Dossiê
O lugar sem limites: América Latina em
perspectiva
O v. 2 n.1 (jan./jun.2015) da Revista Faces da História apresenta o dossiê O lugar
sem limites: América Latina em perspectiva. Diante do nítido crescimento e valorização
dos estudos latino-americanistas no Brasil, o presente dossiê se mostra um espaço
fértil para novas reflexões acerca do tema.
O amplo leque de possibilidades na abordagem de um território tão vasto se
reflete nos artigos que compõe o dossiê, os quais traçam recortes que privilegiam a
multiplicidade geográfica, política, social, cultural e mental do continente Americano,
contemplando os mais variados períodos e espaços, utilizando-se de inúmeras fontes,
metodologias e teorias.
O próprio entendimento do termo América Latina, no qual estão inseridos
elementos políticos, geográficos, étnicos e identitários, abre o dossiê. O artigo Gênese
e atualidade da noção de América Latina: uma reflexão sobre o sentido histórico da
integração continental, de Fabio Luis Barbosa dos Santos, propõe um debate acerca
do sentido e validade da expressão acima citada, além do pertencimento do Brasil
à região. Para alcançar esse objetivo, o autor recupera discussões do século XIX,
desde a paternidade da expressão, passando pelo pensamento do cubano José Martí
e pelo significado nacional, anti-imperialista e político que ela adquire, chegando às
considerações de Leslie Bethell sobre o esvaziamento de significado do termo.
Dossiê – O lugar sem limites: América Latina em perspectiva
FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.2, nº1, p. 03-05, jan.-jun., 2015.
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Dialogam com os debates acerca do significado de América Latina os projetos
de artistas e intelectuais que buscam integrar, representar e (re)pensar a região. Neste
sentido, Fernanda Nunes Moya, no artigo Francisco Curt Lange e o Americanismo
Musical nas décadas de 1930 e 1940, mostra como a integração cultural do continente
foi buscada a partir da música. Para a concretização do projeto de “americanismo
musical”, que reconhecia na música um elemento promotor da cooperação e agente da
integração dos povos americanos, a colaboração dos intelectuais e artistas em torno
do desenvolvimento de instituições e periódicos, pesquisa e divulgação da música
americana, foi imprescindível.
Quezia Brandão e Wagner Pinheiro Pereira contribuem para o debate sobre
a representação da América Latina através da análise do filme A Idade da Terra, de
Glauber Rocha. Os autores, além de compreenderem a obra como “uma nova concepção
de América Latina e do ser latino-americano”, que busca resgatar as raízes africanas
e indígenas, a cultura mística e as heranças coloniais da região, inserem o filme no
amplo contexto de discussões historiográficas que pensam a integração territorial e o
reconhecimento do Brasil como parte da América Latina.
Eustáquio Ornelas Jr., partindo da relação interamericana entre Estados Unidos
e América Latina, a qual entende como uma circulação, questionando a noção de
imperialismo cultural, propõe analisar o desenvolvimento e organização da coleção
de arte latino-americana desenvolvida pelo MoMA. No artigo Um “empreendimento
pioneiro”: o catálogo da Coleção Latino-Americana do MoMA (1931-1943), o autor
insere a produção do catálogo em um contexto político-cultural mais amplo: a Política de
Boa Vizinhança. Ainda, busca mostrar, através do levantamento dos países e artistas em
destaque nessa coleção, como o Museu entende e representa a arte latino-americana.
O desenvolvimento da produção historiográfica acerca dos estudos em América,
produção esta que dialoga com os acontecimentos políticos e econômicos, nacionais
e mundiais, também é contemplado no presente dossiê. Renato César Santejo Saiani,
preocupado em entender “qual o espaço ocupado por Cuba na produção de História da
América, quais os temas privilegiados e o que influenciou essas escolhas”, realiza um
balanço oportuno sobre a produção historiográfica nacional e articula a produção de
dissertações e teses com as mudanças e consolidação do campo de História da América
no Brasil das últimas décadas.
Ainda referente à historiografia latino-americanista, é notável que países
localizados ao norte do nosso continente ocupam um pequeno espaço. Iuri Cavlak em
O Extremo Norte da América do Sul: A Guiana Inglesa e o Suriname no século XIX,
apresenta raro estudo sobre essa região, no qual ressalta a dificuldade de acesso às
fontes primárias e historiografia acerca do tema. O autor traça um panorama histórico
das ex-colônias inglesa e holandesa durante o século XIX a partir de entrecruzamento da
história social, política e econômica. Importante notar que, conforme esclarece Cavlak,
embora situadas na América do Sul, a região em questão é englobada pela historiografia
caribenha, campo que se debruça de forma mais intensa em ilhas como Cuba, Haiti
e República Dominicana. No caso da historiografia brasileira e sul-americana de
forma geral, a escassez de pesquisas provavelmente se justifica pela falta de contatos
comerciais, políticos, sociais e culturais.
Marcus Vinicius da Costa também percorre regiões pouco exploradas pelos
Dossiê – O lugar sem limites: América Latina em perspectiva
FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.2, nº1, p. 03-05, jan.-jun., 2015.
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estudos latino-americanistas. Buscando entender a prática do contrabando na América
Latina em uma zona específica, a fronteira oeste do Rio Grande do Sul, nas cidades-
gêmeas de São Borja e Santo Tomé, se depara com a escassez de pesquisas sobre essas
localidades e as práticas de contrabando no período, sendo necessário partir das fontes
primárias para chegar ao objetivo proposto. Além da própria prática do “descaminho”
entre as cidades, o autor se propõe a perceber a intervenção do governo imperial
brasileiro para o combate a essa prática.
Apresentando a imprensa como ponto em comum, estão os artigos O “Jornal
do Commercio” e as representações sobre a Argentina na crise do Brasil Império
(1870-1889), de Paula da Silva Ramos, e O papel da imprensa na circulação de ideias
e de intelectuais antifascistas entre a Argentina, Uruguai e a França (1933-1939), de
Ângela Meirelles de Oliveira. Paula da Silva Ramos mostra a importância de analisar as
representações produzidas pela intelectualidade brasileira sobre as repúblicas hispano-
americanas. Isso, pois havia, entre as regiões citadas, grandes discrepâncias políticas,
econômicas e sociais, além de disputas fronteiriças. Tais representações nos fornecem
elementos para entender “as elaborações a respeito da própria identidade brasileira,
construída no embate de interpretações sobre as nações vizinhas, com destaque à
Argentina”. Já Ângela Meirelles de Oliveira mostra que a imprensa representou um meio
privilegiado de intercâmbio político, intelectual e cultural entre os países do Cone Sul,
Argentina e Uruguai, e a França, durante os anos de 1930. Sendo a principal “arma
de combate” às ideias de Hitler, os jornais e revistas desenvolvidos pelos intelectuais
serviam ao propósito de intervir na vida social.
Encerrando os artigos do dossiê temos o ensaio de Raul Aguilera Calderón,
Proposta de um método para a análise das continuidades, passado-presente. O caso
da dança entre os xi’iui (pames) de Santa María Acapulco. O autor propõe “apresentar
uma proposta metodológica, com base na linguística saussuriana, para a análise
historiográfica que ajude a estudar as continuidades entre passado e presente. Ainda,
como estudo de caso, apresenta a dança realizada pelos pames (xi’iui) de Santa María
Acapulco, grupo indígena que habita a Serra Gorda de São Luis Potosí, México.
Ainda compondo o dossiê temos a entrevista com o historiador mexicano
Doutor Álvaro Vázquez Mantecón, professor investigador da Universidad Autónoma
Metropolitana – Azcapotzalco. Mantecón enriquece o debate em torno da América
Latina através do diálogo entre história, política e cultura, utilizando-se principalmente
das imagens fotográficas e cinematográficas. Na entrevista, fala sobre suas experiências
com exposições, fotografia e cinema latino-americanos, além de reforçar os cuidados
dos historiadores ao lidar com fontes imagéticas.
Carlos Alberto Sampaio Barbosa
Andréa Helena Puydinger De Fazio
Priscila Miraz de Freitas Greco
Organizadores