A suntuosidade com que a História da Companhia foi construída nos revelam uma
série de temas presentes naquela conjuntura, assim como expôs os aspectos
dissonantes, distópicos e, concomitantemente, importantes, uma vez que seu
legado nuança e sedimenta de maneira substanciosa um capítulo de nossa
história cultural (SILVA, 2020, p. 105).
Encaminhando-me para a conclusão, gostaria de reiterar que, como o universo
sertanejo foi inserido na indústria cinematográfica através da iniciativa paulista, acabei me
deparando, não raras vezes, com uma clara intenção de marginalização do sertão.
Retomando Celia Aparecida Tolentino, entendo que a escolha da burguesia paulista por
representar o semiárido nordestino como seu avesso não se deu apenas por motivos
geográficos, mas também, estético-ideológicos: para veicular a imagem de um “Brasil
profundo” sem trazer danos à imagem de um Brasil moderno, como tanto se desejava ser,
era necessário marcar o primeiro como marginal, “como outro” (MORAES, 2011, p. 03)
temporal e espacialmente, e, portanto, distinto do segundo, que narrava. É justamente
nesse intuito que o narrador de
O cangaceiro
faz questão de anunciar que a história que
conta aconteceu em uma “época imprecisa, quando ainda havia cangaceiros”,
demarcando, com isso, seu senso de afastamento. E é exatamente por esclarecer esse e
outros importantes pontos da visão de mundo da
Vera Cruz
, que proponho a seguir, um
estudo mais atento sobre o filme.
[...] Em
O cangaceiro
, o sertão é o mundo fora da história, depósito de uma
rusticidade quase selvagem que o progresso, vindo exclusivamente de fora, tende
a eliminar. Nesse mundo imobilizado, onde terra e homem se fundem num todo
regulado segundo leis da natureza, o cangaceiro é um dado, não é revolta. Como
dado, é indiscutível, o que resta é transformar as peculiaridades de seu
comportamento em espetáculo. Dele distante, o narrador procura marcar o
abismo que os separa, pois faz questão de se instalar do lado de cá, no terreno da
história, num presente que é civilizado por oposição a esse passado pitoresco,
mas definitivamente extinto (XAVIER, 1983, p. 124-125).
Pois bem, visto por cerca de 10 milhões de brasileiros no ano em que foi lançado, o
que o faz dele ainda hoje uma das bilheterias mais expressivas do cinema nacional
(PEREIRA, 2016, p. 289), distribuído internacionalmente pela
Columbia Pictures
,
alcançando uma média de 80 países (PEREIRA, 2016, p. 291), aclamado pela crítica
especializada da época, em veículos como
O Globo
e
Manchete
(PEREIRA, 2016, p. 290),
e
laureado pelo júri do VI Festival de
Cannes
com uma premiação criada especialmente em
sua menção, o Prêmio Internacional de Filme de Aventuras,
O cangaceiro
ostenta, como
poucos, um lugar de marco na história do cinema brasileiro.
Assim sendo, essa obra icônica, na medida em que acabou por moldar todo um
subgênero, foi responsável por influenciar diversos títulos e autores que o sucederam,
fosse no eixo paulista no qual se insere, com obras como
Da terra nasce o ódio
(1954), de