararmos o Texas
ao Oregon ou à Califórnia); ele estava dividido por diferenças regionais como
qualquer outra área. O Oeste foi um produto e não uma causa da sociedade
estadunidense.
Com este processo de crítica houve uma busca pela ressignificação do conceito
que frutificou com a transformação da fronteira de espaço selvagem a ser conquistado
(e que, por sua vez, alterava as vidas daqueles que ali se estabeleciam) em zona de
contato, onde o intercâmbio de culturas ocorria constantemente.
Contudo, é notável que com um artigo em 1913, James Westfall Thompson tenha
assinalado a importância da Teoria de Fronteira, em sua acepção original, para os
estudos medievais. Mas foi definitivamente com seu desdobramento, o monumental
Feudal Germany, de 1928, que a Teoria de Fronteira foi incorporada ao repertório
teórico dos medievalistas. Esta obra, inteiramente baseada nas concepções turnerianas,
especialmente em seus estudos sobre a expansão germânica a leste, o assim denominado
Drang nach Osten, movimento comparado por Thompson ao ocorrido nos EUA para
oeste; sendo este o tema predominante na organização do pensamento do autor, que
2
Entre fins da década de 1980 e fins da década de 1990 houve um grande movimento de revisão das
teorias de Turner com a publicação de grande quantidade de obras importantes, justamente dedicadas
à refutação de seus pressupostos, das quais podemos destacar: LIMERICK, Patricia N. The Legacy of
Conquest: The Unbroken Past of the American West. New York: W. W. Norton & Company, 1987; LIMERI-
CK, Patricia N.; MILNER II, Clyde A.; RANKIN, Charles E. (Eds.). Trails: Toward a New Western History.
Lawrence: Kansas UP, 1991; WHITE, Richard. It’s Your Misfortune and None of My Own: A History of the
American West. Norman: University of Oklahoma Press, 1991; CRONON, William, MILES, George; GITLIN,
Jay (Eds.). Under an Open Sky: Rethinking America’s Western Past, New York: W. W. Norton & Company,
1992; ETULAIN, Richard W. Does the Frontier Experience Make America Exceptional? Bedford: St. Mar-
tin’s,1999.
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julga, a partir da ideia de que a fronteira gera instituições democráticas e economias
dinâmicas, o atraso da Alemanha medieval e as instituições autoritárias da Alemanha
nas primeiras décadas do século XX.
Na realidade, a tese de Turner e o trabalho de seus adaptadores acabaram por
exercer, a partir de Thompson, uma influência maior nos estudos medievais do que
mesmo em seu campo original, a história estadunidense; algo irônico, considerando que
Turner havia desenvolvido originalmente seu conceito para demarcar a singularidade
da história dos EUA como um rompimento com a história de continuidade com a Europa
e, portanto, desligada da medievalidade.
Além dos estudos germânicos, houve uma enorme influência turneriana na
historiografia anglófona da Península Ibérica
3
, até mesmo para as análises voltadas para
as formas de ocupação espacial e organização produtiva dos mosteiros cistercienses na
Extremadura
4
, por exemplo.
A constituição das chamadas fronteiras agrícolas, nas quais os homens lutam
contra a natureza, também serviu como categoria analítica para o estudo das expansões
agrícolas na França, nos Países Baixos
5
e mesmo Rússia
6
. Muitos medievalistas passaram
a suplantar ou ao menos acrescentar, ao tema da luta entre o homem e o ambiente,
dimensões culturais e religiosas em suas discussões sobre a “fronteira”. Na verdade,
muitos passaram a focar na interação entre sociedades, ao invés de no embate entre
sociedade e natureza.
Um ponto comum entre os autores que empregam esta abordagem da fronteira
como espaço de interação entre sociedades é o da militarização da fronteira ou mesmo
de toda sociedade, especialmente desde o influente artigo de Elena Lourie, “A Society
Organized for War: Medieval Spain. Ela argumenta que a militarização determinou
o desenvolvimento da sociedade espanhola a partir de 711 até o estabelecimento das
ordens militares e dos privilégios dados aos colonos na ideologia da Reconquista. Tudo
giraria em torno da capacitação da sociedade para o enfrentamento de perigos militares.
Embora se trate de uma visão simplificadora, as apropriações de Lourie
permitiram o surgimento de uma série de estudos que contemplaram problemas de
relações militares fronteiriças na península Ibérica, entre Bizantinos e Árabes, guerras
na Irlanda e em Gales, por exemplo.
Contudo, a função militar das zonas fronteiriças não implica que a dinâmica no
interior de toda a sociedade tenha sido determinada, no todo ou em parte, pelas guerras
e sua preparação, ou que a guerra em si tenha causado a emergência de “sociedades de
fronteira”. De fato, a guerra e a militarização permearam a sociedade medieval em geral.
3
MCCRANK, Lawrence J. “The Cistercians of Poblet as Medieval Frontiersmen: An Historiographic Essay
and Case Study”. In: CARLÉ, Maria de Carmen; GRASSOTTI, Hilda; ORDUNA, Germán (Eds.). Estudios en
Homenaje a don Claudio Sanchez Albornoz en sus 90 años, Buenos Aires, v. 2, p. 313-60, 1983. SULLI-
VAN, Richard E. The Medieval Monk as Frontiersman. In: SULLIVAN, Richard E. Christian Missionary
Activity in the Early Middle Ages. Aldershot: Ashgate, 1994, p. 25-49.
4
BISHKO, Charles Julian. The Castilian as Plainsman: The Medieval Ranching Frontier in La Mancha and
Extremadura. In: LEWIS, Archibald R.; MCGANN, Thomas F. (Eds.). The New World Looks at its History,
Austin, 1963, p. 47-69.
5
TE BRAKE, William H. Medieval Frontier: Culture and Economy in Rijnland, Houston, 1985.
6
WIECZYNSKI, Joseph L. The Russian Frontier: The Impact of Borderlands upon the Course of Early
Russian History. Charlottesville, 1976.
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Enquanto a militarização permanece como uma característica importante
nas discussões acerca da vida fronteiriça medieval, a ideia de que as fronteiras pré-
modernas eram definidas em termos militares e que as construções nestas áreas serviam
a funções militares passou a ser criticada. De fato, as pesquisas centradas no valor
prático dos vários sistemas defensivos sugerem que estes facilitavam o monitoramento
e o controle e serviam para alertar a presença dos inimigos, não para detê-los
7
. Ou seja,
se tratavam de sistemas defensivos em profundidade com caráter vegeciano, nos quais
o combate aos inimigos era realizado quando da retirada destes, carregados de butim e
desorganizados pela vitória, como veremos na Germânia e em Wessex.
Muitos medievalistas
8
passaram a enfatizar que a militarização e a guerra foram
apenas parte das interações fronteiriças; mecanismos de arbitragem, negociação,
comércio e outras relações pacíficas igualmente caracterizam a vida fronteiriça.
Frequentemente, a dinâmica dúplice de interações pacíficas e belicosas foi interpretada
como sendo criadora de certo tipo de modo de vida nas zonas fronteiriças que seria
diferente daquele das áreas centrais, embora isso ainda esteja indefinido e em debate.
Dentre outros tópicos em discussão, estão as questões de instituições sociais mais
fluidas (como maior liberdade, sentimentos de autoconfiança, natureza fragmentada da
sociedade e lealdades múltiplas, por exemplo) e interações religiosas (como processos de
aculturação e sincretismos). Um entendimento comum daí, advindo sobre as fronteiras
na Idade Média, é que elas não eram linhas, mas zonas e regiões.
Entretanto, o conceito de fronteiras lineares existia na Europa medieval, já que
estavam presentes linhas e marcos demarcatórios para unidades menores, como as
propriedades; em princípio, a mesma ideia podia ser aplicada às fronteiras estatais.
Contudo, como anteriormente mencionado, as fronteiras lineares são parte do processo
de surgimento dos estados modernos.
Os significados de “fronteira” mudaram constantemente e, consequentemente,
“sociedade fronteiriça” é um conceito elusivo, com muitas interpretações, que estão
muitas vezes implícitas. A utilização do termo “sociedade fronteiriça” pode igualmente
significar uma sociedade que tinha uma região de fronteira com outra sociedade ou
cultura. Também pode ser empregada com o significado de “sociedade de conquista, na
qual uma elite conquistadora governa uma população subjugada. Finalmente, o conceito
pode ser usado para denotar interações culturais em um sentido mais geral, não apenas
nas fímbrias da sociedade.
O conceito só pode ser útil ao ser empregado em relação ao medievo, se
separarmos e definirmos os vários significados de “fronteira. Fronteiras podem ser
pacíficas ou altamente militarizadas, estáveis ou móveis, fronteiras de expansão ou
comerciais, de exclusão ou de inclusão e daí por diante.
7
Por exemplo: LATTIMORE, Owen. Studies in Frontier History. Oxford: Oxford UP, 1962, 108-10, 113-16,
257; JIMÉNEZ, Manuel González.”Frontier and Settlement in the Kingdom of Castile (1085–1350)”, In:
BARTLETT, Robert; MACKAY, Angus (Eds.). Medieval Frontier Societies, Oxford: Oxford UP, 1992, p. 49-
74; HALDON, J. F. & KENNEDY, Hugh. The Arab-Byzantine Frontier in the Eighth and Ninth Centuries:
Military Organisation and Society in the Borderlands. Recueil des travaux de l’Institut d’Études Byzanti-
nes, v. 19, 1980, p. 79-116; OIKONOMIDES, N. “L’organisation de la frontière orientale de Byzance aux Xe
-XIe siècles et le Taktikon de l’Escorial”. In: Actes du XIVe Congrès International des Études Byzantines,
Bucharest, 1974, v. 1, p. 202-85, 300.
8
Como pode ser visto nos ensaios presentes em POHL, Walter; WOOD, Ian; REIMITZ, Helmut (Eds.). The
Transformation of Frontiers – From Late Antiquity to the Carolingians. Leiden: BRILL, 2001.
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Como um construto historiográfico, o termo pode ser útil como um “atalho”,
uma vez que cuidadosamente analisado e definido. Assim, descobrir as realidades locais
no interior das sociedades fronteiriças da Cristandade é importante caso queiramos
compreendê-las.
O Paradigma Estratégico Vegeciano
A instauração de fronteiras militares nos séculos IX e X da forma como foram
implementadas, como sistemas defensivos, não aconteceu sem um embasamento
teórico. Este teria se dado por intermédio da obra de Flávio Vegécio Renato, que produziu
em fins do século IV um breve tratado da arte da guerra, denominado Epitoma rei
Militaris (Compêndio da Arte Militar), popularmente conhecido como De Re Militari. Ele
estipulou nesta obra quais deveriam ser as boas práticas a ser estimuladas no exército
romano. O primeiro livro trata da seleção dos recrutas e sua instrução no uso das armas
(segundo MONTEIRO; BRAGA, 2011, p. 99; neste ponto Vegécio foi influenciado pelas
concepções militares da República Romana); o segundo livro considera a organização e
o adestramento para o combate; o terceiro expõe seus estratagemas táticos e logísticos
e, de fato, o seu pensamento estratégico. O quarto lida com técnicas e máquinas de
assédio e, finalmente, o quinto trata dos princípios da guerra naval.
Concentraremo-nos no terceiro livro do De Re Militari, onde se concentra o cerne
do que veio a ser conhecido como Paradigma Estratégico Vegeciano, que poderia ser
definido como uma combinação da negação de suprimentos ao inimigo com a elaboração
de um sistema defensivo em profundidade, no qual o incurso não possa tomar os postos
fortificados, que serviriam para armazenar os suprimentos locais e abrigar tropas que
seriam acionadas quando do retorno dos incursores, atacados enquanto carregados de
butim, mas, ao mesmo tempo, enfraquecidos pela negação de suprimentos.
Convém decidir sobre a conveniência de apressar ou adiar o combate. Não raro,
o inimigo anseia para que a expedição termine logo porque, caso se arraste, a
carestia o esmagará ou será chamado a seu próprio país pelo desejo de seus
soldados, ou então, nada tendo obtido de importante, se verá constrangido a
ir embora por desespero. Nessas circunstâncias muitos, premidos pela fadiga
e pelo tédio, acabam desertando, traindo ou entregando-se, pois a fé é mais
rara na adversidade e quando o rico começa a empobrecer.
Portanto, o comandante cauteloso, como o chefe experiente, morigerado
e equilibrado, que se fosse chamado a julgar entre as partes num processo
ordinário, com grande sabedoria avalie seu exército e o do inimigo, e,
reconhecendo-se superior nos mais diversos aspectos, não deixe passar a
ocasião que se lhe ofereça para combater. Ao contrário, se sabe que o inimigo
é mais forte, não aceite a luta em campo aberto, pois, quando guiados por
comandantes conspícuos, os inferiores em número e forças frequentemente
obtêm a vitória por meio de ataques e armadilhas de surpresa (Vegécio, 1995,
III, p. 93).
Podemos depreender que os padrões do Paradigma Estratégico Vegeciano
estão enraizados nas limitações impostas aos comandantes militares tardo-antigos e
medievais pelos recursos materiais, tecnologia de transporte e fatores geográficos, ou
seja, considerações essencialmente logísticas, voltadas para suprimentos e o controle
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das vias de transporte (antigas estradas romanas e rios, por exemplo).
Assim, as campanhas ofensivas devem buscar suprir-se através de ações de
forrageamento e pilhagem no interior do território inimigo, atividades que não apenas
supririam suas próprias forças, mas negariam ao oponente os seus próprios recursos
e a possibilidade de movimentação em seu próprio território. Caso realizada de forma
suficientemente ampla e constante, a devastação (incursões devotadas à pilhagem dos
camponeses) solaparia diretamente a capacidade econômica do inimigo de sustentar
uma resistência continuada e ameaçaria a coerência política do território invadido ao
expor a inabilidade de seus líderes para proteger suas partes constituintes, ou seja,
campanhas ofensivas logísticas.
Em termos defensivos, as respostas de Vegécio podem ser indiretas ou diretas.
Indiretamente, uma alternativa seria lançar seu próprio ataque ao território dos
incursores, esperando atraí-los para recuar e defender suas próprias terras. Respostas
diretas incluíam acompanhar a força invasora com proximidade bastante para prevenir
as atividades de forrageamento: com poucos suprimentos e frustrados pela falta de
butim advindo de pilhagens, os invasores, esperava-se, recuariam.
Contudo, em última instância, a estratégia Vegeciana assumia a centralidade do
papel das fortificações na defesa do território. Mesmo que os invasores pilhassem seu
caminho através de parte das terras invadidas, se os defensores mantivessem o controle
sobre suas fortificações, manteriam o controle sobre suas terras e população, podendo
prosseguir com a guerra, contra-atacando durante a delicada operação de retirada do
território invadido.
Segundo Vegécio (1995, III, p. 120): “Mais vale abater o inimigo pela fome, com
assaltos imprevistos ou com o terror do que em batalha, onde a fortuna sói prevalecer
sobre a coragem”. Ao contrário do que autores clássicos como Charles Oman, Hans
Delbrück e J.F. Verbruggen acreditavam (na centralidade da batalha como a experiência
militar medieval por excelência), as análises mais recentes
9
enquadram as batalhas
como acontecimentos raros e arriscados, como a citação acima explicita.
Por outro lado, enquanto uma bem-conduzida defesa Vegeciana poderia oferecer
uma considerável probabilidade de vitória na guerra, era certo que esta seria onerosa
(como ficará claro na análise dos buhrs anglo-saxônicos). Executar a estratégia Vegeciana
era caro em vários sentidos. Ela requeria que o defensor abrisse mão de muito território
– as terras fora dos muros dos castelos e cidades – para a devastação conduzida pelo
inimigo, já que sem conceder batalha, só se pode limitar, mas não impedir as destruições
causadas pelas cavalgadas inimigas. De fato, a plena implementação de uma estratégia
defensiva Vegeciana envolvia a aceitação de uma ação de “terra arrasada”.
As possibilidades do emprego das ideias contidas na obra de Vegécio são bem
sólidas. Seu texto foi um dos mais copiados durante o medievo; segundo Christopher
Allmand (2011, p. IX), cerca de 200 cópias manuscritas em Latim e de uma centena de
traduções vernáculas sobreviveram à Idade Média, além de ser um dos mais citados nos
“espelhos de príncipes”. Ao que tudo indica, o texto Vegeciano era conhecido nas Ilhas
9
O debate centrado no papel da batalha na estratégia vegeciana é intenso e a argumentação de seus
defensores e detratores revela grande riqueza de detalhes, a respeito dos quais recomendamos a leitura
do debate teórico-metodológico desenvolvido nos artigos de Clifford Rogers (“The Vegetian “Science of
Warfare” in the Middle Ages”, p. 01-19.) e Stephen Morillo (“Battle Seeking: The Contexts and Limits of
Vegetian Strategy”, p. 21-42) no volume I do The Journal of Medieval Military History, volume 1 (2002).
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Britânicas desde o Venerável Beda e na Germânia imperial desde a síntese composta
por Rábano Mauro na primeira metade do século IX
10
.
Uma das cópias do texto Vegeciano de Rábano Mauro se encontra no Codex
Perizoni, um manuscrito hoje preservado em Leiden, que contém o primeiro livro dos
Macabeus, o livro terceiro do De Re Militari e excertos do Stratagemata de Frontino,
compondo assim um verdadeiro manual de técnica militar do século X (figura 1).
Figura 1: Combate em vau de rio, possivelmente inspirado na Batalha de Ries (13/05/841), na qual as forças
de Luís o Germânico atacaram e venceram as tropas de Adalbert de Metz (preposto de Lothar) no vau do rio
Wörnitz, que dividiu as forças deste último.
Fonte: I Macabeus, Codex Perizioni, F 17, fol. 22r, Biblioteca da Universidade de Leiden
Passaremos agora a uma breve análise de dois casos, Wessex e a Saxônia, entre
os séculos IX e X. Selecionamos estas duas regiões pelas grandes semelhanças que
apresentavam no período e não apenas pelas ligações étnicas de seus habitantes, como
bem percebeu Karl Leyser (1994, p. 73, tradução nossa):
A Inglaterra anglo-saxônica apresentava entre os séculos IX e X, mais
similaridades com o Reich do que em qualquer outro período de suas respectivas
10
ARAUJO, Vinicius Cesar Dreger de. Frederico I Barbarossa contra Milão (1158-1162): uma campanha
vegeciana? Politéia: História e Sociedade, v.13, n. 2, 2013, p.158.
ARAUJO, Vinicius Cesar Dreger de.
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histórias. Cada um dos reinos possuía uma região predominante que fornecia
os monarcas – Wessex e Saxônia, respectivamente. Eram governados por
dinastias régias que produziram monarcas expansionistas e bem-sucedidos,
assim como outros, a exemplo de Æthelred e Otto III, cujos graus de relativo
sucesso ou fracasso dependem do ponto de vista da posteridade.
Partindo deste princípio, podemos aprofundar a comparação às estruturas
militares de ambas as regiões que, para se defenderem adequadamente de ameaças
externas, recorreram às reformas militares, ao emprego de sistemas defensivos de
larga escala e à constituição de fronteiras militares.
Ademais, é interessante mencionarmos o papel tático da Paz para o funcionamento
de sistemas defensivos de caráter Vegeciano. Mesmo em um ambiente caracterizado por
conflitos endêmicos, como o medieval, existiram condições nas quais as negociações
de paz poderiam ocorrer demonstrando que o conceito de Paz se encontrava arraigado
como uma opção política viável (LAVELLE, 2011, p. 318).
Devemos, contudo, salientar que, em muitos casos, a aceitação dessa “paz” não
se tratava de um fim em si, mas, principalmente, de uma estratégia para a obtenção de
outros fins, como meio temporário de recuperação de forças em meio a uma campanha
militar ou mesmo como ponte para a criação de alianças políticas, por exemplo. Estas
características podem ser encontradas, como veremos a seguir, nos acordos entre o
rei Alfred e Guthrum na Inglaterra e nos acordos travados entre Henrique I e os líderes
magiares.
Seguindo a máxima Vegeciana, Si vis pacem, para bellum (se queres a paz,
prepara-te para a guerra), estes acordos serviram para garantir tempo a seus signatários.
Tempo para a elaboração de sistemas defensivos que podem ser caracterizados como
fronteiras militares e sistemas defensivos em profundidade. Assim, podemos constatar
que a formação destas fronteiras militares derivou diretamente de acordos “de paz”.
Fronteiras Militares:
Wessex
O reino de Wessex, ou dos “Saxões do Oeste”, deve este nome ao fato de que foi
fundado por Saxões (alegadamente da linhagem de Cerdic, um dos líderes da conquista
anglo-saxônica da Britânia entre os séculos IV e VI), em contraposição a outro reino
saxônico na ilha, o de Essex, ou dos “Saxões do Leste”. Esta denominação não se relaciona
com as origens dos ditos Saxões na Germânia continental, mas sim ao posicionamento
dos reinos na Inglaterra meridional.
O rei Alfred de Wessex (871-899) acabou por combater pela sobrevivência de seu
reino e, por que não dizê-lo, pela sobrevivência da própria Inglaterra Anglo-Saxônica
frente à tentativa de conquista escandinava. Entre 886 e 890, Alfred, preso em um
impasse com as forças do líder escandinavo Guthrum (afinal, nenhum dos dois possuía
forças suficientes para conquistar os domínios do outro), acabou por criar um modus
vivendi com seu inimigo, por meio do estabelecimento de uma fronteira que, grosso
modo, dividia o território britânico entre os dois potentados, sendo que Alfred mantinha
Limites saxonicarum – Fronteiras militares na Inglaterra Anglo-saxônica e na Saxônia continental, séculos IX e X.
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Wessex e parte de Mércia, enquanto Guthrum legitimava seu domínio sobre East Anglia.
O texto do tratado nos fornece as principais características do funcionamento
desta fronteira. Ei-lo (KEYNES; LAPIDGE, 2004, p. 166, tradução nossa)
11
:
Esta é a Paz (friđ) que o Rei Alfred e o Rei Guthrum e o Witan de toda a
raça inglesa (Angelcynn) e todo o povo que está em East Anglia declararam
e confirmaram com juramentos, por si mesmos e por seus súditos, tanto
nascidos quanto não nascidos, e que valorizam a misericórdia de Deus e a
Nossa.
Primeiro sobre nossas fronteiras (landgemæra): acima do Tâmisa até o Lea, e
ao longo do Lea até a sua nascente, então direto até Bedford; então acima do
Ouse até Watling Street.
12
Se um homem for morto, estimaremos igualitariamente o valor de Ingleses e
Dinamarqueses em oito meio-marcos de ouro puro
13
, exceto para o ceorl
14
que
ocupe terras tributadas (gafol-land) e os homens livres dos Dinamarqueses
(liesengum); estes também serão estimados igualmente, ambos em 200
shillings.
Se um thegn do rei for acusado de homicídio culposo, para livrar-se da
acusação, o fará com o juramento de outros doze thegns do rei; se o acusado
for menos poderoso que um thegn
15
do rei, ele se eximirá com o juramento de
doze de seus pares e de um thegn do rei e o mesmo se dará em todos os casos
que envolverem mais do que quatro mancuses. Se o acusado não conseguir
a absolvição, pagará uma compensação três vezes maior, de acordo com seu
valor.
Que cada homem tenha seu fiador para a compra de homens, cavalos ou bois.
11
This is the peace which King Alfred and King Guthrum and the councillors of all the English race and
all the people who are in East Anglia have all agreed on and confirmed with oaths, for themselves and for
their subjects, both for the living and for the unborn, who care to have God’s favour or ours.
§ 1. First concerning our boundaries: up the Thames, and then up the Lea, and along the Lea to its source,
then in a straight line to Bedford, then up the Ouse to Watling Street.
§ 2. Next, if a man is slain, all of us estimate Englishman and Dane at the same amount, at eight half-marks
of pure gold; except the ceorl who occupies rented land and their freedmen – these also are estimated at
the same amount, both at 200 shillings.
§ 3. And if anyone accuses a king’s thegn of manslaughter, if he dares to clear himself he is to do it with
twelve king’s thegns. If anyone accuses a man who is of lesser degree than a king’s thegn, he is to clear
himself with eleven of his equals and with one king’s thegn. And so in every suit which involves more than
four mancuses; and if he dare not clear himself, he is to pay for it with threefold compensation, according
to its valuation.
§4. And that each man is to know his warrantor for men and for horses and for oxen.
§ 5. And we all agreed on the day when the oaths were sworn that no slaves or freemen might go over to
the army without permission, any more than any of theirs to us. If, however, it happens that from neces-
sity any one of them wishes to have traffic with us – or we with them – for cattle and for goods, it is to
be permitted on this condition that hostages shall be given as a pledge of peace and as evidence whereby
it is known that no fraud is intended.
12
Watling Street foi o nome dado a uma importante estrada romana cujo traçado ainda hoje é utilizado na
rodovia A5 (KEYNES; LAPIDGE, 2004, p. 327).
13
Segundo Keynes & Lapidge (2004, p. 327) este valor em ouro equivalia a 1280 shillings em prata. Isso
implica que os Anglo-saxões e Escandinavos em questão pertencessem às camadas sociais superiores, já
que o valor do wergild em Wessex equivalia a 1200 shillings.
14
Ceorl é o camponês livre que, neste caso, arrenda as terras que cultiva. Ao valorizar monetariamente
a vida de seus camponeses livres, “pode-se imaginar que a intenção subjacente a este wergild fosse a de
causar o desencorajamento de incursões e escaramuças nas terras fronteiriças” (KEYNES; LAPIDGE,
2004, p. 328), fortalecendo a manutenção do acordo.
15
Thegn pode ser definido como um servidor do rei (ou de outros grandes nobres como os Ealdormen),
estando em um estrato social intermediário entre a alta nobreza e os ceorls.
ARAUJO, Vinicius Cesar Dreger de.
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Declaramos no dia em que os juramentos foram feitos, que nem escravos, nem
homens livres poderão se juntar ao here sem permissão, tanto dos nossos
quanto dos deles. Contudo, se acontecer por necessidade que qualquer um
deles desejar comerciar conosco, ou um de nós com eles – com gado ou bens
– será permitido, com a condição de que reféns sejam dados como oferta de
paz e como evidência de que seja a todos conhecido para que não se tencione
nenhuma fraude.
16
Este tratado permitiu que seus governantes pudessem controlar as frequentes
vendetas e represálias ao estabelecer os valores dos homens em “dinheiro de sangue”,
de acordo com o status de cada um, o wergild, nas cláusulas dois e três do acordo.
Podemos compreender a concepção de guerra aqui subjacente como o resultado da
escalada de conflitos interfamiliares alimentados justamente por represálias motivadas
pela vingança. Ao estabelecerem o wergild e o inquérito como os principais meios de
resolução para os homicídios, Alfred e Guthrum criaram um mecanismo que rompia
com o círculo vicioso da violência endêmica.
Entretanto, não se tratava de um acordo destinado a durar mais do que o suficiente
para a reorganização das forças de ambos, sendo mais uma trégua do que uma paz
propriamente dita como fica claro com a sistematização de um aparato defensivo em
profundidade, conhecido como Burghal Hidage
17
, constituído por volta de trinta cidades
fortificadas (de dimensões variadas com planejamento urbano e funções econômicas
que superavam sua função meramente bélica), interligadas pela antiga rede de estradas
romanas (sendo que os deslocamentos entre cada cidade levariam, no máximo, dois
dias) e a divisão (através de rotatividade) do potencial militar do reino em duas metades:
uma em um exército móvel (abastecido pelos buhrs) e a outra em uma força encarregada
tanto da guarda dos campos, quanto do reforço ao, naquele momento, contingente
principal. Segundo Richard Abels (1998, p. 196), este “sistema militar coerente, [...]
roubou dos vikings suas maiores vantagens estratégicas, a surpresa e a mobilidade”.
O Burghal Hidage foi registrado em um documento (possivelmente escrito entre
910 e 919) no qual está explicitada a listagem dos burhs, as quantidades de parcelas de
terras (hides) destinadas a fornecer homens para a guarnição dos burhs e o mecanismo
de funcionamento da relação terras x homens, como podemos ver a seguir (KEYNES;
LAPIDGE, 2004, p. 193, tradução nossa)
18
:
16
De acordo com KEYNES & LAPIDGE (2004, p. 328), o termo here (exército) é aqui empregado no sen-
tido mais amplo de população. O propósito desta cláusula era simples: garantir que os súditos de ambos
os lados não visitassem ou se assentassem nos domínios dos outros sem a devida permissão, reduzindo
assim o risco de choques entre as duas populações. A sentença seguinte demonstra que os dois grupos
tencionavam restringir este tráfego aos propósitos comerciais, contanto que cuidadosamente controla-
do; o perigo (do ponto de vista de Alfred) era o de que, presumivelmente, haveriam incursores vikings que
tentariam se passar por comerciantes, por isso a necessidade de reféns.
17
O estudo da paisagem militar na Inglaterra Anglo-saxônica, especificamente no reino de Wessex duran-
te o período da primeira vaga de incursões escandinavas (793-900), com foco no sistema de fortificações
do Burghal Hidage, foi o objetivo de um grande projeto arqueológico financiado pelo Leverhulme Trust
entre 2005 e 2009, capitaneado por John Baker e Stuart Brookes. Seus resultados foram publicados em
2013 nos volumes Beyond the Burghal Hidage (Leiden: Brill) e Landscapes of Defence in Early Medieval
Europe (Turnhout: Brepols).
18
324 hides belong to Eorpeburnan; to Hastings belong 500 hides; to Lewes belong 1,300 hides; to Bur-
pham belong 720 hides; to Chichester belong 1,500 hides. Then 500 hides belong to Portchester; 150 hi-
des belong to Southampton; to Winchester belong 2,400 hides; to Wilton belong 1,400 hides; to Chisbury
belong 700 hides, and to Shaftesbury likewise; to Twynham belong 500 hides less 30 hides; to Wareham
Limites saxonicarum – Fronteiras militares na Inglaterra Anglo-saxônica e na Saxônia continental, séculos IX e X.
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324 hides pertencem a Eorperburnan; a Hastings pertencem 500 hides;
a Lewes pertencem 1300 hides; a Burpham pertencem 720 hides; a
Chichester pertencem 1500 hides. 500 hides pertencem a Portchester;150
hides pertencem a Southampton; a Winchester pertencem 2400 hides; a
Wilton pertencem 1400 hides; a Chisbury pertencem 700 hides, assim como
a Shaftesbury. A Twynham pertencem 500 menos 30 hides; a Wareham
pertencem 1600 hides; a Exeter pertencem 734 hides; a Harlwell pertencem
300 hides; a Lydford pertencem 150 menos 10 hides; a Pilton pertencem 400
menos 40 hides; a Watchet pertencem 513 hides; a Axbridge pertencem 400
hides; a Lyng pertencem 100 hides; a Langport pertencem 600 hides; a Bath
pertencem 1000 hides; 1200 pertencem a Malmesbury; a Cricklade pertencem
1400 hides; 1500 hides para Oxford; a Wallingford pertencem 2400 hides;
1600 hides pertencem a Buckingham; a Sashes pertencem 1000 hides; 600
hides pertencem a Eashing; a Southwark pertencem 1800 hides.
Para a manutenção e a defesa da extensão de um acre de muro, são requeridos
16 hides; se cada hide é representado por um homem, então cada pole pode
ser guarnecido por quatro homens. Então, para a manutenção de 20 poles
de muralha, oitenta hides são requeridos; para um furlong, 160 hides são
requeridos de acordo com o cômputo que realizamos acima. Para dois furlongs,
320 hides; para três furlongs, 480 hides. Para quatro furlongs são requeridos
640 hides; para a manutenção de um circuito com cinco furlongs de muros,
são requeridos 800 hides; para seis furlongs, 960 hides; para sete furlongs,
1120 hides; para a manutenção de um circuito com oito furlongs de muros,
1280 hides; para nove furlongs, 1440 hides; para dez furlongs, 1600 hides são
requeridos; para onze furlongs, 1760 hides são requeridos; para a manutenção
de um circuito de doze furlongs de muros, 1920 hides são requeridos. Se o
circuito for maior, o montante adicional pode ser facilmente estabelecido a
partir deste relato, já que 160 homens são sempre requeridos para guarnecer
um furlong e para que cada pole seja defendido por quatro homens.
Embora seja um documento curto, possui vital importância posto que estabelece
a localização dos burhs, a extensão das fortificações, o tamanho das guarnições e a
quantidade de terras necessárias para fornecer os homens das guarnições.
belong 1,600 hides; to Bridport belong 800 hides less 40 hides; to Exeter belong 734 hides; to Harlwell
belong 300 hides; to Lydford belong 150 hides less 10 hides; to Pilton belong 400 hides less 40 hides; to
Watchet belong 513 hides; to Axbridge belong 400 hides; to Lyng belong 100 hides; to Langport belong
600 hides; to Bath belong 1,000 hides; 1,200 hides belong to Malmesbury; to Cricklade belong 1,400 hides;
1,500 hides to Oxford; to Wallingford belong 2,400 hides; 1,600 hides belong to Buckingham; to Sashes
belong 1,000 hides; 600 hides belong to Eashing; to Southwark belong 1,800 hides.
For the maintenance and defence of an acre’s breadth of wall, sixteen hides are required: if every hide
is represented by one man, then every pole can be manned by four men. And so for the maintenance of
twenty poles of wall, eighty hides are required; and for a furlong, 160 hides are required, according to
the same reckoning as I set out above. For two furlongs, 320 hides are required; for three furlongs, 480
hides. Then for four furlongs, 640 hides are required; for the maintenance of a circuit of 􀉹ve furlongs of
wall, 800 hides are required; for six furlongs, 960 hides are required; for seven furlongs, 1,120 hides; for
the maintenance of a circuit of eight furlongs of wall, 1,280 hides; for nine furlongs, 1,440 hides; for ten
furlongs, 1,600 hides are required; for eleven furlongs, 1,760 hides are required; for the maintenance of a
circuit of twelve furlongs of wall, 1,920 hides are required. If the circuit is greater, the additional amount
can easily be established from this account, for 160 men are always required for one furlong so that every
pole is manned by four men.
ARAUJO, Vinicius Cesar Dreger de.
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Em termos materiais, estas fortificações foram construídas com materiais como
paliçadas de madeira e terraplanagens (nas quais a terra era acumulada e batida para
formar o grosso da fortificação), assim como muros de pedra onde possível (normalmente
em localidades previamente fortificadas pelos romanos, como Winchester, Exeter, Bath,
Portchester e Chichester).
Figura 2 - Mapa da disposição das cidades fortificadas do Burghal Hidage na rede de estradas do reino de Wessex
Fonte: BAKER; BROOKS, 2013, p. 7.
Os buhrs foram planejados para cobrir áreas consideravelmente grandes, muitas
vezes com plano retangular, embora isso variasse de acordo com a geografia. As
dimensões das áreas fortificadas iam de, aproximadamente, 2000 x 1750 pés (cerca de
609,6 m x 533,4 m) em Winchester ao diâmetro aproximado de 425 pés (129,5 m) em
Halwell, Lydford, Eorpeburnam e Lyng.
Devemos notar que, embora possivelmente o início de tal sistema tenha ocorrido
durante o reinado de Alfred, sua institucionalização foi obra do reinado de seu filho
Edward (899-924) em Wessex e do domínio de sua filha Ethelflaed em Mércia e a
consolidação de seu sucesso foi obra de seu neto Athelstan (924-939), filho de Edward
e criado na corte merciana de Ethelflaed: Edward conquistou a East Anglia escandinava
nos anos 910 e Athelstan unificou os domínios anglo-saxões e anglo-escandinavos em
937 após a conquista do reino de York.
Também é importante notarmos que, ainda que se tratasse de uma fronteira
militar, ela se enquadrava na categoria de zona fronteiriça, tanto por conter este sistema
defensivo em profundidade (que não estava dedicado a impedir que eventuais incursores
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entrassem em seu território, mas sim a impedir que saíssem sem a devida punição),
quanto por possuir uma inerente “porosidade, permitindo as trocas comerciais internas
ao reino de Wessex e controlando as externas, rumo ao Danelaw anglo-escandinavo; na
verdade, esta zona fronteiriça, pela pequena extensão geográfica de Wessex, abarcava
a totalidade do reino.
Saxônia e o
Ostfrankreich
(o Reino Franco Oriental)
O reino germânico foi constituído, primordialmente, dos territórios dos Francos
Ripuários (a dita Francônia), dos territórios fronteiriços não francos, anexados pelos
Carolíngios no decorrer do século VIII: Alamânia, Bavária, Turíngia e Saxônia (sendo
que o processo de incorporação desta última ocupou nada menos do que trinta anos),
além das marcas fronteiriças eslava e dinamarquesa. Estas terras se tornaram parte
de um novo organismo político oficializado com a divisão do império Carolíngio no
Tratado de Verdun em 843, sob a égide de Luís o Germânico, mas efetivamente criado
por intermédio de guerra civil e rebeliões, em territórios sem precedente histórico de
unidade.
A solução desenvolvida durante o longo reinado de Luís (840-876) para
consolidar esta unidade (ao menos governamental) foi adotar um estilo de monarquia
triunfal altamente belicista (a princípio emulando e depois superando mesmo o adotado
por Carlos Magno). O cronista Regino de Prüm (2009, p. 174, tradução nossa) captou
perfeitamente o ethos marcial e a ideologia triunfal na corte franca oriental em seu
epitáfio para Luís
19
:
Ele era o mais vitorioso na guerra e mais devotado ao equipamento de
batalha do que ao esplendor dos banquetes. Seus maiores tesouros eram os
instrumentos de guerra e ele amava mais a resistência do ferro do que o brilho
do ouro.
Este estilo de monarquia guerreira era particularmente adequado às condições
históricas do desenvolvimento do Reino Franco Oriental, mas era efetivamente
sustentado por campanhas militares periódicas contra as tribos eslavas vizinhas, em
busca, principalmente, de butim. Eric Goldberg (um dos principais estudiosos acerca
do reinado de Luís) chega mesmo a afirmar sobre este contexto (1999, p. 45, tradução
nossa):
As marcas centro-europeias, estendidas do Báltico aos Bálcãs, eram o “oeste
selvagem” do século IX; a Fronteira, onde nobres ambiciosos apoiados por
grupos de jovens guerreiros podiam provar sua dignitas através de feitos
audaciosos em batalha e enriquecer-se com butim, tributos, escravos e terras.
A inspiração de Goldberg em Turner e Thompson fica evidente nesta formulação.
Contudo, assim como houve evolução no conceito, também ocorreram mudanças
importantes nas condições das relações entre os francos orientais e seus vizinhos.
19
He was most victorious in battles, and more devoted to the equipment of battle than the splendour of
banquets; his greatest treasures were the instruments of war and he loved the hardness of iron more
than the glitter of gold.
ARAUJO, Vinicius Cesar Dreger de.
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Em primeiro lugar, com a quebra definitiva da unidade do Império Carolíngio
(brevemente restaurada sob Carlos o Gordo) em 888, as respostas às diversas incursões
magiares, eslavas e escandinavas foram variadas e, isso é importante assinalar,
regionalizadas.
As incursões escandinavas deixaram de ser ameaça séria ao reino germânico
já em 891, após clamorosa vitória de Arnulf de Caríntia (887-899) sobre os incursores
nórdicos na batalha do rio Dyle. Todavia, os grandes espaços fronteiriços entre os
germânicos, os eslavos e os magiares, necessitavam de respostas diferentes da batalha
campal.
Pelo que se pode depreender das crônicas, anais e da pouca legislação sobrevivente
do reinado de Arnulf, sua autoridade efetiva, seu núcleo de poder, estava concentrado
na Bavária
20
, região com grandes espaços fronteiriços com os eslavos (Boêmios) e com
os Magiares, sendo que os diversos vales e rios da região abriam rotas de avanço para
incursões inimigas.
Os indícios apontam para a criação de um sistema regional de defesa em
profundidade, que teria permitido a Arnulf punir exemplarmente as incursões eslavas
e magiares em seu retorno, principalmente com o auxílio dos muitos cursos d’água que
perpassam a região: os exércitos dificilmente mantinham sua coesão no momento de
cruzar os rios, permitindo rápidos ataques que, dependendo de seu sucesso, podiam
mesmo resultar no massacre da tropa invasora.
Segundo as análises de Charles Bowlus (2006) sobre a batalha de Lechfeld,
travada na Bavária em 955 por Otto I (936-973), esta vitória esmagadora sobre os
magiares teria sido obtida justamente pelo emprego da estrutura defensiva criada por
Arnulf entre as décadas de 880 e 890, além de ampliada por providências de caráter
Vegeciano de negação de suprimentos ao exército invasor e arrematada pelo hábil
emprego dos cursos d’água que fragmentaram o exército húngaro em retirada.
Por outro lado, o território setentrional germânico, a Saxônia, possuía
regiões muito mais planas, fato que facilitava as ações de incursão e dificultava o
estabelecimento de defesas eficientes. Após a devastadora incursão magiar na Saxônia
em 924, o monarca germânico, Henrique I (919-936), estabeleceu um acordo de paz
com os húngaros, lastreado por tributos anuais, que lhe garantiram o tempo necessário
para realizar uma reestruturação militar na Saxônia e a constituição de um sistema de
fortificações em profundidade em sua fronteira militar.
20
SCHARER, 2003, p. 311-312.
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Figura 3: Mapa das rotas principais das incursões Magiares; notar o papel da Bavária como principal ponto de
passagem dos ataques magiares
Fonte: (HOOPER & BENNET, 1996, p. 31).
O único registro documental explícito de medidas com este caráter se encontra
no livro I das Res Gestae Saxonicae de Widukind de Corvey, com o estabelecimento
do, assim chamado, Burgenordnung (BACHRACH; BACHRACH, 2014, p. 49, tradução
nossa)
21
:
Durante os nove anos da paz entre o Rei Henrique e os Húngaros, ele
demonstrou tamanho cuidado na proteção da pátria e na derrota de nações
bárbaras, que está além da minha capacidade descrever seus feitos, embora
estes não possam passar em silêncio. Primeiro ele selecionou um em cada
21
During the nine years of peace that King Henry had with the Hungarians, he demonstrated such care in
protecting the fatherland and in defeating the barbarian nations that it is beyond my capacity to describe
his achievements, although they should not be passed over in silence. First, he selected every ninth man
from among the agrarii militesâ 231 to live in fortifications. Each ninth man would build dwellings for the
other eight, and would receive and store a third part of all of the grain. The other eight would sow and
reap grain, and would gather up a ninth and would set this aside on their own properties. Henry desired
that all law courts, assemblies, and festivals should be held in the fortifications. They were to train in the-
se fortifications day and night so that they would learn in times of peace what to do when they faced the
enemy. Aside from these strongholds, there were very few fortifications, and even these had poor walls.
ARAUJO, Vinicius Cesar Dreger de.
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77
nove homens dentre os agrarii milites
22
para viver nas fortificações. Cada
nono homem deveria construir alojamentos para os outros oito e deveria
receber e armazenar a terça parte de todos os grãos. Os outros oito deveriam
semear e colher os grãos e separar a nona parte destes e estocá-la em suas
propriedades. Henrique desejou que todas as cortes de justiça, assembleias e
festivais deveriam ser realizadas nas fortificações. Eles deveriam treinar dia
e noite nestas fortificações para que aprendessem nos tempos de paz o que
fazer quando estivessem frente ao inimigo. Além destas fortificações haviam
poucas outras e mesmo estas possuíam fracas defesas.
Devemos aqui realizar um parêntese: o componente humano desta reestruturação
das defesas, os agrarii milites, deveriam treinar para atuarem na defesa pontual de
suas fortificações e atacarem os inimigos apenas como tropas auxiliares; durante a
retirada destes, já que o núcleo duro das tropas régia e ducais no Ostfrankreich eram
constituídas desde o início do século IX por unidades de guerreiros montados, como os
ilustrados no Saltério de Stuttgart, a seguir.
Figura 4: Guerreiro montado Carolíngio com o tipo de equipamento pesado oriundo do século IX, c.820-830.
Como, aparentemente, foi realizado durante o reinado de Luís o Pio (814-840), é possível que esta imagem
remeta às campanhas carolíngias para a conquista da Saxônia (772-804), mostrando os vencidos a clamar pela
misericórdia dos vencedores.
Fonte: Saltério de Stuttgart: Württembergische Landesbibliothek Stuttgart, Bibl. fol. 46.
Esta rede de redutos fortificados (Burgen) em um sistema defensivo em
profundidade provou ser bem sucedida na campanha que levou à batalha de Riade (933),
vitória esmagadora de Henrique sobre os húngaros no norte, na qual, mais uma vez,
22
A real significação deste termo é causa de enorme controvérsia entre os especialistas desde o século
XIX. Contudo, adotamos aqui a posição de Bernard e David Bachrach, na qual “Widukind aqui estaria
descrevendo os homens que tinham a obrigação de servir na hoste local para a defesa de suas regiões
nativas”, BACHRACH; BACHRACH, 2014, p. 49, n. 231.
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houve a habilidosa exploração dos rios como elementos essenciais para os defensores
durante a retirada das tropas inimigas.
Tanto o sistema defensivo em profundidade bávaro quanto saxônio estabeleceram
zonas fronteiriças fortificadas com seus vizinhos. Contudo, as fortificações
presentes possuíam finalidade essencialmente militar e escala modesta, sendo que
seu posicionamento não possuía preocupações logísticas maiores do que facilitar o
abastecimento de suas tropas (e a negação de alimentos aos invasores).
É mister que notemos que, no caso do Burgenordnung, simplesmente não existe
o mesmo nível de detalhamento documental que o Burghal Hidage. Além da menção
na crônica de Widukind (que mesmo assim data de, ao menos, uma geração após os
acontecimentos por ele relatados), só subsistiram do reinado de Henrique I quarenta
e um diplomas régios legítimos, nos quais são mencionadas obras de fortificações
em poucas localidades na Saxônia, na Lorena, na Francônia, na Suábia e na Bavária,
normalmente nas cidades-sede episcopais. Embora esparsos, os indícios documentais
indicam atividades relativas à construção e reparo de fortificações em todas as regiões
constituintes do Reino Franco Oriental.
Figura 5: Mapa dos pontos fortificados no sistema defensivo em profundidade na Saxônia Otônida, segundo
levantamentos arqueológicos.
Fonte: BACHRACH, 2012, p. 15
Walter Schlesinger (1961, p. 159-65) postulou que, ao invés de construir as defesas
físicas do zero, Henrique I, na verdade, teria reorganizado a administração militar através
da importação do modelo de defesas regionais à volta de fortificações centralmente
localizadas (Burgbannverfassung) originalmente estabelecido nas regiões ocidentais da
Germânia pelos Carolíngios, o assim chamado Limes Saxoniae, como defesa do Império
Franco das incursões dos próprios Saxônios.
Esta fronteira se desenvolveu em fases distintas. Inicialmente existiam vastas
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79
áreas florestais, pântanos e charnecas separando Bávaros, Turíngios e Saxônios das
populações Eslavas a leste. Após a integração dos dois primeiros povos aos domínios
Francos, entre as guerras para a conquista da Saxônia, começou a surgir na região uma
organização fronteiriça semelhante às fronteiras romanas da Antiguidade Tardia.
Em 806, Carlos Magno ordenou pela primeira vez a construção de fortificações
nas margens dos rios Elba e Saale (que precedem as fortificações apontadas na figura
5). Adam de Bremen afirmou que tal fronteira militar estaria descrita em um diploma
de Carlos Magno que ele teria visto e assim reproduziu (ADAM OF BREMEN, 2002, p.
72-73, tradução nossa)
23
:
Encontramos uma descrição da fronteira saxônia (limes Saxonicus) no outro
lado do rio Elba, como ordenado por Carlos Magno e outros imperadores: das
margens orientais do rio ela seguia o pequeno rio chamado Mescenreiza pelos
Eslavos. Em seu curso superior, o limes se afastava de rio e corria pela floresta
de Delvenau para o rio Delvenau. Dali prosseguia para o Hornbecker Mühlen-
Bach e as nascentes do rio Bille. Então prosseguia para a pedra de Liudwine,
então para Weisbirken e Barkhorst. Então ela passou por Süderbeste até a
floresta de Trave e novamente por esta floresta até os baixios de Blunkerbach.
Então o limes prosseguia até Transfelder Au e subia diretamente até o vau
conhecido como Agrimeswidil. Neste local Burwid travou duelo com um
guerreiro eslavo e o matou; e uma pedra comemorativa foi ali erigida. Então a
linha prosseguia até o Stocksee e a partir dali passava pelo Zwentifeld, a leste
do Rio Schwentin. Ao longo deste último rio, a fronteira avançava até o Golfo
Cítio e o Mar Báltico.
Este precedente carolíngio, eivado de rios, florestas e pântanos, nos fazem
considerar que, diferentemente do que Adam de Bremen pensou, deve ter sido não uma
fronteira demarcada por fortificações (aliás, nenhuma é mencionada), mas sim como
uma zona fronteiriça desabitada ou quase isso, que separava a Saxônia carolíngia das
populações eslavas.
Ao observar o estado limes Saxoniae (voltado para os eslavos) em diplomas
imperiais em meados do século XI, Matthias Hardt aponta que, de fato, não mais se
tratava de uma linha contínua como a descrita por Adam de Bremen, mas sim uma
área, um distrito fronteiriço, sobre a qual os imperadores mantinham controle direto
(HARDT, 2005, p.43), implicando justamente um sistema defensivo em profundidade
na região.
Quanto à materialidade das fortificações do Burgenordnung, os métodos e
materiais empregados em suas construções são análogos aos empregados nos burhs
anglo-saxônicos. Contudo, os burgen saxônios tendiam a ser circulares, e estavam no
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We have also found that the boundaries of Saxony across the Elbe were drawn by Charles and other
emperors as follows: The first extends from the east bank of the Elbe up to the rivulet which the Slavs
call Boize. From that stream the line runs through the Delvunder wood up to the Delvenau River. And so it
goes on to the Hornbecker Mühlen-Bach and to the source of the Bille, thence to Liudwinestein and Weis-
birken and Barkhorst. Then it passes on through Süderbeste to the Traveb woods and again through this
forest to Blunk. Next it goes to the Tensfelder Au and ascends directly up to the ford called Agrimeswidil.
At that place, too, Burwid fought a duel with a Slavic champion and slew him; and a memorial stone has
been put in that spot. Thence the line runs up, going to the Stocksee, and thus on to the Zwentifeld lying
to the east as far as the Schwentine River itself.a Along the latter stream the Saxon boundary goes down
to the Scythian Lake and to the sea they call the Eastern Sea.
Limites saxonicarum – Fronteiras militares na Inglaterra Anglo-saxônica e na Saxônia continental, séculos IX e X.
FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.2, nº2, p.61 -82, jun.-dez., 2015.
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limite inferior do tamanho dos burhs insulares, sendo que a maior parte deles não eram
maiores que 30 metros de diâmetro (SCHOENFELD, 1994, p. 60), com um perímetro
de cerca de 90 metros. Ademais, os burgen continentais também parecem ter sido
localizados muito mais próximos uns dos outros – frequentemente entre quatro e
seis quilômetros de distância um do outro – do que as vinte milhas normativas que
separavam um burh do outro.
Considerações Finais:
As pesquisas em curso nas fronteiras militares na Inglaterra e na Germânia
imperial sugerem que as diferenças étnicas e culturais presumivelmente bruscas
marcadas pela existência das próprias fronteiras, conforme pensadas pelos postulados
de Turner, não eram tão evidentes como se pensou. De fato, vem se mostrando cada
vez mais que, em muitas formas, nestas regiões houve o surgimento de uma dinâmica
que, de certa forma, replicou fenômenos de assimilação cultural e étnica associados às
fronteiras do Baixo Império Romano
24
.
Tanto os buhrs Alfredianos quanto os burgen Otônidas e os sistemas defensivos
a eles associados permitiram que as populações Anglo-saxônicas e Anglo-escandinavas,
assim como Saxônios, Bávaros, Eslavos e Magiares pudessem desenvolver distintos
modos de coexistência através de trocas comerciais e culturais, além do trabalho
missionário, que transformaram as populações incursoras: o Danelaw anglo-
escandinavo foi reabsorvido por Wessex, os Boêmios se constituíram como ducado
subordinado ao Império em 906 e os Magiares se constituíram como reino cristão por
volta do ano Mil.
Todos os casos conhecidos de fronteiras militares entre a Antiguidade Tardia
e o século X implicaram na existência de zonas tampão, nas quais, a despeito das
confrontações militares nas terras fronteiriças, as fronteiras políticas não eram muros
separando grupos populacionais, mas áreas de trocas culturais, um cadinho no qual
se fundiam culturas economias e sociedades. De um ponto de vista puramente militar,
estas fronteiras eram mais áreas de equalização, compensação e trocas do que escudos
da civilização contra bárbaros (HENNING, 2005, p. 34).
Comparando as fronteiras militares germânicas à anglo-saxã, podemos alcançar
algumas questões interessantes, caso possuíssem em comum o caráter vegeciano
de defesas em profundidade, pensadas para ação conjunta com exércitos móveis e
semipermanentes, difeririam em escala territorial, assim como, em concepções e
funções.
Como vimos, a zona fronteiriça de Wessex abarcava a totalidade do reino,
territorialmente muito menor do que a Bavária ou a Saxônia, sendo suas defesas parte
integral de uma reestruturação do reino propriamente dito, já que as cidades fortificadas
do Burghal Hidage possuíam funções econômicas e administrativas, além das militares.
Ademais, sua distribuição territorial também se enquadra em uma concepção
logística baseada nas estradas romanas e ancorada no estabelecimento de uma fronteira
linear formal entre Alfred e Guthrum.
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Excelente síntese destes estudos no artigo de MILLER, David Harry. Frontier Societies and the Transi-
tion between Late Antiquity and the Early Middle Ages. In: MATHISEN, Ralph W.; SIVAN, Hagith S. (Ed.).
Shifting Frontiers in Late Antiquity. Alderhot: Ashgate, 1996, p.158-71.
ARAUJO, Vinicius Cesar Dreger de.
FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.2, nº2, p. 61-82, jun.-dez., 2015.
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Não podemos nos esquecer do fato primordial do interesse de ambas as partes
em futuras expansões territoriais que abarcassem a totalidade da ilha, ou seja, havia
considerável possibilidade de integração entre as distintas populações.
Por sua vez, as fronteiras germânicas eram de grande extensão em regiões de
desenvolvimento urbano e econômico muito menor, possuindo caráter essencialmente
militar. Inexistiam as preocupações de integração territorial e populacional presentes
em Wessex, assim como inexistia uma fronteira linear, se tratando de zonas difusas
de contato e atrito, que só passariam a contar com mais contatos culturais e tráfego
econômico a partir da segunda metade do século X.
Ademais, Wessex baseava a estratégia de negação do uso do espaço por seus
adversários através do emprego da mobilidade através de sua rede de estradas (Figura
2), os germânicos continentais embasavam sua estratégia na utilização dos cursos
d’água como obstáculos à retirada dos incursores inimigos (figura 5).
Isso nos permite vislumbrar parte da enorme variedade de relações que podem
ser abarcadas pelo conceito de fronteiras como categoria analítica para o medievo,
ressaltando a advertência anterior de cuidado metodológico e respeito às especificidades
regionais para a aplicação do mesmo.
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