VIANNA, Luciano José
*
https:// orcid.org/0000-0001-7355-7609
FONSECA, Edjane Borges
**
https:// orcid.org/0000-0002-2509-0802
RESUMO: O objetivo deste artigo é refletir
sobre as possibilidades do uso do cinema na
formação de professores através do filme
Em
nome de Deus
(1988), com o tema história das
mulheres no Medievo. Para isso, utilizamos
estudos voltados para a potencialidade do
filme em sala de aula, estudos históricos,
historiográficos e temáticos. Observa-se
algumas possibilidades que a utilização do
filme
Em nome de Deus
favorece, por
exemplo, o rompimento da ideia de
intelectualidade somente vinculada ao
contexto masculino neste período histórico e
também a desconstrução da ideia do poder
dominador da Igreja sobre os homens e
mulheres. Com isso, o filme torna-se uma
ferramenta necessária para a formação do
professor na contemporaneidade, com o
objetivo de promover não somente o
pensamento crítico na educação básica, mas
também, em se tratando de um filme sobre
história das mulheres, uma sociedade mais
igualitária em questões sociais.
PALAVRAS-CHAVE: Cinema e Medievo;
História das Mulheres no Medievo; Formação
de professores.
ABSTRACT: This article aims to reflect on the
possibilities of the use of movies in teacher
training through the movie
Stealing Heaven
(1988), with the theme history of women in the
Middle Ages. For this, we use studies on the
potentiality of the movie in the teacher
training, historical studies, historiographical
studies and thematical studies. We observe
some possibilities which the utilization of the
movie
Stealing Heaven
provide, such as the
deconstruction of the idea of intellectuality
only linked to the male context in this
historical period and also the deconstruction
of the idea of the dominating power of the
church over the man and women. Therefore,
the movie becomes a necessary tool to teacher
training in the contemporaneity, in order to
promote not only the critical thinking in basic
education, but also when it comes to a movie
about history of women, a more egalitarian
society on social issues.
KEYWORDS: Movie and Middle Ages; History
of Women in Middle Ages; Teacher Training.
Recebido em: 06/05/2021
Aprovado em: 08/10/2021
* Doutor em
Cultures en contacte a la Mediterrània
pela Universitat Autònoma de Barcelona (UAB). Pós-
Doutor em História pela Universidade Federal de Sergipe (UFS). Professor Adjunto de História Medieval na
Universidade de Pernambuco (UPE)/
campus
Petrolina e Professor Permanente do Programa de Pós-
Graduação em Formação de Professores e Práticas Interdisciplinares (PPGFPPI),
campus
Petrolina.
Membro do
Institut d’Estudis Medievals
(UAB-IEM). Coordenador do
Spatio Serti
Grupo de Estudos e
Pesquisa em Medievalística da UPE/
campus
Petrolina. E-mail: luciano.vianna@upe.br. O presente trabalho
foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior Brasil
(CAPES) Código de Financiamento 001.
**
Graduada em História pela Universidade de Pernambuco (UPE)/
campus
Petrolina. Professora da rede
pública de ensino do estado da Bahia (regime especial REDA) cidade Juazeiro.
Este é um artigo de acesso livre distribuído sob licença dos termos da Creative Commons Attribution License.
Introdução
Segundo Valim (2012), o cinema não é apenas uma prática social, mas um gerador
de práticas sociais, ou seja, através dos filmes podemos compreender a forma de agir, de
pensar e sentir de uma determinada sociedade. Este também é capaz de suscitar
transformações ou até mesmo propor modelos sociais. Por outro lado, de acordo com
Selva Guimarães (2012, p. 264), a proposta de utilização de filmes como objetos do
ensino de história não é recente, já existindo desde as primeiras décadas do século XX; o
que são recentes são os novos enfoques, as novas abordagens e as novas concepções.
Desta forma, os filmes, quando são trabalhados e problematizados, tanto na pesquisa
quanto no ensino, podem trazer bons resultados para a formação do discente. Por
exemplo, a própria
Lei de Diretrizes e Bases
(LDB) contempla em seu § 8 do artigo 26 a
possibilidade da exibição de filmes na Educação Básica como “componente curricular
complementar integrado à proposta pedagógica da escola” (BRASIL, 2014). Embora o
caráter nacional dos filmes esteja destacado na LDB, ou seja, “exibição de filmes de
produção nacional” (BRASIL, 2014), filmes produzidos em outros países podem
apresentar temáticas relacionadas aos conteúdos presentes em documentos
institucionais, como a
Base Nacional Comum Curricular
(BNCC), principalmente em se
tratado de temporalidades distantes como o Medievo. A citação da BNCC nas linhas
anteriores é necessária, uma vez que é este documento que deve ser observado com
um olhar crítico que os professores em formação deverão ter em mente no momento
de ministrar suas aulas no contexto da Educação Básica.
Diante do crescimento de produções cinematográficas vinculadas a diversos
períodos históricos, observamos a necessidade de estudar como a história medieval
feminina é abordada pela indústria cinematográfica e também compreender as
possibilidades dos usos das fontes fílmicas na formação de professores. Considerando a
temática voltada para a história das mulheres no Medievo, temática presente em termos
de BNCC, observamos o objeto de conhecimento “O papel da mulher [...] no período
medieval.” (BNCC, 2018, p. 420), e as habilidades “Descrever e analisar os diferentes
papeis sociais das mulheres [...] nas sociedades medievais.” (BNCC, 2018, p. 421).
Uma vez que os papéis sociais das mulheres no período medieval foram diversos,
também uma vasta produção acadêmica para o mesmo período, e por isso
consideramos abordar o cinema e as suas possibilidades de uso na formação de
professores, especialmente, a produção cinematográfica:
Em nome de Deus
(título
original:
Stealing Heaven
). Este filme apresenta a história de uma das mulheres mais
conhecidas do Medievo, Heloísa (c. 1090-1164), e sua produção, feita em 1988, realizada
em um contexto no qual as discussões sobre a história das mulheres alcançavam um
destaque nas produções acadêmicas norte-americanas. Contextualizando este tema, é
necessário destacar que as produções sobre a história das mulheres foram
desenvolvidas no âmbito universitário em um momento posterior ao surgimento das
demandas sociais levantadas pelo movimento feminista dos anos 1960, as quais também
ocorreram em um âmbito norte americano. A partir desta demanda social,
posteriormente um novo campo de estudos foi se formando em termos acadêmicos e
diversos produtos culturais dentre eles, o filme foram sendo elaborados a partir da
consideração da mulher como protagonista. Portanto, esta obra fílmica nos chamou a
atenção precisamente porque aborda uma temática voltada para a temporalidade do
Medievo presente em termos de BNCC, envolvendo, assim, a formação de professores: a
história das mulheres.
O filme
Em nome de Deus
pertence ao gênero drama-romance, com direção de
Clive Donner e possui uma duração de 108 minutos. O filme foi produzido nos Estados
Unidos, mas é ambientado no Reino da França no século XII. Seu enredo gira em torno da
história do personagem Aberlado (interpretado por Derek de Lint), um famoso professor,
teólogo e filósofo que ministrava aulas em Paris, e da personagem Heloísa (interpretada
por Kim Thomson), uma jovem estudante que foi criada em um convento e depois se
mudou para casa de seu tio e tutor em Paris, Fulbert (interpretado por Denholm Elliottt).
A jovem Heloísa era detentora de um grande conhecimento intelectual, o que era
bastante fora do comum naquela época, que durante o século XII a educação
intelectual era voltada, em sua grande maioria, para o público masculino.
O filme é dividido em cinco momentos. Em um primeiro momento, exibe-se a morte
da personagem Heloísa, na Abadia do Paracleto; posteriormente, é abordada a vida de
Abelardo quando ministrava aulas em Paris e Heloísa vivia no mosteiro de Argenteuil,
sendo que os dois não se conheciam; em seguida, o filme apresenta os dois se
apaixonando e se casam escondidos; o quarto momento é representado quando Abelardo
e Heloísa acabam se separando graças a Fulbert (tio de Heloísa) que, ao se sentir traído
por Abelardo por ter se aproximado de sua sobrinha, promove uma vingança que irá
mudar definitivamente a vida dos dois personagens; por fim, o quinto momento é
representado quando os dois se encontram e percebem o quão vivo ainda está aquele
amor de quando eram jovens.
Sobre as referências apresentadas no filme em relação ao Medievo é possível
destacar a influência da Igreja perante a sociedade e na educação, o surgimento das
universidades e o grande crescimento estimulado pelo comércio e pelo contexto
universitário, além da presença notável do contexto citadino parisiense. O filme também
faz diversas críticas à supremacia da Igreja, à corrupção e à venda de objetos
considerados como sagrados, mesmo sendo ambientado em um contexto posterior à
Reforma Gregoriana. Outro aspecto importante é o ambiente urbano onde se desenvolve
a trama, ou seja, a cidade de Paris no século XII, uma cidade em efervescência devido ao
surgimento de novos grupos sociais e da intensificação do comércio e dos conflitos
acadêmicos (CULETTON; PEREIRA, 2006, p. 38-43). Entretanto, considerando o foco
temático deste artigo, voltaremos nosso olhar para o contexto da história das mulheres
no Medievo.
Neste artigo, buscamos analisar como a personagem Heloísa é representada no
filme
Em nome de Deus
, com destaque para o seu protagonismo, tentando, assim,
compreender a interação entre Cinema e História através da análise de uma produção
norte-americana que aborda a história de uma mulher do Medievo. Ademais, também
voltamos a nossa atenção para as possibilidades de utilização deste filme na formação de
professores. Para tal análise, foi fundamental entendermos como a história das mulheres
é compreendida em termos historiográficos. Como aspectos voltados para a utilização
dos filmes visando destacar suas potencialidades, destacamos os estudos de Cruz, Leite
e Löhr (2014), Macedo (2006), Macedo (2009), Macedo (2016), Modro (2006), Napolitano
(2008), Culetton e Pereira (2006) e Valim (2012). Como estudos voltados para um
referencial histórico, historiográfico e temático, utilizamos as propostas de Duby (1995),
Klapisch-Zuber (1992b), Opitz (1992) e Scott (1992).
Adentrando ao tema que trabalhamos neste artigo, faz-se necessário enfatizar a
importância que o filme enquanto objeto de estudo tem alcançado no âmbito
educacional, seja como instrumento de pesquisa, seja como material didático pedagógico.
Enquanto fonte de estudo, o filme pode ser visto como um importante recurso onde é
possível observar ideologias, posições e representações sociais e políticas dominantes
do contexto no qual foi produzido. Já enquanto material didático, pode ser utilizado como
fonte alternativa pelo futuro docente da Educação Básica em sala de aula, auxiliando em
sua práxis pedagógica e contribuindo para o ensino/aprendizagem do discente. De
acordo com Napolitano:
[...] trabalhar com o cinema em sala de aula é ajudar a escola a reencontrar a
cultura ao mesmo tempo cotidiana e elevada, pois o cinema é o campo na qual a
estética, o lazer, a ideologia e os valores sociais mais amplos são sintetizados
numa mesma obra de arte. (NAPOLITANO, 2008, p. 11).
Assim, os filmes, quando utilizados na formação de professores, potencializam a
formação inicial do futuro docente, apresentando ao mesmo uma ferramenta atual e que,
de certa forma, é conhecida e faz parte do contexto social da maioria dos estudantes. O
filme faz parte, portanto, de uma forma contemporânea de se problematizar questões
históricas mais próximas à realidade do estudante. Neste sentido, para Libâneo (2006, p.
33), “O importante não é a transmissão de conteúdos específicos, mas despertar uma
nova forma da relação com a experiência vivida.”. Ao ser utilizado como fonte alternativa
pelo futuro docente, favorece ao mesmo uma possibilidade de ministrar sua aula fugindo
de aspectos tradicionais em termos de formação de professores, tornando-a mais
atrativa e atual para os seus alunos, uma vez que o cinema é um caminho atual através
do qual algumas informações históricas chegam ao grande público, sendo uma das áreas
do campo histórico conhecido como História Pública (ZAHAVI, 2011, p. 61-62).
Entretanto, para que este discente em formação inicial possa ter subsídios
necessários para a utilização deste objeto em sala de aula, é necessário que o mesmo
passe por um processo de preparação no qual tal objeto seja utilizado e problematizado,
ou seja, no contexto de formação de professores, tornando o mesmo um profissional
reflexivo (SANTOS, 2012, p. 26-27).
As etapas metodológicas que aplicamos foram as seguintes: 1) contextualizar o
tema história das mulheres através de uma análise bibliográfica; 2) analisar no filme os
diálogos nos quais Heloísa participa ativamente e se destaca na narrativa, com recorte
no âmbito educacional e no âmbito religioso; 3) e compreender as possibilidades dos
usos deste filme na formação de professores. Diante disso, nos guiaremos pelas
seguintes questões: como o cinema enquanto fonte histórica apresenta a proposta da
história das mulheres para temporalidades mais distantes? Como Heloísa foi
representada no filme
Em nome de Deus
, uma obra cinematográfica produzida no auge
dos estudos sobre as mulheres no âmbito universitário norte-americano? Considerando
a presença da história das mulheres na BNCC, quais seriam as potencialidades do filme
Em nome de Deus
na formação de professores para o contexto da Educação Básica?
Questões historiográficas: história das mulheres, femininos e gênero
É inegável que a história das mulheres tem alcançado um lugar de destaque no
pensamento historiográfico contemporâneo. Porém, durante muitos anos, elas foram
silenciadas perante a História ou, na maioria das vezes, seus discursos foram produzidos
a partir de um filtro masculino que não considerava a condição feminina (PERROT, 2017,
p. 14-20). Desde os tempos antigos a história das mulheres confronta-se com o “dilema
da diferença”. Este se apresenta através de uma construção social na qual impõe uma
divisão entre os sexos, atribuindo às mulheres uma condição de inferioridade. Ou seja, a
questão das diferenças sexuais foi determinada através de uma construção ideológica, a
qual tornou a figura feminina inferior, sendo a ela determinado seu lugar e
comportamento perante a sociedade (SCOTT, 1992, p. 63-95). Desta forma, com a
constituição do campo de estudos sobre a história das mulheres, fez-se necessário
incluir as mulheres como sujeitos ativos, que, durante muito tempo, o território
histórico manteve uma exclusividade de um sexo, e, com isso, a mulheres estiveram
isentas de participar do mesmo, tornando-se, assim, herdeiras de um presente sem
passado, de uma História que não as representavam e não as valorizavam (DEL PRIORE,
2001, p. 217).
Entre os anos 60 e 80 do século passado, ocorreram algumas mutações de ordem
historiográfica e social que favoreceram a modificação do foco da escrita da História
para o âmbito feminino. Nos referimos à abertura da historiografia para as novas
abordagens, assim como as constantes lutas das mulheres na conquista de seu espaço na
sociedade, como, por exemplo, o movimento feminista. Tais acontecimentos fizeram com
que se tornasse possível obter uma mudança significativa na forma de compreender a
história das mulheres (SCOTT, 1992, p. 63-65).
O feminismo é um movimento político, social e ideológico que tem como objetivo
alcançar direitos equânimes entre homens e mulheres. Segundo Scott, este movimento
ressurgiu nos anos de 1960 nos Estados Unidos estimulado pelo movimento de direito
civil e pelas políticas de governos destinadas a estabelecer o destaque social feminino.
Com o passar do tempo, assumiu uma identidade coletiva com o propósito de lutar
contra a desigualdade, o fim da subordinação e invisibilidade feminina em relação aos
homens. Além de lutar por igualdade, o movimento também visava favorecer às mulheres
o direito sobre os seus corpos, assim como introduzi-las definitivamente na história.
(SCOTT, p. 1992, p. 64-74).
Del Priore (2001, p. 220) enfatiza a importância deste momento, afirmando que as
feministas fizeram a história da mulher antes mesmo que os historiadores. Além do
Estados Unidos, devemos destacar que o movimento feminista também esteve presente
em outras partes do mundo nas décadas de 60 e 70 do século passado e a atuação
desses movimentos sociais favoreceu a reivindicação às mulheres os direitos iguais aos
dos homens, expressando, assim, seus anseios por mudanças sociais, políticas e
econômicas (SCOTT, p. 1992, p. 64-69).
Observamos também as propostas de Soihet, voltadas para o aspecto
historiográfico, a qual tratou a respeito das mudanças ocorridas durante o século XX,
mudanças estas proporcionadas a partir do surgimento da História Cultural, a qual teve
como premissa os estudos dos grupos sociais excluídos, como, por exemplo, as
mulheres, os operários, os escravos e os camponeses. A partir disso, Soihet faz uma
análise sobre a abordagem das mulheres na década de 1970 e 1980. Esta “reviravolta da
história” proporcionou às mulheres uma condição de objeto histórico. Soihet enfatiza
que antes mesmo dessa “reviravolta histórica” já existiam, mesmo que de forma escassa,
historiadores que se propuseram a desenvolver estudos sobre as mulheres. Michelle
Perrot foi uma das historiadoras que se aventurou neste campo e desenvolveu um
estudo acerca do pensamento dominante no seu tempo e na identificação das mulheres
na esfera privada e pública. No entanto, de fato, somente com a história das
mentalidades a história das mulheres adquiriu um lugar de destaque na historiografia e
obteve também uma maior problematização (SOIHET, 2011).
Por exemplo, a entrada cada vez maior das mulheres no âmbito acadêmico está
inteiramente vinculada à expansão do feminismo e de suas lutas travadas ao longo dos
anos por melhores condições e visibilidades. Nos Estados Unidos, as mulheres atingiram
uma presença visível e influente na academia devido à forte presença dos movimentos
sociais surgidos na década de 1960, os quais tinham como objetivo reivindicar melhores
condições de vida para as mulheres americanas e exigir direitos e oportunidades iguais
para todos (SCOTT, 1992, p. 69-74).
Segundo Scott, durante os anos 1960, faculdades e escolas dos EUA começaram a
estimular as mulheres a obterem PhD’s, e como estímulos passaram a ser oferecidas
bolsas de estudo e um considerável apoio financeiro, visando o fato de que as mulheres
constituíam uma importante força latente para as faculdades e as universidades as quais
se encontravam carentes de bons professores e pesquisadores. Porém, apesar da
inserção das mulheres no meio acadêmico representar um grande avanço para elas, o
preconceito e a desigualdade continuaram predominando neste ambiente. Por
conseguinte, surgiram grupos feministas reivindicando igualdades no tratamento e nos
direitos entre homens e mulheres. Scott chama atenção para os discursos que existiam a
respeito da qualificação dessas mulheres, pois, segundo ela, tanto autores quanto
diretores de faculdades afirmavam que as diferenças deixariam de existir a partir do
momento em que as mulheres buscassem se qualificar. No entanto, na prática não foi
bem assim, ou seja, por mais que as mulheres possuíssem as mesmas qualificações dos
homens a subordinação e a discriminação continuaram existindo (SCOTT, 1992, p.68-69).
Klapisch-Zuber (1992b, p. 12) destaca que muitos dos estudos consagraram as
mulheres em várias esferas sociais no Medievo, como, por exemplo, as religiosas e
mulheres santas, as jovens prometidas em casamento ou as esposas laborais, mostrando,
com isso, a importância da mulher no casamento, e descontruindo sistemas de valores
engessados, de imagens e de representações, e testemunhando os diversos lugares que
essas mulheres ocuparam.
Neste sentido, Klapisch-Zuber enfatiza que:
Nascer homem ou mulher não é, em nenhuma sociedade um dado biológico
neutro, uma simples qualificação “natural” que permaneceu como inerte. Pelo
contrário, este dado é trabalhado pela sociedade: as mulheres constituem um
grupo social distinto, cujo carácter lembra-nos Joan Kelly , invisível aos
olhos da história tradicional, não depende da “natureza” feminina. (KLAPISCH-
ZUBER, 1992b, p. 11)
Como podemos ver, o movimento feminista foi fundamental para a inclusão das
mulheres na história: “A integração presumia não somente que as mulheres poderiam ser
acomodadas nas histórias estabelecidas, mas que sua presença era requerida para
corrigir a história.” (SCOTT, 1992, p. 85). A partir dessas diferenças, o feminismo buscou
questionar e combater as desigualdades existentes entre os sexos, ou seja, foi a partir
dessas diferenças que surgiu a categoria de “gênero” (SCOTT, 1992, p. 75-95).
O termo gênero” foi criado na década de 1970 para teorizar as questões das
diferenças sexuais, diferenças essas que eram definidas como um elemento construtivo,
uma vez que os conceitos que definem a masculinidade, a feminilidade e os padrões de
comportamentos sociais aceitáveis para homens mulheres foram construídos ao longos
dos anos. Diante disso, a categoria de “gênero” foi desenvolvida com o intuito de analisar
e romper com os conceitos socialmente estabelecidos entre homens e mulheres em
relação ao determinismo biológico e, assim, buscar construir um novo paradigma
(SCOTT, 1992, p. 87-89).
O gênero surgiu inicialmente com o intuito de analisar e discutir sobre a
desigualdade entre os sexos, homem
versus
mulher, mas, logo depois estendeu-se
também à questão das diferenças dentro das diferenças, ou seja, passou também a se
discutir acerca das distinções entre as diversas categorias de mulheres: mulheres de cor,
mulheres judias, mulheres lésbicas, mulheres trabalhadoras pobres, mães solteiras,
foram apenas algumas das categorias introduzidas no debate historiográfico (SCOTT,
1992, p. 87).
Traçamos brevemente estes aspectos historiográficos porque devemos
considerar que uma relação intrínseca entre as demandas sociais e culturais da
sociedade, o desenvolvimento historiográfico, produtos culturais, a formação de
professores e o ensino de História. Como forma de exemplificarmos esta relação,
podemos citar o surgimento do campo de estudos sobre a história das mulheres no
século passado: a partir de uma demanda social e cultural (feminismo nos anos 60 e 70
do século XX), surgiu uma série de reflexões sobre o campo histórico feminino em
diversas temporalidades (expansão dos estudos sobre a mulher no mundo universitário e
na formação de professores), que levou à elaboração de produtos culturais (filmes,
literatura, etc...) e cujo reflexo observamos em termos de formação cidadã (como, por
exemplo, a BNCC com a temática sobre a história das mulheres).
Neste sentido:
Como sujeitos atuantes em um curso superior de história, acreditamos que o
ensino de História é um campo de investigação que mantém uma relação, ao
mesmo tempo, íntima e estranha com a produção do conhecimento da
historiografia profissional. A produção particular de saberes históricos dentro
da escola possui vínculos com a historiografia profissional, mas também se
caracteriza por estar fora dela, e possui uma lógica distinta, suscetível de se
converter em objeto de investigação. Nesse sentido, localiza-se em um espaço
fronteiriço entre história e educação. Em relação à explicitação das
semelhanças, verificamos que as pesquisas, tanto na investigação histórica
quanto no ensino, se referem a um conjunto de técnicas de análises; consideram
as condições políticas, socioeconômicas e culturais em que se desenvolve a
investigação histórica profissional. (SILVA JÚNIOR; SOUSA; SANTOS, 2016, p.
254).
O uso do cinema no campo historiográfico
O cinema, enquanto fonte histórica, obteve importância com a ampliação dos
objetos de pesquisa do campo historiográfico, ou seja, a partir dos movimentos de
renovação da historiografia foi possível ter um novo olhar para com o mesmo. O
surgimento da
Escola dos Annales
em 1929, principalmente em sua terceira geração,
possibilitou uma nova forma de se pensar a História, tanto na questão dos objetos de
estudo quanto nas questões metodológicas. A partir dos
Annales
, ocorreu a ampliação do
termo “documento”, seja ele escrito, ilustrado, transmitido através de imagens, som ou
através da oralidade, enfatizou-se também a necessidade da crítica ao documento
possibilitando, assim, uma história mais problemática (BURKE, 1992).
Consolidado durante o século XX e amparado pelo capitalismo, o cinema tornou-
se um dos produtos culturais mais consumidos na sociedade atual, transformando a
indústria cinematográfica em uma das mais lucrativas. Além de ocupar um lugar de
destaque no quesito entretenimento, é também um artefato cultural importantíssimo
capaz de promover uma mudança significativa perante uma sociedade, uma vez que não
é somente uma prática social, ou um meio de entretenimento, mas é também um gerador
de práticas sociais, um testemunho da forma de agir e pensar de uma sociedade. Ou seja,
através de uma produção cinematográfica é possível perceber as representações de uma
determinada sociedade, sejam os costumes, problemas, formas de agir e pensar, assim
como é também capaz de despertar transformações, ou até mesmo expor uma visão
crítica da própria sociedade e o contexto do filme (VALIM, 2012, p. 284-286). Segundo
Carrière (2006, p. 8), “Os filmes não existem ali, na tela, no instante da projeção, eles
se mesclam às nossas vidas, influem na nossa maneira de ver o mundo, consolidam
afetos, estreitam laços, tecem cumplicidades.” . A história das mulheres teve um reflexo
na indústria cinematográfica durante os anos 70 e 80 do século passado, se
considerarmos o grande número de filmes que abordam o papel da mulher como
protagonista produzidos neste período. Entre as diversas produções realizadas neste
período, podemos destacar:
Uma mulher descasada
de Paul Marzursky (1978) o filme
aborda a trajetória de uma mulher que busca reconciliação com sua identidade e com sua
sexualidade após ser tocada por outra mulher;
Norma Era
de Martin Ritt (1979) o qual
apresenta o contexto do péssimo salário e das condições de trabalhos das mulheres na
fábricas xteis;
A cor púrpura
de Steven Spielberg (1985) que conta a história de uma
jovem violentada durante anos pelo pai; e o filme
Acusado
de
Jonathan Kaplan (1988)
narra a história de uma jovem que é estuprada e, ao denunciar o caso, sofre inúmeros
preconceitos e acusações, além de indicar que suas ações teriam provocado o estupro.
O cinema tornou-se um objeto de estudo constante no meio acadêmico. No
entanto, para que se tornasse um objeto de estudo aceitável se fez necessário a
introdução de métodos e parâmetros para uma análise social do cinema. Desde 1940
autores brasileiros como Paulo Emilio Salles, Salvyano Cavalcante de Paiva, Alex Viany,
Octavio de Faria e José Carlos Avellar buscaram discutir métodos que possibilitassem
uma melhor análise social do cinema, ajudando a edificar uma importante memória de
consciência a respeito da importância de se modernizar o pensamento sobre o cinema.
Contudo, a partir de 1990 houve uma maior abordagem e problematização por parte
dos historiadores devido a introdução de métodos baseados na emissão e recepção dos
filmes, o que possibilitou um aumento de pesquisas relacionadas à “história visual” nas
academias (VALIM, 2012, p. 283-284).
Valim (2012, p. 283) destaca que a preocupação com esse tipo de enfoque cresceu
bastante nas últimas décadas, e os motivos para esse interesse estão vinculados não
somente ao atual estágio das concepções sobre História com a ampliação dos objetos
de estudo , mas também ao paulatino reconhecimento da relevância de se estudar a
emissão, a mediação e a recepção de filmes de maneira integrada.
Com isso, hoje temos um vasto e profícuo campo de investigação:
De acordo com David Bordwell, a narrativa cinematográca pode ser estudada
como uma (1) representação, isto é, o conjunto de ideias que compõem a trama,
(2) a estrutura, mais próxima de uma abordagem sintática e (3) o ato, o processo
dinâmico de apresentação de uma história a um receptor. De modo distinto do
autor, que privilegia a primeira e a segunda perspectivas, exploro menos a
função (2), do que as origens da narrativa, aquilo que ele denomina semântica
da narrativa (1), bem como o seu efeito (3). (VALIM, 2012, p. 284).
Para se ter uma boa compreensão das obras cinematográficas a partir da
perspectiva historiográfica é fundamental que a interpretação do filme seja feita sempre
observando-se o contexto no qual foi realizada sua produção, pois, dessa forma, será
possível compreender como o filme se relaciona com as estruturas sociais, bem como
com as posições ideológicas que permeiam seu contexto. Diante disso, ao considerá-lo
como uma fonte de estudo, é necessário percebê-lo como um conjunto de
representações que remetem, diretamente ou indiretamente, ao período e à sociedade
que o produziu (VALIM, 2012, p. 285-288). Este aspecto metodológico que relaciona a
produção fílmica ao seu contexto é de fundamental importância para a formação de
professores, que os mesmos necessitarão considerar tais aspectos no momento da
análise de uma obra cinematográfica.
É importante ressaltar que, para se obter uma boa análise fílmica, esta deverá ser
realizada através de códigos do próprio filme e não por meios de códigos destinados a
documentos mais convencionais. Outra questão importante que o historiador não deve
buscar ao analisar um filme, principalmente em filmes históricos, é querer que estes
retratem uma realidade histórica da mesma forma que os documentos oficiais. Pois, por
mais que os produtores busquem retratar o mais fiel possível um fato histórico, a
produção é resultado de um processo muito complexo e elaborado no qual envolve
diversos fatores na sua elaboração (MACEDO, 2006, p. 16-20). Segundo Macedo:
[...] na realidade, o que o espectador vê na tela é um produto acabado. Resultado
de um processo muito complexo e de uma linguagem extremamente elaborada.
De um trabalho coletivo extremamente amplo que envolve desde contra-regras
e câmeras até diretores e roteiristas e que elaboraram e desenvolveram uma
certa idéia, que é uma idéia ficcional em geral a não ser que se trate de um
documentário. De qualquer maneira, na medida em que o espectador tem
acesso a essa obra, a esse produto acabado, a idéia que chega, vem muito
elegante e em geral exerce um grande fascínio. (MACEDO, 2006, p. 17).
Assim como aponta Rosseni, os filmes às vezes fazem parecer que estamos diante
de uma “máquina do tempo”, devido as suas riquezas de detalhes ao resgatar o passado,
como as vestimentas, falas, gestos e ambientes, que embora saibamos que é apenas uma
representação, parece tão verossímil, tão real. É como se estivéssemos diante do
passado, ou melhor, por meio do cinema a distância entre passado e presente parece
diminuir. Ou seja, embora os filmes não sejam um retrato da realidade, este é capaz de
produzir um efeito tão forte, que nos faz considerá-lo como real (ROSSENI, 1999, p. 118-
125). Entretanto, é preciso considerá-lo, no contexto de formação de professores, como
uma ferramenta a mais para ser utilizada na formação profissional e, assim, abordá-lo de
forma adequada neste processo. De acordo com Modro:
O cinema tem mais de um século, mas continua sendo jovem, dinâmico,
inovador e cativante como foi desde o seu começo. Portanto, utilizá-lo com
finalidade além de mero entretenimento é uma forma de aproveitar uma
ferramenta poderosíssima, afinal vivemos em uma sociedade cada vez mais
imagética na qual a máxima uma imagem vale mais que mil palavras” é
comprovada diariamente. (MODRO, 2006, p. 127).
Em relação aos filmes que retratam a temática do Medievo, é inegável que estes
exibem um grande fascínio na indústria cinematográfica, considerando a vasta produção
que retrata este período histórico e que atrai muitos consumidores. No entanto, ainda
existem muitos questionamentos a respeito da utilização dos filmes como objeto de
pesquisa histórica e educacional, uma vez que vários historiadores atentam para a
necessidade de saber diferenciar o Medievo histórico do Medievo dos cinemas, ou seja,
“[...] o problema está em quem não conhece suficientemente a história aceitar o que um
filme diz como verdade histórica.” (MACEDO, 2006, p. 23). Diante disso, enfatizamos
para a necessidade de compreender e discutir os códigos, principalmente relacionados
ao contexto de produção, pois, assim como aponta Macedo, se não discutirmos poderá
ocorrer de o filme ser tomado como um dado de realidade, o que não é.
Segundo José Rivair Macedo (2006, p. 23), o Medievo retratado no cinema ajuda a
compreender mais o contexto contemporâneo de produção do filme que o contexto
medieval propriamente dito, pois a sua mensagem é pensada mais a partir do momento
de sua elaboração do que da referida época. Sendo assim, percebemos o quão importante
é analisar o local e o contexto histórico da sua produção.
Cinema e formação de professores: algumas reflexões
Com o passar do tempo, e após uma intensa discussão e produção acerca do
tema, o cinema passou a ser uma ferramenta pedagógica que está disponível para o
professor em sua práxis pedagógica, um “[...] poderoso instrumento de apoio ao
professor em sala de aula.” (CRUZ; LEITE; HR, 2014, p. 25) e que pode fazer parte da
sua práxis cotidiana:
O mundo vive a Era do domínio das novas tecnologias. Novas mídias surgem a
cada instante. Considerando-se este contexto, a educação também deve
adaptar-se às novas linguagens, oportunizando aos alunos novas formas de
conhecimento, tornando-se mais atrativa e dinâmica, facilitando o processo de
ensino e aprendizagem. Dentre essas mídias está o tradicional e apaixonante
cinema, agora muito mais acessível, que pode ser um poderoso instrumento de
apoio ao professor em sala de aula. (CRUZ; LEITE; LÖHR, 2014, p. 26).
Sendo assim, o filme é uma forma contemporânea de aproximação ao
conhecimento e que pode fazer parte da práxis pedagógica do professor em sala de aula.
Por este motivo, torna-se importante a sua problematização como possível caminho
pedagógico já no momento da formação inicial do professor, até mesmo para que este
futuro profissional saiba utilizá-lo em sala de aula, adaptando esta linguagem tecnológica
ao seu saber fazer docente. Como sabemos, o exercício do saber docente “[...] é plural e
amalgamado, abarcando saberes da formação profissional, saberes disciplinares, saberes
curriculares e saberes experienciais.” (CRUZ; HOBOLD, 2018, p. 238) e, portanto,
trabalhar com filmes na formação de professores amplia ainda mais este saber docente
plural, possibilitando ao mesmo outras possibilidades para exercer a sua profissão.
O cinema, além de promover uma memória social, é também um transmissor de
consciência histórica. Portanto, ao se pensar em uma relação entre cinema e medievo do
ponto de vista histórico, Macedo afirma que é importante considerar que a história
apresentada em uma narrativa cinematográfica não é a mesma estudada pelos
historiadores. Ou seja, a Idade Média retratada pelo cinema não é a mesma Idade Média
apresentada nos livros acadêmicos ou didáticos. Mesmo se tratando de um filme de
reconstituição histórica, no qual seus produtores tenham tentado se aproximar ao
máximo da realidade, existem alguns aspectos próprios da linguagem cinematográfica
que devem ser considerados, ou seja, entre uma obra e o espectador diversas
mediações, sejam elas técnicas, culturais ou ideológicas (MACEDO, 2009, p. 13-25).
Todos estes aspectos devem ser considerados a partir do momento em que se decide
utilizar uma obra fílmica na práxis pedagógica.
Todos conhecemos as potencialidades do cinema (ficção e documentário) na
criação de recursos pedagógicos para aproximar-se do histórico. Ninguém
desconhece, entretanto, a natureza ficcional, os compromissos estéticos e as
vinculações ideológicas de determinadas obras cinematográficas. Ao valer-se de
filmes, o professor deve estar ciente de que o bom aproveitamento da projeção
dependedo quanto seu conteúdo for colocado em discussão, e do quanto se
puder esclarecer a respeito da distinção entre o real e o imaginário da época
enfocada. (MACEDO, 2016, p. 119).
Assim, Macedo apresenta a ideia de que, ao se deparar com um filme que faz
alusão ao Medievo, é necessário avaliar qual Medievo aparece na sua narrativa. Segundo
Macedo (2009, p. 13-18), a memória relativa ao Medievo desdobra-se em pelo menos
duas formas de apropriação: as “reminiscências medievais”, ou seja, as apropriações dos
vestígios do que um dia pertenceu ao Medievo, sejam elas alteradas ou transformadas, e
a “medievalidade”, ou seja, a referência fugidia ou estereotipada do Medievo,
representada muitas vezes através do misticismo, da barbárie e de um período obscuro.
O produto cinematográfico, portanto, enquadra-se neste segundo aspecto, ou seja, a
obra fílmica é uma referência, uma interpretação contemporânea sobre o período
medieval, uma “medievalidade”. Dessa forma, ao ressaltar este aspecto, o professor que
utiliza as obras fílmicas em suas práxis pedagógica observa melhor estas fontes com um
olhar mais crítico, criticidade esta que também passará a ser realizada pelos professores
em formação.
É preciso também considerar que o filme, mesmo sendo capaz de propor
mudanças significativas em determinada sociedade, não tem obrigação de instruir ou
estimular uma reflexão sobre o passado, mas divertir e despertar emoções em seu
público (MACEDO, 2009, p. 19). Diante disso, Macedo atenta para o fato de que antes de
rotular um filme como “inversão” ou “fantasia,” parece mais conveniente observar,
através da comparação com as evidências documentais e da análise historiográfica, o
quanto de historicidade foi obtido na sua reconstituição, além da importância de se
observar os elementos externos, como, por exemplo, o contexto de produção que,
especificamente, é a nossa proposta neste artigo. Tais atitudes são essenciais para a
utilização do filme no contexto de formação de professores, o que favorece uma visão
crítica do alunado em relação ao mesmo (MACEDO, 2009, p. 47).
Algumas reflexões atuais em relação ao contexto educacional caminham para esta
direção, ou seja, a utilização cada vez mais intensa de novas propostas metodológicas e
de práticas educacionais que se desvinculam de uma forma tradicional de ensino. Dentre
elas se inclui a utilização dos filmes na formação de professores. Por exemplo, ao refletir
sobre a educação no século XXI, Cândido Alberto Gomes (2019, p. 1124) comenta sobre
uma das revoluções que ocorreram no século XXI em relação à educação, a qual ele
caracteriza como sendo feita de indagações realizadas por jovens professores e
professoras de jovens estudantes sobre “as práticas que desafiam novas pesquisas”. Em
um dos pontos sobre a educação no que ele denomina como “sociedade de risco”, ou
seja, o nosso período atual, ele apresenta a seguinte ideia:
Metodologias e materiais precisarão reestruturar-se continuamente. É o
paradigma da pedagogia líquida, no quadro da modernidade líquida. O educador
espera-se que continue a existir teacesso e variedades muito maiores. A
alfabetização, inclusive da cultura da tela e das imagens dinâmicas, é, ou
precisa ser há tempos, multidimensional. (GOMES, 2019, p. 1131).
Mesmo referindo-se especificamente ao aspecto da alfabetização, devemos
ressaltar que tais palavras podem ser aplicadas, considerando o contexto educacional
atual, para outros âmbitos educacionais, como o da formação de professores. Os filmes
como objetos pedagógicos podem ser utilizados em sala de aula, principalmente porque
chamam a atenção dos alunos e faz com o que o professor possa trabalhar aspectos de
forma mais dinâmica.
Isso tudo, claro, deve ser realizado considerando o filme não como uma
ferramenta ilustrativa, mas sim como um objeto de conhecimento (FUNARI;
CAVALCANTE, 2011, p. 27) que facilita o entendimento por parte do público-alvo, desde
que trabalhado de forma correta e adequada pelo docente, conforme destaca Selva
Guimarães, quando comenta que o cinema deve fazer parte da formação de professores
de História:
O cinema expressa um entrecruzamento de diversas práticas sociais, de poesia
e história, estética e técnica, arte e ciência. Nesse sentido, a opção
metodológica favorável à incorporação do cinema ao ensino de História requer
de nós, professores e pesquisadores, o rompimento com a concepção de
história escolar como uma verdade; requer uma outra relação com as fontes de
estudo e pesquisa e não apenas a ampliação do corpo documental no processo
de transmissão e produção de conhecimentos. Demanda, também, um
aprofundamento de nossos conhecimentos acerca da constituição da linguagem,
das dimensões estéticas, sociais, culturais, cognitivas e psicológicas, seus
limites e possibilidades. Exige do professor uma postura interdisciplinar, o gosto
pela investigação, a busca permanente do acesso a esse universo da produção
cultural. Logo, o cinema deve ser a parte da formação do profissional de
História. (GUIMARÃES, 2016, p. 265-266).
E é nesta reestruturação metodológica que a práxis pedagógica deve estar focada,
no presente caso, em relação à utilização dos filmes como parte da formação de
professores de História. Destacar os aspectos de organização social e política, os
aspectos culturais, os grupos sociais presentes no filme, as relações de poder e as
relações sociais que são representadas e os diversos temas presentes no filme que
muitas das vezes aparecem na mesma temporalidade (mundo urbano, cruzadas,
comércio, entre outros) são caminhos que o docente pode seguir no momento de
abordar em sala de aula esta ferramenta.
O filme que apresenta uma temporalidade distante como a medieval, por exemplo,
também serve para os professores em formação pensarem em termos comparativos com
diferentes temporalidades, confrontando, através da comparação, o presente com o
passado:
A eficácia da linguagem cinematográfica parece ser maior quando se trata do
emprego de filmes com o fim de sugerir ao estudante a possibilidade de pensar
em diferentes temporalidades. O filme deixa de ter o papel de fixar determinada
imagem de uma época, mas passa apontar mudanças ou permanências,
continuidades ou rupturas. Nesse caso, parece-nos positiva a projeção de filmes
cuja trama sugere o confronto entre o passado e o presente [...]. (MACEDO,
2016, p. 119-120).
As possibilidades de abordagem do filme
Em nome de Deus
(1988): o âmbito intelectual e
religioso
Considerando o recorte temático deste artigo, ou seja, a história das mulheres no
Medievo representada nos filmes contemporâneos e sua abordagem na formação de
professores, o filme
Em nome de Deus
apresenta diversas possibilidades de análise,
destacando a protagonista, Heloisa, atuante em diversos âmbitos. Entretanto,
destacaremos apenas alguns, uma vez que a análise completa do filme seria ampla em
termos de escrita. No caso deste artigo, identificamos na narrativa fílmica possibilidades
voltadas para a relação da personagem com o âmbito intelectual e religioso, os quais
fazem parte do nosso recorte temático de abordagem. Da mesma forma, em um segundo
momento, ao final de cada tópico destacado, realizamos uma discussão a respeito das
possibilidades de utilização destes temas no contexto da formação de professores.
Primeiramente, abordaremos sobre o âmbito intelectual, o qual foi bem explorado
pelos produtores do filme, descrevendo Heloísa como uma mulher extremamente
admirável em termos intelectuais, aspecto que também se reflete, em termos históricos,
na documentação de época, produzida no final do século XII e disponível sobre a
personagem, ou seja, as cartas trocadas com Abelardo (
Correspondências de Abelardo e
Heloísa
, 2000). Ao analisar a produção fílmica sobre este viés, é possível constatar que
em diversos momentos buscou-se enfatizar este aspecto da personagem. Ou seja, o filme
Em nome de Deus
apresenta a personagem Heloisa como uma mulher que possuía um
conhecimento raro para o período, falando o latim, o grego, uma mulher que utiliza da
sua erudição para questionar valores e princípios estabelecidos pela sociedade. Na
narrativa do filme, fica claro que Heloísa é apresentada como uma mulher não comum
para o seu tempo, quando comparada a outras mulheres de condição social distinta, e
sua fama em Paris era tamanha que despertou o interesse de Pedro Abelardo, que ficou
extremante encantado com sua sapiência.
Em termos históricos, o que pode ser abordado sobre a história das mulheres na
formação de professores é que neste período a educação intelectual no medievo se
desenvolvia em comunidades religiosas, nas quais, nobres e religiosas, “[...] podiam
participar na liturgia e encontrar uma saída para os seus talentos administrativos e
intelectuais.” (WEMPLE, 1992, p. 261). Ou seja, destacando os focos de intelectualidade
existentes e nos quais as mulheres exerciam uma função ativa. Além disso, Pereira
(2006, p. 47) enfatiza que o convento era um espaço entre a rua e a casa do senhor. Era
lá que as meninas viviam até o momento do seu casamento.
Em vista disso, selecionaremos brevemente algumas cenas nas quais sucedem os
fatos descritos acima. O primeiro momento no qual Heloísa exerce protagonismo
relacionado ao âmbito intelectual é quando a mesma se encontra no convento de
Argentuiel, local onde foi educada e viveu antes de ir morar com seu tio, Fulbert, em
Paris. Heloísa aparece com outras jovens recebendo ensinamentos. Durante a aula,
Heloisa provoca a personagem irmã Cecília (personagem vivida por Angela Pleasence),
sua professora, questionando sobre assuntos considerados “inapropriados” para um
comportamento cristão, principalmente para uma mulher. Na cena, a irmã Cecília fica
bastante irritada, pois as perguntas de Heloísa são consideradas por ela como um
insulto, uma “blasfêmia” (
Em nome de Deus
, 1988, 00:04:40 00:05:23).
Outra parte do filme em que é possível perceber um protagonismo da personagem
Heloísa no aspecto intelectual é na ocasião em que Abelardo, seu preceptor, es
ministrando aula para Heloísa na casa de Fulbert. A cena mostra Heloísa questionando
Abelardo sobre o cristianismo, particularmente sobre a autoridade de Deus. O filme
deixa explícito que Heloísa está em de igualdade na discussão, e suas colocações são
bastantes complexas, deixando até mesmo o filósofo surpreso com tamanha eloquência.
Assim, devido à complexidade dos argumentos, Abelardo chega a mudar o tema da aula e
afirma que é mais fácil discutir com os colégios de cardeais do que com Heloísa (
Em
nome de Deus
, 1988, 00:38:08 - 00:39:05). Logo, é possível perceber que, apesar de o
filme deixar explícito em diversos momentos que o estudo realizado pelas mulheres não
era visto com bons olhos perante aquela sociedade, é possível constatar o protagonismo
de Heloísa em diversas cenas, nas quais é enfatizada a erudição da personagem
destacando-a como uma mulher e assim confrontar com a perspectiva tradicional
relacionada ao estudo sobre este período.
Este é um fragmento do filme através do qual se pode trabalhar na formação de
professores como a questão do gênero é construída historicamente. O gênero é
historicamente variável (GUNN, 2011, p. 170) e a definição de ser homem ou mulher é um
discurso que é produzido socialmente em diferentes culturas (SCOTT, 1995) (KLAPISCH-
ZUBER, 1992b, p. 11).
Neste sentido, este protagonismo intelectual pode ser trabalhado na formação de
professores como um aspecto que, embora não fosse uma característica acessível a
todas as mulheres do período, não significa que todas as mulheres estavam distanciadas
ou impedidas de se destacarem intelectualmente. Dessa forma, este protagonismo
intelectual serviria para trabalhar na formação docente a ideia de que algumas mulheres
tinham acesso ao contexto educacional intelectual, rompendo, portanto, com uma visão
extrema e tradicional de divisão de funções sociais, onde as mulheres não tinham
nenhum acesso ao contexto educacional. Para reforçar este aspecto, no processo de
formação de professores podem ser resgatadas diversas personagens medievais que
muitas das vezes sequer aparecem nos livros didáticos: Trotula de Ruggiero (RUGGIERO,
2018), que escreveu um tratado ginecológico no século XI; Catarina de Siena (SIENA,
2016) que nos deixou diversas cartas sobre o seu cotidiano no século XIV; e Christine de
Pizan (PIZAN, 2012), que escreveu uma obra de combate ao pensamento misógino no
contexto do início do século XV. Todas estas obras traduzidas para o português são
exemplos que podem ser trabalhados a partir do protagonismo intelectual de Heloisa no
filme
Em nome de Deus
.
O filme
Em nome de Deus
também enfatiza o preconceito acerca da introdução
das mulheres no âmbito intelectual, onde estas não eram bem vistas. No entanto, mesmo
assim, a personagem Heloísa é representada como uma mulher inteligente e,
considerando o contexto de produção do filme, visando instigar as mulheres
contemporâneas a buscarem romper com os paradigmas que colocaram o feminino em
espaço de inferioridade intelectual. Aos olhos da historiografia tradicional, as mulheres
medievais eram invisíveis. De acordo com Opitz, a própria documentação apresenta uma
desigualdade, tanto em relação à época, posição social ou estilo de vida sobre a situação
das mulheres. Em geral, é muito difícil encontrar nas fontes escritas durante a Idade
Média testemunhos autênticos provenientes dessas mulheres. Ou seja, a maioria dos
escritos eram feitos por homens, geralmente monges ou clérigos e, sendo assim,
escreviam sobre uma ótica masculina e jamais escreviam voltados para o âmbito íntimo
das mulheres (OPTIZ, 1992, p. 353). Este é outro aspecto em relação à história das
mulheres no Medievo na formação de professores, ou seja, que a maioria dos escritos e
informações que foram produzidas no período medieval foram compostos por homens, e
que tais escritos apresentam a sua forma de pensar e não a realidade em si. Isso inclui a
opinião que apresentavam em relação ao mundo feminino. Segundo Georges Duby:
As damas do século XII sabiam escrever, e com certeza melhor que os
cavalheiros, seus maridos ou seus irmãos. Algumas escreveram, e talvez
algumas tenham escrito o que pensavam dos homens. Mas praticamente nada
subsiste da escrita feminina. (DUBY, 1995, p. 9).
É importante destacar que as mulheres letradas pertenciam a um grupo social
mais elevado, assim como a origem dos escritos que eram produzidos sobre elas. Já sobre
as mulheres pertencentes aos demais grupos sociais, quase nada sabe-se sobre as
mesmas. Outra questão a enfatizar é que diferente do que se pensa, essas mulheres não
eram totalmente silenciadas, elas possuíam voz, escreviam sobre elas, mas não eram
ouvidas. Duby aponta que somente os homens desse tempo eram um pouco visíveis e
eles lhe ocultam o resto, sobretudo as mulheres. Algumas aparecem de fato ali, mas
representadas, simbolicamente, por homens, os quais, em sua grande maioria,
pertenciam à Igreja e, portanto, não mantinham um contato regular com o mundo
feminino (DUBY, 1995, p. 9). Desta forma, durante muito tempo no Medievo a imagem da
mulher foi construída a partir de um olhar externo.
Neste sentido Klapisch-Zuber afirma:
[...] poucos textos, poucas imagens da mulher e da família que nos
transmitem a voz das principais interessadas. O eco dos prazeres e das dores
quotidianas, das alegrias ou das discussões domésticas chega-nos, tingido de
compreensão, de malícia ou de hostilidade evidente, com muito mais frequência
dos homens do que das mulheres. [....] tudo o que se sabe sobre o assunto
reflecte a influência da informação e deformação das fontes provenientes das
camadas mais altas da sociedade: a classe cavaleiresca, para o período mais
antigo e a burguesia, das cidades, para os finais da Idade dia. (KLAPISCH-
ZUBER, 1992a, p. 194).
Chiara Frugoni analisa diversos suportes visuais do período medieval (capitel,
miniatura, pintura, entre outros), destacando mulheres que dominavam a escrita neste
período. Neles são retratados momentos cotidianos nos quais mulheres realizam a
leitura, aprendizado, pintura, entre outros, demonstrando, assim, uma visão quase
inexistente destas personagens nos livros didáticos (FRUGONI, 1992, p. 493-497). Neste
sentido, utilizar a representação intelectual de Heloísa no filme
Em nome de Deus
em um
contexto de formação de professores, e buscando relacionar o seu exemplo através do
filme com outras personagens do período, ajuda os alunos a não somente romper com a
ideia de que o mundo intelectual no Medievo estava limitado ao contexto masculino, mas
também compreender que neste período personagens femininos também se destacaram,
os quais não tem muito espaço em termos de livros didáticos.
Em relação ao âmbito religioso, logo no início do filme é apesentado o
protagonismo da personagem Heloísa, no qual tem como ação enfatizar que a mesma
nunca manteve um comportamento extremamente religioso. Heloísa, bastante
debilitada devido sua idade avançada, pede que as irmãs do convento de Paracleto
tragam a imagem de jesus crucificado. Como um desejo, as irmãs a atendem, mas, ao
receber a imagem, Heloísa retira uma pena branca de dentro do objeto, a qual
simbolizava seu amor por Abelardo. Ao retirar o objeto ela joga a imagem na parede,
demostrando, com esta ação, que sua devoção não era a Cristo, mas sim a Abelardo (
Em
nome de Deus
, 1988, 00:00:46 00:04:21).
No entanto, mesmo sendo apresentada como uma personagem sem nenhuma
vocação religiosa, o filme aborda a mesma em um âmbito religioso, onde utiliza da sua
coragem e sabedoria para contribuir com a ordem. Quando Suger (1122-1151) despejou as
irmãs do mosteiro de Argenteuil, Heloísa questionou o bispo para onde as irmãs iriam,
pois muitas delas, se encontravam em uma idade avançada. Ao ser despejada, ela
utiliza da sua bravura e vai procurar um local para abrigar as irmãs que estão muito
debilitadas. Assim, procura ajuda com Abelardo, e juntos constroem o Paracleto,
mostrando-se uma ótima abadessa (
Em nome de Deus
, 1988, 01:42:33 - 01:47:16). Nesta
cena, os diretores construíram o protagonismo de Heloísa voltada para uma mulher
forte, mas, ao mesmo tempo, caridosa e sensível, além de questionadora do mundo
religioso de sua época.
A cela do convento era o lugar onde as mulheres tinham um local mais reservado
para si. Esta informação é corroborada pelo fato de que muitas mulheres do período
medieval, com um destaque mais notório, eram monjas (FRUGONI, 1992, p. 497-500).
Tais fatos estão de acordo com a cena apresentada acima, mas não com um aspecto
específico da religiosidade medieval. Em primeiro lugar, tem-se a ideia de que todos os
homens e mulheres que viveram neste período foram extremamente religiosos e que a
igreja exerceu um poder dominador e controlador sobre suas vidas. Tais ideias, a partir
do fragmento destacado acima, devem ser problematizadas na formação de professores,
pois, o próprio fato de fenômenos como as heresias existirem desde o início do
cristianismo e terem permanecido durante séculos posteriormente provam o contrário.
Outro aspecto que pode ser destacado refere-se às próprias condições sociais femininas,
pois, ao falarmos da mulher no Medievo, devemos nos perguntar a que grupo social as
mesmas pertencem: nobres, burguesas, camponesas, religiosas, comerciantes... Isso faz
com que o aluno compreenda a noção de diversidade social do Medievo, fundamentada
em valores e em uma organização social distintas da contemporaneidade.
Considerações finais
A história das mulheres esteve entrelaçada a constantes lutas e conquistas ao
longo dos anos. Estas não lutaram contra o domínio masculino, como também
buscaram se inserir definitivamente na história, visto que durante anos as mulheres
estiveram invisíveis aos olhos da história tradicional que não as enxergava enquanto
sujeito histórico. No entanto, nas últimas cinco décadas na historiografia ocidental, a
história das mulheres tem ocupado um lugar de destaque nas produções acadêmicas.
Essas mudanças foram possíveis graças às novas abordagens proporcionadas pela
terceira geração dos
Annales
, na qual foram introduzidos novos métodos e novos
campos de pesquisa na investigação histórica, dentre ele as mulheres. Tais pensamentos,
ainda que de forma breve, chegaram ao âmbito do ensino de História, o qual se
apresenta, em termos de BNCC, como objeto de conhecimento.
Os reflexos destes acontecimentos no plano educacional, e em especial na
formação de professores, podem ser realizados através da práxis docente ao abordar
temas como a história das mulheres através de novas propostas metodológicas, como,
por exemplo, os filmes. Uma vez que o docente destaca em sua práxis a abordagem deste
tema, ampliando o horizonte em termos temporais, ou seja, abordando contextos
distantes da nossa contemporaneidade, favorece a compreensão dos futuros professores
em relação ao tema, sensibilizando e suscitando um pensamento crítico no mesmo a
observar criticamente o panorama histórico, criando, portanto, um cenário no qual as
mulheres passam a ser compreendidas como indivíduos atuantes em sociedades
passadas e presentes, e criando no âmbito da formação docente um
locus
educacional
onde a difusão de ideias de uma sociedade mais humana e igualitária. Neste sentido,
em relação ao contexto medieval, entender-se-ia que as mulheres também ocuparam
lugares de destaque social, o que ajudaria a desconstruir a ideia de um período
exclusivamente masculino na maioria dos âmbitos. Portanto, nessa era de múltiplas
linguagens educacionais, o cinema, enquanto objeto de estudo, torna-se uma ferramenta
a mais para ser utilizada na práxis pedagógica na formação de professores, mas,
deixando claro que este não deve ser considerado como uma única fonte a ser utilizada.
Seguindo esta proposta, o conteúdo trabalhado pelo discente em um contexto de
formação de professores a partir do uso do filme como recurso didático faria com que o
mesmo não repassasse estritamente o conteúdo nas salas de aula do ensino fundamental
e médio quando estivesse atuando neste contexto, mas sim haveria uma proposta
elaborada por este futuro discente para não tomar como base única o livro didático, no
qual, por exemplo, as mulheres no Medievo não são muito abordadas. Neste sentido,
utilizar outras fontes no contexto de formação docente é fazer com que este aluno tenha
outras possibilidades no seu fazer docente em sala de aula para trabalhar com aspectos
urgentes e necessários na formação e no exercício da cidadania, como é o tema história
das mulheres.
Em vista disso, tivemos como objetivo analisar como a personagem Heloisa foi
representada na produção cinematográfica
Em nome de Deus
, tendo como intuito
destacar as possibilidades de utilização deste filme na formação de professores para o
seu futuro exercício docente em sala de aula. Nossas reflexões iniciais sobre o filme
forneceram algumas ideias que podem servir de base para a utilização do mesmo em sala
de aula na formação docente, destacando que, a partir das mesmas, outras propostas
podem surgir em relação ao trabalho com o tema história das mulheres neste cenário
histórico.
Fontes
SENA, Catarina de.
Cartas completas.
São Paulo: Paulus, 2016.
PIZAN, Christine.
A cidade das damas.
Florianópolis: Editora mulheres, 2012.
ABELARDO, Pedro.
Correspondência de Abelardo e Heloísa
. São Paulo: Martins Fontes,
2000.
DI RUGGIERO, Trotulla.
Sobre a doença das mulheres
. Florianópolis: UFSC/DLLE/PGET,
2018.
Filmografia
EM NOME de Deus
(Stealing Heaven). Direção de Clive Donner. Estados Unidos: Paris
Filmes, 1988. 1 DVD (108 min).
Bibliografia
BRASIL.
Lei 13006 de 26 de junho de 2014
. Acrescenta § 8º ao art. 26 da Lei nº 9.394, de
20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para
obrigar a exibição de filmes de produção nacional nas escolas de educação básica.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-
2014/2014/Lei/L13006.htm#art1. Acesso em: 30 mar. 2020.
BRASIL. [Base Nacional Comum Curricular].
Educação é a Base
. Brasília:
MEC/CONSED/UNDIME, 2018. Disponível em:
http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf.
Acesso em: 30 abr. 2021.
BURKE, Peter.
A Revolução Francesa da historiografia
: a escola dos
Annales
(1929-1989).
São Paulo: fundação editora da UNESP, 1992.
CARRIÈRE, Jean-Claude.
A linguagem secreta do cinema
. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
2006.
CRUZ, Eliane Pereira da; LEITE, Célio Rodrigues; LÖHR, Suzane Schmidlin. O cinema em
sala de aula: uma ferramenta pedagógica a serviço do professor.
Imagens da Educação
,
Maringá, v. 4, n. 2, p. 23-30, mai./ago. 2014.
CRUZ, Giseli Barreto da; HOBOLD, Márcia. Prática formativas de professores de cursos
de licenciatura: diferentes estratégias para ensinar.
In:
ANDRÉ, Marli (Org.).
Práticas
inovadoras na formação de professores
. Campinas: Papirus, 2018, p. 237-262.
CULETTON, Alfredo; PEREIRA, Nilton Mullet. Em nome de Deus: um retrato de época.
Caderno de IHU em formação
. São Leopoldo: Instituto Humanitas Unisinos, v. 01, n. 11, p.
38-43, jul./dez. 2006.
DEL PRIORE, Mary. História das mulheres: as vozes do silêncio.
In
: FREITAS, Marco
Cezar. (Org.).
Historiografia brasileira em perspectiva
. 4 ed. São Paulo: Contexto, 2001. p.
217-235.
DUBY, Georges.
As damas do século XII
: Heloísa, Isolda e outras damas do século XII.
São Paulo: companhia das letras, 1995.
FUNARI, Raquel dos Santos; CAVALCANTE, Tatyana Murer. Robin Hood de Ridley Scott:
Possibilidades de diálogo entre escola, cinema e história.
Imagens da Educação
, Maringá,
v. 1, n. 2, p. 25-34, mai./ago. 2011.
GOMES, Cândido Alberto. Educação no século XXI: como será?
Atos de Pesquisa em
Educação
. Blumenal, v. 14, n. 3, p. 1113-1134, set./dez. 2019.
GUIMARÃES, Selva. Diferentes fontes e linguagens no processo de ensino e
aprendizagem.
In
: GUIMARÃES, Selva. (Org.).
Didática e prática de Ensino de História
.
São Paulo: Papirus Editora, 2012, p. 257-285.
GUNN, Simon.
Historia y teoría cultural
. València: Publicacions de la Universitat de
València, 2011.
KLAPISCH-ZUBER, Christiane. A mulher e família.
In
: LE GOFF, J.
O homem medieval
.
Lisboa, Editorial presença. 1992a, p. 193-208.
KLAPISCH-ZUBER, Christiane. Introdução.
In
: DUBY, Georges; PERROT, Michele.
História das mulheres
. A Idade Média. v.2. Porto: Afrontamento, 1992b, p. 9-23.
LIBÂNEO, José Carlos.
Democratização da escola pública
: A pedagogia crítico-social dos
conteúdos. São Paulo: Loyola, 2006.
MACEDO, José Rivair. Cinema e História.
Caderno de IHU em formação
. São Leopoldo:
Instituto Humanitas Unisinos, v. 01, n. 11, p. 15-21, jul./dez. 2006.
MACEDO, José Rivair. Introdução Cinema e Idade Média: Perspectivas.
In
: MACEDO,
José Rivair; MONGELLI, Lênia Márcia. (Org.).
A Idade Média no Cinema
. São Paulo: Ateliê
Editorial, 2009, p. 13-48.
MACEDO, José Rivair. Repensando a Idade Média no Ensino de História.
In
: KARNAL,
Leandro. (Org.).
História na sala de aula
: conceitos, práticas e propostas. São Paulo:
Contexto, 2016, p. 109-125.
MODRO, Nelson Ribeiro.
Cineducação
: usando o cinema na sala de aula. Joinville: Editora
Univille, 2006.
NAPOLITANO, Marcos.
Como usar o cinema na sala de aula
. São Paulo: Contexto, 2008.
OPITZ, Claudia. O quotidiano da Mulher no final da Idade Média (1250-1500).
In
: DUBY,
George; PERROT, Michele.
História das mulheres
: A Idade Média. v.2. Porto:
Afrontamento, 1992, p. 353-357.
PEREIRA, Nilton Mullet. A cidade, o filósofo e a mulher.
Caderno de IHU em formação
.
São Leopoldo: Instituto Humanitas Unisinos, v. 01, n. 11, p. 43-48, jul./dez. 2006.
PERROT, Michelle.
Minha história das mulheres
. São Paulo: Contexto, 2017.
ROSSENI, Miriam de Souza. As marcas da História no Cinema, as marcas do cinema na
História.
Anos 90
Revista do Programa de Pós-Graduação em História da UFRGS, v. 7,
n. 12, p. 118-128, jul./dez. 1999.
SANTOS, Lucíola Licinio de Castro Paixão. Formação do professor e pedagogia crítica.
In:
FAZENDA, Ivani Catarina. Arantes.
A pesquisa em educação e as transformações do
conhecimento
. Campinas: Papirus, 2012, p. 17-28.
SANTOS, Franciele Amaral Rodrigues dos; SILVA JÚNIOR, Astrogildo Fernandes da Silva;
SOUSA, José Josberto Montenegro. Diferentes fontes e linguagens nas aulas de História e
a formação cidadã de jovens estudantes do Ensino Médio.
In
: GUIMARÃES, Selva. (Org.).
Ensino de História e cidadania
. Campinas: Papirus Editora, 2016, p. 253-277.
SCOTT, Joan. História das mulheres.
In
: BURKE, Peter (Org.).
A escrita da História
. Novas
perspectivas. São Paulo: Editora Unesp, 1992, p. 63-95.
SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica.
Educação e Realidade
, v.
20, n. 2, p. 71-99, jul./dez. 1995.
SOIHET, Rachel. História das Mulheres.
In
: CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS,
Ronaldo (Org.).
Domínios da História
. Ensaios de Teoria e Metodologia. Rio de Janeiro:
Elsevier Editora Ltda., 2011, p. 263-283.
VALIM, Alexandre Busko. História e cinema.
In
: CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS,
Ronaldo (Org.).
Novos Domínios da História
Rio de Janeiro: Elsevier Editora Ltda., 2012,
p. 283-300.
ZAHAVI, Gerald. Ensinando história pública no século XXI.
In:
ALMEIDA, Juniele Rabêlo
de; ROVAI, Marta Gouveia de Oliveira. (Org.).
Introdução à história pública
. São Paulo:
Letra e Voz, 2011, p. 53-64.