Para Jeanne Marie Gagnebin, a leitura de Walter Benjamin indica “o fim da tradição”
na obra de Kafka, mas “não afirma a necessidade de reencontrar qualquer ancoragem na
tranquilidade de um porto” (GAGNEBIN, 1994, p. 76). Hannah Arendt, em seu artigo,
afirma: “apenas o leitor que considera a vida, o mundo e o homem tão complicados” e
“deseja descobrir alguma verdade a respeito deles” recorre a “Kafka e a seus projetos, que
de vez em quando, numa página ou numa simples frase, expõe a estrutura desnudada dos
acontecimentos” (ARENDT, 2008, p. 104).
Neste sentido, a fragmentação que Walter Benjamin e Hannah Arendt observaram
na prosa de Kafka, representava o “desnudamento” dos acontecimentos e dos eventos
históricos. Tanto em Benjamin quanto em Arendt, a fragmentação é uma chave para
compreender a crítica à filosofia da História; em particular, ao
continuum
histórico
exemplificado na crença burguesa no progresso. Mas, embora próximas, as críticas ao
progresso na História são distintas: Benjamin entendia a fragmentação pelo prisma da
“constelação” e Arendt pelos “pontos de ruptura”:
O materialista histórico não pode renunciar ao conceito de um presente que não
é transição, mas no qual o tempo para e se imobiliza. Porque esse conceito define
exatamente
aquele
presente em que ele escreve a história para sua própria
pessoa. O historicismo apresenta a imagem “eterna” do passado, o materialista
histórico faz desse passado uma experiência única. Ele deixa a outros a tarefa de
se esgotar no bordel do historicismo, com a meretriz “era uma vez”. Ele
permanece senhor das suas forças, suficientemente viril para mandar pelos ares
o
continuum
da história (BENJAMIN, 2012, p. 250,
Tese 16
).
A análise histórica e o pensamento político permitem crer, embora de modo
indefinido e genérico, que a estrutura essencial de toda a civilização atingiu o
ponto de ruptura. Mesmo quando aparentemente melhor preservada, o que
ocorre em certas partes do mundo, essa estrutura não autoriza antever a futura
evolução do que resta do século XX, nem fornece explicações adequadas aos seus
horrores (ARENDT, 2009b, p. 11).
A ideia de uma interrupção no tempo permitiria a emergência de outras histórias,
já que o
continuum
histórico fundamenta uma forma de opressão em que o “inimigo não
tem cessado de vencer”. Para Walter Benjamin, a interrupção oscilava entre a
epistemologia e a ação política, de forma que “apropria-se de uma recordação, como ela
relampeja no momento de um perigo” para, assim, “arrancar da tradição” o “dom de
despertar no passado as centelhas da esperança” (BENJAMIN, 2012, p. 243-244,
Tese 6
).
De acordo com Jeanne Marie Gagnebin, Benjamin “sugere que estes pontos isolados, os
fenômenos históricos, só serão verdadeiramente salvos quando formarem uma
constelação, tais estrelas, perdidas na imensidão do céu, só recebem um nome quando um
traçado comum as reúne” (GAGNEBIN, 1994, p. 18). Ou, conforme descrito em outra tese: