que caracterizaram a definição de filosofia natural e sobre a natureza multifacetada do
método experimental do século XVII. Tendo como eixo de problematização as disputas
científicas e teóricas entre Robert Boyle e Thomas Hobbes, os autores buscam
evidenciar como as controvérsias epistemológicas podem ser estudadas a partir de seus
respectivos contextos, entendendo que, muito além da perspectiva científica, a
construção do conhecimento é atravessada por muitas outras dimensões humanas, tais
como as disputas dos poderes político, cultural, social e moral. Mais do que impactar
decisivamente o campo de estudos da História das Ciências, o livro se tornou referência,
consagrando Shapin e Schaffer autoridades da área, ao lado de nomes de peso tais como
David Bloor e Bruno Latour.
Em suas últimas reflexões, Shapin tem se dedicado à temática da “Crise da
Verdade”, trazendo contribuições inovadoras ao debate. Muitos especialistas
contemporâneos têm estabelecido uma relação direta entre essa crise e a emergência de
grupos negacionistas. A pós-verdade estaria associada, segundo esses pensadores, à
política de desinformação e a projetos de poder da “nova” extrema direita. Assim,
constatada uma “crise na ciência”, a saída seria o aumento de investimentos na educação
científica da população. Em contrapartida, Shapin defende que a atual crise não está
necessariamente ligada à ausência de educação científica, mas sim a uma crise de
credibilidade das instituições ligadas ao saber. E é justamente o ineditismo de sua
perspectiva que nos fornece subsídios para a entrevista que se segue.
Registramos nosso imenso agradecimento ao professor Steven Shapin, que
respondeu, com muita diligência, todas as perguntas. Mais do que fornecer novos
elementos para entender o atual contexto negacionista, o autor reitera seu compromisso
em identificar a dimensão social do conhecimento, mostrando que, mesmo em um
contexto de reavaliação epistemológica, a dimensão humana cumpre um papel fulcral na
construção de uma ciência genuinamente crítica.
1. Professor, o texto
Is There a Crisis of Truth?
, publicado em 2019 pela Los Angeles
Review of Books, traz contribuições que nos fazem reavaliar a forma como concebemos
o problema da “Crise da Verdade”. Entre as provocações mais surpreendentes, o senhor
sugere que essa Crise não é motivada pela falta de cultura científica dos negacionistas.
Estes, na verdade, buscariam assumir uma postura de objetividade investigativa
surpreendentemente parecida com a de cientistas – “A noção de ciência dos
negacionistas parece às vezes, por assim dizer, hipercientífica” (“The deniers’ notion of
science sometimes seems, so to speak, hyperscientific”). Nesse contexto, como