mágico, por causa da surpresa e intensidade da mudança. O historiador não superficial é
aquele que, como o naturalista, reconhece o longo processo e suas fases de modificações
e configurações. É assim que Duhem, em defesa da continuidade da ciência, se mostra,
antes de tudo, devotado a fazer crer que
[...] a história nos mostra que nenhuma teoria física jamais foi criada
completamente de uma única vez. A formação de qualquer teoria física sempre
derivou de uma série de retoques que, a partir dos primeiros esboços quase
disformes, tem gradualmente conduzido o sistema aos estados mais avançados
[...]. Uma teoria física não é um produto repentino de uma criação; é o resultado
vagaroso e progressivo de uma evolução. (DUHEM, 1989a, p. 337).
A argumentação que se segue à passagem acima e que tem como exemplo a teoria
da gravitação de Newton é uma crítica à história mais antiga da ciência que celebrava
somente os grandes feitos do século XVI e XVII, sem consideração à existência de uma
tradição passada, antiga e medieval. E aí Duhem recorre a outras imagens de um modo
um tanto irônico e anedótico
O leigo comum julga o nascimento das teorias físicas como a criança julga a
eclosão do pintinho. Acredita que essa fada a que dá o nome de ciência tocou
com sua varinha mágica a testa de um homem de gênio e a teoria se manifestou,
viva e completa, tal qual Palas Atena emergindo completamente armada da testa
de Zeus. Ele pensa que bastou a Newton ver uma maçã cair em um pomar para
que, de repente, os efeitos da queda dos corpos graves, os movimentos da
Terra, da Lua, dos planetas e seus satélites, as viagens dos cometas, o fluxo e
refluxo do oceano, viessem a se reunir e se classificar nesta única proposição:
dois corpos quaisquer se atraem proporcionalmente ao produto de suas massas
e em razão inversamente proporcional ao quadrado de sua distância mútua.
(DUHEM, 1989a, p. 237-338).
Enquanto a história disponível em seu tempo promovia a exaltação dos grandes
cientistas iniciadores da ciência moderna, como a criança maravilhada pelo nascimento
súbito do pintinho, Duhem defende, na sua reconstituição histórica, a predominância do
trabalho coletivo em ciência. Em termos metafóricos e em suas palavras, poderíamos
dizer que ele faz o trabalho como faz o naturalista, isto é, “reconhece a última fase de um
longo desenvolvimento”, para examinar, “em seguida, a série de divisões, diferenciações
e reabsorções que, célula por célula, construíram o corpo da jovem ave.” (DUHEM,
1989a, p. 337). Em texto posterior, ele sentencia: “Nenhuma descoberta científica é uma
criação
ex nihilo.”
(DUHEM apud Jaki 1991, p. 243). Uma descoberta seria uma
combinação nova de elementos já existentes sobre um novo plano. E o que poderia ser
considerado um novo plano no desenvolvimento da teoria da gravitação? Duhem, ao
apresentar uma breve síntese dessa teoria, partindo da ciência helênica com ênfase em
suas lentas metamorfoses durante séculos, afirma: “A revolução copernicana, arruinando