RAMOS, Thayran José *
https://orcid.org/0000-0003-2011-5254
TAMM, Marek. OLIVIER, Laurent (Org.).
Rethinking historical time
: new approaches to
presentism. Grã-Bretanha: Bloomsbury, 2019.
Recebido em: 28/06/2022
Aprovado em: 22/08/2022
O estudo do tempo histórico (temporalidade) vem se modificando recentemente no
campo da teoria e filosofia da história, como apontou Ethan Kleinberg em seu artigo
Introduction: The New Metaphysics of Time,
publicado em 2012. Após a publicação de
Kleinberg, outros estudiosos tentaram mapear e demonstrar essas mudanças na
temporalidade apontadas por ele, sendo o livro
Rethinking Historical Time, New
Approaches to Presentism
organizado por Marek Tamm e Laurent Olivier uma resultante
desta renovada forma de pensar a temporalidade. Publicado em 2019 pela
Bloomsbury
Academic,
o livro é uma grande colaboração entre vários teóricos que desenvolveram seus
capítulos e que foram organizados nessa unidade por Marek Tamm e Laurent Olivier.
Marek Tamm é professor de história cultural na Universidade de Tallinn na Estônia.
Tamm é especialista em história medieval, possuindo ao todo sete livros publicados e
inúmeros artigos. Laurent Olivier é um arqueólogo e professor universitário francês,
* Graduado em História pela Unesp/Assis- SP e mestrando em História também pela Unesp/Assis-SP.
Professor da Rede Pública do Estado de São Paulo. E-mail: thayran.ramos@unesp.br
Este é um artigo de acesso livre distribuído sob licença dos termos da Creative Commons Attribution License.
curador chefe do departamento celta e gaulês do
French National Museum of Archeology
(MAN), sendo suas pesquisas recentes voltadas para a arqueologia do contemporâneo.
Rethinking Historical Time, New Approaches to Presentism
é dividido em três
partes, antecedida por uma introdução escrita por Marek Tamm e Laurent Olivier, e
finalizada por uma conclusão escrita por Aleida Assmann. A primeira parte do livro,
Presentism and the New Temporalities
, tem como principal objetivo construir um
arcabouço em relação às problemáticas que estão sendo apresentadas na teoria e filosofia
da história recente em relação ao presentismo. Para isso, Tamm e Olivier reúnem quatro
textos que exploram conceitos essenciais para o entendimento do presentismo.
A segunda parte do livro é chamada de
Multiple Temporalities
, composta por
quatro textos que procuram estabelecer uma introdução em relação a concepção de
temporalidades múltiplas que vem aparecendo na teoria e filosofia da história recente.
Nestes textos o conceito da temporalidade múltipla é apresentado de diversas formas
diferentes, como, por exemplo, na fotografia e, de maneira mais ampla, na política. A
terceira e última parte do livro é denominada de
Material Temporalities
, ela também é
composta por quatro textos e, como o título sugere, todos eles trazem a concepção
material da temporalidade, isto é, a proposta dos quatro textos é definir e construir um
panorama em relação à temporalidade e a como ela transborda para o meio material
através do reflorestamento, das heranças materiais e até mesmo da morte.
Na primeira parte do texto,
Presentism and New Temporalities
, o primeiro texto
apresentado por Olivier e Tamm é o
Out of Time? Some Critical Reflections on François
Hartog’s Presentism.
Escrito por Chris Lorenz, introduz uma crítica em relação ao
presentismo
apresentado por François Hartog. De acordo com Lorenz, Hartog apresenta
acidentalmente em seus textos dois tipos inconciliáveis de
presentismos
, o primeiro
refere-se ao presente enquanto tal, contemporâneo, que se encaixa com a tradição
moderna de história, sendo um tempo linear e progressivo, e no segundo que não é o
contemporâneo, trata-se de um tempo ideal e analítico chamado por Hartog de regime de
historicidade. As duas concepções de
presentismo
reverberam na questão da memória,
segundo o autor. No
presentismo
, o passado e o futuro se tornam extensões do presente,
apresentando uma falha nas características que predominam a concepção moderna de
história, a questão da abertura e da direção. Desta forma, Lorenz apresenta a sua tese de
um Hartog que constrói um
presentismo
que é a inversão do regime moderno de
historicidade.
O segundo texto, denominado
Return to Chronology
, escrito por Helge Jordheim,
propõe uma reconceitualização da dimensão entre o passado, presente e futuro de acordo
com as demandas produzidas pelo regime de historicidade moderno. De acordo com
Jordheim, a cronologia é a métrica do tempo, de forma que o conceito simboliza um tempo
homogêneo, singular e quantificável, sendo utilizado como uma forma de controle na
“virada temporal” (2019, p.44). Entretanto, Jordheim argumenta que essa concepção de
cronologia não corresponde com a sua ideia. Segundo ele, a cronologia apresenta uma
abertura para todas as formas de escala de tempo, diferentes daquelas contidas na
concepção de tempo histórico desenvolvida na historiografia modernista e na experiência
histórica. Em suma, Jordheim propõe uma retomada da cronologia contrária a concepção
construída pela historiografia moderna, de forma que, a partir do conceito de antropoceno
(deste presentismo que é resultante da emergência de um tempo em que o cataclisma
ambiental começa a assombrar o presente, dado a presença humana como “agente
geológico”) se abrem novas perspectivas de temporalidade.
O terceiro texto,
Coming to Terms With The Present, Exploring The
Chrononormativity of Historical Time
, escrito por Victoria Fareld, procura construir um
panorama em relação a posição dos historiadores em face ao presentismo, de forma que
a função principal não é mais a reconstrução ou a aproximação mais precisa do que fora
o passado, mas lidar com a presença desse passado no presente, sendo essa eterna
presença responsável por construir uma consciência crítica do tempo, segundo a autora.
De acordo com Fareld, o presentismo se comporta como a negação da alteridade, pois com
a concepção de um passado presente, a tendência é que não seja mais possível historicizar
o passado enquanto tal. Para exemplificar este confronto, a autora utiliza do debate gerado
em torno da estátua de Cecil Rhodes, um escravagista patrono da Universidade da Cidade
do Cabo. Nesta situação, ela discute as questões temporais que envolvem o movimento
Rhodes Must Fall
, apontando para as inter-relações construídas entre o que representa a
estátua e o seu tempo através do conceito de crononormatividade.
No quarto e último texto da primeira parte do livro, Zoltán Boldizsár Simon procura
demonstrar as mudanças eventuais e processuais que a temporalidade histórica tem
passado. Em
The Transformation of Historical Time, Processual and Eventual
Temporalities
, o autor resgata as origens da filosofia da história, sendo a prática uma
forma processual da história que trabalha com a constante possibilidade de mudança nas
relações humanas. Simon procura demonstrar que as sociedades ocidentais não detêm
uma preocupação presentista para com o futuro, estabelecendo uma relação de forma
contrária, em que a própria expectativa da sociedade para um futuro é baseada em um
hoje com mudanças drásticas na condição humana, gerada por questões tecnológicas e,
principalmente, ambientais (antropoceno), modificando assim as relações humanas com o
passado, presente e futuro. Desta forma, Simon determina que a transformação do tempo
histórico é resultante das mudanças em fator do tempo nas sociedades ocidentais, somada
a temporalidade eventual que não fomenta a mudança, que gera uma quebra de expectativa
no âmbito processual, sendo ambas as temporalidades (processual e eventual) históricas,
pois carregam a efetividade da organização do tempo, mesmo em um mundo sem
perspectiva de mudança terrena ou divina.
O primeiro texto apresentado por Tamm e Olivier na segunda parte do livro é
Revolutionary Presence, Historicism and the Temporal Politics of the Moment,
escrito por
Hans Ruin. Nesse texto, o autor procura estabelecer como o tempo é representado em
relação à história, de forma que o caráter objetivo seguido pela concepção cronológica dos
eventos representa equivocadamente a condição temporal, assim como a condição
humana enquanto indivíduos históricos, ou seja, é uma concepção equivocada da história.
Para isso, o autor utiliza do conceito de
Augenblick
em face a dois horizontes
epistemológicos diametralmente opostos, Heidegger e Walter Benjamin.
O segundo texto, escrito por Liisi Keedus, se chama
Time Outside History, Politics
and Ontology in Franz Rosenzweig’s and Mircea Eliade’s Reimagined Temporalities.
Keedus, e vai até Rosenzweig e Eliade para analisar e observar a concepção de
temporalidade que é construída fora da disciplina histórica. Segundo a autora, tanto
Rosenzweig quanto Eliade criticam a visão que a existência humana é primordialmente
histórica e determinada historicamente, procurando demonstrar através das suas
experiências fora da reflexão da disciplina, construindo relações entre a ciência
antropológica, estudo das religiões e a História como uma base para o desenvolvimento
de uma temporalidade alternativa que comporta uma concepção ontológica diferente.
Johannes Grave escreve o terceiro texto da segunda parte.
Pictoral temporality and
Time of History, On Seeing Images and Experiencing Time
, e procura compreender como
se constrói a relação do tempo com o mundo material, essencialmente com as imagens.
De acordo com o autor, tanto imagens quanto documentos dividem as mesmas
características, o problema central é que os dois suportes representam a coisa que já não
mais se encontra no espaço presente. Para Grave, os suportes são convidativos para que
sejam repensados os tempos históricos, sendo eles exemplos de uma coisa que foi
concebida no passado, mas que está ausente no presente ao mesmo tempo. Como
exemplo, Grave utiliza de três teóricos, Frank Ankersmit, Walter Benjamin e Georges Didi-
Huberman.
O quarto texto dessa segunda parte é escrito por Anne Fuchs e leva o nome de
Time as History in Twentieth-Century Photography
. No texto anterior foi tratado das
imagens em sentido amplo e, neste texto, Anne Fuchs direciona seu foco para as
fotografias, especificamente para aquelas realizadas no século XX. A autora começa
relatando como acontece a relação entre o tempo e a fotografia trazendo as perspectivas
de Roland Barthes e Susan Sontag, que estabelecem a imagem fotográfica como um
recipiente. Para contradizer esse prisma, a autora apresenta André Bazin que identifica a
fotografia como uma forma de se embalsamar o tempo. Entretanto, a relação do tempo
com a fotografia, em discussões mais recentes, segundo a autora, é definida a partir da
noção de que a fotografia representa um complexo processo social que envolve agentes
sincrônicos e diacrônicos que produzem sentidos e conexões que se interagem através do
tempo.
A terceira e última parte do livro é introduzida a partir do texto
Heritage and the
Untimely,
escrito por Torgeir Rinke Bangstad. Bangstad no início do texto deixa claro que
a sua intenção é explorar a noção de tempo em relação a reconstrução e a restauração
arquitetural no século XXI, sendo o caráter da pontualidade a ideia central para o
desenvolvimento da reconstrução arquitetônica, além de ser extremamente importante
para questões históricas relacionadas ao material, que contribui diretamente para a
construção do tempo histórico, salientando a importância da materialidade que possui as
memórias armazenadas em sua construção, levando a eventos passados que, de uma
forma ou de outra, encontram seu caminho para o presente intempestivamente. Dessa
forma, o autor introduz que a noção intempestiva (técnica da pontualidade na arquitetura)
dessa memória armazenada na materialidade (objetos, construções) possui característica
multitemporal.
O segundo texto é
Death and Archeology in the Present, Tense
, por Shannon Lee
Dawdy. No texto, a autora procura demonstrar a relação da morte e da arqueologia com o
tempo na contemporaneidade. Para isso, primeiramente, apresenta a noção de que a
realidade contemporânea dos seres humanos é marcada pelo paradigma temporal descrito
como
“Anticipatory Bit-Time”
, ou seja, uma sociedade arquivística que captura o tempo e
o separa em pequenas frações, corroborando para uma vida baseada em um estado
determinado a partir de um futuro próximo. A partir desta temporalidade da vida
determinada pela
Bit-Time”
, a autora apresenta a concepção contrária, a morte. Segundo
ela, a morte contemporânea imbuída para a noção temporal
Bit-Time”
é uma
consequência da própria vida, ou seja, existe uma negação da morte com a prática
funerária tradicional, que acaba quebrando as memórias em pequenos pedaços
emoldurando-os e padronizando-os para servir ao futuro próximo. Entretanto, para a
autora, existem alguns movimentos que apresentam resistência a esse regime temporal,
sendo eles o DIY (
do it yourself,
faça você mesmo)
Death
e o enterro verde, ambos os
exemplos apresentam resistência ao processo presentista e imediatista da morte
padronizada e profissional no tempo da “
Anticipatory Bit-Time”.
O terceiro e último texto é escrito por Caitlin DeSilvey e possui o tulo de
Rewilding
Time in the Vale do Côa
. DeSilvey, a partir da prática do reflorestamento na região do Vale
do Côa em Portugal, procura compreender como essa prática se estabelece e se forma
através da temporalidade, ou seja, qual é a relação entre o reflorestamento e a
temporalidade. De acordo com a autora, existem duas concepções temporais que
envolvem o reflorestamento, a primeira sendo baseada em uma visão conservativa e até
mesmo reacionária que é definida a partir da tentativa de retomada de um sistema
ambiental estabelecido antes da ação humana, e a segunda uma visão radical que estaria
interessada em reflorestar para possíveis futuros. Para a autora, reflorestar só pode se
realizar através dessa concepção futura, não se limitando à restauração enquanto objetivo
central, mas entendendo a conservação como uma prática especulativa e, até certo ponto,
incerta, que se agarra e se realiza de acordo com a noção futura.
A conclusão do livro fica a conta de Aleida Assmann que apresenta o texto
A Creed
That Has Lost its Believers? Reconfiguring the Concepts of Time and History
, que procura
realizar um panorama geral sobre todos os assuntos tratados no livro, a alteridade do
passado, a continuidade, escalas de tempo, a experiência histórica do tempo nas artes e
as ltiplas temporalidades. Para isso, a autora começa introduzindo de forma direta a
crise do regime de tempo vivenciada contemporaneamente. Segundo ela, as dimensões
temporais não se comportam mais como antes, o passado não é mais uma dimensão
distante do presente, e o presente agora se comporta como um ponto de transição,
mudando completamente como elas se conectam, o que vem a ser os temas centrais dos
textos apresentados no livro.
Rethinking Historical Time, New Approaches to Presentism
é uma colaboração imensa para o desenvolvimento da reflexão teórica filosófica que
engloba a temporalidade nos dias de hoje. Marek Tamm e Laurent Olivier organizaram um
livro introdutório para leigos no assunto e extremamente conceitual para estudiosos da
área, isto é, todos os textos possuem um caráter introdutório para as novas mazelas que
reconfiguram a reflexão histórica, entretanto, ao mesmo tempo, apresentam reflexões
bastante aprofundadas que enriquecem o livro, tornando-o extremamente importante
para se compreender as relações temporais que se estabelecem na contemporaneidade.
Referências:
TAMM, Marek; OLIVIER, Laurent (Org.).
Rethinking historical time
: new approaches to
presentism. Grã-Bretanha: Bloomsbury, 2019.