ARAUJO, Vinicius Cesar Dreger de.
FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.2, nº2, p. 61-82, jun.-dez., 2015.
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Enquanto a militarização permanece como uma característica importante
nas discussões acerca da vida fronteiriça medieval, a ideia de que as fronteiras pré-
modernas eram definidas em termos militares e que as construções nestas áreas serviam
a funções militares passou a ser criticada. De fato, as pesquisas centradas no valor
prático dos vários sistemas defensivos sugerem que estes facilitavam o monitoramento
e o controle e serviam para alertar a presença dos inimigos, não para detê-los
7
. Ou seja,
se tratavam de sistemas defensivos em profundidade com caráter vegeciano, nos quais
o combate aos inimigos era realizado quando da retirada destes, carregados de butim e
desorganizados pela vitória, como veremos na Germânia e em Wessex.
Muitos medievalistas
8
passaram a enfatizar que a militarização e a guerra foram
apenas parte das interações fronteiriças; mecanismos de arbitragem, negociação,
comércio e outras relações pacíficas igualmente caracterizam a vida fronteiriça.
Frequentemente, a dinâmica dúplice de interações pacíficas e belicosas foi interpretada
como sendo criadora de certo tipo de modo de vida nas zonas fronteiriças que seria
diferente daquele das áreas centrais, embora isso ainda esteja indefinido e em debate.
Dentre outros tópicos em discussão, estão as questões de instituições sociais mais
fluidas (como maior liberdade, sentimentos de autoconfiança, natureza fragmentada da
sociedade e lealdades múltiplas, por exemplo) e interações religiosas (como processos de
aculturação e sincretismos). Um entendimento comum daí, advindo sobre as fronteiras
na Idade Média, é que elas não eram linhas, mas zonas e regiões.
Entretanto, o conceito de fronteiras lineares existia na Europa medieval, já que
estavam presentes linhas e marcos demarcatórios para unidades menores, como as
propriedades; em princípio, a mesma ideia podia ser aplicada às fronteiras estatais.
Contudo, como anteriormente mencionado, as fronteiras lineares são parte do processo
de surgimento dos estados modernos.
Os significados de “fronteira” mudaram constantemente e, consequentemente,
“sociedade fronteiriça” é um conceito elusivo, com muitas interpretações, que estão
muitas vezes implícitas. A utilização do termo “sociedade fronteiriça” pode igualmente
significar uma sociedade que tinha uma região de fronteira com outra sociedade ou
cultura. Também pode ser empregada com o significado de “sociedade de conquista”, na
qual uma elite conquistadora governa uma população subjugada. Finalmente, o conceito
pode ser usado para denotar interações culturais em um sentido mais geral, não apenas
nas fímbrias da sociedade.
O conceito só pode ser útil ao ser empregado em relação ao medievo, se
separarmos e definirmos os vários significados de “fronteira”. Fronteiras podem ser
pacíficas ou altamente militarizadas, estáveis ou móveis, fronteiras de expansão ou
comerciais, de exclusão ou de inclusão e daí por diante.
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Por exemplo: LATTIMORE, Owen. Studies in Frontier History. Oxford: Oxford UP, 1962, 108-10, 113-16,
257; JIMÉNEZ, Manuel González.”Frontier and Settlement in the Kingdom of Castile (1085–1350)”, In:
BARTLETT, Robert; MACKAY, Angus (Eds.). Medieval Frontier Societies, Oxford: Oxford UP, 1992, p. 49-
74; HALDON, J. F. & KENNEDY, Hugh. The Arab-Byzantine Frontier in the Eighth and Ninth Centuries:
Military Organisation and Society in the Borderlands. Recueil des travaux de l’Institut d’Études Byzanti-
nes, v. 19, 1980, p. 79-116; OIKONOMIDES, N. “L’organisation de la frontière orientale de Byzance aux Xe
-XIe siècles et le Taktikon de l’Escorial”. In: Actes du XIVe Congrès International des Études Byzantines,
Bucharest, 1974, v. 1, p. 202-85, 300.
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Como pode ser visto nos ensaios presentes em POHL, Walter; WOOD, Ian; REIMITZ, Helmut (Eds.). The
Transformation of Frontiers – From Late Antiquity to the Carolingians. Leiden: BRILL, 2001.