STIPP NETO, Guilherme*
https:// orcid.org/0000-0002-2807-6184
MEIRA, Roberta Barros**
https://orcid.org/0000-0001-7739-216X
SOSSAI, Fernando César ***
https:// orcid.org/0000-0002-6757-4151
RESUMO: O objetivo deste estudo é compreender a
rede comercial ervateira que se integrou à Joinville
(SC) durante a segunda metade do século XIX.
Existiam intenções para a formação dessa rede
comercial desde o início da Colônia Agrícola Dona
Francisca, um núcleo colonial germânico que
posteriormente originou Joinville. No nascente
núcleo urbano da Colônia a dinâmica social foi
afetada, na medida em que ocorreu a formação de
uma elite local econômica e política ervateira.
Neste artigo apresentamos uma pesquisa
interdisciplinar que discute a história da cidade, o
papel das vias de comunicação e as suas relações
com a economia da erva-mate. A análise do
discurso é empregada no tratamento das fontes,
que abrangem o período entre 1851 e 1890. Como
fonte documental, utilizamos os relatórios da
Sociedade Colonizadora de Hamburgo, os relatos
de viajantes, os relatórios de presidentes de
província e jornais.
PALAVRAS-CHAVE: rede comercial ervateira;
Joinville; história econômica.
ABSTRACT: The purpose of this essay is to
comprehend the commercial network of yerba
mate that was part of Joinville (SC) during the
second half of the nineteenth century. There were
intentions to the commercial network formation
since the beginning of Dona Francisca Agricultural
Colony, a German colonial nucleus that later
originated Joinville. In the rising urban area
landscape, the social dynamic was affected,
considering the local economic and political elite of
yerba mate. In this article we present an
interdisciplinary investigation that discusses the
city’s history and the role of communication
communication ways interlaced with the economic
history of yerba mate. The discourse analysis is
used in the treatment of sources, that cover the
period between 1851 and 1890. As documental
sources, we have used the reports of the
Colonization Society of Hamburg, the travelers’
reports, the province presidents’ reports and
newspapers.
KEYWORDS: commercial network of yerba mate;
Joinville; economic history
.
Recebido em: 28/07/2021
Aprovado em: 08/10/2021
* Licenciado em História pela Univille (Joinville, SC), Mestrando do Programa em Pós-graduação em
Patrimônio Cultural e Sociedade, Univille (Joinville, SC). E-mail: guilherme.stipp@gmail.com
** Doutora em História pela Universidade de São Paulo (São Paulo, SP), Pós-doutoranda pela Universidad
Nacional de Tucumán (São Miguel de Tucumán, Argentina), Docente do Programa de Pós-Graduação em
Patrimônio Cultural e Sociedade da Universidade da Região de Joinville Univille (Joinville, SC). E-
mail:rbmeira@gmail.com
*** Doutor em educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (Florianópolis, SC), Docente do
Programa de Pós-Graduação em Patrimônio Cultural e Sociedade da Universidade da Região de Joinville
Univille (Joinville, SC). E-mail:fernandosossai@gmail.com
Este é um artigo de acesso livre distribuído sob licença dos termos da Creative Commons Attribution License.
Introdução
A primeira metade do século XIX foi o período em que ocorreram alterações
no eixo econômico da erva-mate influenciadas pela independência dos países latino-
americanos. No caso do mate, o mercado internacional entre os novos países latino-
americanos era constituído dos países platinos mais o Chile. Uruguai, Argentina e
Chile eram os principais compradores. No início, essas demandas econômicas eram
supridas pela região do Paraguai, mas a independência do país traria grandes
remodelações ao mercado de erva-mate. Com a ascensão ao governo paraguaio de
José Gaspar Rodríguez de Francia (17761840), as medidas econômicas foram o
fechamento e o controle interno da produção. O Estado assumiu as rédeas das
atividades econômicas na qual a erva-mate estava fortemente incluída ,
monopolizando-as. (DORATIOTO, 2002).
O isolamento do Paraguai tornou gradualmente o Brasil protagonista no
mercado de erva-mate. Assim, em 1820, chegou à Região Sul o ervateiro Dom
Francisco de Alzagaray, provindo da Argentina. Ele implantou os primeiros engenhos
de beneficiamento e empregou o processo de produção na região de planalto
próxima ao Oceano Atlântico (LINHARES, 1969). Foi a partir daí que emergiu nessa
região a rede comercial ervateira.
Nesse processo começaram a surgir engenhos de beneficiamento em Curitiba
(no planalto), assim como no litoral do atual estado do Paraná, em Paranaguá,
Antonina e Morretes. Essas localidades ficam às margens de um porto natural, a Baía
de Paranaguá. Com a saída de Rodríguez de Francia do poder no Paraguai, em 1840,
esse país voltou a se projetar internacionalmente na economia do mate sob o
governo de Carlos Antonio López (18401862), passando mais uma vez a competir
com o Brasil. Contudo, com a Guerra da Tríplice Aliança, ou Guerra do Paraguai
(18641870), o Brasil consolidou-se como hegemônico nesse mercado, pois o
conflito bélico liquidou a economia paraguaia (EREMITES DE OLIVEIRA; ESSELIN,
2015). De todo modo, o panorama conturbado do Paraguai trouxe pouco a pouco o
eixo econômico da erva-mate ao Brasil. A construção de engenhos de
beneficiamento na região próxima ao Atlântico Sul impulsionou o gradual surgimento
de uma rede comercial ervateira que iria integrar Joinville (SC) nos anos de 1870.
Este estudo investiga a integração da rede comercial ervateira na economia de
Joinville durante a segunda metade do século XIX. A análise da presença ervateira no
nascente núcleo urbano de Joinville requer, em nossa perspectiva, compreender a
dimensão da amplitude da rede comercial ervateira a qual Joinville se integrou. É
preciso observar uma extensa rede ervateira multifacetada que abrangia diversos
contextos ambientais: o planalto e sua vegetação, com erva-mate nativa, a serra do
mar, as planícies costeiras, assim como as ações humanas contextuais que
constroem a dinâmica com base em entendimentos da sua cultura e condições do
seu ambiente (SILVA, 1997). Portanto, a escolha dessa perspectiva busca uma visão
que compreende que a área urbana de Joinville não se construiu isolada de um
contexto maior em caráter socioeconômico nem descolada de um ambiente natural
que a cercava e com o qual dialogou.
A complexidade da relação entre a agricultura e a economia tem sido de fato
analisada pela história agrária, mas acreditamos que essa discussão possa ter uma
importante contribuição se avançar para a análise das redes comerciais.
Lembra-se
aqui de que a moldura desta pesquisa se refere aos momentos de impactos iniciais
provocados pela criação de uma rede comercial que entrelaçava a cidade e o campo.
Como destaca Alice Canabrava (1997),
a agricultura manteve-se durante o período do
Segundo Reinado no Brasil como o principal elemento da economia nacional, mas o
que era chamado de “conjunto da economia nacional” envolvia o campo e a cidade e
possui um sentido mais vasto, ou seja, “indústria oficinal, manufatureira, fabril,
agrícola e até comercial” (OLIVEIRA, 2001, p. 10). Dessa maneira, essas discussões
permitem, de modo bastante especial, perceber que a produção ervateira alcançava
espaços mais amplos do que as áreas de cultivo.
Esse evento foi acenado por Raymond Williams (1989, p. 387-390) na sua
defesa de que o campo e a cidade sofrem transformações ao longo da história tanto
nos seus próprios espaços, mas, igualmente, nas suas interrelações. Importa frisar,
também, que o entrelaçamento entre campo e cidade que se acelerou no século XIX
impulsionou mudanças como o aumento da demanda de produção, reorganização
física dos espaços rurais e urbanos, migrações de comunidades tradicionais,
mudanças nos processos de cultivo e comercialização, aumento das redes de
comunicação, dentre outros impactos econômicos, sociais, políticos e culturais. A
rede ervateira transcende assim os ervais e pode ser analisada dentro dos espaços
de beneficiamento, comercialização e consumo.
Neste trabalho, buscamos analisar os discursos dos sujeitos históricos que
participaram ou descreveram a rede ervateira em Joinville por meio de recortes
residuais de documentos escritos que nos chegam ao presente. Dessa forma,
pretendemos trabalhar as fontes jornalísticas, os relatórios dos presidentes de
província de Santa Catarina, os relatórios da Sociedade Colonizadora de Hamburgo e
os discursos de dois viajantes que passaram pela região, Auguste de Saint-Hilaire
(17791854) e Robert Christian Avé-Lallemant (18121884). São fontes produzidas
por viajantes europeus e grupos sociais participantes da elite ou representantes
dela.
A integração da rede comercial ervateira em Joinville
Desde o período da América Portuguesa, as extensas redes comerciais voltadas
principalmente para o abastecimento de produtos alimentícios, tiveram papel relevante
na balança comercial (ARRUDA, 1980). Na segunda metade do século XIX, essas redes
alcançaram os recém-criados núcleos coloniais agrícolas voltados para atender à
política imigrantista direcionada aos colonos europeus. Releva notar que a política
imigrantista foi pensada para atender primordialmente as demandas do Sul do Império,
isto é, foi defendida como a solução para o problema da mão de obra nas províncias
cafeeiras e da ocupação de algumas das regiões de fronteira.
1
Embora não se possa considerar a política imigrantista do Império como
homogênea e o seu papel tenha se reafirmado no último ano daquela centúria, ela já é
demonstrativa das mudanças que vinham ocorrendo no país (ALMEIDA, 2001). Sobre
tudo isso, ainda, é necessário acrescentar que embora voltadas para os imigrantes
europeus, as colônias agrícolas não deixaram de integrar tanto a elite nacional como
escravizados, imprimindo um ritmo próprio às economias regionais. Nesse sentido, que
mais nos interessa aqui, é a integração de um núcleo colonial agrícola como parte
importante da rede ervateira, mas, curiosamente, ligado aos espaços urbanos e as etapas
de beneficiamento e comercialização do produto.
Francisca Carolina, irmã de Dom Pedro II, casou-se com o príncipe François de
Orléans (Príncipe de Joinville), o filho do rei da França Luís Felipe I, no ano de 1843. Do
casamento, foram recebidas como quinhão do dote nupcial 25 léguas de terras da
Província de Santa Catarina, a serem escolhidas de forma fragmentada ou inteira. Louis
François Léonce Aubé, o procurador do príncipe, foi enviado à província, e as terras
escolhidas foram a nordeste de Santa Catarina, em porções do território continental de
São Francisco. Léonce Aubé considerava estratégica a proximidade com o porto de São
Francisco. Essa adjacência traria vantagem para um futuro comércio internacional. Além
disso, ele tinha o conhecimento da estrada de Três Barras, ligando a região ao planalto. A
1
Preferiu-se aqui, como uma forma de melhor compreensão das fontes, seguir a composição das regiões
adotadas no período em análise, ou seja, Norte e Sul. Evaldo Cabral de Mello (1999) refere-se no seu livro
“O Norte Agrário e o Império” ao fato de que os homens públicos do Império e ainda durante uma boa
parte da Primeira República utilizaram uma geografia regional bem simples. O Norte abarcaria as
províncias do Amazonas à Bahia; o Sul, as províncias do Espírito Santo ao Rio Grande. Basta dizer que
entre 1820-1890, a entrada de imigrantes de diversas nacionalidades alcançou quase a cifra de um milhão
de pessoas.
demarcação das terras ficou sob a chefia do tenente-coronel Jerônimo Francisco Coelho
e foi realizada entre 1845 e 1846. Entre as preocupações envolvidas na demarcação das
terras dotais, existia a orientação de demarcar três portos, no intuito de garantir a
comunicação entre as terras dotais com o mar, visando ao comércio marítimo. As terras
foram demarcadas em sentido nortesul a partir do Rio Pirabeiraba até o Rio Itapocu. A
oeste, delimitava as terras dotais a serra do mar (FERREIRA, 2019).
A Colônia Agrícola Dona Francisca faz parte de um contrato firmado em
Hamburgo entre o senador Christian Matthias Schröder e o procurador do príncipe
François de Orléans, Léonce Aubé. O acordo foi firmado em 5 de maio de 1849 e
forneceu 8 léguas, que posteriormente por critérios contratuais se transformaram em 9,
das terras dotais demarcadas para a instalação de uma colônia agrícola a ser povoada
por europeus
2
. O empreendimento constituiu-se em uma colônia agrícola, e o núcleo
urbano que se desenvolveria no interior da colônia seria chamado de Joinville, como
aponta o Relatório da Sociedade Colonizadora de Hamburgo (1850, p. 11): “Demos à
colônia o nome de Dona Francisca e à primeira cidade a ser fundada, o nome de
Joinville”.
A erva-mate foi abordada no primeiro relatório da Sociedade Colonizadora de
Hamburgo, no ano de 1850. Faz-se referência a ela sob o nome de “chá do Paraguai”. Na
narrativa, tem-se a descrição de uma paisagem com condições climáticas amenas, ao
mesmo tempo em que permitia possibilidades de cultivos rentáveis para aquele contexto:
“No que diz respeito à própria colônia, as circunstâncias fazem com que ela esteja
localizada na parte mais fresca daquela região, na qual as plantas tropicais ainda crescem
com perfeição, dando preferência a uma extrema variedade de produtos” (SOCIEDADE
COLONIZADORA DE HAMBURGO, 1850, p. 10).
No que tange ao mencionado “chá do Paraguai”, ele estaria incluído, segundo esse
relatório, de modo bastante acentuado no ambiente natural em que se erigiria a Colônia
Dona Francisca:
O clima é próprio não para a cana-de-açúcar e o café, como também para o
precioso algodão de arbusto, o chá, o tabaco e o chá do Paraguai, que nasce
desenfreadamente, transformando-se em um artigo comercial de extrema
importância para as costas sul e oeste; além do arroz; da mandioca, da qual é
feita uma farinha muito mais tolerável e do chamado sagu branco, mas também
para quase todas as plantas européias, os cereais e para todos os tipos de
legumes, nominadamente, também para as batatas de Santa Catarina, que no
Rio de Janeiro gozam de uma fama excelente. Os registros de alfândega também
indicam a exportação de muitos desses produtos provenientes da colônia,
2
É considerada oficialmente o início da Colônia Agrícola Dona Francisca a data de 9 de março de 1851, dia
em que chegaram na Barca Colón os primeiros imigrantes provindos da Europa (FICKER, 2008).
distante a 1 ½ légua da cidade de São Francisco. (SOCIEDADE
COLONIZADORA DE HAMBURGO, 1850, p. 10-11).
Nota-se a construção de uma imagem que impunha otimismo exacerbado no que
concerne ao ambiente a ser instalada a Colônia Dona Francisca, principalmente na
apresentação das possibilidades agrícolas que os colonos encontrariam no Brasil e na
região. Isso estava de acordo com as intenções exploratórias da Sociedade Colonizadora
de Hamburgo voltadas à maximização da produção, no entanto a erva-mate não era
endêmica nas 8 léguas que constituíam a Colônia Dona Francisca em sua primeira forma.
A Colônia Dona Francisca e o núcleo urbano de Joinville situavam-se em uma planície
costeira, condição ambiental que não possibilita o crescimento da erva-mate.
Essa planta viria a participar de maneira intensa tanto da Colônia Dona Francisca
quanto do núcleo urbano de Joinville somente mais tarde. Esse contexto abriu-se quando
a Estrada da Serra (Estrada Dona Francisca) alcançou o planalto em condições
carroçáveis, no ano de 1877, conforme a Sociedade Colonizadora de Hamburgo. A
inclusão de uma suposta presença do “chá do Paraguai” (erva-mate) na paisagem da
colônia demonstra que a atribuição de relevância à erva-mate em termos comerciais
tinha força desde os primeiros momentos da existência da Sociedade Colonizadora de
Hamburgo.
Como afirmado, a imagem paradisíaca da Colônia Dona Francisca, em que a
fertilidade, o clima e a localização eram vistos como perfeitos, compunha as
intencionalidades da empresa Sociedade Colonizadora de Hamburgo. Releva notar que o
discurso imigrantista utilizado pela Sociedade Colonizadora seguiu os mesmos moldes da
política de atração de imigrantes utilizada pelo governo brasileiro. As riquezas naturais
eram evocadas segundo a imagem de natureza paradisíaca. A estratégia de aclamar as
belezas naturais do Brasil com o intuito de atrair imigrantes foi posta em prática desde o
período colonial, permanecendo no Império e mesmo
a posteriori
. Não se poderia
também esquecer que a influência da ideia de vocação agrícola gerada pelas riquezas
naturais foi utilizada tanto por estadistas como pelas sociedades colonizadoras. Exemplo
disso é o apego à fertilidade do solo e à imagem de desertos demográficos esperando ser
colonizados pelos imigrantes europeus (MEIRA, 2014).
Naturalmente, com a impossibilidade de concretização da parte agrícola da
produção ervateira, estabelecer ligações entre a Colônia Dona Francisca e as regiões
planálticas foi considerado de imediato relevante aos interesses da Colônia. No entanto,
anteriormente à instalação da Colônia Dona Francisca, em 1851, existem fontes que
apontam para um caminho ao planalto de Curitiba, construído no século XVIII. Essa via
de comunicação era chamada de caminho de Três Barras. Sobre isso, Carlos Ficker
(2008, p. 129) pontua: “Certo é que a Estrada de Três Barras, antes de 1838 não era nada
mais, nada menos que um picadão em meio da mata fechada e das serras do distrito de
Garuva, penosíssima de transitar, e que ‘corria por entre as escarpas e sinuosidades da
abrupta e brumosa Serra do Mar”.
Auguste de Saint-Hilaire (1936) visitou a Província de Santa Catarina em 1820 e
passou por São Francisco. Seus relatos de viagem mostram que existia essa ligação,
embora ressaltasse a sua precariedade. Essa situação dificultava o transporte e, por
consequência, o comércio com São Francisco. No que tange ao intercâmbio comercial, o
fragmento do texto de Saint-Hilaire (1936) menciona a passagem de erva-mate, assim
como de outros produtos, por esse caminho, mas isso não acontecia com frequência,
pelo péssimo estado do trajeto:
Como quer que seja, por essa estrada, tal como se achava em 1820, S. Francisco
recebia de Curitiba carne seca, mate e toucinho, que no horrível trecho de meia
légua acima referido eram conduzidos às costas pelos tropeiros, circunstancias
que tornavam raríssimas as comunicações por ali. (SAINT-HILAIRE, 1936, p.
102).
Portanto, temos uma importante indicação de que o mate era transportado à
região de São Francisco anteriormente a existência da Colônia Dona Francisca, porém,
por causa das muitas dificuldades de conexão isso ocorria de forma esporádica. Saint-
Hilaire (1936) critica a falta de ação do poder público diante dessa situação:
Faz vinte annos que annotei estas observações em meus diários de viagem e
somente em 1º de março de 1842 é que o presidente da provincia communicou á
assembléa legislativa provincial que a estrada de Curitiba estava concluida.
Sabemos, entretanto, por um antigo alunno da nossa Escola Polytechnica, sr. L.
Aubé, que, apezar de terminada, a referida estrada jamais se tornara transitável.
(SAINT-HILAIRE, 1936, p. 101).
Assim, em 1839 ou início de 1840, deu-se o começo da construção da estrada das
Três Barras nesse antigo caminho de mesmo nome. As motivações relacionadas à
construção dessa estrada pautavam-se, segundo Ficker (2008, p. 131), em: “Defesa
contra as incursões dos bugres ou gentil bravo’ e a proteção dos moradores por
guarnições de postos militares ao longo dessa linha de defesa”. A construção da estrada
foi concluída em 1842, tendo sido seu administrador o coronel Francisco D’Óliveira
Camacho um grande proprietário de terras nas redondezas da região.
Em 1852, o procurador do príncipe no Domínio Dona Francisca, Léonce Aubé,
mandou abrir uma picada até a estrada de Três Barras, e no decorrer da abertura dessa
picada lotes foram demarcados entre 10 e 20 hectares. Pelo contrato firmado com a
Sociedade Colonizadora de Hamburgo, não poderia ser estabelecida concorrência dos
príncipes e seus representantes para com a Colônia Dona Francisca. A saída encontrada
por Aubé foi arrendar as terras, e não vendê-las. Ao mesmo tempo em que se abria a
picada com destino à estrada de Três Barras, Aubé fez surgir em 1852 mais uma colônia
na região: a Colônia Francesa, junto à Colônia Dona Francisca. Essa seria a primeira
tentativa de partes envolvidas com a Colônia Dona Francisca de estabelecer ligação com
o planalto (FERREIRA, 2019).
Ao que se saiba, mesmo com os interesses da Sociedade Colonizadora, as vias de
comunicação com a estrada de Três Barras mantiveram-se extremante precárias por
mais alguns anos, chegando a ser citada pelo viajante europeu Avé-Lallemant que passou
pelas terras da Colônia Dona Francisca em 1858. Nas palavras do viajante, essa via “é na
realidade vereda de gado e por ela dificilmente se pode passar com animais de carga”
(AVÉ-LALLEMANT, 1980, p. 201). É preciso não esquecer que os problemas relacionados
ao péssimo estado das vias de comunicação afetavam como um todo as províncias do
Brasil. Alguns anos após a passagem de Avé-Lallemant, em 15 de abril de 1875, o
deputado Cardoso de Meneses pediu que se nomeasse a Assembléia Legislativa uma
comissão de seis membros para estudar os principais problemas da lavoura. O ssimo
estado ou a inexistência das vias de comunicação foi listado como um dos principais
entraves enfrentados pelo país. O “Parecer” dessa comissão, apontava a necessidade de
“abertura de boas estradas rreas, e de rodagem; melhoramentos e conservação das
existentes, para facilitar o transporte dos gêneros com presteza e economia aos centros
e pontos do mercado e aos portos exportadores” (BRASIL, 1875, p. 15). As vias de
comunicação tornaram-se uma questão de grande interesse tanto para o Estado como
para os agricultores e comerciantes. As queixas sobre os meios para os reparos e a
criação de novas estradas marcariam as discussões políticas e econômicas do Império e
os problemas para a implementação de uma ação eficaz por parte do Estado e dos
produtores não foram poucos.
Apesar da realidade desfavorável no momento de sua passagem, Avé-Lallemant
(1980) expressou confiança no futuro da colônia. Ele observava a necessidade a qual
ele se referia como “missão” da construção de efetivas interligações entre a colônia, o
oceano e o planalto. Portanto, para ele, a primeira missão a ser destacada é o comércio
marítimo com São Francisco. Faz-se preciso pontuar que, assim como os demais sujeitos
históricos, Avé-Lallemant, viajante europeu do século XIX destaca que o lugar da Colônia
Dona Francisca seria de entreposto comercial: “São Francisco é o verdadeiro ponto
comercial deste magnifico braço de mar, cujos tributários utilizáveis passam pelo meio
da Colônia Dona Francisca” (A-LALLEMANT, 1980, p. 200). Logo, com base na ideia
de progresso, existe uma narrativa de sua parte que demonstra a necessidade de
estabelecer intenso comércio entre a Colônia Dona Francisca e São Francisco. Desse
modo, de forma negativa, ele afirmava: “Até agora não tem havido nenhuma vida humana
naquele braço de mar e seus confluentes; tudo era floresta silenciosa, alagadiços e o
homem da selva que por ali vagueava” (A-LALLEMANT, 1980, p. 200). Com “vida
humana”, ele referia-se ao europeu, considerado por muitos desses viajantes como
racional e civilizado, retirando desse
status
o indígena, denominado por ele de “homem
da selva”.
Sobre a segunda missão visando constituir uma paisagem econômica integrada
aos interesses econômicos europeus , Avé-Lallemant (1980) apontava para a
construção de uma estrada que possibilitasse a efetiva integração econômica com o
planalto. Como o viajante esteve em Joinville em 1858, ele tinha o entendimento do
projeto da Estrada Dona Francisca. A respeito disso, ele dizia: “Depois de construído o
caminho, se pode ir num carro de quatro rodas de Joinville a Campos do Paraná (dez
léguas) em um dia” (AVÉ-LALLEMANT, 1980, p. 201). A missão a partir daí consistiria em
transformar o projeto em realidade.
Em 1852, o engenheiro Carl Pabst, a cargo da Sociedade Colonizadora de
Hamburgo, buscou realizar um traçado pelo oeste que encontrasse um caminho de fácil
acesso à serra do mar, independentemente da estrada de Três Barras. Em 1853, August
Wunderwald, como novo geômetra e agrimensor da colônia, juntou-se às buscas por
acessos ao planalto pelo oeste. Verificou-se nessa tentativa a impossibilidade de ser o
caminho nessa direção, visto que a floresta fechada e a serra íngreme não o permitiam.
Sendo assim, foi em 1854 que Wunderwald encontrou o traçado definitivo. Ele aproveitou
um primeiro trecho da picada aberta sob o comando de Aubé em 1852, e a certa altura o
caminho rumou a noroeste, pelo vale do Rio Seco, afluente do Rio Cubatão. Ainda em
1854, o governo imperial decidiu auxiliar no financiamento da estrada com 2 contos de
réis, tendo a supervisão de um engenheiro brasileiro. No fim de 1857, Aubé, que desde
1855 havia se tornado o diretor da Colônia Dona Francisca, foi até o Rio de Janeiro se
reunir com o conselheiro diretor-geral das terras públicas Manuel Felizardo de Sousa
Melo. Ao voltar à Província de Santa Catarina, esteve em audiência com o presidente de
província Coutinho, e, quando de sua volta, em março de 1858, estava efetivamente
contratada a obra de construção da Estrada da Serra, posteriormente denominada
Estrada Dona Francisca (FICKER, 2008).
Como dito, essa busca por uma forma de transpor a serra do mar tinha
centralidade nos interesses das partes envolvidas na Colônia Dona Francisca. Ter um
bom caminho ao planalto significava integrar a economia a outras regiões, possibilitando
o aumento do comércio. Naquele contexto, a erva-mate figurava na região com muita
importância, resultando no interesse econômico da Sociedade Colonizadora de
Hamburgo. Alcides Goularti Filho (2014) defende que a Estrada Dona Francisca foi um
dos principais elementos para concretizar os anseios da Sociedade Colonizadora de
inverter a lógica dos núcleos coloniais agrícolas - baseados prioritariamente em uma
economia natural ou seja, foi peça chave no processo de transição para uma economia
mercantil. Nesse sentido era fundamental ampliar o mercado interno, saindo da esfera
local e regional e propiciando a abertura de novos mercados. O autor tem razão ao
destacar que a Sociedade Colonizadora era uma companhia capitalista que buscava antes
de tudo ampliar as relações econômicas. A erva-mate foi vista como o produto que
possibilitava a valorização desse capital, criando o elo de integração produtiva e
comercial pela abertura de novos mercados e a integração com atividades afins. Em 1855,
a Sociedade colonizadora defendeu que, inserido nas possibilidades comerciais, o mate
figurava com certa dose de protagonismo, juntamente com o gado:
Os principais produtos da Província do Paraná, até agora, são o mate, o gado e
os produtos derivados da criação de gado. Estes são exportados em quantidades
significativas e neste ano, particularmente, o mate obteve um bom preço.
Naturalmente, seria de grande valor para a colônia, se pelo menos esta
exportação pudesse ser conduzida, em parte, pela colônia. (SOCIEDADE
COLONIZADORA DE HAMBURGO, 1855, p. 71-72).
Tais dados correspondem ao estado da economia regional naquele contexto,
baseada nesses dois elementos. Desde 1850, o mate figurava como potencial fator
econômico da Colônia Dona Francisca. Assim, a busca pela integração com a economia
ervateira, entre outras coisas, motivou as partes envolvidas a encontrar formas de
chegar ao planalto por meio de uma estrada. Desse modo, o significado atribuído à erva-
mate era elevado no caráter econômico, ambicionando-se que essa rede ervateira
incidisse na paisagem da Colônia Dona Francisca.
Certo é que, para as províncias, a construção de vias de comunicação para o
escoamento da produção seja para o mercado regional, nacional ou internacional
muitas vezes com forte impacto econômico poderia gerar algumas disputas. A
construção da Estrada da Serra (Estrada Dona Francisca) fez surgir uma contenda na
esfera fronteiriça entre a Província de Santa Catarina e a recém-fundada Província do
Paraná (1853). Em 1877, o relatório da Sociedade Colonizadora de Hamburgo (1877, p. 3)
dizia: “A questão de limites entre as províncias de Santa Catarina e Paraná, na qual o
distrito de São Bento está interessado, ainda espera por uma solução”. A informação foi
recorrente em múltiplos relatórios da Sociedade Colonizadora, demonstrando o
incômodo dela com a situação.
Desse modo, a questão envolvia diretamente a erva-mate, principal produto
comercial da região naquele contexto. A disputa era de natureza territorial, e os motivos,
segundo Gerhardt (2013, p. 104), davam-se por conta de “uma disputa entre os dois
estados pelo acesso aos ervais do vale do Rio Negro, pelo controle do fluxo da erva-mate
que seguia para os portos de cada estado”. Existia até mesmo, por parte da Sociedade
Colonizadora de Hamburgo, a preocupação expressa em seu relatório anual de 1870
de que a Colônia Dona Francisca fosse, no caso de ganho de causa a favor da Província
do Paraná, incorporada a esta. O temor consistia em haver um possível desvio da rota da
Estrada Dona Francisca para Curitiba, em vez de por Rio Negro, caso esse panorama se
desenrolasse:
A contenda de limites entre as províncias de Santa Catarina e Para ainda
espera por uma regularização; neste ínterim a direção da colônia parece ter
voltado à sua antiga opinião, no caso de uma decisão desfavorável para Santa
Catarina, ambicionar a incorporação da colônia, juntamente com o porto à
Província do Paraná, por receio de que, neste caso, esta última tenha uma
influência significativa sobre a direção que a Serrastrasse (Estrada da Serra)
deva tomar, fixando Curitiba como ponto final dela, enquanto que a direção da
colônia deseja a direção desta para Rio Negro, por achar que nesta direção a
estrada, no futuro, se transforme numa importante rota comercial, enquanto
que a desembocadura desta em Curitiba só iria levar à uma categoria subalterna
de estrada de ligação, sem perspectiva de significativas relações comerciais
(SOCIEDADE CONIZADORA DE HAMBURGO, 1870, p. 111).
A tentativa de desvio da rota para Curitiba havia ocorrido em 1865. Na ocasião,
o engenheiro da Província do Paraná Barão Von Holleben veio a Joinville partindo de
Paranaguá. Sob a autorização do governo provincial, contratou 40 trabalhadores, subiu o
trecho em construção da estrada e iniciou uma picada em direção a Curitiba. Esse ponto
de desvio foi chamado de “encruzilhada”. A Estrada da Serra gerava receio e, por
conseguinte, resistência na Província do Paraná. Quem dominava o comércio na região
eram as cidades das planícies litorâneas do Paraná, que temiam perder mercado para São
Francisco. Assim sendo, em 30 de abril de 1865 foi enviado do Rio de Janeiro o tenente de
engenheiros Francisco Antônio Monteiro Tourinho para realizar a fiscalização do
andamento das obras. Com base no plano desse tenente, o conselheiro Inácio da Cunha
Galvão “emendou o erro em tempo e por aviso de 30 de Setembro de 1867, o governo
imperial determinou fosse a então freguesia do Rio Negro o ponto terminal da nova
estrada” (FICKER, 2008, p. 224). No relatório da Sociedade Colonizadora de Hamburgo
de 1867 é expresso que o trecho até Rio Negro, ainda que constituído de picadas,
“começa a mostrar um tráfego cada vez mais intenso” (SOCIEDADE COLONIZADORA
DE HAMBURGO, 1867, p. 64).
No contexto da Colônia Dona Francisca, o primeiro relato de conexão comercial
entre o planalto ervateiro e a planície costeira data do ano de 1865. Pontua-se que nesse
primeiro informe de contato existia o envolvimento de carregamento de erva-mate.
Assim, esse relato é mencionado no relatório da Sociedade Colonizadora de Hamburgo
de 1865. O sentimento da abertura dessa estrada transpassado no relatório indica grande
otimismo. O relatório quando se refere a esse primeiro contato diz: “Para a alegria dos
colonos, o caminho para as montarias foi aberto” (SOCIEDADE COLONIZADORA DE
HAMBURGO, 1865, p. 39). Os primeiros a chegar ou, como o relatório afirma, os que
estavam “na ponta” tinham como origem de partida Curitiba e eram constituídos do
Barão Von Holleben e família na data do dia 31 de maio de 1865 (SOCIEDADE
COLONIZADORA DE HAMBURGO, 1865).
No dia seguinte, em 1.º de junho de 1865, as aproximações de caráter comercial
efetivamente se realizaram com a chegada de “tropas de burros carregados com mate e
carne seca” (SOCIEDADE COLONIZADORA DE HAMBURGO, 1865, p. 39). Esse fato
repetiu-se em 15 de junho, quando mais uma tropa carregada dos mesmos produtos
realizou sua chegada a Joinville, a qual regressou “carregada com couro do curtume do
Richlin” (SOCIEDADE COLONIZADORA DE HAMBURGO, 1865, p. 39). Como
observado, a Sociedade Colonizadora de Hamburgo via nessa conexão com o planalto
ervateiro uma forma de impulsionar a economia da colônia, mas compreendia a estrada
como uma aposta, e não como algo certo. Assim, o relatório da sociedade de 1865,
quando finaliza o anúncio dessa chegada, assegura: “Nós esperamos, com a esperada
prosperidade dessas relações comerciais, em breve poder dar provas de que as nossas
pressuposições sobre a importância da comunicação da colônia com o planalto do
Paraná não foram muito temperamentais” (SOCIEDADE COLONIZADORA DE
HAMBURGO, 1865, p. 39).
De maneira geral, o projeto que a sociedade buscava com o empreendimento da
Colônia Dona Francisca tinha como objetivo estratégico lucrar com o transporte de
imigrantes e com a venda de terras aos colonos. Porém, além disso, tinha na Colônia
Dona Francisca a ideia de estabelecer uma rede comercial de importação e exportação;
acreditava-se, na paisagem da Colônia, poder realizar o cultivo de gêneros agrícolas que
na Europa não era possível (FERREIRA, 2019). Essa intenção, ademais, pode ser
observada no primeiro relatório da sociedade:
Na perspectiva de estender as relações comerciais com a terra natal, precisa-se,
igualmente, desses produtos e de um clima, no qual eles cresçam, porque caso
se quisesse conduzir a colonização a um lugar de clima semelhante ao nosso, no
qual os produtos não sejam muito diferentes dos nossos, ir-se-ia gerar
concorrência ao invés de troca e ao invés de aumentar o comércio, diminuí-lo.
(SOCIEDADE COLONIZADORA DE HAMBURGO, 1850, p. 6).
A importância do êxito da agricultura na Colônia Dona Francisca para a Sociedade
Colonizadora de Hamburgo era muito grande, tendo em vista que a colônia fora
concebida visando a essa finalidade (BREPOHL; NADALIN, 2019), no entanto não se
observou esse panorama ali: a produtividade agrícola era baixa, menor que em colônias
com populações menores e com recursos mais limitados; o solo era de qualidade; e
havia muitos acidentes geográficos nos terrenos rurais que os tornavam impróprios para
o cultivo. Fora isso, o fluxo constante de imigrantes chegando à colônia aumentava a
população rapidamente, “o que não permitia equilibrar a oferta e demanda de alimentos”
(FERREIRA, 2019, p. 201). Apesar do aumento da produtividade no fim da década 1860, os
déficits continuaram, e a produção agrícola da colônia não foi suficiente para o consumo
interno. Acerca da atividade criatória, esta consistia principalmente de aves e suínos,
como aponta o relatório da Sociedade Colonizadora de Hamburgo:
Ao que os colonos deram menos atenção até agora, foi à criação de gado.
Primeiro que os pastos necessários só podem ser plantados aos poucos nas
terras obtidas, por outro lado, também um fator importante que é decisivo
para manter um mero maior de cabeças de gado, necessita-se de estrume
que, por agora, ainda é pouco obtido em Dona Francisca. Somente entre os
colonos mais abastados alguns criaram bezerros; em compensação, muito
mais porcos e aves de todos os tipos. (SOCIEDADE COLONIZADORA DE
HAMBURGO, 1855, p. 56).
A principal forma de trabalho dos imigrantes pobres e, de maneira especial, dos
recém-chegados não se dava pela agricultura. Eles costumavam trabalhar como diaristas
tanto em obras de infraestrutura da colônia quanto em empreendimentos de
particulares, e a grande oportunidade de trabalho ocorria com as obras de construção da
Estrada da Serra/Dona Francisca. Havia os imigrantes que possuíam mais recursos e um
ofício específico. Estes eram oriundos sobretudo do meio urbano. Por isso, a Colônia
Dona Francisca tinha inclinação para o setor manufatureiro. Ao longo das décadas de
1860 e principalmente de 1870, a agricultura começou a obter melhores resultados, em
função da maior chegada de imigrantes agricultores e da expansão da colônia para terras
a oeste com condições ambientais que as tornavam um pouco mais férteis. Contudo, em
1868, o primeiro saldo positivo ocorreu, e foi em grande parte em virtude de manufaturas
não agrícolas, como as fábricas de louças, cerveja, velas e sabão, dentre outros produtos
industriais (FERREIRA, 2019).
No início da década de 1870, a efetiva transposição da serra do mar foi concluída,
e a Estrada da Serra (Dona Francisca) chegou ao planalto. Houve então a tentativa de
fundação de novos núcleos coloniais. A primeira tentativa embora infrutífera seria
São Miguel, em 1872. Assim, em 1873 o relatório da Sociedade Colonizadora de Hamburgo
(1873, p. 3) afirmava:
Uma nova investigação cuidadosa e uma plantação experimental realizada por
um colono empreendedor, senhor Fibiger, que se estabeleceu, resultou, no
entanto, que a terra vegetal, que levou à uma apreciação favorável da terra, pelo
menos na parte frontal desta, forma apenas uma fina camada, sob a qual se
mostrou um solo rochoso, fazendo com que este terreno pareça apropriado
para criação de gado. (SOCIEDADE COLONIZADORA DE HAMBURGO, 1873, p.
6).
O fracasso das tentativas em São Miguel acabaria levando à Fundação do Núcleo
Colonial de São Bento no ano seguinte. Segundo a Sociedade, identificou-se que “só a
algumas mil braças para oeste é que se achou terra realmente boa, apropriada para a
agricultura” (SOCIEDADE COLONIZADORA DE HAMBURGO, 1873, p. 3). Contudo o
alcance com condições carroçáveis da estrada da serra a São Bento ocorreu em 1877,
como aponta o relatório da Sociedade Colonizadora de Hamburgo (1877, p. 6): “A
construção da Dona Francisca-Strasse (Rua / Estrada Dona Francisca) progrediu tanto,
que em junho deste ano se pôde ir pela primeira vez de carro de São Bento a Joinville”.
Foi a partir desse ano que a rede comercial ervateira foi consolidada em Joinville,
adicionando na paisagem do nascente núcleo urbano de Joinville um constante ir e vir de
carroças de quatro rodas que desciam a serra trazendo a erva-mate e regressavam ao
planalto levando produtos dos colonos. Joinville tornou-se “o principal centro de
beneficiamento de erva-mate em Santa Catarina” (FERREIRA, 2019, p. 212).
Os primeiros relatos acerca de engenhos de beneficiamento de erva-mate em
Joinville são da imprensa local, originalmente escritos em alemão. Como exemplo,
podemos citar um artigo veiculado na imprensa de Joinville, mais precisamente no jornal
Kolonie-Zeitung
, datado de 12 de fevereiro de 1876. Nele, a erva-mate é tida como um
elemento de muita relevância ao crescimento econômico da cidade. A relação
estabelecida entre a erva-mate e Joinville nesse documento demonstra uma perspectiva
de esperanças por parte do jornal, apesar das dificuldades e queixas até então relatadas:
“Tempos difíceis, falta de dinheiro, encarecimento dos gêneros de primeira necessidade
fazem parte da pauta do dia.” (KOLONIE-ZEITUNG, 1876
apud
JOINVILLE ONTEM E
HOJE, 2008).
Em contraponto às queixas, o jornal diz preferir mostrar que “o
empreendedorismo não desapareceu por completo entre nós” (KOLONIE-ZEITUNG,
1876
apud
JOINVILLE ONTEM E HOJE, 2008). Com essa afirmão, o documento
introduz um exemplo de “empreendedorismo”. Alude então ao nome do comerciante
Gustav Hasse, sobre o qual é informada a abertura por aqueles dias de um “moinho de
arroz acionado por uma máquina a vapor de seis cavalos” (KOLONIE-ZEITUNG, 1876
apud
JOINVILLE ONTEM E HOJE, 2008). No entanto, para além do moinho de arroz, é
noticiado que o mesmo comerciante anexaria a ele um engenho de erva-mate. Isso
caracteriza-se como uma novidade, pois é dito que esse é “o primeiro desse tipo nessa
colônia” (KOLONIE-ZEITUNG, 1876
apud
JOINVILLE ONTEM E HOJE, 2008).
As alterações na colônia por causa da construção da Estrada da Serra (Estrada
Dona Francisca) se iniciavam. Ao mesmo tempo em que surgiam os primeiros engenhos
de beneficiamento de mate, também começaram a aparecer anúncios de propriedades
que em suas descrições incluíam a possibilidade de implantação de engenhos de erva-
mate. Naquele contexto, a falta de estradas ligando a Ilha de São Francisco ao continente
implicou nessa dinâmica voltada ao transporte marítimo. Esse é um dos fatores para que
Joinville, situada aos fundos da Baía da Babitonga, se tornasse um entreposto comercial
da erva-mate. A proximidade com o planalto e o mar e as condições tecnológicas do
contexto transformaram Joinville em uma cidade ervateira. Goularti Filho e Moraes
(2013) destacam a importância da integração do transporte fluvial com a descida da serra
pela estrada Dona Francisca, formando uma estrutura de comunicação voltada para a
erva-mate. Ademais, o Porto de São Francisco aumentou a sua capacidade de
escoamento acompanhando o crescimento da atividade ervateira. Um ponto a frisar é
que a ampliação da rede de caminhos foi feita com recursos públicos, correspondendo ao
impacto econômico cada vez mais expressivo do produto e a transformação da erva-
mate em um traço distintivo da região.
Na edição de 23 de abril de 1878, o jornal
Gazeta de Joinville: Orgam dos
interesses agricolas, mercantis e industriais desta provincia e especialmente da Comarca
de S. Francisco
anunciava que estava à venda a “Fazenda do Retiro Alegre”: “Tambem se
faz trato com quem quizer destinar o seo engenho ao soccar herva maté” (GAZETA DE
JOINVILLE, 1878b). Os atributos que vinculavam essa propriedade ao beneficiamento do
mate eram diversos. O primeiro deles era a proximidade com o mar. Desse modo, o
anúncio da venda dessa propriedade dizia: “Vende-se a Fazenda acima, á margem da
bahia de S. Francisco” (GAZETA DE JOINVILLE, 1878b)
3
.
3
Essa baía mencionada é a atualmente denominada de Baía da Babitonga, que serve de canal para o porto
de São Francisco do Sul.
O anúncio quase por inteiro está voltado para negociações com beneficiadores de
mate, dando a entender que esse grupo seria o nicho mais interessado na aquisição
dessa propriedade. Sendo assim, o texto falava para aqueles que queriam instalar um
engenho de socar erva-mate, pois a propriedade possui “um poderoso motor d’agua,
vistos paióes e caes de desembarque à porta dos mesmos” (GAZETA DE JOINVILE,
1878b). A finalização do texto pontua: “Para tratar na mesma fazenda com o seu
proprietário” (GAZETA DE JOINVILE, 1878b), mas não revela o nome deste.
Outro anúncio ocorreu no mesmo jornal, em 1878, evidenciando um terreno com
15 morgen - uma “unidade de medida de área usada no Estado de Santa Catarina
equivalente a 2.500 m2” (TULER, 2017, p. 56):
Vende-se um terreno com 15 morgen no districto d’esta cidade, com uma casa
nova para morada, um pasto com 9 morgen, passa dentro destes terrenos um
rio que serve para fazer engenho de assuccar, herva maté ou arroz; quem
pertender dirija-se ao proprietário Frederico Ebert. Joinville, 3 de Março de 1878
(GAZETA DE JOINVILE, 1878a).
Mais à frente, em 1879, o relatório da Sociedade Colonizadora de Hamburgo
demonstrou considerável elevação no número de engenhos de beneficiamento de mate,
destacando que a erva-mate na questão econômica da Colônia Dona Francisca havia
engrenado. Aliás, dizia um fragmento do relatório:
Um ramo muito importante da indústria formado a partir da abertura da Dona
Francisca-Strasse (Rua / Estrada Dona Francisca) é a compra e manufaturação
da erva mate e ao final do ano passado havia 4 moinhos de mate em atividade,
dos quais 3 eram movidos a vapor (29 cavalos) e 1 a água (SOCIEDADE
COLONIZADORA DE HAMBURGO, 1878, p. 9).
Ainda no mesmo ano de 1879, o relatório anual da Sociedade Colonizadora de
Hamburgo (1879, p. 9) informou que Joinville exportou entre “450 e 500 contos” de mate
de um total de “800 a 900 contos”. Ou seja, por volta da metade das exportações da
Colônia foi de erva-mate. No que tange à quantidade de engenhos na paisagem de
Joinville, o relatório da Sociedade Colonizadora de Hamburgo apontava:
A agricultura e a indústria continuavam a desenvolver-se prosperamente, a
fabricação do mate continuou a ter um desenvolvimento satisfatório, para a sua
manufaturação havia 7 moinhos (a construção de uma oitava havia sido iniciada)
no distrito de Joinville, sendo 3 movidas a vapor com 29 cavalos e 2 movidos a
água com 11 cavalos de força; no distrito de São Bento havia um moinho a vapor
com 5 cavalos, e um moinho a água com 3 cavalos de força (SOCIEDADE
COLONIZADORA DE HAMBURGO, 1879, p. 9).
O relatório apresentado à Assembleia Legislativa Provincial de Santa Catarina na
segunda sessão de sua 26.ª legislatura pelo presidente Francisco José da Rocha, em 11 de
outubro de 1887, pontuou que no ano de 1886 a exportação da colônia foi de cerca de
900:000$000 inclusive a herva-matte, principal indústria (RELATÓRIO PROVINCIAL,
1886, p. 340). O relatório ao falar dos transportes reforçou uma paisagem vinculada ao
diálogo entre planalto e oceano. Em 1885, “os transportes na Colonia eram feitos por
mais de 600 carros de 4 rodas pertencentes a ambos os municípios
4
. No rio Cachoeira
eram executados por duas embarcações a vapor e dez embarcações à vela” (RELATÓRIO
PROVINCIAL, 1886, p. 340).
Em 1887, a exportação foi de “cerca de 840.000 quilogramas de mate”
(SOCIEDADE COLONIZADORA DE HAMBURGO, 1887, p. 24). A exportação de outros
gêneros, por sua vez, constituiu aproximadamente 420 mil quilogramas de açúcar e por
volta de 3.360 quilogramas de cachaça. Além disso, girava em torno de 36 mil
quilogramas de farinha de araruta (SOCIEDADE COLONIZADORA DE HAMBURGO,
1887).
Com a construção da Estrada da Serra, a indústria do mate em Joinville obteve
crescimento constante. Segundo S. Thiago (1988), isso foi até mesmo fator de fixação do
colono que chegava a Joinville. O calor, a umidade e as dificuldades do plantio na Colônia
Dona Francisca eram motivos de dispersão, mas, com a Estrada da Serra (Estrada Dona
Francisca), o fator econômico do mate possibilitou o desenvolvimento mais robusto da
economia de Joinville. Isso fez diminuir a dispersão de colonos, garantindo a
continuidade e viabilidade do empreendimento colonizador” (S. THIAGO, 1988, p. 24).
Os germânicos, apesar de participarem desse mercado, no entanto, não possuíam
protagonismo. Como já observado, esse era um mercado consolidado na Província do
Paraná. O que Joinville fez foi se integrar a essa rede comercial. Assim, quando a Estrada
da Serra possibilitou que a erva-mate dos planaltos próximos a Rio Negro, na região do
Contestado, tivesse um caminho mais curto em relação à rede comercial de Curitiba,
alguns paranaenses envolvidos no negócio do mate migraram para Joinville para
estabelecer e consolidar a estrutura ervateira na cidade.
Portanto, em 1877, o primeiro paranaense beneficiador de erva-mate fixou-se em
Joinville vindo de Morretes. Era Antonio Sinke, que instalou três engenhos de mate em
Joinville. Ele obteve lucros consideráveis já em seu primeiro ano (S. THIAGO, 1988).
Sobre esses engenhos, diz S. Thiago (1988, p.23) que Antonio Sinke arrendou-os a
Celestino de Oliveira e Vicente Ferreira de Loyola, também de Morretes”. No jornal
4
Refere-se a São Bento e Joinville.
Gazeta de Joinville
do dia 14 de janeiro de 1879 existe o registro de uma inauguração. O
empreendimento a ser inaugurado constitui mais um engenho de mate em Joinville, de
iniciativa também de Antonio Sinke e Mauricio Sinke, seu irmão. O registro expressa a
ligação clara entre a ideia de “progresso” e a instalação desse engenho, destacando que o
engenho funcionava a vapor com maquinaria importada dos Estados Unidos:
Joinville. Progresso. Hontem de tarde (dia 11) foi inaugurado com muita pompa o
novo engenho a vapor de soccar maté, propriedade de nossos prestimosos
amigos os Snrs. Antonio e Mauricio Sinke irmãos. E com maior satisfacção que
registramos este acontecimento por ser mais uma prova fallaz do rápido
progresso em que a nossa cidade ha algum tempo pra vai indo. Vale a pena
de ir vér esse bello estabelecimento que está montado com toda a perfeição e
segundo as regras mais modernas da technica. A machina à vapor procede das
oficinas da Lidgerwood manufacturing company dos Estados Unidos e é da
força nominal de oito cavallos. Os Snrs Sinke com o habitual cavalheirismo que
os distingue offerecerão á noite aos seus numerosos convidados um profuso
copo dagua seguido de um bailão no salão do Srn. Berner que na melhor
harmonia se prolongava até a mais alta noite. Que auferem os lucros
correspondentes aos sacrifícios que fizeram nesta empresa, é o nosso desejo
(GAZETA DE JOINVILLE, 1879).
Algo que ocorreu entre os paranaenses proprietários de engenhos de erva-mate
foi o emprego de mão de obra escrava. A prática da escravidão permaneceu na cidade
encontrando brechas na legislação ligada aos núcleos coloniais, principalmente pelo uso
dos escravos de ganho. Ou seja, o trabalho escravo não veio para a região da colônia com
os ervateiros da Província do Paraná. Essa prática na região é anterior mesmo a
existência da Colônia Dona Francisca. Como já observado, a área em que a Colônia Dona
Francisca foi assentada pertencia em 1851 ao município de São Francisco em sua parte
continental. Nos arredores da colônia existiam brasileiros proprietários de escravos,
donos de terras. Sandra Guedes (2007, p. 4) afirma que foram localizadas mais de 50
famílias após a chegada dos primeiros imigrantes, que possuíam cerca de 40 escravos.
Portanto, a escravidão não era novidade nas adjacências da colônia antes de a paisagem
ervateira se constituir, contudo o elemento da erva-mate trouxe mais um grupo
escravocrata para a região, os negociantes de erva-mate do litoral paranaense. Carlos
Ficker (2008, p. 248) afirma: “A estrada Dona Francisca, em 1870, absorvia grande
parte do transporte de carne seca, erva mate e outros produtos de exportação do
planalto, em direção a São Francisco”.
A inserção da rede comercial ervateira em Joinville trouxe, de certo modo, vínculo
maior da colônia com a estrutura social brasileira. Isso está relacionado diretamente ao
novo contexto que emergia com a construção da Estrada da Serra (Estrada Dona
Francisca), que proporcionou a conectividade com o principal produto da região à época,
a erva-mate. Esse contexto trouxe um novo grupo social à cidade, um grupo dominante
na economia relacionado ao negócio do mate: os negociantes e proprietários de
engenhos de erva-mate paranaenses. Além disso, a elite econômica residente nas
adjacências da Colônia Dona Francisca também se integrou ao comércio de erva-mate.
João Gomes de Oliveira, brasileiro que residia próximo à Colônia Dona Francisca,
por exemplo, logo incorporou o negócio do mate. S. Thiago (1988) observa que do tronco
patriarcal dele se originava uma oligarquia ervateira. Ele era descendente de açorianos e
viveu em Paraty, atual Araquari, até cerca de 1866, quando se mudou para as margens do
Rio Cubatão, na Estrada da Serra. Em 1887, ele ainda possuía terras no mesmo lugar, pois
o jornal
Folha Livre
, em nota de 30 de janeiro daquele ano, deu a notícia da presença de
“bugres no local”: Escreveram do Cubatão (Estrada da Serra) que na noite de 24 foi ali
pressentido o aparecimento de bugres, defronte da fazenda do Sr. João Gomes de
Oliveira, nada porém acontecendo por terem eles se afugentado logo que foram
apercebidos” (FOLHA LIVRE, 1887).
5
S. Thiago (1988) supõe que a negociação de erva-mate vinda do planalto já era
realizada por João Gomes de Oliveira e depois foi seguida por filhos e genros. Portanto, é
relevante para a compreensão da formação dessa oligarquia ervateira que surgiu em
Joinville buscar dados sobre a história dessa família. Percebe-se que os filhos de João
Gomes de Oliveira, tratando-se de suas atividades econômicas, se mantiveram atuantes
na atividade da erva-mate direta ou indiretamente, assim como os genros
6
. Conforme S.
Thiago (1988, p. 28), essa estrutura formou-se na paisagem de Joinville tendo como
núcleo estrutural a família Gomes de Oliveira, que, acrescida de outros grandes
ervateiros, pode ser denominada de oligarquia do mate:
TRONCO FAMILIAR:
JOÃO GOMES D’OLIVEIRA Casado com Rosa Leocádia Machado Gomes.
FILHOS:
1. JOÃO: Nascido em São Francisco do Sul, 1855. Provavelmente faleceu, pois em
1865 outro filho foi batizado com o mesmo nome;
2. ROSA: Nascida em São Francisco do Sul, 1856. Casada com Crispim Antônio de
Oliveira Mira, negociante e sócio da Cia. Industrial. Quando faleceu, em 1898,
Mira exercia a função de gerente da filial de Rio Negro;
5
Bugre, palavra de sentido pejorativa, foi utilizada para designar as populações indígenas consideradas
inimigas. A palavra liga-se fortemente a atuação dos bugreiros oriunda do processo de formação de
colônias agrícolas na região Sul e o genocídio indígena (SANTOS, 1988).
6
Salvos os entes familiares precocemente falecidos ou com informações imprecisas.
3. CLEMÊNCIA: Nascida em São Francisco do Sul, 1858. Repete o caso de João, pois
em 1860 apareceria outra Clemência;
4. PROCÓPIO: Nascido em São Francisco do Sul, 1859, grande ervateiro, diretor da
Cia. Industrial;
5. CLEMÊNCIA: Nascida no Paraty, 1860. Casada com Francisco José Ribeiro,
ervateiro.
6. JOSÉ: Nascido no Paraty, 1862. Idem a João e Clemência;
7. JOÃO: Nascido no Paraty, 1865. Casado com Cezarina Adélia Nóbrega D’Oliveira,
filha do coronel José Antônio de Oliveira, ervateiro, e irmã de D. Theresa, esposa
de Abdon Baptista;
8. AMÁLIA: Nascida no Paraty, 1865. Casada com Leopoldo Corrêa, negociante e
sócio da firma Oliveira, Corrêa e Cia., ervateira;
9. JOSÉ: Nascido em Joinville, 1874. Não se conseguiram dados sobre seu casamento.
10. RITA: Nascida em Joinville, 1876. Casada com Victor Celestino de Oliveira,
ervateiro, filho do coronel José Celestino de Oliveira, um dos primeiros ervateiros
de Joinville, vindo de Morretes, Paraná.
Fonte: S. THIAGO, 1988, p. 30
O mate, quando beneficiado, era escoado para São Francisco. O permanente fluxo
de mercadorias no porto de Joinville incentivou o surgimento de estaleiros e também de
uma empresa especializada nisso, criada em 1880, a “Empresa de Navegação a Vapor
entre São Francisco e Joinville”. Essa parte do transporte por vias fluviais fez surgir
demandas por serviços de construtores navais, carpinteiros, funileiros, entre outros, a
fim de atender às demandas dos dez veleiros e de dois barcos a vapor existentes em
Joinville em 1883 (FERREIRA, 2019). Com o fortalecimento econômico da rede ervateira
em Joinville, o poderio desse grupo nas questões políticas locais também se espraiaria na
criação de empresas para o fornecimento de vários serviços e projetos de
modernizações que surgiram nas primeiras décadas do século XX, como a luz elétrica e a
estrada de ferro (ROCHA, 1994). Moraes (2013) afirma que ocorreu um processo de
diversificação das atividades produtivas propiciado pela acumulação do capital
proveniente da erva-mate. Esses investimentos privados tiveram um padrão definido
pelas necessidades locais, incluindo lojas de louças e ferragem, produção de cal,
produção de aguardente, dentre outras atuações comerciais e industriais.
As atividades de beneficiamento e comercialização de alguns produtos
resultaram em características não necessariamente almejadas ou esperadas pelo
Governo Imperial quando criou os núcleos coloniais, como no caso da colônia Dona
Francisca. Nesse sentido, compreender a formação da rede ervateira permite perceber
que a economia dos núcleos agrícolas era um pouco mais complexa do que os circuitos
locais de produção, dependendo das relações que se estabeleciam entre os espaços
rurais e urbanos e submetida aos sabores dos interesses dos colonos e da produção e
mercado de outras províncias.
Considerações finais
Procuramos trazer como objeto de pesquisa a construção da relação da erva-
mate com a cidade de Joinville entre 1851 e 1890. Apesar de comuns na historiografia
joinvilense e nas obras que tratam da história da erva-mate, não identificamos trabalhos
que buscassem se voltar especificamente para a formação dessa rede ervateira mais
ampla. Por outro lado, os trabalhos que em alguma parte abordaram esse recorte
temporal da história de Joinville sempre pontuaram a relevância econômica da erva-mate
para o desenvolvimento da cidade.
A integração econômica do nordeste da então Província de Santa Catarina com o
planalto era um tema importante anteriormente à instalação da Colônia Dona
Francisca, no nordeste catarinense, em 1851, no entanto as ações para a construção de
vias de comunicação com o planalto não deram o resultado esperado. Com o surgimento
da Colônia Dona Francisca, ganhou força esse processo, contudo a integração da rede
comercial ervateira na paisagem de Joinville foi gradual e esteve condicionada à
construção da Estrada da Serra (Estrada Dona Francisca). Os engenhos de
beneficiamento somente surgiram em Joinville na segunda metade da década de 1870.
A inserção de Joinville na rede ervateira e em um circuito econômico
extremamente dinâmico impactou de forma relevante a nascente cidade. Surgido de uma
colônia agrícola, o núcleo urbano de Joinville alcançou importância econômica não como
centro agrícola, mas sim atingiu
status
de centralidade nos interesses econômicos
regionais por meio da industrialização e do escoamento da erva-mate, entre outros
produtos. A rede ervateira trouxe múltiplos novos componentes à cidade, juntamente
com o protagonismo na economia regional. A Estrada Dona Francisca possibilitou a
constituição de uma dinâmica econômica marcada pelo fluxo de carroças de quatro
rodas carregadas de erva-mate, assim como os inúmeros engenhos de erva-mate se
consolidaram em Joinville, conjuntamente com a movimentação portuária para o
escoamento dessa mercadoria. Por fim, ressaltamos a constituição de uma elite local
nesse processo, que se formou por intermédio do empreendimento ervateiro.
Referências
ALMEIDA, Paulo Roberto de.
Formação da Diplomacia econômica no Brasil
: as relações
econômicas internacionais do Império. São Paulo: Editora Senac-Funag, 2001.
ARRUDA, José Jobson de Andrade.
O Brasil no comércio colonial
. São Paulo: Ática, 1980.
AVÉ-LALLEMANT, Robert Christian.
Viagem pelas províncias de Santa Catarina, Paraná
e São Paulo (1858)
. Belo Horizonte: Itatiaia, 1980.
BRASIL. Congresso, Câmara dos deputados, Comissões de fazenda e especial. Parecer e
projeto sobre a criação de bancos de crédito territorial e fábricas centrais de açúcar
apresentados a Câmara dos Srs. Deputados na sessão de 20 de julho de 1875 pelas
comissões de fazenda e especial nomeada em 16 de abril de 1875, Rio de Janeiro: Typ.
Nacional, 1875.
BREPOHL, Marion Dias; NADALIN, Sergio Odilon. Imigração germânica, etnicidade e
identidade profissional: colonização em Joinville (Dona Francisca), província de Santa
Catarina. 1851-1889.
História
, Assis/Franca, v. 38, e2019011, 2019. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-
90742019000100415&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 5 set. 2020.
CANABRAVA, Alice P. “A grande lavoura”.
In
: HOLANDA, Sérgio Buarque de (org.).
História geral da civilização brasileira
. O Brasil monárquico: declínio e queda do império.
Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997. v. 6. p.103-166.
DORATIOTO, Francisco Fernando Monteoliva.
Maldita guerra:
nova história da
Guerra do Paraguai. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
EREMITES DE OLIVEIRA, Jorge; ESSELIN, Paulo Marcos. Uma breve história
(indígena) da erva-mate na região platina: da Província do Guairá ao antigo sul de
Mato Grosso.
Espaço Ameríndio
, Porto Alegre, v. 9, n. 3, p. 278-318, jul./dez. 2015.
FERREIRA, Luiz Mateus da Silva.
Terra, trabalho e indústria na Colônia de Imigrantes
Dona Francisca (Joinville), Santa Catarina, 1850-1920
. 325f. Tese (Doutorado em História
Econômica) Programa de Pós-Graduação em História Econômica, Universidade de São
Paulo, São Paulo, 2019.
FICKER, Carlos.
História de Joinville:
crônica da Colônia Dona Francisca. Joinville:
Letradágua, 2008.
FOLHA LIVRE. Joinville, 30 jan. 1887.
GAZETA DE JOINVILLE. Joinville, 5 mar. 1878a.
GAZETA DE JOINVILLE. Joinville, 23 abr. 1878b.
GAZETA DE JOINVILLE. Joinville, 14 jan. 1879.
GERHARDT, Marcos.
História ambiental da erva-mate
. 290f. Tese (Doutorado em
História) Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2013.
GOULARTI FILHO, Alcides. A Estrada Dona Francisca na formação econômica de Santa
Catarina.
História Revista
, v. 19, n. 1, p. 171-196, 2014. Disponível em: <
https://www.revistas.ufg.br/historia/article/view/30515>. Acesso em: 07 out. 2021.
GOULARTI FILHO, Alcides; MORAES, Fábio Farias de. A construção dos caminhos da
erva-mate em Santa Catarina: combinação e sobreposição de transportes.
Dimensões
,
vol. 31, p. 159-182, 2013. Disponível em: <
https://periodicos.ufes.br/dimensoes/article/view/7575>. Acesso em: 07 out. 2021.
GUEDES, Sandra Paschoal Leite de Camargo. A escravidão em uma colônia de
“alemães”.
In
: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 24., 2007.
Anais
[...]. São
Leopoldo: ANPUH, 2007.
JOINVILLE ONTEM E HOJE. Joinville, mar. 2008.
LINHARES, Temístocles.
História econômica do mate
. Rio de Janeiro: José Olympio,
1969.
MEIRA, Roberta Barros. Entre a experiência e a fantasia: natureza, agricultura e
imigração no Brasil do Império.
Fronteiras
: Revista Catarinense de História [on-line],
Florianópolis, n.23, p.85-98, 2014.
Disponível em: <
https://periodicos.uffs.edu.br/index.php/FRCH/article/view/8107 >. Acesso em: 24
jul. 2021.
MORAES, Fábio Farias de.
A atividade ervateira na formação econômica do planalto
norte catarinense
. Dissertação (Mestrado em Geografia) Universidade Federal de
Santa Catarina, Florianópolis, 2013.
MELLO, Evaldo Cabral.
O Norte Agrário e o Império
(1871-1889). Rio de Janeiro:
Topbooks, 1999.
OLIVEIRA, Geraldo de Beauclair Mendes de.
A construção inacabada:
a economia
brasileira, 1828-1860. Rio de Janeiro: Vício de Leitura, 2001.
RELATÓRIO PROVINCIAL.
Relatório apresentado à Assembleia Legislativa da
Província de Santa Catarina pelo Presidente Dr. Francisco José da Rocha, em 21 de
julho de 1886
. Desterro: Typ. do Conservador, 1886.
ROCHA, Isa de Oliveira.
Industrialização de Joinville (SC): da gênese às exportações
.
Dissertação (Mestrado em Geografia) Universidade Federal de Santa Catarina,
Florianópolis, 1994.
SAINT-HILAIRE, Auguste de.
Viagem a província de Santa Catarina (1820)
. São Paulo:
Companhia Editora Nacional, 1936.
SANTOS, Silvio Coelho.
Índios e Brancos no Sul do Brasil
. Porto Alegre: Editora
Movimento, 1988.
SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. História das paisagens.
In
: SILVA, Francisco
Carlos Teixeira da; CARDOSO, Ciro Flamarion (org.).
Domínios da história:
ensaios de
teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997.
SOCIEDADE COLONIZADORA 1849. Relatórios, de 1851 a 1892. Tradução Helena Remina
Richlin. Sociedade Colonizadora. Arquivo Estadual de Hamburgo.
S. THIAGO, Raquel.
Coronelismo urbano em Joinville:
o caso de Abdon Baptista.
Florianópolis: Governo do Estado de Santa Catarina, 1988.
TULER, Marcelo.
Manuel de práticas de topografia
. Porto Alegre: Bookman, 2017.
WILLIAMS, Raymond.
O Campo e a Cidade na história e na literatura
. São Paulo: Cia das
Letras, 1989.