SILVA, Osvaldo Bruno Meca Santos da*
https://orcid.org/0000-0002-3252-4269
Resumo: O estudo das salas de cinema, como
objeto de pesquisa, é um campo explorado com
mais acuidade a partir da década de 1980.
Algumas pesquisas recentes envolvem o
espaço do cinema e a relação com a criação e
o desenvolvimento de uma indústria nacional
para substituir uma importação
expressivamente cara e pouco vantajosa de
equipamentos necessários à atividade. O
mobiliário para cinema, nesse sentido, é um
elemento importante da história da exibição: é
um dos investimentos mais caros da sala de
cinema, levando em conta o número de
poltronas, além de indicar instrumentos de
distinção no espaço, assim como a articulação
com temas como o design e conforto. Este
artigo discute a contribuição da Móveis CIMO
S.A. para o mercado exibidor brasileiro durante
as décadas de 1940 e 1950, a partir do que foi
publicado na imprensa em publicidade e
reportagens.
Palavras-chave: Mercado exibidor; Mobiliário;
Imprensa.
Abstract: The study of movie theater venues,
as an object of research, is a field explored with
more acuity from the 1980s onwards. Some
recent researches involve the cinema space
and its relationship with the creation and
development of a national industry to replace
a substantially expensive and not very
advantageous import of required equipment
for the activity. Cinema furniture, in this sense,
is an important element in the history of film
exhibition: it is one of the most expensive
investments of the movie theater, taking into
account the number of seats, in addition to
indicating instruments of distiction in the
space, as well as the articulation with themes
such as design and comfort. This paper
discusses the contribution of Móveis CIMO
S.A. for the Brazilian film exhibition market
during the 1940s and 1950s, based on what was
published in the press in advertising and news.
Keywords: Film exhibition market; Furniture;
Press.
Recebido em: 26/01/2022
Aprovado em: 21/04/2022
* Mestre em História pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Guarulhos-SP, doutorando do
Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba-PR. E-mail:
osvaldomeca@gmail.com. Este artigo é parte da pesquisa de doutorado em andamento.
Este é um artigo de acesso livre distribuído sob licença dos termos da Creative Commons Attribution License.
Introdução
A partir da documentação coletada em jornais e revistas sobre a Móveis CIMO S.A.,
observa-se que a fábrica teve uma relevância para o mercado exibidor cinematográfico
brasileiro. Notícias, anúncios e reportagens que relacionam a Móveis CIMO S.A. com os
espaços de exibição estão presentes em diversas publicações do país, especializadas em
cinema ou não. Neste artigo buscaremos identificar e discutir a contribuição da Móveis
CIMO S.A. na história da exibição cinematográfica e as estratégias envolvidas nas relações
comerciais que fizeram da fábrica uma das maiores fornecedoras desse mercado. Nos
interessa, assim, percorrer a questão de qual modo a Móveis CIMO S.A. colaborou e se
relacionou na organização do mercado exibidor cinematográfico em São Paulo, mesmo não
sendo uma empresa da cadeia direta da produção de cinema.
Para tanto, nos deteremos inicialmente acerca da literatura que trata da articulação
entre História e Cinema, a partir da abordagem da exibição. O pesquisador José Inácio de
Melo Souza pontua que o interesse no assunto se formou a partir de 1980, a década em
que “[...] a era dos ‘palácios cinematográficos’ estava em decadência havia algum tempo,
com o sistema de exibição, tal como era conhecido até aquele momento aproximando-se
do colapso.” (SOUZA, 2013). Isso motivou o surgimento de pesquisas sobre a exibição em
diversas áreas, como a arquitetura e o urbanismo, não apenas no sentido do estudo da
preservação (ou da não preservação) e do patrimônio formado pelas salas de cinema, mas
por seu papel no tecido urbano.
Um exemplo é a pesquisa de João Luiz Vieira e Margareth Aparecida Campos da
Silva Pereira. Dado como um estudo pioneiro, pois desenvolvia o diálogo sobre cinema em
uma perspectiva do espaço de exibição e sua preservação, foi parcialmente publicado em
1986, no número 47 da
Revista Filme-Cultura
, editada pela
Embrafilme
.
1
Nota-se, inclusive,
uma recorrência nas pesquisas sobre o cinema realizadas durante a década de 1980
voltadas a uma noção simbólica, afetiva e nostálgica dos espaços do cinema, mas sem
articulação com outros elementos.
Na virada da década de 1980 para 1990, Inimá Simões empreendeu uma pesquisa
com a intenção de mapear e dar a conhecer ao público o circuito exibidor da capital
paulista. Esse levantamento ao mesmo tempo em que articulou outras noções ligadas à
história da exibição, como as inovações tecnológicas, redes de negócios, o papel do poder
1
A Empresa Brasileira de Filmes (Embrafilme) foi criada em 1969, pela junta militar de transição. Tinha um
capital misto (porém, majoritariamente público), e entre suas atribuições estava a distribuição de filmes
brasileiros no exterior, no entanto, passou para expansão mais agressiva do mercado nacional (GARCIA,
2007, p. 186).
público e a discussão sobre a cidade, além de construir uma tabela das salas de cinema da
cidade de São Paulo (SIMÕES, 1990).
2
Também em 1990 foi defendida a dissertação de
Renato Luiz Sobral Anelli, que estuda a construção de cinemas a partir do viés modernista,
desde a década de 1920, sendo um espaço de necessidades técnicas, mas com um projeto
de inspiração de vanguardas e do próprio universo cinematográfico (ANELLI, 1990).
O mobiliário de cinema
Assim, as questões envolvendo a história da exibição e a cultura cinematográfica,
transitam, então, “da tela para a sala”, no sentido arquitetônico e urbano (SCHVARZMAN,
2007, p. 36). O pesquisador José Inácio de Melo Souza propõe outros enfoques que
incluem, por exemplo, as relações profissionais e comerciais envolvidas na atividade. No
texto supracitado produz uma certa hierarquização em relação às abordagens da história
da exibição, fazendo uma opção pela análise de “[...] um conjunto de práticas e de relações
comerciais de organização de um mercado específico dentro da cinematografia brasileira.”
(SOUZA, 2013), e o presente artigo busca desenvolver seu argumento a partir de uma
perspectiva semelhante, uma vez que queremos analisar a Móveis CIMO S.A. do prisma de
sua relação comercial com o mercado exibidor.
Em outra pesquisa recente, Souza faz uma análise da atividade exibidora a partir da
entrada do corpo de engenheiros da cidade de São Paulo na discussão da normatização
das casas exibidoras. Nesse sentido, o autor realizou uma breve investigação acerca do
mobiliário nos primeiros cinemas, em relação às mudanças com os espaços especializados
de projeção para poltronas fixas e padronizadas nas salas, além de ocasionar uma leitura
da recepção do público quanto ao conforto e segurança (SOUZA, 2016, p. 164-165).
O pesquisador Rafael de Luna Freire tem uma abordagem histórica da exibição com
base na tecnologia, ou, mais especificamente, dos equipamentos necessários ao
funcionamento da atividade cinematográfica por uma perspectiva dos estágios de
invenção, inovação e difusão dos produtos (FREIRE, 2018, p. 106). Assim, ao analisar os
impactos das relações de negócios de uma indústria nacional, empenhada em garantir esse
mercado, Freire também leva em conta a especialização dos espaços a partir da
sonorização, e uma demanda por novos produtos e uma inédita experiência do público, tal
como o mobiliário, parte integrante desse espaço, o qual desempenhava um papel central
na organização do cinema (FREIRE, 2018, p. 107).
2
Apesar da colaboração de Inimá Simões para a sistematização das salas de cinema de São Paulo (e o que
fazia parte desse universo, como as empresas envolvidas, estatísticas de público etc.), pontuamos que muitas
salas ainda ficaram de fora, sendo um número maior do que o arrolado. Apenas a partir da publicidade da
Móveis CIMO S.A. foi possível chegar em, ao menos, 22 cinemas que não constavam na pesquisa.
O mobiliário das salas (excetuando aquele empregado nos espaços de socialização,
como a recepção, café etc.) poderia ser um dos gastos mais altos entre os equipamentos
para a atividade, visto que o valor unitário por poltrona era multiplicado pelo número de
lotação da sala (algumas de até 4000 lugares, ou mais como era o caso do Cine Universo,
com 4324), fora os custos de instalação e manutenção. A importância de poltronas de
qualidade era discutida em espaços de diálogo do circuito exibidor. Uma das conclusões
do I Congresso Nacional de Exibidores Cinematográficos
3
tratava justamente desse tema:
Recomenda o Congresso que, sendo possível, se deve melhorar sempre as
acomodações do público, não com a renovação do mobiliário, como de
aparelhagens, pintura etc. Torna-se imprescindível, porém, instruir-se esse
mesmo público de que tudo é feito para o seu próprio conforto e não para ser
depredado ou destruído maldosamente, tornando contraproducente a
comodidade que se lhe quer proporcionar. (CINE-REPÓRTER, 29 de junho de
1946, p. 12, [grifo nosso]).
Além disso, o conforto da poltrona era um requisito de qualidade (exposto na
publicidade dos cinemas, como veremos a seguir), além de ser um item de segurança e
uma exigência. No caso da cidade de São Paulo, a lei nº 3427, promulgada em 1929 e mais
conhecida como “Código de obras Arthur Saboya”, dedicava uma parte às casas de
espetáculo e de modo específico aos cinematógrafos. No artigo 384, parágrafo 2º, o texto
de lei aponta:
As cadeiras ou poltronas serão sempre fixas e de braços. a) - terão um assento
mínimo de quarenta centímetros por quarenta centímetros e de preferencia
automático; b) - as filas de cadeiras guardarão entre si um afastamento mínimo
de oitenta centímetros; c) - a disposição dellas será tal que permita o fácil
movimento do publico, garantindo-lhe segurança e commodidade; d) - cada serie
de cadeiras, numa mesma fila entre corredores, não poderá ter mais de quinze
cadeiras; e) - nas filas de cadeiras serão dispostas travessas que sirvam de apoio
para os pés dos espectadores que estiverem sentados nas cadeiras da fila
anterior. (SÃO PAULO, 1929).
Foi nessa perspectiva das relações ao envolverem o espaço da sala de cinema, o
poder público, e o mercado exibidor e outros agentes, que a empresa Móveis CIMO S.A.
desenvolveu seu produto para essa parcela de mercado a partir da década de 1920 e de
modo crescente nas décadas de 1940 e 1950.
3
O Congresso ocorreu em 1946, na cidade de São Paulo, e foi organizado pelo Sindicato das Empresas
Exibidoras Cinematográficas do Estado de São Paulo. Além dos empresários exibidores, o congresso também
teve a presença de profissionais, representantes da Igreja Católica e agentes do poder público, integrantes
dos órgãos de censura.
A Móveis CIMO S.A. e o mercado de mobiliário para cinema
A Móveis CIMO S.A. foi uma empresa fundada em 1913 em Rio Negrinho, município
de Santa Catarina, por Jorge Zipperer (1879-1944) e Willy Yung (? 1919), e funcionou até
1982. É necessário problematizar, no entanto, algumas questões referentes ao período de
seu funcionamento e a sua razão social. A atividade mantida pela empresa a partir de 1913
não incluía o mobiliário, mas outras espécies de beneficiamento da madeira (peças para
casas pré-moldadas, caixas, caixões etc.).
Segundo Maria Angélica Santi, teve, a partir de 1921, a virada de uma produção
artesanal para a gênese de uma produção industrial racionalizada, ou seja, serial,
padronizada e mecanizada, sendo que um conjunto de inovações, soluções e métodos
foram estudados e colocados em prática por Martin Zipperer (1890-1971), irmão de Jorge
Zipperer. A produção passou por um processo de transição do mobiliário artesanal (com
inspiração do modelo colonial) para um móvel seriado e moderno (com inspiração em
modelos de vanguardas da Europa e Estados Unidos). Segundo a pesquisadora, enquanto
[...] as marcenarias da região [de Rio Negrinho (SC)] produziam artesanalmente e
por encomenda, Martin Zipperer estudava a possibilidade de, aproveitando as
aparas de madeira, produzir cadeiras para serem comercializadas em São Paulo.
Contudo, os modelos e métodos então utilizados na fabricação de móveis não se
adequavam às metas a que se propunham, pois, para viabilizar a comercialização
de cadeiras em São Paulo, seria necessário que estas fossem desmontadas e
embaladas em razão do transporte e do volume das mercadorias. (SANTI, 2013,
p. 215).
Outra questão acerca da fábrica era sua razão social, pois em sua trajetória houve
sete nomes diferentes, além de variados tipos de empresa e de sociedades.
4
Contudo,
convencionou-se na historiografia o nome Móveis CIMO S.A. (grafia que também
adotaremos) para se referir a todo o período de funcionamento da fábrica. Também é
necessário pontuar que a Móveis CIMO S.A., por vezes assumia os nomes do
representante de vendas, como era o caso da Organização de Móveis e Instalações - ORMI
(a partir da década de 1960), em São Paulo.
Martin Zipperer, segundo Santi, desde a década de 1910 circulou em diversas
cidades, chegando em São Paulo como aprendiz de marcenaria. relatos que foi aluno
do Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo e que alcançou o cargo de diretor de uma fábrica
de móveis. Ao ser chamado para regressar para Rio Negrinho em 1921, tinha uma bagagem
4
Segue a lista de razões sociais: Jung & Cia. (1913-1919); A. Ehrel & Cia. (1919-1924); N. Jacob & Cia. (1924-
1925), Jorge Zipperer e Cia. - Indústrias Reunidas de Madeiras (1925-1939); Cia. M. Zipperer - Móveis Rio
Negrinho (1939-1944); Cia. Industrial de Móveis - Móveis Cimo S.A. (1944-1954); e Móveis CIMO S.A. (1954-
1982) (SANTI, 2013).
técnica sobre a fabricação de móveis e conhecimentos sobre os possíveis mercados em
expansão, assim como da própria atividade comercial (a venda por catálogo e
representantes).
Nesse mesmo ano, iniciada a produção de cadeiras ocorreu a primeira encomenda
para o Cine Seleta em Santos, São Paulo, tornando-se um dos principais focos da empresa
por pelo menos, as quatro décadas seguintes. Dessa forma, a empresa decidiu investir em
uma produção para espaços coletivos (cinemas, teatros, escolas, igrejas) e em escala,
visando maior rentabilidade, o que ia “[...] ao encontro da demanda dos centros urbanos
mais desenvolvidos, São Paulo e Rio de Janeiro [...]” (SANTI, 2013, p. 221).
A partir de 1939, Jorge Zipperer retirou-se da sociedade com o irmão, e Martin
Zipperer, que era responsável pelo projeto industrial, assumiu a empresa
administrativamente. Também foi alterado o tipo de organização, que de empresa familiar
passa a ser uma Sociedade Anônima, abrindo caminho para a sociedade firmada em 1944
que ocasionou uma expansão: de uma única fábrica em Rio Negrinho a Móveis CIMO S.A.
passou a ter também uma fábrica em Joinville, Santa Catarina e em Curitiba, Paraná.
5
Esse
é o período que nos interessa no presente artigo, pois além de representar uma relativa
retomada no aumento de construção de salas de cinema, após um período de retração
(FREIRE; ZAPATA, 2017) ocorreu o período de expansão da Móveis CIMO S.A., fato
noticiado e verificado na imprensa, inclusive em publicações especializadas no mercado
exibidor e em arquitetura.
Nossa análise, portanto, concentra-se em fontes a partir de jornais e revistas, em
diferentes formatos, como publicidade, entrevistas, reportagens e até mesmo a
publicidade casada (situação que um anunciante se aproveita da publicidade de outra
empresa, mediante pagamento ou acordo), em que é possível identificar a contribuição
para o mercado exibidor e suas estratégias de circulação.
A pesquisa foi realizada a partir dos acervos digitalizados da
Revista Acrópole
, e
dos jornais
Folha da Manhã
(pertencente ao Grupo Folha),
O Estado de S. Paulo
e o
Cine-
Repórter Semanário Cinematográfico
, este último disponível na Hemeroteca Digital
Brasileira da Biblioteca Nacional.
6
Essa seleção foi elaborada para dar conta de
5
Foi nesse período em que a Móveis CIMO S.A. também garantiu a entrada no setor público, a partir do
Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), criado em 1938 e subordinado diretamente a
Presidência da República. Em uma notícia de novembro de 1941, no jornal
O Estado
(sediado em
Florianópolis), além de narrar que a mobília do gabinete do presidente Getúlio Vargas passava a ser da
Móveis CIMO S.A., além de diversas repartições federais, também uma observação sobre questões
industriais, técnicas e trabalhistas (O ESTADO, 21 de novembro de 1941, p. 2).
6
No artigo
História Digital: reflexões a partir da Hemeroteca Digital Brasileira e do uso de CAQDAS na
reelaboração da pesquisa histórica
, os historiadores Eric Brasil e Leonardo Fernandes Nascimento iniciam
uma reflexão sobre as fontes digitais de pesquisa, como a Hemeroteca Digital Brasileira, ademais apontaram
alguns cuidados na prática de pesquisa, como a possibilidade de erro nas buscas pelo sistema de
reconhecimento de caracteres, o risco da leitura fragmentada e a desconhecimento da fonte em seu contexto
publicações especializadas em cinema e em arquitetura e jornais de grande circulação,
sem uma especialização definida, mas com anúncios e apontamentos de crítica
cinematográfica.
Esses materiais foram tratados para o presente artigo levando em conta alguns
fatores, como o veículo em que foram publicados, tanto em uma perspectiva da história
da imprensa, como de elementos da história da leitura, que contemplam aspectos de
composição, tipografia, fotografia e papel; as composições nas páginas, ou seja, os
formatos das publicações, e o impacto visual dos anúncios; técnicas de
advertisement
,
uma vez que a Móveis CIMO S.A. utilizou fórmulas mistas, como desenhos, escrita à mão
livre e fotografias; mensagens diretas, pois algumas composições permitem verificar
discursos sobre a atividade cinematográfica (tanto a produção como a exibição).
Infelizmente, não é possível obter dados de precificação nos anúncios da Móveis CIMO
S.A., elemento que pretendemos explorar em pesquisas futuras, com o acesso à
documentação interna da fábrica.
Um dado que inicialmente chama a atenção para essa contribuição da empresa era
a quantidade de poltronas instaladas no Brasil. Ainda não foi possível realizar uma
pesquisa nos registros administrativos da empresa, mas essa foi uma informação
explorada como recurso publicitário pela fábrica que, no entanto, deve ser lida com a
devida crítica.
Em um anúncio ocupando uma página da
Revista Acrópole
7
de julho de 1941
(imagem 1), quando a Móveis CIMO S.A. ainda adotava o nome de Cia. M. Zipperer - Móveis
Rio Negrinho, o destaque não é para a qualidade do móvel em si, seu material ou
durabilidade, mas a quantidade de instalações de poltronas em diversos estados do Brasil.
Imagem 1: Anúncio publicitário Móveis CIMO S.A.
de criação. Para a escrita deste artigo, sobretudo em um contexto de pandemia com arquivos e demais locais
de consulta fechados, buscamos observar os riscos da pesquisa totalmente digital (BRASIL; NASCIMENTO,
2020, p. 212).
7
A
Revista Acrópole
foi uma publicação especializada em arquitetura e urbanismo, e circulou entre 1938 e
1971. Ao todo publicou 391 números, com textos sobre teoria da arquitetura, imagens e plantas sobre projetos
de diversos usos, e publicidade do campo da construção. Em nossa pesquisa encontramos 65 citações a
Móveis CIMO S.A., em sua maioria de projetos arquitetônicos de cinema. Foi integralmente digitalizada e
disponibilizada pela Biblioteca da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo
(FAU/USP).
Fonte: Revista Acrópole. Junho de 1941, p. 8.
Segundo o anúncio, 500 mil poltronas foram instaladas até aquele momento (desde
o início da fabricação de móveis para cinema, em 1921). O anúncio também faz uma
aproximação do número por estado (São Paulo, no caso, foi o que recebeu mais
instalações, com 138 mil, seguido do Rio de Janeiro - até então Distrito Federal -, com 100
mil poltronas).
A especialização no nicho dos cinemas é evidente, pois um rolo de filme/película
atravessando o mapa do Brasil, mesmo havendo instalação para outros usos (como teatros
e auditórios), além de representações de fachadas de cinemas em alguns estados (porém,
não foi possível identificar se realmente existiram e funcionaram). Como a
Acrópole
era
uma revista para leitores interessados em arquitetura, e, portanto, com anúncios
produzidos para o público construtor, é de certa forma estranho não haver informações
técnicas do produto (dimensões, materiais etc.).
No
Cine-Repórter - Semanário Cinematográfico
8
,
o argumento da quantidade de
instalações perpetuava-se. No dia 9 de setembro de 1951 (imagem 2) um anúncio
9
que
diz que em “1921 CIMO mobiliou a primeira casa de espetáculos”, retomando essa questão
histórica, 30 anos depois, com a imagem das primeiras poltronas instaladas.
Imagem 2: Anúncio publicitário Móveis CIMO S.A.
Fonte: Cine-Repórter Semanário Cinematográfico. 9 de setembro de 1951, p. 4.
Diferente da peça publicitária na
Revista Acrópole
, não apresentava o número total
desde a criação da empresa, mas do último ano de atividade: “Em 1950 de 2 em 2 dias, 1
cinema ou auditório foi mobiliado com poltronas CIMO: 88.588 poltronas em 188
instalações.” (CINE-REPÓRTER, 9 de setembro de 1951, p. 4). Trata-se de uma publicação
pensada para o público do cinema (exibidores, empresários do ramo, profissionais), que
não tinha estritamente o compromisso com questões técnicas, mas que se preocupava
8
A
Cine-Repórter - Semanário Cinematográfico
foi uma publicação sediada na capital paulista, criada em
1934 por Antenor Teixeira. Infelizmente ainda não temos dados biográficos completos sobre esse agente. O
acervo da publicação (após 1946) foi digitalizado e disponibilizado pela Hemeroteca Digital Brasileira.
Atualmente é reconhecido como uma fonte de pesquisa no campo do cinema em São Paulo e no Brasil, pois
cobria eventos, reivindicações e novidades de empresas cinematográficas (produtoras, representantes de
vendas de equipamentos e exibidores) e claro, lançamentos de filmes. A publicação foi interrompida em 1962,
voltando em 1964, com outro diretor (Wilson Teixeira, herdeiro de Antenor Teixeira). A circulação foi
interrompida em 1966.
9
Destacamos que a Móveis CIMO S.A. foi uma das maiores anunciantes da publicação. Entre 1948 e 1961,
encontramos 326 menções a fábrica, entre anúncios e reportagens.
com beleza, conforto, durabilidade. Afinal, como já exposto, o gasto com poltrona poderia
ser alto, e a depender da lotação do cinema, o empresário faria disso também um chamariz
para a sala.
Aliás, há uma repetição em diversos anúncios acerca dos argumentos do tempo de
experiência da Móveis CIMO S.A., em articulação com a quantidade de poltronas
instaladas. Em um anúncio da
Folha da Manhã
10
(portanto, uma publicação sem
especialização, para o público geral), de 5 de novembro de 1955 (imagem 3), há o seguinte
texto:
Desde o filme mudo ‘O Garoto’, Chaplin vem afirmando a sua notável
performance como um dos maiores atores de todos os tempos. Contemporâneas
dos primeiros sucessos de Carlitos, as poltronas CIMO para cinema, desde 1921
até o Cinemascope de hoje, oferecem um aprimoramento constante no conforto
que as tornaram famosas através dos anos. (FOLHA DA MANHÃ, 5 de novembro
de 1955, p.3).
Imagem 3: Anúncio publicitário Móveis CIMO S.A.
Fonte: Folha da Manhã. 5 de novembro de 1955, p. 3.
O texto é concluído com os números que representam o total de poltronas
produzidas até aquele momento: 10 mil auditórios equipados, com aproximadamente 2
10
A
Folha da Manhã
foi uma publicação do Grupo Folha, que começou a circular em 1925. Teve diferentes
formatos e direções. Foi digitalizada e está disponível no Acervo Folha: https://acervo.folha.com.br/.
milhões de poltronas pelo Brasil (um número razoavelmente factível, ainda que não
verificável sem os documentos fiscais da fábrica). Nota-se, então, pelo menos em
documentos publicitários, em pelo menos 14 anos, um aumento de 400% de poltronas
CIMO instaladas. Como esse número pode ser superestimado como recurso publicitário,
ele deve ser lido e relacionado com outras fontes, como os documentos administrativos
da fábrica, porém ainda não foi possível acessar arquivos com essa documentação. O que
nos interessa, nesse sentido, são os elementos presentes e as relações possíveis: o
destaque do tempo de experiência da fábrica e a quantidade de poltronas instaladas no
país como discurso, articulada com a história do cinema (nesse caso, a partir de um
personagem específico, Charles Chaplin).
De todo modo, a contribuição da Móveis CIMO S.A. para a exibição no Brasil, em
relação a quantidade, é evidente. Mas o que ocasionou tamanha procura pela fábrica?
Havia concorrentes, como as poltronas Brafor, poltronas Kastrup (que foi uma das
representantes de vendas da Móveis CIMO S.A. antes de uma produção própria) e outros
locais que funcionavam sob encomendas, como o Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo,
mas não com a mesma força da Móveis CIMO S.A. Entre as décadas de 1940 e 1950, a
fábrica despontou como grande fornecedora de mobiliário para cinema, e a partir da
documentação buscaremos levantar elementos envolvidos para a compreensão desse
fenômeno.
O que também chama a atenção no anúncio é a aproximação da história da fábrica
com a própria história do cinema. O estabelecimento do marco do lançamento do filme de
Chaplin com o início da produção de cadeiras é uma estratégia publicitária bem definida
para o público exibidor e cinéfilo.
11
O fato é que essa aproximação tensionava o olhar do público (especializado ou não)
para um discurso não apenas pautado na tradição, mas na articulação da indústria com a
arte, afinal, o texto do anúncio relaciona o ano de início das atividades da fábrica para
mobiliário com a data de lançamento do filme de Charles Chaplin, e em sua fase técnica de
exibição, o cinema mudo. A fábrica e suas poltronas , mediante a narrativa do anúncio,
almejavam participar dessa história e dessa evolução de técnicas do universo
cinematográfico.
Outro anúncio do
Cine-Repórter - Semanário Cinematográfico
, em abril de 1957
(imagem 4), de página inteira, aprofunda a pretensa relação da Móveis CIMO S.A. com a
11
A Móveis CIMO S.A. possuía um departamento próprio de publicidade. Em uma notícia publicada no Cine-
Repórter Semanário Cinematográfico, em 31 de março de 1956, -se que [...] de passagem por esta Capital,
visitou-nos dia 19 último o Sr. Felipe Glock, dinâmico Chefe Geral do Departamento de Publicidade de Móveis
CIMO S/A., na Matriz desta firma, em Curitiba.” (CINE-REPÓRTER, 31 de março de 1956, p.15).
experiência estética e tecnológica do cinema, desde a sua manchete: “As poltronas CIMO
acompanham a história do cinema”.
Imagem 4: Anúncio publicitário Móveis CIMO S.A.
Fonte: Cine-Repórter Semanário Cinematográfico. 13 de abril de 1957, p. 7.
Desde o nascimento do filme mudo de longa metragem e o aparecimento do
cinema falado, até o extraordinário Cinemascope de hoje, a cinematografia
mundial tem feito passos gigantescos, alcançando uma perfeição sempre maior.
Acompanhando este fabuloso desenvolvimento, as poltronas CIMO vem
proporcionando um conforto sem par aos espectadores do Brasil. De 1921 aos
nossos dias, CIMO equipou mais de 10.000 auditórios em todo o país, num total
que supera dois milhões de poltronas. Esta preferência justifica-se pela perfeição
dos desenhos, pela perfeita técnica empregada pelo acabamento esmerado a que
são submetidas as Poltronas Cimo, apresentando um alto padrão de conforto e
durabilidade. (CINE-REPÓRTER, 13 de abril de 1957, p. 7, [grifo nosso]).
Não apenas na manchete, mas no texto e nas imagens presentes (frames de filmes),
o argumento é de que a fábrica acompanha a história do cinema e seu desenvolvimento.
Essa questão é importante, pois insere o mobiliário no rol de tecnologia para cinema, a
partir de uma indústria nacional: um duplo engajamento exposto na publicidade.
Nesse sentido, retomamos o argumento do pesquisador Rafael de Luna Freire, a
partir de uma abordagem incomum da história do cinema no Brasil, levando em conta a
“[...] indústria cinematográfica para além da produção de filmes, para também abarcar, por
exemplo, empresas fornecedoras de equipamentos e serviços do setor da exibição.”
(FREIRE, 2018, p. 123). Destaca-se a questão da valorização da indústria nacional no
anúncio, frente a uma indústria de desenvolvimento de tecnologias massivamente
estrangeira. Assim, Rafael de Luna Freire também aponta, no caso dos sistemas de
projeção, o florescimento de empresas brasileiras que atendessem os empresários sem
condições de importarem equipamentos e mão-de-obra, sendo que o “[...] argumento
nacionalista de valorização da indústria nacional também foi frequentemente invocado
[...]” (FREIRE, 2018, p. 122), em anúncios publicitários, situação que pode ser aplicada ao
mobiliário.
É evidente também que a Móveis CIMO S.A. investia no projeto do móvel, tanto em
tecnologia empregada (ergonomia, diferentes materiais além da madeira, o estofado e
molas, instalação) até a questão da beleza (ainda que, paradoxalmente, o móvel de cinema
tem o uso na maior parte do tempo em um ambiente de pouca ou nenhuma visão e talvez
por isso que esse atributo não seja constantemente explorado), e esses elementos eram
utilizados como recurso discursivo para a fábrica fazer parte dessa história tecnológica do
cinema.
Outra chave de compreensão para a colaboração da Móveis CIMO S.A. para o
mercado exibidor encontra-se na demanda para um público específico (segmentos médios
e elites), fidelizados a partir das ferramentas de distinção no espaço.
Para Schvarzman, em um artigo que analisa a crítica de Octavio Gabus Mendes (que
incluía o cinema enquanto espaço de atividade distinta, portanto, bem localizada e
frequentada por poucos apreciadores) nos anos 1920, essa demanda não era exclusiva dos
empresários do mercado exibidor, que, por sinal, também apostavam nas camadas
populares (bairros operários), mas de parte da imprensa e da crítica que insistiam no
enobrecimento da atividade, pois ela
[...] tende a se dignificar através das novas histórias que passa a contar, atraindo
o público burguês, o que demanda mudanças nas práticas de exibição. Os cinemas
deixam de ser apenas grandes galpões que reuniam trabalhadores, e passam a ser
também lugares de distinção, tomando o teatro e a ópera como seus paradigmas
de luxo e organização. (SCHVARZMAN, 2005, p. 154-155).
Dessa forma, a intenção de “nobilitar a atividade cinematográfica” (SCHVARZMAN,
2005, p. 158), contava também com projetos arquitetônicos específicos de cinema e de
indústrias fornecedoras de equipamentos que cumprissem diversas funções: desde a
disponibilidade, o preço, o interesse comercial, até atributos de beleza, qualidade etc.
Inimá Simões também manifestou o argumento acerca de elites interessadas na
atividade cinematográfica para além do filme (não como peça complementar, como
supracitado, mas como um conjunto de elementos que proporcionava uma aventura, uma
experiência).
Se é que existe uma grande matriz organizativa para o circuito cinematográfica
[sic] paulistano, ela vem dos EUA, sem dúvida, onde em 1910, mais ou menos,
eram feitos grandes investimentos na construção de verdadeiros palácios
cinematográficos para atendimento de uma clientela obcecada pela ‘arte das
novas civilizações’. [...] Estabelecido o padrão arquitetônico, observa-se que ele
transita na mesma vertente dos filmes realizados por Holywood [sic], ou seja, é
reflexo de uma mesma concepção artístico-comercial. Nesta linha o cinema, ou a
‘situação cinema’, como gostam de dizer os estudiosos franceses, não se limitava
apenas aquilo [sic] que ocorria na plateia obscurecida, mas também a tudo que
vinha antes ou depois. Os filmes podiam constituir a parte mais importante do
espetáculo, mas isso não encerrava a questão, pois a ‘aventura’ abrangia a
própria arquitetura das salas, planejadas para preparar o espírito do espectador
para o que seria projetado na tela. (SIMÕES, 1990, p. 10).
Durante as décadas de 1940 e 1950, peças publicitárias acerca de inaugurações de
cinemas, ou anúncios sobre a agenda da semana, traziam a lista de fornecedores para o
funcionamento da respectiva sala. No caso de revistas especializadas em arquitetura era
mais comum, por conta da própria vocação da revista (uma reportagem sobre determinado
cinema possuía o nome da empresa construtora, do fornecimento de cimento, cerâmicas,
ar-condicionado, marcenaria etc.).
No entanto, essa era uma estratégia utilizada em outras publicações, inclusive de
grande circulação. Não sabemos até que ponto era uma publicidade casada, ou era uma
indicação de bom relacionamento da empresa exibidora com seus fornecedores. Alguns
produtos demasiadamente técnicos para o público compreender (determinada marca e
modelo de projetor, por exemplo), mas, no caso do mobiliário, das poltronas de cinema,
tratava-se de um item que seria usufruído.
Alguns casos são exemplares dessa questão. Iniciemos pela análise do Cine
Bandeirantes
12
, inaugurado em 14 de abril 1939, pela Empresa Cinematográfica Serrador.
É um dos cinemas localizados na Cinelândia Paulistana, mais precisamente no Largo do
Paissandu, 138. Possuía 1970 poltronas da Móveis CIMO S.A. (1286 na plateia e 684 no
balcão). Na data de sua inauguração, o jornal
O Estado de S. Paulo
dedicou a capa inteira
(imagem 5) para esse evento.
Imagem 5: Anúncio publicitário Cine Bandeirantes.
12
Em 1945 chegou a ser a 6ª maior bilheteria da cidade, com 919 mil espectadores (SIMÕES, 1990, p. 89).
Fonte: O Estado de S. Paulo. 14 de abril de 1939, p. 1 (recorte).
No cabeçalho vemos a representação do Bandeirante (que estava estampada no
topo do prédio, conforme imagem 6) e o subtítulo da casa exibidora: “o cinema fidalgo de
São Paulo”. Essa capa tinha a função de mobilizar a opinião para a inauguração do cinema,
mas também trazia diversos anunciantes. Do lado direito, logo após o cabeçalho, o
destaque para a empresa fornecedora do mobiliário, Indústrias Reunidas de Madeiras
Jorge Zipperer & Cia.
Ao entregar, hoje, ao publico de S. Paulo, o majestoso palácio da arte
cinematographica, desejamos consignar os nossos agradecimentos as firmas que
com tanta dedicação e efficiencia contribuíram para a realização deste
empreendimento que vem enriquecer o patrimônio artístico da metrópole. (O
ESTADO DE S. PAULO, 14 de abril de 1939, p.1).
Na
Revista Acrópole
, em uma reportagem de maio de 1939, que dedica oito páginas
para a inauguração do Cine Bandeirantes (entre textos, plantas e fotografias), um
destaque para a questão da organização das poltronas, com o estofamento no assento (o
encosto em madeira) para garantir o conforto (e um diferencial em relação a outros
cinemas, com poltronas totalmente em madeira).
Imagem 6: Reportagem da inauguração do Cine Bandeirantes.
Fonte: Revista Acrópole. Maio de 1939, p. 1 (recorte).
Nota-se, dessa forma, que a Móveis CIMO S.A. figurava com uma empresa de
prestígio mesmo em espaços informativos fora da sua publicidade. Esse bom
relacionamento com empresas além do ramo cinematográfico, como as construtoras e a
imprensa é verificável em outros diversos anúncios e notícias, ainda que estejamos em um
estágio inicial da pesquisa e discussão dessas fontes.
A durabilidade do mobiliário também foi utilizada como atributo publicitário. Em
1954 (portanto, 15 anos após a inauguração do Cine Bandeirantes), um anúncio (imagem 7)
de página inteira foi publicado no
Cine-Repórter Semanário Cinematográfico
para
salientar que as poltronas eram as mesmas, a partir da chamada:
Como novas após 15 anos de uso constante. A magnifica platéia do CINE
BANDEIRANTES, de S. Paulo, de propriedade da EMPRÊSA
CINEMATORGRÁFICA SERRADOR, é uma prova inconteste da resistência sem
igual das POLTRONAS CIMO. (CINE-REPÓRTER, 16 de outubro de 1954, p.5).
Aliás, as fontes a partir das peças publicitárias da Móveis CIMO S.A., e reportagens
acerca de projetos de cinemas, fornecem um grande leque de dados para a compreensão
da contribuição da fábrica para o mercado exibidor, além do estudo da exibição de um
modo geral. casos em que, num mesmo anúncio, é possível ler dados sobre o cinema
onde foram instaladas as poltronas, a empresa administradora, qual modelo, as cores (se
tiver o caso de variação), o número total de poltronas e fotografias do interior do cinema.
Imagem 7: Anúncio publicitário Móveis CIMO S.A.
Fonte: Cine-Repórter Semanário Cinematográfico. 16 de outubro de 1954, p. 5.
O caso do Cine Arlequim é um exemplo. O cinema foi inaugurado em 1953. Estava
localizado na Avenida Brigadeiro Luiz Antônio, 1401
13
. Diferente do Cine Bandeirantes, não
teve a mesma mobilização na imprensa diária (talvez por não estar localizado no espaço
da Cinelândia), mas teve uma movimentação na imprensa especializada, sobretudo a partir
de sua fornecedora de poltronas, a Móveis CIMO S.A. Logo após sua inauguração, no
Cine-
Repórter Semanário Cinematográfico
, foi publicado um anúncio (imagem 8), de página
inteira, que inicialmente parecia uma notícia sobre a sala, mas ao final do texto fica
evidente o objetivo comercial:
Com a inauguração do ‘CINE ARLEQUIM’, na capital bandeirante, o público
recolhe mais uma joia cinematográfica no escrínio de sua satisfação, no capítulo
da diversão. Trata-se de uma notável realização, que oferece à visão do
espectador mais um original espetáculo da estética cinematográfica. A
apresentação desse moderníssimo cinema, inaugurado recentemente, conta com
a irrepreensível instalação de 1820 POLTRONAS Modelo ROXY’ (MOVEIS
CIMO), estofadas em plástico de varias cores (5), instalação essa inspirada no
13
Há também o Cine Arlequim de Curitiba, inaugurado em 1955, mobiliado com Móveis CIMO S.A.
Cinema ‘ARLECHINO’, na Itália. (CINE-REPÓRTER, 26 de dezembro de 1953, p.
21, [grifo nosso]).
Imagem 8: Anúncio publicitário Móveis CIMO S.A.
Fonte: Cine-Repórter Semanário Cinematográfico. 26 de dezembro de 1953, p. 21.
O “original espetáculo da estética cinematográfica”, nesse caso, diz respeito ao
espaço da sala, sua decoração e organização, e sendo um anúncio da fábrica de poltronas,
ao mobiliário instalado. É curioso notar também que essa foi uma encomenda diferente,
pois apresentou a necessidade de fazer as poltronas em cinco cores sortidas, para fazer
uma referência ao Cinema
Arlechino
, inaugurado em 1948, na Itália. Ainda que na imagem
anterior as fotografias não apresentem boa definição, outros dois anúncios dão conta de
elucidar detalhes sobre o mobiliário do cinema. A Móveis CIMO S.A. criou duas séries de
anúncios no
Cine-Repórter Semanário Cinematográfico
: uma chamada “todos os bons
cinemas são montados com poltronas CIMO” (lançada, inclusive, com o Cine Arlequim) e
outro intitulada “conheça os modelos CIMO”.
A série “todos os bons cinemas são montados com poltronas CIMO” apresentava
uma fotografia da plateia do cinema com os móveis instalados, e um pequeno texto de duas
linhas contendo o nome do cinema, cidade, empresa administradora, de poltronas e o
modelo (além dos contatos da filial em São Paulo). No anúncio que trazia o Cine Arlequim
(imagem 9), de 6 de novembro de 1954, a fotografia utilizada foi a mesma da imagem 8,
acrescida do logotipo da fábrica. É possível também observar que havia uma pintura na
parede lateral, de losangos (que compunham o personagem Arlequim).
Imagem 9: Anúncio publicitário Móveis CIMO S.A.
Fonte: Cine-Repórter Semanário Cinematográfico. 6 de novembro de 1954, p. 5.
Na série “conheça os modelos CIMO”, a figura em destaque era um croqui do
modelo em questão. Trazia, obviamente, o nome de modelo, além de especificações
técnicas: a madeira utilizada, se havia algum estofamento e de qual tipo era. Em seguida
elencava uma lista cinemas que tinham a instalação do modelo, apresentando a cidade,
nome do cinema, empresa administradora e número de poltronas instaladas.
No anúncio em relação ao Cine Arlequim (imagem 10), um detalhamento do
modelo Roxy. É possível observar, a partir do croqui, que esse é um modelo integralmente
estofado, ou seja, um modelo mais caro (havia o modelo apenas em madeira ou com
estofamento no assento, chamado meio estofamento). Soma-se a isso o fato de que foi
feito com diversidade de cores revestidas em plástico. Como dito anteriormente, não
temos os documentos fiscais da fábrica, e não sabemos qual foi o custo total, mas a partir
desses detalhes, é possível observar que foi um alto investimento na sala, que se tornou
um símbolo da exibição, e que a Móveis CIMO S.A. aproveitou como recurso publicitário.
Imagem 10: Anúncio publicitário Móveis CIMO S.A.
Fonte: Cine-Repórter Semanário Cinematográfico. 6 de junho de 1955, p. 7.
Relacionamos aqui apenas duas salas de cinema (pois, na cidade de São Paulo,
identificamos ao menos 62 salas mobiliadas com Móveis CIMO S.A.). No entanto,
acreditamos que a variedade de fontes aqui apresentadas, de diversas publicações, sinaliza
as possíveis abordagens, em uma perspectiva histórica, do estudo da exibição
cinematográfica pelo prisma do mobiliário.
Considerações finais
A partir do levantamento das fontes sobre a Móveis CIMO S.A., percebe-se que
esse campo de pesquisa (o fornecimento de mobiliário para cinema) tem muitas
possibilidades de potencializar a pesquisa da história da exibição, em seus diversos
desdobramentos: o cinema como espaço de estabelecimento de relações comerciais, como
patrimônio e como espaço de memórias.
Nesse sentido, foi possível também observar que a Móveis CIMO S.A. possuía e
mantinha uma estreita e complexa relação com o mercado exibidor, inclusive de empresas
grandes do setor. Seu sucesso empresarial, que ainda precisa ser aprofundado e mapeado
em pesquisas futuras, ocorreu graças a uma rede formada em outros ramos, como a
construção civil, a imprensa e o poder público. Além disso, verifica-se o uso de diversas
estratégias publicitárias que aproximava a fábrica com o cinema, enquanto linguagem e
experiência estética, e os elementos acerca do espaço construído para a necessidade
específica do filme, que demandava um mobiliário confortável, seguro e durável.
A contribuição da Móveis CIMO S.A. para o mercado exibidor da cidade de São
Paulo reside, de certo modo, na garantia que a fábrica supria a alta demanda do mercado
exibidor, não apenas local, mas inclusive nacional (haja vista o aumento de construção de
salas pelo Brasil e de encomendas), ao mesmo tempo que colaborou, enquanto indústria
correlacionada, com a atividade cinematográfica.
Esses registros acerca da fábrica possibilitam, ademais, novas formas de
abordagem da historiografia em relação à história da exibição, pois a publicidade de uma
indústria fornecedora de equipamentos mobiliza detalhes que muitas vezes são ignorados
ou simplesmente não encontrados (imagens internas das salas de cinema; disposição do
mobiliário e decoração; minúcias comerciais, como modelos, empresas envolvidas,
preços).
Nesse sentido, vemos aqui um terreno fértil para o que o pesquisador José Inácio
de Melo Souza apontou como uma abordagem profícua da história da exibição: o “[...]
conjunto de práticas e de relações comerciais [...]” (SOUZA, 2013) que envolvem esse
mercado e a Móveis CIMO S.A., enquanto empresa, foi um agente ativo em tais relações.
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