Recebido em: 16/01/2015
Aprovado em: 22/03/2015
O conservadorismo do jovem Eduardo Prado: um
exercício de história intelectual (1878-1879)
The conservatism of the young Eduardo Prado: an
exercise in intellectual history (1878-1879)
OLIVEIRA, Rodrigo Perez
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Resumo: Eduardo Paulo da Silva Prado (1861-1901) foi um importante personagem da
história político/intelectual brasileira dos últimos anos do século XIX. Destacando-se
como um dos mais aguerridos inimigos da República proclamada pelo golpe militar de
novembro de 1889, Eduardo Prado enfrentou a perseguição da Ditadura florianista. Essa
militância antirrepublicana foi o aspecto mais abordado da trajetória político/intelectual
de Eduardo Prado pelos estudos que já se debruçaram sobre o tema. Pretendo neste
artigo contribuir para essa discussão através da análise dos usos que Prado fez do
conceito de liberdade, tendo como corpus os seus primeiros escritos. Esse material
quase não foi explorado pela bibliografia especializada e acredito que o seu estudo
possa lançar luz sobre outros elementos do pensamento conservador de Eduardo
Prado, ajudando-nos a avançar na interpretação da performance discursiva do autor
para além da já tão conhecida dicotomia Monarquia X República.
Palavras-Chave: Eduardo Prado; Performance Discursiva; Escritos de Juventude.
1. Mestre e Doutorando em História Social (PPGHIS/UFRJ), professor de teoria da história e historio-
grafia brasileira da Universidade Estácio de Sá e autor do livro “As Armas e as Letras: a Guerra do
Paraguai na memória oficial do Exército brasileiro (1860-1901)”. Rio de Janeiro: Ed. Multifoco, 2013.
rodrigo.perez@estacio.br
O conservadorismo do jovem Eduardo Prado: um exercício de história intelectual (1878-1879)
FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.2, nº1, p. 236-257, jan.-jun., 2015.
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Abstract: Eduardo Paulo da Silva Prado (1861-1901) was an important character of the
Brazilian political / intellectual history of the last years of the nineteenth century.
Standing out as one of the fiercest enemies of the Republic proclaimed by the military
coup of November 1889, Eduardo Prado faced persecution of florianista dictatorship.
This antirrepublicana militancy was the most discussed aspect of the political /
intellectual history of Eduardo Prado by studies that have already focused the subject. I
intend in this article to contribute to this discussion by analyzing the uses that Prado did
on the concept of freedom, using his early writings. This material was hardly explored
by professional literature and I believe that their study may shed light on other elements
of conservative thought of Eduardo Prado, helping us to advance in the interpretation
of the discursive performance of the author in addition to the already well-known
dichotomy Monarchy X Republic.
Keywords: Eduardo Prado; Discursive Performance; Written Youth.
Introdução
Que não pense o sr João Batista Pereira que estamos aqui para fazer arruaça
contra a ordem pública. O que desejamos é a liberdade para definir por nós
mesmos os rumos de nossa atuação, liberdade que não pode ser cerceada por
quem quer que seja. E que também não pense o sr Batista Pereira e o seu
séquito liberal que nos contentamos com as simples garantias jurídicas de
ir e vir, isso é pouco para essa mocidade. Queremos mesmo as liberdades e
garantias plenas de ter opinião e não mais viver sob a situação de opressão
que infelizmente amarga a nossa amada província. (PRADO, Jornal “O
Constitucional, 20 de outubro de 1878) (Grifos Meus)
A perseguição ao camarada Magalhães Castro é a evidência inquestionável
dos tempos sombrios em que vivem os paulistas. Felizes eram os tempos das
administrações dos srs Joaquim Manoel Gonçalves de Andrade e Antônio
Aguiar Barros, quando até mesmo os adversários políticos, os mesmos que
hoje se locupletam nas altas esferas da administração provincial, podiam
livremente circular sem qualquer tipo de impedimento. (PRADO, Jornal
“Correio Paulistano, 27 de outubro de 1878)
Os dois trechos que servem como epígrafes para este trabalho saíram da
mesma pena: a do escritor paulista Eduardo Paulo da Silva Prado (1860-1901), que
foi um dos intelectuais mais atuantes do fin-de-sciecle2 brasileiro. Eduardo Prado
nasceu na cidade de São Paulo, no dia 27 de fevereiro de 1860, sendo o filho mais novo
do casamento entre Martinho (1811-1891) e Veridiana Prado (1825-1910). O autor foi
criado nos quadros da família Prado, a detentora de uma das maiores fortunas da elite
cafeicultora paulista e um dos principais esteios da Monarquia brasileira. Eduardo
Prado não é um desconhecido na bibliografia especializada na história política e
intelectual do Brasil nos últimos anos do século XIX. Muito pelo contrário, o escritor
já foi tratado por estudos dos mais diversos tipos, que, desde os primeiros anos do
2. O filósofo húngaro Max Nordau (1849-1923) foi um dos primeiros autores a utilizar o termo fin-de-scie-
cle para designar o niilismo característico do pensamento filosófico ocidental nos últimos anos do século
XIX. Para o autor, o otimismo racional e científico começou a dar os seus primeiros sinais de cansaço
nesse período, levando à decomposição dos grandes cânones racionalistas. Nordau era um crítico do
relativismo finissecular e um defensor do restabelecimento da tradição racionalista. Ver NORDAU, MAX.
Degeneração. Rio de Janeiro: Laemmert, 1986 e NORDAU, MAX. As mentiras convencionais de nossa
civilização. Lisboa: Empresa do Almanaque Enciclopédico Ilustrado, 1987.
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século XX, tentam entender a vida e a obra desse personagem
3
.
De alguma forma, todos os estudos sobre a vida e a obra de Eduardo Prado
com os quais travei contato privilegiaram a análise dos textos publicados no período
compreendido entre os anos 1889 e 1897, quando o autor ofereceu forte oposição aos
primeiros governos da República e se tornou nacional e internacionalmente conhecido
como um aguerrido defensor das tradições conservadoras da Monarquia. Pretendo,
neste artigo, analisar outro momento da trajetória político/intelectual de Eduardo
Prado, exatamente aquele menos conhecido pela bibliografia especializada: os anos
1878/79, quando o personagem estreou no cenário político/intelectual brasileiro.
Ambos os trechos citados sob a forma de epígrafe mostram a ferrenha militância
do jovem Eduardo Prado, então com apenas dezoito anos de idade, nas fileiras do Partido
Conservador paulista. O episódio que deu origem às citações é o mesmo: o meeting
acadêmico organizado pelo Clube Acadêmico Constitucional no pátio da Faculdade de
Direito de São Paulo em 11 de outubro de 1878. O objetivo dos estudantes envolvidos
no ato era protestar contra o governo provincial, que na época era chefiado por João
Batista Pereira, membro do Partido Liberal. Os jovens exigiam, entre outras coisas,
completa liberdade para as manifestações acadêmicas e o afastamento das patrulhas
policiais das instalações da faculdade e das suas intermediações.
Não é gratuito o fato de a mobilização contra o governo de Batista Pereira ter
partido do Clube Acadêmico Constitucional, que era uma agremiação ligada diretamente
ao Partido Conservador paulista. Essa ligação fazia com que o jornal editado pelo clube,
o O Constitucional, encontrasse espaço privilegiado de propaganda nas páginas do
Correio Paulistano
4
, que era o órgão oficial do Partido Conservador em São Paulo.
3. Remeto o leitor interessado no tema aos seguintes textos: o artigo “Monarquismo de Eduardo Prado”,
escrito por Afonso Celso de Assis Figueiredo, o Visconde de Ouro Preto, e publicado em 13 de setembro
de 1901 no jornal “Comércio de São Paulo”; Os artigos escritos pelo Padre Severiano Rezende e publi-
cados no jornal “Diário de São Paulo” em 1908; as biografias escritas por Sebastião Pagano e Cândido
da Mota Filho em 1960, na ocasião das comemorações do centenário do nascimento de Eduardo Prado;
o livro de Darrel Levi sobre a trajetória da Família Prado com ênfase na análise da atuação política dos
quatro filhos de Veridiana e Martinho Prado; o livro Maria de Lourdes Mônaco Janotti sobre a atuação
dos monarquistas nos primeiros anos da República; o livro de Suely Robles Reis sobre a atuação dos jaco-
binos florianistas; o livro de Carlos Henrique Armani sobre a ontologia nacional formulada por Eduardo
Prado; a tese de Carmem Lúcia Tavares Filgueiras sobre a leitura que Eduardo Prado fez os EUA; o livro
de Carlos Berriel sobre as semelhanças e diferenças existentes entre os textos de Eduardo Prado e seu
sobrinho, Paulo Prado; o livro Nancy Leonzo sobre a atuação de Eduardo Prado como um empresário do
ramo agroexportador.
4. A história do jornal Correio Paulistano é emblemática do cenário político/partidário da Monarquia bra-
sileira, que durante a maior parte da existência desse regime político foi marcado pelos conflitos entre os
Partidos Liberal e Conservador. O referido periódico foi fundado em 1854 por Roberto Azevedo Marques,
com o compromisso inicial de manter independência em relação aos grandes partidos políticos. Apesar
da promessa de neutralidade partidária, sob aspecto algum o Correio Paulistano ficou indiferente às dis-
putas protagonizadas por conservadores, liberais e republicanos, características das últimas décadas de
vida da Monarquia brasileira. Durante seus primeiros vinte anos de existência, o Correio Paulistano foi
claramente republicano, fato que mudou após janeiro de 1875, quando o referido jornal passou a ser con-
trolado pelo Partido Liberal, o que gerou a insatisfação de alguns republicanos que, tais como Prudente
de Morais e Campos Salles, fundaram a Província de São Paulo, que se tornou a principal rival do Correio
Paulistano. No dia 04 de dezembro de 1877 aconteceu mais uma mudança no perfil político/editorial do
Correio Paulistano; o jornal que em seus primórdios fora republicano, passara, repentina e bruscamente,
para as fileiras conservadoras. Sobre a história político/editorial do Correio Paulistano, recomendo a
leitura do livro de Lillia Schwarz. Retrato em Branco e Negro: jornais, escravos e cidadãos em São Paulo
no final do século XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.
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O editorial de ontem da folha acadêmica O Constitucional deu mais uma prova
do enorme talento e patriotismo dos jovens reunidos do Clube Acadêmico
Constitucional. O artigo editorial, perfeitamente escrito, defende a monarquia
como a única forma de governo capaz de felicitar o país; profliga a mudança da
situação e considera-a justamente como comprometedora da estabilidade da
monarquia e de nossas instituições (Correio Paulistano, 20 de outubro de 1878).
Tanto o Partido Conservador como o Clube Acadêmico Constitucional, assim
como as suas respectivas folhas, estavam, em 1878, em conflito aberto e declarado com
o Partido Liberal, que era a situação tanto em São Paulo como no governo central da
Monarquia. Portanto, a estreia de Eduardo Prado nos debates políticos aconteceu em
um momento no qual o seu grupo político era oposição.
Proponho, portanto, o exame do conservadorismo de Eduardo Prado no momento
em que o autor começava a dar os seus primeiros passos como polemista político, o que
aconteceu nas páginas da imprensa paulista entre 1878 e 1879. Para os limites deste
estudo, limito-me à análise dos textos publicados em 1879, buscando a compreensão das
especificidades do conservadorismo político do jovem Eduardo Prado, visando mostrar
ao leitor que, antes de se tornar um dos adversários mais ferozes da jovem república
brasileira, o autor participou das disputas partidárias inerentes à política monárquica
do final dos anos 1870.
Buscando maior clareza na análise, divido este artigo em três seções: na primeira,
situo os primeiros escritos de Eduardo Prado no cenário político/partidário brasileiro
da época. Já na segunda seção, meu objetivo é entender o conservadorismo de Eduardo
Prado como uma espécie de herança familiar, já que a família Prado se notabilizou como
a origem de outros dois importantes políticos conservadores: os dois se chamavam
Antônio, sendo um o avô materno de Eduardo e o outro o seu irmão mais velho. Na
última seção, eu analiso os primeiros escritos de Eduardo Prado, a partir do uso que o
autor fez da noção de “liberdade”, buscando compreender como ele mobilizou o conceito
a partir da combinação dos repertórios cívico e liberal.
O conservadorismo de Eduardo Prado na conjuntura da crise do
Partido Conservador
De toda a extensa produção letrada de Eduardo Prado, os textos de juventude
foram aqueles que menos atraíram a atenção dos estudiosos que já se interessaram pela
trajetória desse personagem. Cândido da Mota Filho, um dos seus biógrafos, apresenta
o período que analiso nesta seção como um momento no qual Eduardo Prado:
tomou seus primeiros contatos com a academia de direito. Sua personalidade
começava a apurar-se. Fazia planos, dava opiniões, discutia teses filosóficas,
escrevia nos jornais e tomava parte em sabatina nas aulas do professor João
Teodoro Xavier, sobre temas do Direito Natural (MOTA FILHO, 1967, p.05).
Para o biógrafo, os tempos da faculdade de direito foram fundamentais para a
formação da personalidade de Eduardo Prado. Em relação à atuação política do escritor
conservador nesse período, Mota Filho afirmou que:
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Eduardo, realmente, não estava ainda vinculado a uma posição política.
Havia em sua família, monarquistas, republicanos e alheios aos interesses
políticos. Seu pai não fora político e sua mãe era simpatizante do regime
monárquico, ficando apenas nas opiniões ocasionais ou na evocação de certos
acontecimentos. E, nas discussões políticas em casa, Eduardo não tomava
parte. Não dava razão ao seu irmão, conselheiro do Império, nem ao outro,
deputado republicano. Suas inclinações deixavam sempre a política, muito
embora atentamente observasse o desenvolver dos acontecimentos (MOTA
FILHO, 1967, p.32).
O exame dos primeiros escritos de Eduardo Prado mostra, ao contrário do
que afirmava Mota Filho, uma vida política bastante movimentada e uma identidade
partidária claramente definida. Apesar de ter avançado um pouco mais na análise da
atuação política de Eduardo Prado no período aqui examinado, Sebastião Pagano, outro
biógrafo, também não se preocupou em dedicar maior atenção aos textos escritos e
publicados no final da década de 1870.
Como estudante, ainda, pertenceu ao Club Constitucional e redigiu o O
Constitucional, ao lado de Santos Werneck e Francisco Badaró, assim como
contribuiu com a coluna “Crônicas da Assembleia” para o importante jornal
o Correio Paulistano. Mas, fora da política, fazia literatura, sem deixar ligar
uma coisa à outra, como o fez com A Comédia, que dirigiu com Valentin
Magalhães e Raul Pompeia (...) O jovem Eduardo Prado era um dos membros
mais aguerridos da juventude conservadora paulista (PAGANO, 1960, p. 14-15).
Como os chamados “escritos de juventude” não foram contemplados na coletânea
dos textos de Eduardo Prado, que foi publicada post morten, em 1904, o estudo de
Sebastião Pagano foi fundamental para o mapeamento da documentação analisada
nessa seção. Sem a biografia escrita por esse importante jurista paulista, dificilmente eu
conheceria os títulos dos periódicos que abrigaram os primeiros textos do personagem
estudado, já que, por algum motivo que desconheço, nem o próprio Eduardo Prado
jamais fez sequer um comentário a respeito desse momento da sua trajetória político/
intelectual. Acredito que os primeiros escritos de Eduardo Prado precisam ser lidos a
partir da inserção da sua performance letrada no cenário político/partidário brasileiro,
que estava passando por profundas transformações desde o final da década de 1860.
Definitivamente, já não era o mesmo o jogo partidário brasileiro na época
da estreia de Eduardo Prado nos debates políticos. Essa situação de oposição, de
marginalização política, seria impensada nos tempos áureos do Partido Conservador,
entre as décadas de 1840 e 1870, quando homens como Visconde de Paraná, Visconde de
Itaboraí, Visconde de Uruguai e Duque de Caxias davam as cartas na política nacional.
Há certa concordância na historiografia especializada na história política da Monarquia
brasileira a respeito da importância do início da década de 1840, para a estabilização
do regime monárquico e para a consolidação de um mecanismo eficiente de dominação
política capaz de silenciar as vozes dissonantes que, nas regiões periféricas do território
nacional, levantaram a bandeira separatista durante o período regencial e estabelecer o
consenso entre as elites políticas
5
.
5 Entre esses estudos, cito especialmente aqueles que foram desenvolvidos por Ilmar Mattos
(2004), José Murilo de Carvalho (2006) e Marcelo Basile (2011).
O conservadorismo do jovem Eduardo Prado: um exercício de história intelectual (1878-1879)
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Já não mais existiam o consenso e a homogeneização na época em que Eduardo
Prado começou a escrever a coluna “Crônicas da Assembleia” no Correio Paulistano,
o que aconteceu em fevereiro de 1879. O tabuleiro do jogo virou em 05 de janeiro de
1878, quando o imperador, sob os protestos das lideranças conservadoras, demitiu o
gabinete ministerial presidido pelo Duque de Caxias (1803-1880) e convocou o liberal João
Lins Vieira Cansanção de Sinimbu (1810-1926) para organizar o novo ministério. O ato
imperial que tanto desagradou o Partido Conservador pode ser compreendido se inserido
no cenário de desestabilização partidária, que começou com a crise ministerial de 1868
e que teve a fundação do Partido Republicano, em 1870, como um dos seus principais
desdobramentos. Sérgio Buarque de Holanda é um dos autores que defendem a hipótese
de que a recomposição partidária de julho de 1868, que culminou com a queda do gabinete
ministerial, presidido por Zacarias de Góis e Vasconcelos (1815-1877), que ficou conhecido
como o “gabinete progressista, e a ascensão do gabinete ministerial presidido pelo
Visconde de Itaboraí (1802-1872), marcou o início da série de crises institucionais que
ajudariam a corroer o Estado monárquico. Para Sérgio Buarque de Holanda,
A substituição do ministério, tal como foi feita, além de deixar claros o artifício
e a burla em que todo o sistema assentava, dissipou as esperanças daqueles
que achassem viável uma amálgama de elementos tão díspares. Apanhados
de supetão pela extraordinária desenvoltura de que o rei se mostrou capaz,
ao fazer o uso dos desmedidos poderes de que efetivamente dispunha, os
[liberais] históricos e os progressistas renunciaram, ao menos no âmbito
parlamentar, às suas divergências, para cerrarem fileira em volta do estadista
que os caprichos de São Cristóvão acabavam de sacrificar tão duramente
(HOLANDA, 2010, p. 146).
O retorno dos conservadores ao poder, com a formação do gabinete Itaboraí,
acentuou mais ainda a tensão entre as elites políticas, o que levou à outra ruptura,
dessa vez dentro do Partido Liberal: Zacarias de Góes, Nabuco de Araújo (1813-1878) e
José Bonifácio, o moço, (1827-1866) publicaram, em 1869, o manifesto “Ou a Reforma
ou a Revolução, que deixou claro a pressão que o “Novo” Partido Liberal faria em pró
das reformas na Monarquia brasileira (CARVALHO, 2006, p. 78). Os “novos” liberais
se distinguiam da ala mais radical do antigo Partido Liberal, que insistia em expandir
a prática política para além das fronteiras parlamentares. Para Ângela Alonso, foi por
obra desses “radicais” que surgiu, em 1870, o Partido Republicano, que tinha a proposta
de representar uma alternativa ao status quo imperial (ALONSO, 2002, p. 173). A partir
de então, as relações entre as forças políticas, agora aglutinadas em três partidos,
seriam especialmente conflituosas, sendo a intervenção imperial, de janeiro de 1878,
um exemplo desses conflitos.
Analisando as três últimas décadas de vida da Monarquia brasileira, o historiador
Ricardo Salles afirma que a transição entre os anos 1860 e 1870 foi marcada pela
mudança de gerações políticas, o que, segundo o autor, constituiu importante elemento
no cenário da crise das instituições monárquicas. Caxias era um dos poucos veteranos
do tempo saquarema ainda vivo, no final da década de 1870, e foi contando com o seu
prestígio político que o Imperador aceitou a indicação do Visconde de Rio Branco (1810-
1880), outra importante liderança saquarema, que, em junho de 1875, recomendou o
nome do velho soldado para substituí-lo na chefia do governo.
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Como senador conservador de maior prestígio e herói da vitória contra o
Paraguai sua convocação para o comando do gabinete visava recompor as
relações do Estado com a Igreja Católica, abaladas pelo enfrentamento dos
bispos com Rio Branco, que o precedera como Presidente do Conselho de
Ministros. Visava também recompor as bases do próprio Partido Conservador,
rachado em torno da aprovação da Lei do Ventre Livre, conduzida a ferro
e fogo pelo mesmo Rio Branco contra a oposição tenaz dos representantes
fluminenses, paulistas e mineiros do partido (SALLES, 2009, p. 46).
Contudo, já estavam bastante desgastados tanto o prestígio político de Caxias como
a capacidade do Partido Conservador em comandar um arranjo institucional fundado no
consenso entre as elites políticas. O gabinete Caxias caiu em janeiro de 1878, quando após
dez anos de ostracismo, os liberais voltaram ao poder. A reação do Partido Conservador
foi violenta, como podemos observar no texto de um jovem cronista que, naqueles dias,
tinha o seu primeiro texto publicado em um grande jornal paulista.
Em um discurso notável pela polidez e simplicidade da oratória, o ilustre sr
Martim Francisco Jr, representante da maioria, historiou os eventos de 05 de
janeiro de 1878, quando S. A. Real usou de forma ilegal as suas prerrogativas
constitucionais e dissolveu o ministério chefiado pelo ilustre Duque de Caxias
(PRADO, Jornal Correio Paulistano, 14 de fevereiro de 1879).
O cronista é Eduardo Prado e o jornal é o Correio Paulistano, no qual redigiu
a coluna “Crônica da Assembleia”, quase que diariamente, entre fevereiro de 1879
e novembro de 1881. Nesses textos, o autor, mirando-se no exemplo da imprensa
europeia, relatava as sessões legislativas realizadas na Assembleia Provincial de São
Paulo, de forma aparentemente neutra, como se estivesse apenas narrando os debates
parlamentares tal como se deram. Contudo, fica muito claro que, a despeito da pretensa
neutralidade, os textos em questão tinham o objetivo de fazer oposição aos governos
liberais. É exatamente isso que Eduardo Prado tenta fazer já na sua primeira crônica,
na qual define como golpista a intervenção de D. Pedro II na ocasião da demissão
do Ministério Caxias. Uma crítica dessa natureza, partindo da pena de um cronista
vinculado editorialmente ao Partido Conservador, é um indício de que algo havia mudado
no equilíbrio entre as forças políticas.
Uma das principais características da doutrina jurídica na qual esteve baseada a
Monarquia brasileira foi a despolitização do Poder Moderador, que foi sempre definido
como uma competência administrativa e irresponsável do ponto de vista político. Isso
pode ser percebido nos estudos jurídicos desenvolvidos por Paulino José Soares de Souza,
o Visconde de Uruguai, que fez do poder pessoal do imperador um dos principais temas
dos seus escritos. O autor defendia uma dimensão bem ampla desse papel e insistiu na
distinção entre o poder executivo, a faceta política da autoridade imperial, e o poder
moderador, a faceta administrativa e mais útil aos interesses públicos na medida em que,
de forma irresponsável, ou seja, sem comprometimento político de natureza alguma,
garantia o equilíbrio e impedia que um grupo político específico monopolizasse o poder.
A centralização administrativa não atingiria o seu fim precípuo que é
garantir a eficiência da administração dos negócios públicos se não
fosse controlada por um poder cuja fonte é a mais completa neutralidade
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administrativa. É exatamente essa a principal função de S.M. Imperial no
nosso regime político e administrativo; se colocar acima da superioridade
de forma a estar imune às clivagens que emanam no seio delas e dessa
posição imaculada conduzir a marcha do Estado, corrigindo-a e fazendo-a
mudar de rumo quando for necessário (SOUZA, 1865, p. 143).
Ao definir como golpista o ato do Poder Moderador, Eduardo Prado questionou
a irresponsabilidade que era fundamental para a legitimidade constitucional desse
dispositivo. De fato, as instituições não eram mais tão sólidas e o golpe militar
republicano, aplicado dez anos depois da publicação da primeira crônica de Eduardo
Prado, foi o desfecho dessa crise institucional. Para que a performance discursiva de
Eduardo seja melhor compreendida é preciso que, também, se leve em consideração
a atuação política da família Prado, que, como já sabemos, foi uma das mais ricas e
importantes do século XIX brasileiro.
O conservadorismo de Eduardo Prado como um legado familiar
Acredito que o conservadorismo de Eduardo Prado pode ser interpretado
como uma espécie de legado familiar. Visando a sustentação dessa hipótese, analiso
brevemente a trajetória dos dois Prados que tiveram mais notoriedade política: ambos
se chamavam Antônio e foram, respectivamente, o avô materno e o irmão mais velho do
personagem examinado neste artigo.
Antônio da Silva Prado (1778-1875), Barão de Iguape, após 1848, foi o avô materno
de Eduardo e o patriarca responsável pela inserção dos Prado nos altos círculos da
política provincial e nacional. De acordo com certa memória construída dentro dos
quadros da família Prado
6
, em algum momento de agosto de 1822, o príncipe regente,
D. Pedro, hospedou-se na casa de Antônio da Silva Prado (1788-1875) dias antes da
proclamação da Independência. Não há qualquer evidência empírica que comprove a
estadia do príncipe na casa de Antônio Prado. Porém, a presença da assinatura do avô
de Eduardo, junto com a de alguns parentes e mais 264 paulistas, no documento de 31
de dezembro de 1821 que incitava o D. Pedro a permanecer no Brasil e desobedecer
as determinações das cortes portuguesas, evidencia a sua fidelidade ao projeto da
Monarquia católica, centralizada e escravocrata (LEVI; 1977).
Antônio Prado estava inserido em uma teia composta de relações que ele somente
poderia modificar parcialmente, movendo-se dentro de certos limites. Esses limites,
assim como a margem de negociação, foram estabelecidos por diversas variantes, tais
como a situação histórica, a sua posição como sujeito e, não podemos negar, a sua
iniciativa pessoal. O futuro Barão soube ler a lógica das relações sociais típica de uma
sociedade aristocrática com hábitos de antigo regime, soube entender a sua inserção
nessa dinâmica e soube, finalmente, efetuar o lance certo na hora certa. Entre os
diversos casamentos orquestrados por Antônio, um foi especialmente bem sucedido e
fundamental para a construção da identidade política conservadora dos Prado: tratou-
se da união, em 1828, de sua meia-irmã, Maria Marcolina, com Rodrigo Antônio Monteiro
de Barros, filho de Lucas Antônio Monteiro de Barros, o Visconde de Congonhas do
6 Refiro-me aqui ao In Memorian, que é um livro comemorativo do centenário de nascimento de
Martinho Prado Jr. que foi escrito por sua filha, a escritora paulista Maria Luiza da Silva Prado. O livro é
caracterizado pelo tom laudatório, o que não chega a ser surpresa, tendo em vista o seu lugar de produção.
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Campo, um importante líder político em atuação na fundação e na consolidação da
Monarquia brasileira (LEVI, 1977). O parentesco com os Monteiro de Barros colocou os
Prado no coração da política nacional, aproximando-os do núcleo carioca do Partido
Conservador. Capitaneado por Rodrigo Antônio, o clã de Antônio, apesar de paulista,
tornou-se um tanto quanto saquarema. Começava a se construir, nesse momento, uma
identidade político/partidária para o grupo. Por isso, não é nada surpreendente o não
envolvimento dos Prado com a revolta de 1842. Provavelmente, Antônio deve ter tentado
se manter o mais distante possível de Tobias Aguiar e de Feijó. A obediência e fidelidade
de Antônio à legalidade política foram reconhecidas pela Monarquia, que o agraciou
com o título “Barão de Iguape” em 1848. O regime soube recompensar aqueles que de
alguma forma colaboraram quando o futuro do Brasil era incerto, quando as convulsões
intestinas ameaçavam a sobrevivência do Estado centralizado.
O vínculo do Barão de Iguape com o Partido Conservador pode ser percebido
no incidente ocorrido em julho de 1854, quando o jornal Correio Paulistano, que nesse
momento ainda não era o órgão oficial do Partido Conservador paulista, noticiou o
roubo de correspondências na agência central dos correios de São Paulo. O destinatário
dos documentos furtados era nada mais nada menos que o nosso Barão de Iguape, que
acusou, ou mandou alguém fazê-lo, o sobrinho neto do velho Bonifácio de ter sido o
mandante do furto.
Nada mais prejudicial ao país do que a relaxação dos correios; é nas
repartições desta ordem que o interesse público reclama a probidade e o
bom serviço dos funcionários. Retirara a confiança dos correios perecem
as relações comerciais e desaparece a utilidade deste belo estabelecimento
que quanto mais aperfeiçoado mais atesta a civilização de uma localidade.
(Correio Paulistano, 22 de julho de 1854).
Essas palavras abrem a coluna “Comunicado, que na estrutura editorial do
periódico em questão, era reservada aos leitores interessados em, mediante pagamento,
comunicar algum informe. Essa prática era bastante comum na imprensa do século XIX
e é a responsável por algumas confusões na leitura do intérprete que vive no século XXI.
Muitas vezes acontecia a contradição, que na prática não tinha nada de contraditório,
de um líder liberal publicar um manifesto em um jornal assumidamente conservador
e vice-versa. O espaço era alugado e um importante fator de receita para esse tipo de
estabelecimento. Em um momento no qual o público leitor era relativamente pequeno,
as direções dos jornais não poderiam se dar ao luxo de abrir mão de dinheiro.
O texto não é assinado. Provavelmente, foi escrito por algum aliado do Barão,
quem sabe por ele mesmo. A ausência da autoria não chega a ser um empecilho. O
importante é que, segundo o autor:
Esse foi um fato escandaloso que põe em dúvida a credibilidade da nossa
província. Não é contra o correio que vou falar, mas sim contra aquele que
sorrateiramente surrupiou o que não lhe era seu de direito. Na tarde do
último dia 14, o Sr Barão de Iguape mandou uma pessoa de sua confiança ir
ao citado estabelecimento buscar correspondências sigilosas que lhe haviam
sido enviadas da corte. Para a surpresa do Barão, a pessoa retornou de mãos
vazias respondendo que não havia sequer uma correspondência (Correio
Paulistano, 22 de julho de 1854).
O conservadorismo do jovem Eduardo Prado: um exercício de história intelectual (1878-1879)
FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.2, nº1, p. 236-257, jan.-jun., 2015.
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Considerando que o conteúdo da coluna seja mesmo verdadeiro, que de fato tenha
acontecido um furto na agência dos correios e que a vítima tenha sido o Barão de Iguape,
não fica difícil atribuir motivações políticas ao ocorrido. Foi exatamente essa a suspeita
levantada pelo autor da coluna, que não se preocupou em ser sutil nas acusações:
O pior foi a ousadia do gatuno. À noite, alguém que até agora se esconde sob
o véu do mistério, mas que o Barão já sabe muito bem quem seja, se não o
ator ao menos o mandante, lançou por debaixo da porta uma das cartas. O
selo estava lacerado, o que indica que o conteúdo da carta foi violado. (...)
Ainda mais, no catálogo dos correios consta que no mesmo pacote havia
mais outras três cartas endereçadas ao Barão, sendo duas delas enviadas em
caráter de sigilo pelo próprio chefe do governo. Alguém sabia da presença
desse documento no último vapor postal. O Moço sabia. (Correio Paulistano,
22 de julho de 1854).
A resposta de José Bonifácio, que assinou o texto, foi publicada no mesmo
jornal oito dias depois. Por que a demora? Talvez a fila dos contratantes da coluna pré-
agendados fosse grande. Enfim, como era de se esperar, o acusado negou participação
no roubo. O que considero mais interessante foi a forma por meio da qual “O Moço
verbalizou a sua inocência:
Há alguns dias essa mesma folha publicou uma acusação absurda contra a
minha pessoa. Acusaram-me de gatunice, de ter roubado cartas pessoais
endereçados ao ilustre Barão de Iguape. Provavelmente o autor da acusação
não é o Barão. Deve ser algum bajulador desejoso der colher frutos das
alianças escusas com o Sr Paraná. (Correio Paulistano, 30 de julho de 1854).
A polêmica nos oferece várias pistas que comprovam a sugestão inicial de que
o Barão de Iguape tenha sido, de fato, o fundador da identidade política conservadora
dos Prado. A primeira pista é a presença de uma carta escrita por Paraná e endereçada
ao Barão de Iguape. Não consegui encontrar o catálogo dos correios, mas não há
motivos concretos para duvidar da veracidade da informação. A carta provavelmente
existiu, e, quem sabe, tenha sido mesmo roubada. O Marquês e o Barão tinham assuntos
importantes a tratar. Afinal, São Paulo já era uma importante província e também deveria
ser harmonizada pela conciliação.
Difícil era convencer o grupo liderado pelo “Moço” de que a ação do governo se
tratava de fato de uma “conciliação”. Em outro importante periódico, a folha O Mercantil,
Bonifácio afirmava que a verdadeira intenção do governo era pacificar os ânimos da
oposição, fazendo-a aceitar “cordeiramente o comando conservador” (O Mercantil; 24
de agosto de 1854). Não estava errado o diagnóstico do perspicaz e jovem líder liberal.
A conciliação idealizada e proposta por Paraná era produto de uma ação coordenada,
que mesmo visando o consenso e a transação, para utilizar o termo de Justiniano Rocha,
deveria ser conduzida por alguém. Paraná jamais propôs isonomia entre os partidos. Os
seus adversários sabiam muito bem disso.
Antônio Prado
7
, o neto mais velho do Barão de Iguape, também se tornou uma
7 Antônio Prado (1840-1929) foi um dos líderes do Partido Conservador nas décadas de 1870 e
1880, deputado provincial entre 1874 e 1878, ministro da Agricultura entre 1885 e 1888, um dos principais
políticos que conduziram o processo de abolição do trabalho escravo e prefeito de São Paulo entre 1900
e 1911. Caio Prado (1853-1889) foi deputado provincial e na década de 1880 presidente das províncias do
Alagoas e do Ceará. Ver Darrel E Levi. A Família Prado. São Paulo: Cultura 70, 1977.
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liderança conservadora, sendo o Prado de maior destaque na política nacional (LEVI;
1977). Essa liderança fica clara quando abordamos o incidente de outubro de 1878, que
mostrou que Antônio Prado, a exemplo do seu irmão mais moço, também estava em
rota de colisão com o Imperador D. Pedro II. O político conservador, que era também o
proprietário do Correio Paulistano, o mesmo que abrigou as crônicas de Eduardo Prado,
também se manifestou publicamente contra a intervenção de janeiro de 1878 e contra
os governos liberais, que utilizaram de todas as armas ao seu dispor para enfraquecer
o líder conservador em seu próprio nicho político. Por isso, foi reaberto, em agosto de
1878, um processo, arquivado pela justiça imperial desde 1859, no qual Antônio Prado e
seu pai eram acusados de assassinato.
No ano de 1858, em uma das inúmeras fazendas da família Prado, aconteceu o
assassinato de Marzagão, feitor da referida propriedade. Segundo o parecer da época,
publicado na íntegra na edição de 18 de setembro de 1878 do jornal a Tribuna Liberal, não
havia provas suficientes para responsabilizar Martinho e Antônio Prado pelo ocorrido.
Porém, inesperadamente, pelo menos para Antônio Prado, surgiu em agosto de 1878 um
novo dado que, de acordo com o desembargador Rodrigo Isidoro da Fonseca, justificava
uma nova apreciação para o caso: tratava-se do depoimento da mãe da vítima, que
acusava os réus de terem tramado o assassinato do seu filho.
Esta denúncia, que seria desprezada se a honra fosse bastante para livrar os
homens de bem dos botes da calúnia e o Imperador capaz de ser menos afeito
às influências do Partido Liberal, deu lugar a rigoroso inquérito policial,
verdadeira devassa, no qual tomaram parte o chefe de polícia da província, e o
delegado do termo de Mogy Mirim onde se dera o crime.. (Correio Paulistano,
04 de outubro de 1878).
As relações entre o Imperador e a facção paulista do Partido Conservador, que
durante décadas haviam sido marcada pela harmonia, tornaram-se, após a dissolução
do Ministério Caxias, tensas e conflituosas. Por isso, não era incomum ver escritores
vinculados ao Partido Conservador, como Eduardo Prado, criticarem de forma mais
contundente o Imperador, chegando mesmo a demonstrar certa simpatia pelos
Deputados republicanos, como podemos perceber na crônica publicada no dia 15 de
fevereiro de 1879. Ao comentar o discurso proferido pelo Deputado republicano Cesário
Nazareno, Eduardo Prado escreveu:
Depois de um estirado nariz de cera que diz que temos a carta constitucional
(!) e não vivemos em esse regime livre, o orador declara que o governo atual
não inspira confiança à democracia; se alguns republicanos saudaram o golpe
de 5 de janeiro já perceberam o quão nefasto foi o ato de Sua Alteza Real. (...) O
ilustre Deputado Republicano foi aplaudido de pé, o que foi muito justo visto
o apuro da análise e a peça oratória que apresentou a todos os presentes..
(Correio Paulistano, 15 de fevereiro de 1879).
Não quero dizer com isso que os conservadores paulistas, e Eduardo Prado
especialmente, tenham aderido à causa republicana. Porém, estou convencido de
que no momento em que Eduardo Prado começou a atuar no mundo das letras, o
que na conjuntura em questão significava o mesmo que estrear no mundo da política
partidária, os conservadores nutriam pouca simpatia pelo Imperador e pelo tratamento
O conservadorismo do jovem Eduardo Prado: um exercício de história intelectual (1878-1879)
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dispensado pela Monarquia para com o seu partido. Isso, por si só, já serve, ao menos,
para nuançar o monarquismo “convicto, que segundo a literatura especializada, foi a
principal característica da obra de Eduardo.
O conservadorismo do jovem Eduardo Prado pode ainda ser abordado a partir
da análise dos textos publicados na coluna “Crônica da Assembleia”, ao longo de 1879,
quando, como já sabemos, o autor se envolveu diretamente na oposição ao governo
chefiado pelo Partido Liberal.
O conservadorismo de Eduardo Prado nas páginas do
Correio Paulistano
Proponho que os textos escritos por Eduardo Prado e publicados na coluna
“Crônica da Assembleia”, durante o ano de 1879, sejam examinados a partir do uso
que o autor fez da noção de liberdade. Essa abordagem conceitual pode ser útil no
exame da performance discursiva do jovem Eduardo Prado na medida em que nos
possibilita perceber como o autor mobilizou duas concepções distintas de liberdade:
a liberdade cívica, ou positiva, e a liberdade liberal, ou negativa. Com isso, desejo
mostrar que a performance discursiva de Eduardo Prado foi plástica suficiente para
combinar diferentes tradições de pensamento, que foram mobilizadas ao sabor das
circunstâncias. Como Eduardo Prado não pode ser definido como um teórico da política,
ele não sistematizou uma reflexão a respeito do tema da liberdade, toda sua atuação foi
conjuntural e circunscrita aos limites da oposição que ele, na qualidade de um letrado
inserido nos quadros do Partido Conservador, ofereceu ao governo comandado pelo
Partido Liberal.
Portanto, o conservadorismo de Eduardo Prado não deve ser pensado apenas
como o produto de uma militância político/partidária, mas também, e fundamentalmente,
como o desdobramento de certa percepção da realidade que encontrou seus contornos
mais sólidos nos tempos modernos. Para tal, é fundamental que se dedique alguma
atenção à reflexão desenvolvida por Karl Mannheim em Conservative thought, que,
certamente, é uma das principais referências sobre o tema. O objeto de estudos de
Mannheim é o pensamento conservador germânico ao longo do século XIX, que, segundo
o autor, mostrou-se, mais do que qualquer outro, representativo das implicações lógicas
do conservadorismo moderno.
Para o conservadorismo, a modernidade burguesa recalcou aquilo que há de
mais vital no pensamento humano, solapando tudo quanto é tradição. Apenas
entre a nobreza, camponeses e pequena burguesia as tradições seriam
mantidas vivas, ficando a burguesia e o proletariado cada vez mais imersos
na nova ordem. A gênese do conservadorismo significaria, então, elevar
esses elementos, assim recalcados, ao nível da reflexão, dando origem a uma
contralógica elaborada à base dos fatores intelectuais ameaçados pela vitória
do racionalismo burguês. Isto é, o pensamento conservador corresponderia, no
plano metodológico, ao anticapitalismo dos estratos sociais não diretamente
interessados ou mesmo ameaçados pelo processo capitalista (MANNHEIM,
1979, p. 79). (Tradução livre)
Segundo Mannheim, o pragmatismo e o senso de circunstância são outras
características importantes do pensamento conservador.
OLIVEIRA, Rodrigo Perez
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Geralmente, o pensamento conservador evita as grandes abstrações, tendo,
portanto, um forte senso de oportunidade. Esse senso de oportunidade se
manifesta, sobretudo, na leitura conservadora das categorias burguesas
básicas: propriedade, liberdade e igualdade. Ao opor-se à propriedade
capitalista, o conservantismo ressalta o caráter genuíno da apropriação feudal,
que implica certos privilégios inalienáveis que são conservados pelo detentor
mesmo depois de perder a posse: a apropriação feudal não conhece a alienação
característica da propriedade burguesa, exterior ao proprietário. Contra a
ideia da liberdade individual associada à igualdade, o conservantismo elabora
a ideia qualitativa de uma liberdade que representaria a possibilidade do
desenvolvimento das peculiaridades individuais de pessoas desiguais. E para
escapar a um conceito subjetivo capaz de conduzir à anarquia, a liberdade
qualitativa é transferida dos indivíduos para as comunidades orgânicas:
estamentos, espírito nacional, Estado (os verdadeiros sujeitos da liberdade).
(MANNHEIM, 1979, p. 127). (Tradução livre)
O pouco apego à abstração e a defesa de certa concepção pré-moderna de
liberdade, colocariam Eduardo Prado, levando em conta as considerações de Mannheim,
nos trilhos da tradição conservadora ocidental. Antes de me dedicar ao exame das
crônicas publicadas em 1879, que representam o principal corpus documental analisado
neste estudo, remeto o leitor, novamente, às citações que servem como epígrafes do
presente artigo. Acredito que já nesses textos, que datam de 1878, o nosso autor se
apropriou do conceito de liberdade de forma semelhante àquela que caracterizaria, no
ano seguinte, a sua coluna “Crônica da Assembleia”.
No exercício da crítica política aos governos do Partido Liberal, Eduardo Prado
mobilizou, quase sempre, a ideia de “liberdade”, fazendo-o a partir da combinação entre
as perspectivas liberal e cívica. É possível perceber essa combinação nas duas epígrafes
que abrem este artigo. Na qualidade de um dos redatores do O Constitucional, Eduardo
Prado foi um dos principais líderes do já citado metting de outubro de 1878, chegando
mesmo a discursar na ocasião. Ao advertir as lideranças liberais que as simples garantias
jurídicas de ir e vir não eram o suficiente para acalmar os ânimos dos estudantes ali
reunidos, ele exigiu um regime pleno de liberdades, o que envolvia, entre outras coisas,
o direito de reunião sem constrangimento por parte das forças policiais.
Ao formular a advertência, nesses termos, Eduardo Prado parecia afirmar que
as garantias jurídicas poderiam muito bem ser burladas pelo poder opressor, já que a
constituição vigente no momento definia a liberdade como o direito fundamental do
cidadão brasileiro “de ir e vir sem constrangimentos de qualquer natureza” (BRASIL;
CONSTITUIÇÃO DE 1824, art. 7.§3). Nesse sentido, no diagnóstico de Eduardo Prado, a
inspiração liberal da constituição de 1824 possibilitava ao governo garantir o direito à
livre movimentação sem, contudo, instaurar um verdadeiro regime de liberdades plenas.
Acredito, portanto, que, a partir das palavras de Eduardo Prado, seja possível inferir a
existência da reivindicação de uma liberdade de alcance mais amplo, uma reivindicação
na qual a liberdade não é pensada apenas como o livre trânsito. Para ilustrar melhor a
inspiração cívica do discurso de Eduardo Prado, cito um trecho de John Milton (1608-
1674), que foi um importante representante do republicanismo cívico inglês, um “teórico
neo romano, nas palavras de Quentin Skinner:
É certo que somente podem se dizer homens livres aqueles que vivem
em nações livres e que têm o poder em sim mesmos de remover ou abolir
O conservadorismo do jovem Eduardo Prado: um exercício de história intelectual (1878-1879)
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qualquer governo supremo que lhes reduza à condição de servidão, ainda que
esse governante supremo os agrade com uma liberdade ridícula e de fachada,
própria para burlar bebês (MILTON, 1962, p. 413). (Tradução livre).
De forma alguma estou supondo que Eduardo Prado é um teórico “neo romano”
tal como Skinner definiu John Milton. Como disse antes, Eduardo Prado não foi um
teórico, mas sim um letrado combativo que teve a militância política como uma das
principais marcas da sua trajetória. Porém, percebo certa semelhança nas formulações
de Milton e Prado, principalmente naquilo que se refere ao descontentamento com certa
concepção de liberdade considerada limitada e insuficiente. Para ambos os autores, o
direito de livre trânsito é pouco para a definição do estatuto da liberdade plena.
Por outro lado, na segunda citação, que está separada da primeira por apenas
sete dias, Eduardo Prado acusava o governo de Batista Pereira de perseguir o estudante
Magalhães Castro, que também era um dos redatores do O Constitucional, ao demiti-
lo do cargo de amanuense da Assembleia Provincial, em represália à sua participação
no manifesto organizado pelo Clube Acadêmico Constitucional. Para Eduardo Prado,
a demissão foi motivada por questões políticas e demonstrava que Magalhães Castro
não podia circular livremente e participar de uma manifestação acadêmica sem sofrer
punições administrativas. Ao evocar os governos dos conservadores Joaquim Manoel
Gonçalves de Andrade e Antônio Aguiar Barros, que governaram a Província de São
Paulo entre janeiro e fevereiro de 1878, Eduardo Prado afirmou que esses Presidentes,
de fato, instauraram, em São Paulo, um regime de plenas liberdades na medida em que
não impuseram obstáculos à livre movimentação de seus adversários. Diferente do que
fez no discurso de 20 de outubro, Eduardo Prado definiu o estatuto da liberdade com
base, apenas, no direito à livre circulação, no melhor estilo liberal. Também é possível
comparar a argumentação desenvolvida por Prado na segunda epígrafe com a teoria
política de outro autor envolvido nos debates políticos ingleses do século XVII.
Mas sempre que as palavras livre e liberdade são aplicadas a qualquer coisa que
não seja um corpo, há um abuso de linguagem; porque o que não se encontra
sujeito ao movimento não se encontra sujeito a impedimentos. Portanto,
quando se diz, por exemplo, que o caminho está livre, não se está indicando
qualquer liberdade do caminho, e sim daqueles que por ele caminham sem
parar (HOBBES, 1996, p. 146).
Para Skinner, a definição hobbesiana de liberdade é uma das principais matrizes
do liberalismo, que define a privação da liberdade como a situação na qual o homem
livre é “detido por algum impedimento externo de exercer seus poderes – sua força e
sua inteligência – à vontade” (SKINNER, 2010, p. 145). Pelos mesmos motivos expostos
há pouco, também não tenho o interesse de definir Eduardo Prado como um teórico do
liberalismo, mas tão somente como um ator político versado em alguns fundamentos
dessa tradição e disposto a mobilizá-los nas ocasiões oportunas.
A hora adiantada em que escrevemos esta, obriga-nos a dar um transunto
muito imperfeito da sessão de hoje, que entretanto esteve interessantíssima,
pelo debate importante que se travou entre a maioria e a facção democrática
moderna. O tema dos debates parlamentares não poderia ser mais conveniente
para o atual momento da história da província: o regime de liberdades, ou
OLIVEIRA, Rodrigo Perez
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melhor, a falta de um regime de liberdades (PRADO, Correio Paulistano; 21 de
fevereiro de 1879).
Com essas palavras, Eduardo Prado iniciou a sua crônica publicada em 21
de fevereiro de 1879. O autor divide os parlamentares presentes na referida sessão
legislativa em dois grupos: a maioria e a facção democrática moderna. No decorrer da
narrativa, é possível perceber que Prado utiliza o termo “maioria” para designar o grupo
dos Deputados conservadores e o termo “facção democrática moderna” para designar,
ironicamente, os Deputados liberais. Penso que, nesse caso específico, o recurso da
ironia pode ser analisado tanto como uma estratégia utilizada por Eduardo Prado no
ataque ao seu grupo político rival, como um indício de uma crítica à noção de liberdade
apregoada pelos seus adversários.
Lido o expediente, veio à tribuna o sr Martin Jr, um genuíno democrata moderno,
que numa sofrível peça retórica, propôs que a Assembleia representasse ao
poder legislativo sobre a conveniência de ficarem isentos do serviço militar
os cidadãos que estiverem ligados por contrato de locação de serviços ao
trabalho da lavoura. Afirmando ser um defensor da liberdade individual, o
digníssimo parlamentar afirmou que o cidadão precisa ser livre para cuidar
com tranquilidade dos seus próprios interesses. Espanta a todos os paulistas
de bom senso a forma como ilustre deputado democrata moderno defende
a liberdade do sujeito e ignora a servidão do povo, como se o povo também
não estivesse com sua liberdade em perigo sob a égide do governo de qual S.
Exc. é o mais aguerrido defensor (PRADO, Correio Paulistano; 21 de fevereiro
de 1879).
Há inúmeros elementos presentes na citação que podem ser desdobrados em
função da compreensão do conteúdo cívico das críticas políticas que Prado fez ao
Partido Liberal, que, na crônica de 21 de fevereiro, foi personificado em Martin Jr. Ao
apontar a insuficiência da liberdade reivindicada pelo referido parlamentar, chamando-o
ironicamente de “democrata moderno”, Prado esboçou uma crítica à própria concepção
moderna de liberdade. Para ele, de pouco adiantaria a “liberdade do sujeito” diante da
“servidão do povo”. É como se, para o autor, o sujeito fosse inseparável do povo, como
se a parte não existisse sem o todo. Nesse sentido, na medida em que o povo paulista
era servo do governo liberal, na época comandado por Laurindo Abelardo Pereira (1828-
1885), de nada adiantaria a Assembleia Legislativa liberar o agricultor do serviço militar
obrigatório: a liberdade individual não tinha nenhum valor frente à servidão coletiva.
Portanto, diante de um cenário geral de poucas liberdades políticas, a defesa
de Martim Jr. da dispensa do trabalhador agrícola do serviço militar seria tão somente
um engodo, um lance de “retórica sofrível”, para utilizar os termos do próprio Eduardo
Prado. Guardadas as devidas particularidades que diferenciam as conjunturas políticas
do Brasil do século XIX e da Inglaterra do século XVI, mais uma vez percebo semelhanças
entre o discurso oposicionista de Eduardo Prado e a argumentação desenvolvida pelos
teóricos “neo romanos” ingleses, que estão sendo, aqui, pensados de acordo com a
interpretação desenvolvida por Quentin Skinner. O historiador inglês afirma que
a pista para a compreensão do que esses autores querem dizer, ao pregar
a liberdade de comunidades inteiras reside no reconhecimento de que eles
O conservadorismo do jovem Eduardo Prado: um exercício de história intelectual (1878-1879)
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tratam o mais seriamente possível a antiga metáfora do corpo político
(SKINNER; 1999, p. 31).
Skinner detecta a metáfora do corpo político nos escritos de diversos autores
ingleses neo romanos, como Nedhan, Harrington e, principalmente, Neville, que no “Plato
Redivius”, levou mais longe do que os outros a comparação da sociedade política com o
corpo humano, estando ambos igualmente sujeitos à possibilidade de privação da liberdade.
Essas suposições trazem consigo várias implicações constitucionais, as quais
os teóricos neo romanos quase invariavelmente endossam. Uma é que, se
um Estado ou comunidade for livre, as leis que o governam – as regras que
regulamentam seus movimentos corporais – devem ser decretadas com o
consentimento de todos os seus cidadãos, os membros do corpo político como
um todo. Na medida em que isso não ocorre, o corpo político será levado a
agir por uma vontade outra que não a sua própria, e será neste grau privado
de sua liberdade (SKINNER, 1999, pp. 33-34).
As semelhanças entre a oposição conservadora de Eduardo Prado ao Partido
Liberal e a teoria política dos “neo romanos” ingleses do século XVI ficam ainda mais
perceptíveis na “Crônica da Assembleia” de 05 de março de 1879:
Tendo vindo à tribuna para pedir informações acerca dos negócios de Mogi
das Cruzes, o ilustre sr Correa, deputado pela maioria, aproveita o ensejo
para explicar os motivos que impeliram à abstenção do Partido Conservador
daquele município. Ali, como em quase todas as localidades da província, a
situação liberal inaugurou o regime de violência e de arbítrio. O orador enumera
vários atos escândalos postos em prática pelo governo, para convencer aos
conservadores que seus esforços seriam totalmente ineficazes na contenda
liberal. De forma acertada argumenta o digno orador que a participação
eleitoral fica sem efeito quando o povo tem sua liberdade tolhida pela tirania
dos governantes (PRADO, Correio Paulistano; 05 de março de 1879).
Ao relatar o discurso do deputado conservador, Eduardo Prado justificou a opção
tomada pelo diretório do Partido Conservador paulista de não mais participar das eleições
realizadas na Província de São Paulo. Para o autor, de nada adiantaria o cumprimento
do ritual eleitoral se a verdade do voto era tolhida com a violência e com as fraudes
típicas do cenário político brasileiro da época. Novamente, temos, aqui, a afirmação da
incompatibilidade entre a liberdade individual e a servidão do corpo político, do povo,
para utilizar o mesmo termo que Eduardo Prado. Ou seja, ainda que o eleitor paulista
tivesse garantido o seu direito de ir às urnas, o fato do governo liberal impedir, por meios
violentos e fraudulentos, a atuação da oposição conservadora e a devida contagem dos
votos anularia completamente a liberdade do corpo político paulista.
É possível perceber, também, nas crônicas de Eduardo Prado, outro uso da ideia
de liberdade, um uso mais próximo da tradição liberal do que da tradição cívica. Nas
ocasiões nas quais o nosso autor não se referiu diretamente ao Partido Liberal e se
dedicou a examinar os feitos políticos do Partido Conservador, o tom da argumentação
se tornou mais moderado, assim como os critérios para a definição do estatuto da
liberdade plena mostraram-se menos exigentes, como é possível perceber na “Crônica
OLIVEIRA, Rodrigo Perez
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da Assembleia” de 07 de março de 1879. É possível perceber, nessa crônica, que nas
especificidades do cenário político/partidário paulista, do final dos anos 1870, não era
o Partido Republicano o principal adversário dos conservadores. Para Ricardo Salles,
nesse momento, o advento da República ainda não era visto como um fato consumado,
mas sim como uma possibilidade esperada para o fim do século, para depois da morte do
velho Imperador (SALLES; 2011). Portanto, por mais que os republicanos defendessem
as mudanças na forma de governo, isso não foi o suficiente para transformá-los no alvo
dos ataques do grupo liderado por Antônio Prado. O que aconteceu foi justamente o
contrário: conservadores e republicanos se aliaram na oposição aos governos liberais.
Lido o expediente, obteve a palavra pela ordem o sr Queiroz Telles.O orador
lê e fundamenta um projeto propondo a verba de 8:000$ para o conserto
da estrada que vai de Itatiba a Jundiaí; expõe a conveniência dessa medida e
responde, algumas vezes com chiste, aos muitos apartes que lhe são opostos,
principalmente pelo sr M. Prado Jr. Em seguida obteve urgência para também
fundamentar um projeto o sr Martinho Prado Jr. O fogoso representante de
Araras desta feita não falou em repúblicas; ao contrário, discorreu com muito
juízo sobre necessidades da nossa província, e incluiu pedindo a decretação
de uma verba de 25:000$ para construção de uma ponte sobre o rio Mogi-
Guasaú para comunicação com a estrada do Ribeirão Preto. Em resposta
a vários apartes, o orador trata de sustentar a conveniência do projeto,
encarecendo a produção do município de Ribeirão Preto, que de per si pode
produzir mais que toda a província. (Toda galeria aplaudiu efusivamente o
parlamentar republicano) (PRADO, Correio Paulistano; 07 de março de 1879).
Foi exatamente Martinho Prado Jr (1843-1906), chamado de Martinico, o outro
irmão de Eduardo, quem destoou do conservadorismo característico da família Prado8.
Ele compunha, no final da década de 1870, junto com Campos Salles e Prudente de
Moraes, o “triunvirato republicano” em ação na Assembleia Provincial paulista. Seus
discursos chamaram atenção pela vivacidade e pela agressividade com que atacavam
a Monarquia e, especialmente, as pessoas de D. Pedro II e do Conde D’Eu. Entre 15 de
fevereiro e 23 de março, o jornal republicano Província de São Paulo publicou uma série
de críticas políticas assinadas por Martinico, que acusava D. Pedro II de despotismo,
o Conde D’Eu de conspiração e os políticos monárquicos de corrupção. A despeito da
militância partidária republicana do seu irmão, Eduardo Prado elogiou a sua atuação
parlamentar. A segunda parte do discurso de Martinico, que foi transcrito na íntegra pelo
autor das “Crônicas da Assembleia”, aponta não apenas para a aparente parceria entre
os Partidos Conservador e Republicano, mas também para a presença de elementos no
vocabulário liberal na argumentação de Eduardo Prado.
Entra em 2° discussão o projeto n° 40 deste ano que transfere o dia da eleição
provincial para 15 de outubro. Fala o sr M. Prado Jr. O orador diz pouco, mas diz
bem. Há interesse público na transferência projetada, porque é conveniente
que estejam aprovadas pela câmara dos deputados todas as eleições primárias.
O projeto tem por fim obviar a imoralidade do governo que pode querer adiar
as eleições primárias das paróquias anuladas, de modo que não possam os
futuros eleitores concorrer para a eleição de deputados provinciais; e também
8 Martinho Prado (1843-1906), chamado ao longo de sua vida de Martinico, foi voluntário na Guerra
do Paraguai, deputado pelo Partido Republicano entre 1878 e 1880 e um dos mais bem sucedidos produtores
de café do século XIX, sendo um dos fazendeiros pioneiros naquilo que se refere ao estímulo da imigração
italiana. Ver Darrel Levi (op. cit.).
O conservadorismo do jovem Eduardo Prado: um exercício de história intelectual (1878-1879)
FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.2, nº1, p. 236-257, jan.-jun., 2015.
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tornar mais saliente a subserviência do presidente, se ele quiser conformar-
se com esse plano escandaloso. A sugestão do ilustre deputado republicano
lembra os saudosos tempos da administração conservadora, quando o
governo não usava de estratagemas legais para tolhi o cidadão no pleno
exercício do voto (PRADO, Correio Paulistano, 07 de março de 1879).
Mais uma vez é possível encontrar o vocabulário liberal diluído na performance de
Eduardo Prado. Ao comparar o projeto de Martinico com as práticas das administrações
conservadoras passadas, o autor estabeleceu um padrão de comparação desfavorável
ao governo liberal e, ao mesmo tempo, tentou construir certa memória que aponta os
tempos dos governos conservadores como melhores do ponto de vista do exercício das
liberdades políticas. O mais interessante é o critério utilizado na formulação do elogio ao
Partido Conservador: a ausência de “tolhimento” do cidadão durante o processo eleitoral.
Não há, aqui, as exigências de ampla liberdade do corpo político que encontramos nas
crônicas nas quais Prado se refere diretamente aos governos do Partido Liberal.
Sem oferecer ao leitor maiores informações a respeito dos tão elogiados tempos
das administrações conservadoras, Eduardo Prado limita-se a dizer que esses governos
não tolhiam o livre trânsito do eleitor durante o processo eleitoral, como se essa
ausência de impedimento fosse o suficiente para definir o cidadão como um homem
livre. Acredito que a teoria política de Hobbes oferece-nos uma importante chave de
leitura para conservadorismo do jovem Eduardo Prado. De acordo com os já citados
estudos de Skinner, para Hobbes, a ideia de que é possível viver como um homem livre
sob o poder de um governo instituído é uma contradição aporética, já que o pensador
inglês afirma que não é possível ser livre no Estado social, que deve a sua existência
ao objetivo de restringir a liberdade natural. Porém, Skinner afirma que Hobbes admite
que a vida social permitiu aos homens a experimentação de um outro tipo de liberdade:
a liberdade típica dos súditos, que aceitam abrir mão da liberdade natural para viverem
em paz (SKINNER; 2010, p. 87).
Hobbes é assim levado a duas conclusões contrastantes sobre a liberdade dos
súditos, alinhando plenamente a sua doutrina com a de outros monarquias
como Digges, Bramhall e Filmer. Primeiro, ele insiste em que o alcance de sua
liberdade civil depende basicamente do “Silêncio da Lei”. Se a lei deseja que você
aja ou abstenha-se de agir de alguma coisa maneira específica, ela vai cuidar de
aterrorizá-lo à conformidade. Mas a conclusão contrastante de Hobbes é que,
desde que não haja lei à qual sua vontade deva se conformar, você permanece
em plena posse de sua liberdade como súdito (SKINNER, 1999, p. 21).
Certamente, Eduardo Prado leu Hobbes em algum momento da sua formação
acadêmica, apesar de eu não ter encontrado nenhuma referência direta. Portanto, não
estou afirmando que Prado aplicou, deliberadamente, a teoria política hobbesiana nas
polêmicas que travou com o Partido Liberal no final da década de 1870. Contudo, acredito
que ele tenha se valido da mesma concepção negativa de liberdade, que segundo Skinner
é uma das peculiaridades do pensamento político liberal, para qualificar os governos
dos seus correligionários como defensores das liberdades individuais.
Na crônica publicada em 09 de março, Prado voltou a mencionar os anos nos
quais o Partido Conservador havia governado a Província de São Paulo, que mais uma
vez foram definidos como momentos de respeito às liberdades políticas dos cidadãos
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paulistas. Como costumava fazer nas suas crônicas, o autor narrou os debates
parlamentares, atribuindo falas aos Deputados, que, quase sempre, eram colocados em
posição de conflito.
Prevalecendo-se da ordem do dia, tomou a palavra o sr Prudente de Moraes
que, depois de ter fundamentado um projeto sobre a abolição de loterias,
leu uma indicação para que a assembleia representasse ao corpo legislativo
sobre limites da província com a de Minas. O distinto membro do triunvirato
republicano fez um luminoso discurso para provar que a Serra da Mantiqueira
e o Rio Sapucaí são as divisas naturais e legítimas das duas províncias, e
que a de Minas está na posse usurpada de parte considerável do território
paulista. À vista do consciencioso e aprofundado estudo que fez o ilustrado
representante dos documentos históricos que leu à assembleia, ficaram
cabalmente demonstradas as proposições do orador, que ao terminar seu
importantíssimo discurso, foi aplaudido e felicitado pelos deputados presentes,
a exceção da bancada liberal, que não sabe apreciar as grandes inteligências.
O ilustre deputado [liberal] Martins Jr, que parece não conhecer a virtude do
silêncio balbuciou seis ou sete palavras inaudíveis contra o pronunciamento
do dr Prudente de Morares, nada que fosse digno de nota e nem capaz de
ofuscar o brilho da peça retórica do orador republicano (PRADO, Correio
Paulistano, 09 de março de 1879).
Em nenhuma das “Crônicas da Assembleia”, Eduardo Prado narrou uma
disputa retórica travada entre parlamentares vinculados aos Partidos Conservador e
Republicano. Invariavelmente, os embates se davam ou entre conservadores e liberais
ou entre republicanos e liberais, sendo que, na narrativa de Prado, os liberais eram
sempre derrotados, o que reforça o argumento de que, pelo menos na São Paulo
do final da década de 1870, o alinhamento político entre os partidos não atendia à
dicotomia Monarquia X República, mas sim à polarização governos liberais X oposição
conservadora/republicana.
Toma a palavra em nome da facção democrata moderna [Partido Liberal] o sr
Martim Jr. O orador diz que um juiz de paz receou que sete praças sitiassem
uma cidade, que durante as eleições os conservadores do Bananal mandaram
vir capoeiras da corte, e que afinal fizeram acordo.
O sr A. Nogueira: - Foi um ato de humanidade. (apoiados).
O sr Martim Jr: - Mas perderam o direito de falar.
O sr Celidônio:- Não apoiado. Cederam em consequência do abuso dos
liberais. (apoiados).
O orador diz mais algumas apalavras e assenta-se bruscamente, porque o
sr presidente ponderou-lhe que estava falando fora de ordem. Entrando-se
na discussão das materiais da ordem do dia fala o sr Correia, lembrou dos
tempos em que a maioria [Partido Conservador] governava legitimamente
essa província e os eleitores podiam se encaminhar sem obstáculos para os
sítios eleitorais (PRADO, Correio Paulistano, 09 de março de 1879).
No trecho destacado da citação, Prado, novamente, utiliza o argumento da
ausência de restrição ao livre trânsito dos eleitores como o principal parâmetro para
o elogio aos governos conservadores. Temos outra vez, aqui, a noção de liberdade
tratada na perspectiva negativa e individual. De acordo com a argumentação do autor,
o Partido Conservador teria defendido a liberdade do cidadão paulista com a garantia da
O conservadorismo do jovem Eduardo Prado: um exercício de história intelectual (1878-1879)
FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.2, nº1, p. 236-257, jan.-jun., 2015.
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ausência de impedimento ao livre trânsito durante o processo eleitoral. Estamos, aqui,
diante de uma performance discursiva um tanto diferente daquelas nas quais Prado
acusava os governos liberais de tirania. Essa parece ter sido a grande característica do
conservadorismo de Eduardo Prado nos tempos da sua estreia na arena das polêmicas
político/partidárias: a filiação partidária ao Partido Conservador paulista, do qual o seu
irmão mais velho era o principal líder, e a mobilização da perspectiva cívica, e positiva,
da ideia de liberdade em função da oposição aos governos dos Partidos Liberais. Porém,
nesse exercício de oposição, Prado também se empenhou em construir uma memória
dos governos conservadores, na qual nuançou o seu discurso com uma perspectiva de
liberdade individual, no melhor estilo liberal.
Conclusão
Já há algum tempo, o cenário intelectual brasileiro finissecular vem sendo abordado
por importantes trabalhos, indo desde os estudos especializados na história social do
pensamento político e da literatura até as pesquisas mais vinculadas ao exercício da
história intelectual, que, caracterizadas pela perspectiva biográfica, debruçaram-se
sobre a vida e a obra dos letrados em atuação no período.
Como exemplos do primeiro tipo de análise, cito os livros de Ângela Alonso (2002)
e Thomas Skidmore (2010), que já são amplamente conhecidos pelos historiadores
especializados na temática. Também são dignos de nota os estudos de Lilia Schwarcz
(1993;1987), que aprofundaram a discussão desenvolvida pelo já citado livro de Skidmore,
e o volume “Pensar a República”, organizado em 2002 por Newton Bignotto.
Já os trabalhos de Flora Sussekind (1987; 1990), de Leonardo de Afonso Miranda
Pereira (2009), de Nicolau Sevcenko (1983), de Alessandra El Far (2000) e João Paulo
Coelho de Souza Rodrigues (2001) abordaram o problema da prosa literária, alguns
dando destaque para a consolidação do estilo realista e para a fundação da Academia
Brasileira de Letras. De alguma forma, Eduardo Prado é mencionado por esses estudos,
já que foi um letrado bastante atuante nos anos finais do século XIX, tendo destaque
tanto nas críticas políticas aos primeiros governos da República, como na participação
nas mais importantes instituições de consagração intelectual da época, como, por
exemplo, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e a ABL.
A situação não é diferente nos trabalhos de história intelectual, como os
desenvolvidos por Marco Aurélio Nogueira Cunha (2010) e Maria Fernanda Lombardi
Fernandes (2008), sobre, respectivamente, Joaquim Nabuco (1849-1910) e Silva Jardim
(1860-1891), ambos tendo algum tipo de relação político/intelectual com Eduardo
Prado. Nesse sentido, tanto nos estudos de história social como naqueles de história
intelectual, o escritor aqui analisado é apontado como um dos principais representantes
do conservadorismo brasileiro finissecular, com destaque quase exclusivo à sua atuação
na militância política antirrepublicana. Como eu já mostrei na introdução desse artigo,
mais especificamente na nota de número dois, os trabalhos que já se interessaram,
especificamente, pela vida e obra de Eduardo Prado reforçam essa imagem.
Não foi minha intenção propor uma crítica a esses estudos, até porque seria
impossível negar que Eduardo Prado fora um dos principais adversários do regime
político instaurado pela intervenção militar de 1889. O que tentei fazer foi contribuir
para um estudo mais sistemático da trajetória do autor, dando destaque aos textos
OLIVEIRA, Rodrigo Perez
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até então praticamente inexplorados pela bibliografia especializada, como é o caso dos
escritos de juventude, que são o corpus documental examinado nesse artigo.
Após o exame de parte desses textos, em especial aqueles publicados na imprensa
paulista no final dos anos 1870, apresento um jovem escritor inserido nas fileiras do
Partido Conservador paulista, o que no contexto em questão não significava apoio
irrestrito ao governo do Imperador D. Pedro II, sendo até mesmo, possível verificar
a existência de certa aliança com alguns elementos do Partido Republicano, como
Martinho Jr, irmão de Eduardo Prado. Priorizei, portanto, a análise, contextualizada, dos
primeiros lances discursivos o autor, buscando lê-los à luz dos conflitos políticos, que
já no final da década de 1870 desestabilizavam a Monarquia, a partir da sua inserção nos
quadros da família Prado, uma das mais importantes do século XIX brasileiro.
Apresento, portanto, a hipótese de que nos seus primeiros atos como polemista
política, Eduardo Prado mostrou-se um aguerrido adversário dos governos provinciais
comandados pelo Partido Liberal, contra quem instrumentalizou uma crítica política
fundamentada no constante uso da noção de “liberdade”, que foi mobilizada a partir
de uma dinâmica combinação entre as tradições cívica e liberal. Com isso, acredito
que seja possível afirmar que o Eduardo Prado antirrepublicano, da década de 1890,
já era um importante ator nos debates políticos paulistas, desde o final dos anos
1870, e que, sem a leitura atenta desses primeiros textos, a interpretação dos escritos
antirrepublicanos fica seriamente comprometida. Dessa forma, creio que o estudo dos
escritos de juventude possa colaborar para a interpretação da performance discursiva
desse escritor, que ainda aguarda por trabalhos interessados em avançar na análise dos
seus textos para além da já conhecida dicotomia Monarquia X República.
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