ANDRADE, Rodrigo Prates de
FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.2, nº2, p.27 -41, jun.-dez., 2015.
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americanas possuía, de acordo com Von Martius, uma história anterior ao seu surgimento
como nação – a história de Portugal era sua história, assim como um filho que carrega
os genes do pai. E como historiadores pátrios, os brasileiros deveriam compreender as
instituições portuguesas elaboradas nos séculos anteriores, como as reformas judiciais
de Dom Dinis I (1261-1325), sem, contudo, olvidar “outros” passados, pois “a historia
do Brazil será sempre a historia de um ramo de Portuguezes; mas se ella aspira ser
completa [...] jámais poderão ser excluidas as suas relações para com as raça Ethiopica
e India” (MARTIUS, 1844, p. 398-399).
O ensaio de Von Martius se tornara paradigmático justamente por fundar esta
historiografia pautada na mescla das “três raças” e na valorização de um passado
europeu frente aos seus “outros” passados. Tornara-se, então, uma narrativa centrada
na “Mãi Patria”, conjugada às suas províncias e “mais partes do Mundo” (MARTIUS,
1844, p. 400) que influíram em sua constituição, isto é, tornara-se a acepção sobre
a qual o historiador brasileiro deveria escrever a história de seu país e integrá-la à
história universal, mais especificamente, à da Europa.
Conforme Guimarães, esta “Nação brasileira”, configurada pelos intelectuais
do IHGB, legitimara os princípios hierárquicos nos quais a população branca, como
herdeira da civilização, estaria acima de africanos, afrodescendentes e indígenas. A
identificação com sua antiga metrópole igualmente estabelecera uma oposição entre o
Brasil e o resto da América Latina, pois, enquanto o primeiro representava a civilização
europeia e a monarquia neste lado do Atlântico, a segunda era a encarnação da barbárie
republicana (GUIMARÃES, 1988, p. 6-7).
Apesar de Von Martius prescrever um modelo à nascente historiografia brasileira,
coube a outro historiador, Francisco Adolfo de Varnhagen (1816-1878), sob os auspícios
do IHGB, materializar em 1854 uma Historia Geral do Brazil. Assim como o intelectual
alemão, Varnhagen almejava na sua obra a legitimidade do Império e da Coroa do Brasil
em seu passado europeu, um constante elogio à colonização portuguesa (REIS, 2007,
p. 22-23):
Quando a Grecia, herdeira da antiga civilização fenicia, babylonica e egypcia,
era o foco da illustração da parte occidental e central do chamado Antigo
Continente, e levava o seu comercio e semeava as suas colonias desde as costas
do Bósforo até os portos do Atlantico, ansiava ella por ver-se directamentente
em contacto com a civilisação da Asia meridional e oriental, até que, com o
poder das armas, lhe satisfez, em parte, essa anciedade o grande Alexandre.
Ambas as civilisações começaram depois a auxiliar-se e a assemelhar-se pelas
propagandas religiosas do islamismo e das cruzadas. Peregrinos das duas
religiões narravam o que observavam, e um dos que publicou observações
mais profundas, e que deviam algum dia ter maior influencia na historia da
humanidade foi o beato malhorquino Raymundo Lull, a quem não duvidamos
atribuir na origem o pensamento que occasionou o facto que se disse
Descobrimento do Novo Continente (VARNHAGEN, 1854, p. 9).
Alcunhado como “Heródoto brasileiro”, o historiador principiara seus escritos
com a ânsia conquistadora e expansionista da Grécia, berço do Ocidente e, com a obra
de Raimundo Lúlio (1232-1316). Ao retomar o filósofo catalão, que em entre os séculos