Recebido em: 17/12/2014
Aprovado em: 16/02/2015
O papel da imprensa na circulação de ideias e de
intelectuais antifascistas entre a Argentina, Uruguai
e a França (1933-1939)
The press’ role on circulation of anti-fascist ideas
and intellectuals among Argentina, Uruguay and
France (1933-1939)
OLIVEIRA, Angela Meirelles de
1
Resumo: Este artigo pretende demonstrar que a imprensa teve um papel fundamental
para a circulação de ideias antifascistas entre Argentina, Uruguai e a França, bem como
para o trânsito de intelectuais entre esses espaços nacionais. A imprensa destacou-se
como suporte dos conteúdos produzidos pelos intelectuais antifascistas, podendo ser
considerada, também, como um importante meio de intercâmbio cultural. Além disso, a
análise dos periódicos que se envolveram na luta contra o fascismo nos países citados
permitiu perceber a relevância dos diálogos transnacionais para a reflexão sobre as
realidades locais.
Palavras-chave: antifascismo, intelectuais, imprensa, circulação de ideias, Argentina,
Uruguai.
1. Doutora em História Social – Departamento de História/Programa de Pós-graduação em História So-
cial – Faculdade de Filosofia, letras e Ciências Humanas – USP – Universidade de São Paulo - Rua do
Lago, 717 - Cidade Universitária, CEP: 05508-080, São Paulo, SP, Brasil - A pesquisa que resultou nesse
artigo contou com financiamento da CAPES. Email: angelamo@usp.br.
O papel da imprensa na circulação de ideias e de intelectuais antifascistas entre a Argentina, Uruguai e a França
(1933-1939)
FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.2, nº1, p. 159-171, jan.-jun., 2015.
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Abstract: This article aims to show the press role on the circulation of anti-fascist
ideas among Argentina, Uruguay and France, as well as on the exchange of intellectuals
between these national spaces. The press was prominent as a support from the contents
of anti-fascists intellectuals, and may be considered as an important expedient of
cultural exchange. Besides, the analysis of the press involved in fighting against fascism
at those countries had allowed apprehend the importance of the transnational dialogues
for the thinking about the local realities.
Keyword: antifascism; intellectuals; press; circulation of ideas; Argentina; Uruguay.
Introdução
A luta antifascista, fortalecida após a ascensão de Adolf Hitler ao poder, em
1933, possuía um evidente caráter transnacional. Assim como a ideologia fascista
2
,
que se expandiu por diversos países, inspirando o surgimento de grupos com a mesma
orientação política (BERTONHA, 2012; CAPELATO, 1991), o antifascismo foi uma ideia
que circulou por diferentes espaços nacionais.
Dos países do Cone Sul, o Uruguai e a Argentina se destacaram por abrigarem
uma intelectualidade fortemente envolvida com o tema. Além disso, os intelectuais
desses países estavam organizados em associações que mesclavam atuação cultural e
política que, por sua vez, publicaram revistas importantes, tanto para a dinâmica cultural
da região como para a disseminação da luta contra o fascismo. Esses países, também,
estabeleceram contatos relevantes com as agrupações antifascistas francesas, fato que
contribuiu para ampliar os espaços de circulação de ideias antifascistas para os dois
lados do atlântico.
Este artigo pretende demonstrar que a imprensa teve um papel fundamental
para a circulação de ideias antifascistas entre Argentina, Uruguai e a França, bem como
para o trânsito de intelectuais entre esses espaços nacionais. A imprensa destacou-
se como suporte dos conteúdos produzidos pelos intelectuais antifascistas, podendo
ser considerada “um meio privilegiado de intercâmbio cultural” (TERONI, 2005, p. 16,
tradução nossa). Ela é também o meio material por meio do qual as ideias são veiculadas,
pois contribuem para “modelar o conteúdo das ideias que veiculam e, da mesma forma,
sugerem formas específicas de recepção” (SOARES, 2002, p. 91).
Os intelectuais antifascistas se valeram da imprensa como principal arma de
combate. Jornais e revistas são considerados os meios, por excelência, de intervenção
político-cultural em uma sociedade (PATIÑO, 2009, p. 461). No caso da luta antifascista,
eles tiveram papel muito relevante. As publicações que estiveram dedicadas a essa
causa na América Latina constituem um campo privilegiado para a investigação daquele
momento (SARLO, 1992, p. 10).
Para esse artigo, as publicações são entendidas como objeto e fonte, pois, ao
mesmo tempo em que permitem recuperar os debates intelectuais travados em torno
do tema, elas se configuraram como instâncias centrais para a luta. Essa fusão entre
objeto e fonte para o estudo da imprensa baseia-se no trabalho pioneiro de Capelato e
Prado (1980, p. XIX) já que, segundo as autoras, os impressos não são somente “meros
2. Nesta pesquisa, emprega-se o termo fascismo para se referir genericamente aos regimes orientados
por ideias e formas de governo similares, cuja principal característica é a presença de um Estado autori-
tário, representado por um líder que exercia uma política de massas.
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veículos de informação, mas servem ao propósito de intervenção na vida social.
Circulação de ideias
O estudo transnacional, por meio do qual se procurou reconstituir o movimento
de circulação de ideias antifascistas entre tais países sul-americanos e a Europa, indica
os caminhos para “poner en diálogo más las ideas que las fronteras” (FUNES, 2006,
p. 22). Essa orientação metodológica permitiu, ainda, estudar o continente latino-
americano em sua especificidade, desconsiderando polos determinantes e subordinados
característicos por muito tempo dos estudos sobre a cultura e a política do continente
(PRADO, 2005, p. 27).
Para o estudo da circulação de ideias, os aportes teóricos de Serge Gruzinski são
fundamentais, porque permitem valorizar os personagens que figuram como mediadores
culturais, no caso, os intelectuais. Segundo o autor, o estudo dos indivíduos pode
desvelar a maneira pela qual o local e o global se articulam e rearticulam constantemente
(GRUZINSKI, 2001, p. 190). Olivier Compagnon (2009, p. 7), ao se referir ao estudo
dos mediadores, aponta para uma possível apreensão mais complexa dos processos de
circulação de ideias, já que possibilita o estudo dos percursos não lineares:
Ao reconstituir os itinerários pessoais dos mediadores culturais, identificando
as redes de pessoas que são formadas durante o processo de difusão de um
produto, descrevendo as novas sociabilidades decorrentes destas redes, certo
número de pesquisas mostrou que os processos de difusão de um ponto a
outro não são lineares.
O estudo dos mediadores relacionados aos movimentos antifascistas exigiu que
fossem levados em conta os compromissos políticos desses atores, pois como mostra
Gabriela Pellegrino Soares (2002, p. 96), “a transmissão realizada por um passeur nunca
é neutra”. Ao contrário do que defende uma linha da historiografia (LOTTMAN, 1985;
WINOCK, 2000), sustentamos que o antifascismo foi um movimento integrado por
intelectuais de diversas orientações políticas de esquerda e não somente comunistas e,
menos ainda, dirigida e coordenada de forma absoluta por Moscou
3
.
A luta antifascista
Em 1935, um grupo de intelectuais antifascistas criou, na Argentina, a Agrupación
de Intelectuales, Artistas, Periodistas y Escritores (AIAPE). Pouco tempo depois, uma
organização homônima foi criada no Uruguai. Apesar de partilharem o mesmo nome, as
organizações se originaram de grupos políticos com diferentes composições e tiveram
desdobramentos e longevidade bastante díspar (OLIVEIRA, 2013).
Essas associações foram inspiradas em alguns movimentos de intelectuais que
surgiram na França desde o início da década de 1930. Inicialmente, destaca-se o Comitê
de Vigilância dos Intelectuais Antifascistas (CVIA)
4
, de 1934, criado como resposta
3. Para consultar a documentação que sustenta esta afirmação bem como uma análise aprofundada do
tema Cf. Autor (no prelo).
4. Os intercâmbios entre o CVIA e a AIAPE argentina devem ser entendidos mais como uma ação dos
indivíduos comunistas ou simpatizantes que ali militavam pela criação da Associação Internacional pela
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aos acontecimentos de 6 de fevereiro do mesmo ano
5
. No entanto, as AIAPEs foram,
gradualmente, aproximando-se da atuação da Associação Internacional pela Defesa da
Cultura (AIDC), criada em 1935, e da qual se consideravam um desdobramento. Por sua
vez, a AIDC, apesar de ter sido criada por orientação direta de Moscou (em substituição
à União Internacional de Escritores Revolucionários – UIER), logo passou a divergir das
orientações do Partido Comunista da URSS e, como consequência, sofrer de falta de
recursos e de uma direção que orientasse a atuação da entidade no âmbito internacional
(TERONI; KLEIN, 2005, p. 573). No caso específico de AIDC e como consequência
de tais dificuldades, a inserção internacional foi pequena e a liderança e orientação,
débeis. Tal fato contribuiu enormemente para que as organizações sul-americanas se
desenvolvessem segundo suas possibilidades.
As AIAPEs da Argentina e do Uruguai tinham, por ideal, a “defesa da cultura”, visto
que entendiam que a liberdade de pensamento e as artes, de maneira geral, estavam
ameaçadas pelo fortalecimento do fascismo na Europa, pelo surgimento de grupos
inspirados pelo fascismo na região, bem como pela emergência de regimes autoritários,
por meio de golpes de Estado ou fraudes eleitorais em seus países.
A ascensão dos regimes autoritários no Uruguai e na Argentina foi uma das
consequências da crise de 1929. Golpes de Estado liderados por José Felix Uriburu, em
1930, na Argentina e, em 1933, por Gabriel Terra, no Uruguai (PORRINI, 1994) visavam,
entre outras medidas, combater as conquistas sociais e democráticas incorporadas
pelos governos anteriores. Nos dois casos, os golpes vieram acompanhados de forte
retórica conservadora. Nessa cruzada política, os avanços sociais e democráticos do
batllismo
6
, no Uruguai e do radicalismo
7
, na Argentina, foram associados aos fracassos
econômicos derivados da crise, aos “males da democracia”; o discurso estendia-se
também aos liberais e aos comunistas, “(...) fuente primigenia de los males denunciados”
Defesa da Cultura (AIDC), do que por uma aspiração de mobilização internacional dos intelectuais mem-
bros do CVIA que, como destacado, estava direcionada para a articulação de uma Frente Popular na
França.
5. A data se refere a uma manifestação de monarquistas e antiparlamentaristas, muitos integrantes da
Action Française, que tomaram as ruas de Paris para protestar contra o governo radical de Édouard Da-
ladier. Os protestos resultaram em dezenas de mortos e milhares de feridos, no que foi entendido como
uma tentativa de golpe pelos fascistas contra a III República na França, por resultar na renúncia de Da-
ladier. Em reação a esta expressão da direita francesa, a esquerda deu início às articulações para a ação
conjunta contra o fascismo. Ver BERNSTEIN (1975).
6. Batllismo é a uma corrente política do Partido Colorado no Uruguai que denomina os seguidores do
presidente José Batlle y Ordoñez. Segundo Souza (2003), em seus dois governos (1903-1907 e 1911-1915),
Batlle foi responsável pelas reformas políticas e eleitorais que culminaram com a hegemonia do urbano
frente ao mundo rural. No plano econômico, o batllismo impulsionou desenvolvimento industrial baseado
na modernização e diversificação da produção agropecuária; no plano político, realizou reformas eleito-
rais que garantiriam aos cidadãos direitos democráticos. Aproximou-se dos setores populares urbanos,
com a fundação de Clubes Políticos dos quais participavam a população em geral. Em seu governo, hou-
ve significativa mudança nos quadros administrativos, isolando a velha aristocracia do poder e dando
espaço para técnicos e intelectuais mais jovens. Batlle era também profundamente anticatólico, e foi
responsável pela secularização do país: separação total entre a Igreja e o Estado, aprovação do divórcio
por mútuo consentimento (1910), abolição do juramento sobre os evangelhos (1908), supressão do ensino
religioso nas escolas públicas (1909).
7. O partido da União Cívica Radical (UCR) governava o país há 14 anos por meio do sufrágio livre mascu-
lino. Este partido, criado no ano 1889, havia ganhado força com a representação das massas populares,
dos imigrantes e filhos de imigrantes, das classes médias, cada vez mais numerosas e com aspirações
políticas e também dos operários. Os radicais combatiam os grupos oligárquicos tradicionais na política
nacional, defendendo o estabelecimento de uma democracia formal.
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(ROMERO, L. A., 2009, p. 69).
Nessa conjuntura política, as agrupações de intelectuais almejavam intervir na
realidade nacional em um diálogo constante com os movimentos europeus, sobretudo
franceses. São esses diálogos e seu significado para a luta em nível local e global que
serão mapeados a seguir.
Circulação de impressos
Dos periódicos criados como porta-vozes das organizações, o argentino Unidad,
por la defensa de la cultura
8
(1936-1938) e o uruguaio AIAPE, por la defensa de la
cultura
9
(1936-1944), coerentes com ligação entre as duas associações, apresentavam
diagramação idêntica, com o título cortado pelo lema “por la defensa de la cultura
e algumas seções em comum. Apesar de algumas semelhanças, a revista argentina
sobreviveu por um período muito curto se comparado à uruguaia. Pode-se entender
esse fato, entre outras especificidades, a partir das diferentes redes que sustentavam
a produção das publicações. A versão uruguaia contava com o suporte material e
simbólico do Ateneu de Montevidéu, instituição que, tradicionalmente, concentrava
os debates em torno da produção cultural e artística do país, desde 1868. Já a edição
argentina não era apoiada por qualquer organização.
Outra distinção a ser apontada entre essas revistas, que interferiu nas trajetórias
das publicações, refere-se ao clima de liberdade política e de imprensa usufruído por
estes intelectuais e militantes nos países do Prata. Os governos autoritários, apesar
das liberdades constitucionais que garantiam o direito de livre publicação de ideias,
utilizaram-se de diferentes argumentos para cercear a livre-expressão da imprensa,
sobretudo na Argentina (LOBATO, 2009, p. 40), e em menor grau no Uruguai (PORRINI,
1994, p. 60). Na Argentina, o caso de Hector P. Agosti é exemplar. Diretor do jornal
comunista La Internacional, Agosti é processado e condenado, cumprindo pena de
cerca de três anos, entre 1934 e 1937. Com relação especificamente à AIAPE, a censura
efetivou-se, entre outras maneiras, na perseguição ao livro Tumulto, de José Portogalo
(CANE, 1997, p. 445) e aos aiapeanos filiados ao Partido Comunista Argentino.
Em um primeiro momento, procuramos evidenciar a circulação desses impressos
a partir de uma “sociabilidade inter-revistas” (CRESPO, 2002: 108) que estava relacionada
a uma aspiração expressa para a realização de intercâmbios e pelos intercâmbios
efetivamente indicados entre elas. Nesse último caso, as revistas enviavam exemplares
para outra de seu interesse que, em troca, correspondia remetendo seu exemplar. Esses
eram publicados em sessões específicas sob o título de “revistas recebidas”, etc.
Em uma análise restrita a tal instância de troca, o que se percebe são elos pouco
concretos entre as publicações das AIAPEs argentina e uruguaia. Em suma, constata-
se que houve um significativo intercâmbio entre as revistas antifascistas dos países do
Cone Sul e as da França, mas um intercâmbio esparso entre as revistas do Cone Sul.
Os intercâmbios entre as revistas das AIAPEs do Prata foram menos intensos
do que a ligação entre as duas organizações poderia almejar: houve uma única nota,
8. A publicação, de periodicidade irregular, variava entre 12 e 16 páginas, em formato tabloide, totalizando
7 edições.
9. De periodicidade mensal, era apresentada em formato tabloide, variando entre 14 e 20 páginas (che-
gando a 32 em edições especiais). Entre 1936 e 1939 editou 27 números.
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sem qualquer comentário, sobre o boletim AIAPE, do Uruguai, na congênere argentina.
No movimento contrário, a revista uruguaia saudou o retorno da publicação argentina,
interrompida por alguns meses, com uma nota sobre “la resurrección de Unidad” na
qual “le augura una vida permanente para que cumpla la misión impuesta: la defensa
de la cultura contra el fascismo y toda avalancha reaccionaria, tan notoria, en el país
hermano”.
10
A pouca ressonância do boletim uruguaio, talvez, deva-se às dificuldades
financeiras alegadas pela publicação argentina, que só apresentou esporadicamente um
índice de materiais recebidos.
A troca mais intensa ocorreu com a revista francesa Commune (1933-1939), da
Associação de Escritores e Artistas Revolucionários (AEAR), que indica ter recebido
praticamente todas as publicações sul-americanas, no entanto, não sabemos se
houve reciprocidade, pois somente duas publicações argentinas fizeram menção ao
recebimento da francesa. O mesmo ocorreu em relação às revistas Monde (1938-1935)
dirigida por Henri Barbusse, Front Mondial (1933-1935), do Comitê Mundial contra a
guerra e Vigilance (1934-1939), do CVIA.
A partir dessa constatação, conclui-se que o intercâmbio de ideias entre os
intelectuais foi importante não pela troca de revistas, mas, sobretudo, pela reprodução
de artigos de uma revista em outra (muitas vezes sem indicação da fonte) e pela
contribuição direta do intelectual de um determinado país numa publicação estrangeira.
Esses dois aspectos serão analisados a seguir.
Diálogos impressos: Argentina, Uruguai e França
A amplitude dos diálogos intelectuais entre a Argentina, o Uruguai e a França
é tão vasta que não seria possível estudá-los em um só trabalho. Por esse motivo, o
recorte que se estabeleceu para a investigação desses intercâmbios ficou restrito aos
membros das AIAPEs que atuaram nas duas margens do rio da Prata e/ou junto às
organizações de intelectuais antifascistas de Paris. Apesar das semelhanças entre a
organização uruguaia e argentina em suas origens, a tal ponto da uruguaia se considerar
um “desdobramento” da argentina, as colaborações dos intelectuais aiapeanos nas
revistas, entre as duas margens do rio, não foram frequentes e os intercâmbios se
deram graças ao exílio.
No âmbito das colaborações de autores argentinos nas revistas uruguaias, cabe
mencionar o artigo do comunista Hector P. Agosti sobre a obra de Andre Malraux, na qual
o membro da AIAPE argentina narra o percurso literário do escritor francês em direção
à preocupação social em suas obras
11
. No entanto, não registramos a contrapartida dessa
colaboração por parte dos uruguaios na revista argentina, com exceção das resenhas de
livros, que, ainda assim, eram poucas frente ao expressivo número de livros argentinos
resenhados pela revista do Uruguai, sobretudo os publicados pela Editorial Claridad.
A ausência de textos em Unidad, frutos de intercâmbios entre as associações, não
significa que esses não ocorreram. Um exemplo é a conferência de Jesualdo Sosa na
AIAPE argentina a respeito das ligações entre Sarmiento e José Pedro Varela, cujo texto
10. LAS REVISTAS. AIAPE, por la defensa de la cultura, Montevideo, año 1, n. 8, p.13, agosto sept. 1937.
11. AGOSTI, Hector P. El tema de Malraux. AIAPE, por la defensa de la cultura, Montevideo, año 3, n. 23,
p. 1-2, enero feb. 1939.
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na íntegra foi publicado somente no Uruguai
12
.
Mais significativa foi a atuação do intelectual argentino Arturo Orzábal Quintana,
enviado, em 1937, como delegado à AIAPE do Uruguai
13
. Ele pronunciou uma conferência
no Ateneu de Montevidéu sobre “Os intelectuais e os problemas da paz”
14
. Nos anos
seguintes, publicou três artigos no boletim uruguaio, todos a respeito da situação
política internacional, desde os acordos de Munich até as consequências do início da
Segunda Guerra Mundial. No entanto, apesar das intervenções no Uruguai, Orzábal
Quintana não permite identificá-lo como um mediador significativo no que concerne à
situação política argentina daquele momento.
A mais expressiva contribuição de uruguaios na AIAPE argentina refere-se a dos
irmãos Álvaro e Gervásio Guillot Muñoz. A dupla dirigira, nos anos 1920, uma das mais
destacadas revistas literárias do Uruguai, La Cruz del Sur (1924-1931). Em meados dos
anos 1930, tiveram que se exilar na Argentina “por razones políticas”
15
.
Em suas atividades políticas no exílio argentino, os irmãos Guillot Muñoz
militaram contra a ditadura do governo Terra e contra o fascismo nas páginas de
Unidad. Um exemplo é o artigo publicado nessa revista por ocasião do rompimento
das relações diplomáticas do regime terrista com a URSS. Álvaro, graças à sua atuação
como diplomata, recuperou o histórico de acordos rompidos por Gabriel Terra para
condenar o governo do Uruguai, no que considerou um “servilismo frente a la dictadura
de Getulio Vargas”
16
. Essa acusação devia-se às pressões que Vargas realizou sobre o
governo uruguaio após os movimentos armados de 1935 no Brasil. Graças às relações
comerciais do Uruguai com a URSS, o país oriental era acusado de abrigar empresas
que financiavam as atividades comunistas na região (AYÇAGUER, 2008).
Os dois irmãos publicaram importantes estudos sobre poetas franco-uruguaios,
o que os credenciou como profundos conhecedores da literatura e da história francesa.
Gervásio publicou, na revista argentina, artigo sobre os embates políticos da Revolução
Francesa, considerados por ele como “Precedentes históricos del Frente Popular en
Francia”
17
. Além de ser o secretario do periódico Unidad, Gervásio publicou artigos
no boletim uruguaio sobre a AIAPE argentina
18
. Como se pode notar, as trajetórias
intelectuais de Gervásio e Álvaro Guillot Muñoz, no exílio portenho, foram importantes
para os contatos entre as duas organizações.
Além disso, Gervásio Guillot Muñoz teve importantes ligações com os intelectuais
franceses. Em fins de 1939, publicou em AIAPE uma nota cujo título era “Como se ven
desde Paris nuestras Aiapes”. Ali narrou sua visita à “Association International des
12. [SOSA], Jesualdo. Sarmiento y la reforma de la escuela uruguaya. AIAPE, por la defensa de la cultura,
Montevideo, año 2, n.19 e 20, p. 4, sept. oct. 1938.
13. VIDA DE LA AIAPE. Unidad, por la defensa de la cultura, Buenos Aires, año 2, n. 1, p. 12, agosto 1937.
14. VIDA DE LA AIAPE. AIAPE, por la defensa de la cultura, Montevideo, año 1, n.3, p. 16, marzo 1937.
15. Os motivos que levaram ao exílio de Gervásio Guillot Muñoz não estão claros na historiografia. Consta
que ele era subdiretor do Museo Nacional de Bellas Artes, em Montevidéu, e foi destituído pela ditadura
de Gabriel Terra logo em 1933. Exila-se em 1935, momento de novo endurecimento da ditadura de Terra
por conta dos movimentos armados ocorridos no início deste ano.
16. GUILLOT MUÑOZ, Álvaro. Rompiendo relaciones. Unidad, por la defensa de la cultura, Buenos Aires,
año 1, n. 2, p. 4, feb. 1936.
17. GUILLOT MUÑOZ, Gervasio. Precedentes históricos del Frente Popular en Francia. Unidad, por la
defensa de la cultura, Buenos Aires, año 1, n. 1, p. 9, enero 1936.
18. GUILLOT MUÑOZ, Gervasio. La intelectualidad antifascista en América: La AIAPE de Buenos Aires.
AIAPE, por la defensa de la cultura, Montevideo, año 1, n. 3, p. 14, marzo 1937.
O papel da imprensa na circulação de ideias e de intelectuais antifascistas entre a Argentina, Uruguai e a França
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Écrivains pour la Defense de la Culture”. Nessa nota, afirmou ter ouvido “los elogios
más cordiales a nuestra Aiapes de Uruguay y Argentina” e recebeu um convite para
“estrechar vínculos para la defensa de la cultura auténtica contra los impostores,
demagogos y tránsfugas”
19
. Nesse mesmo texto, o autor aproveitou para transmitir o
entendimento da organização francesa sobre os acontecimentos daquele período (pacto
Germano-Soviético e início da Segunda Guerra Mundial). Tal intermediação permite
enfatizar, uma vez mais, o papel de Gervásio como mediador quando afirma:
Los intelectuales congregados en la Maison de la Culture saben perfectamente
que la guerra de 1939 es una nueva guerra imperialista, que la democracia
francesa, ha sido arrasada por Daladier, que no pueden opinar sobre la
gestión de ese gobierno porque esa autoridad es una dictadura reaccionaria
que ha prohibido la libertad de crítica y ha instaurado un inflexible y asfixiante
régimen de censura. La Maison de la Culture sabe que el pueblo es otra vez
carne de cañón y ha puesto en la picota a los entregadores del pueblo español
y a los capituladores de Munich
20
.
A relação entre a AIAPE do Uruguai e a França se estabeleceu, também, por meio
de outro importante personagem: o poeta franco-uruguaio Jules Supervielle. No entanto,
o escritor, cuja trajetória incluiu um trânsito frequente entre a França e o Uruguai
21
,
nunca chegou, efetivamente, a assumir o papel de representante da AIAPE frente aos
grupos franceses. Em 27 de novembro de 1936, logo nos primeiros meses de existência
da organização uruguaia, Supervielle enviou a Luisa Luisi uma correspondência
manifestando sua adesão à homenagem feita pela AIAPE ao poeta Federico Garcia
Lorca
22
. Poucos meses depois, Luisa Luisi dedicou um artigo à obra de Supervielle, no
qual afirmou que ele estava “lejos de un poeta social,” o que, no entanto, não lhe valeria
uma condenação
23
. Esse fato reforça a ideia de que a AIAPE uruguaia incorporou em
suas filas intelectuais politicamente heterogêneos.
Os intelectuais argentinos também estabeleceram contatos diretos com
associações francesas. A relação ocorreu por meio de membros da AIAPE, como Nydia
Lamarque, Raúl González Tuñón e Aníbal Ponce. A estada deles na Europa resultou em
artigos publicados na imprensa antifascista francesa e, posteriormente, em textos sobre
a França publicados no boletim Unidad. Os primeiros artigos abordavam a realidade
social e política da Argentina, enfatizando aspectos da América do Sul, destinados aos
leitores da França. Nos artigos destinados aos argentinos, o objetivo era fomentar a luta
contra o fascismo no país por meio dos relatos dos bem-sucedidos eventos franceses
rumo à constituição de uma Frente Popular. A análise desses textos, fruto da mediação
entre as realidades francesa e argentina, mostra uma interpretação da Argentina
realizada a partir da França, ou seja, um olhar externo que diz respeito à alteridade.
19. GUILLOT MUÑOZ, Gervasio. Como se ven en Paris nuestras Aiapes. AIAPE, por la defensa de la cul-
tura, Montevideo, año 3, n. 29, p. 5, oct. dic. 1939.
20. GUILLOT MUÑOZ, Gervasio. Como se ven en Paris nuestras Aiapes. AIAPE, por la defensa de la
cultura, Montevideo, año 3, n. 29, p. 5, oct. dic. 1939.
21. “Consultado en ocasión de una entrevista sobre las fuentes de su inspiración, contestó que en reali-
dad dudaba si le debía más a Homero o a la Compañía de Transatlánticos que aseguraba el servicio entre
Burdeos y Montevideo”. (URUGUAIOS…, 1969, p. 700).
22. ADHESION de Supervielle. AIAPE, por la defensa de la cultura, Montevideo, año 1, n.2, p. 2, dic. 1936.
23. LUISI, Luisa. Supervielle, poeta metafísico. AIAPE, por la defensa de la cultura, Montevideo, año 1, n.
4, p. 12, abr. 1937.
OLIVEIRA, Angela Meirelles de
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Aníbal Ponce, que representou um importante elo entre a AIAPE e os intelectuais
franceses, publicou dois artigos na imprensa antifascista que merecem atenção. Em
fevereiro de 1935, no jornal Front Mondial, Ponce apresentou uma interpretação, do
ponto de vista marxista, sobre o golpe do Gal. Uriburu e sobre os métodos reacionários
utilizados pelo governo de Augustín P. Justo, o presidente argentino eleito por meio de
fraudes. Nesse mesmo artigo, avaliou a importância da luta estudantil, relacionada à dos
movimentos antifascistas, que estariam “ainda entravados pela divisão no movimento
operário”
24
.
Nesse mesmo mês, um artigo mais denso de Anibal Ponce foi publicado em
Monde. Nele, o autor recuperou sua trajetória biográfica com relação às leituras de
autores franceses, apontando a prevalência de narrativas sobre a Revolução Francesa
desde a infância (“La Gran Revolución fue para mí lo que para otros fue Los tres
mosqueteros….”). A narrativa autoral invadiu o momento da chegada de Ponce a Paris
em meio às grandes manifestações antifascistas (“¿Habían comprendido su deber
“mis” multitudes de Paris?”, se perguntou Ponce). Naquela ocasião, Ponce se referiu
à sua participação numa grande manifestação que o transportara a outros sucessos
revolucionários presentes em sua memória. A associação era clara: aquele momento
atual da luta antifascista o remetia imediatamente a todas as lutas populares travadas
na França:
Por momentos, entreabriendo los ojos, yo creía encontrarme en medio de
esas otras multitudes de “mí” Paris revolucionario, mientras que desfilaban
en mi espíritu como una zarabanda de sueños las imágenes del 93, del 47, del
71. A través de más de un siglo, ¿no estábamos, acaso, frente a los mismos
enemigos?
25
Aníbal Ponce foi o autor do manifesto fundacional da AIAPE
26
, que teve um
trecho reproduzido em Vigilance, a publicação do CVIA. O manifesto fazia referência
aos países latino-americanos dependentes do imperialismo, para onde era transportada
a “semente da desagregação da Europa:” o fascismo. A infiltração da ideologia fascista
nos países americanos foi interpretada por Ponce a partir da expansão das doutrinas
xenófobas, racistas e militaristas:
As doutrinas radicalmente estrangeiras ao conteúdo humano do passado
americano se introduzem entre estes povos para viciar o seu desenvolvimento,
destruir suas culturas ainda mal asseguradas e os privar de seus últimos
direitos penosamente adquiridos. Em nome da ordem tentamos sufocar a
liberdade
27
.
Vigilance saudou a criação da AIAPE argentina, entendendo-a como uma
organização de intelectuais de toda a América Latina
28
. Cabe ressaltar que o Comitê
24. «…encore entravé para la division du mouvement ouvrier.» Cf. PONCE, Anibal. Fascisme et antifascis-
me en Argentine. Front Mondial, Paris, 2ª époque, an 2, n. 2, p. 5, févr. 1935.
25. PONCE, Aníbal. Buenos Aires – Paris. Monde, Paris, an 8, n. 321, p. 12, févr. 1935. Tradução de TERÁN
(1983).
26. Segundo Cane (1997, p. 447), a íntegra desse manifesto foi perdida, restando apenas trechos, como o
apresentado no balanço de Ponce (1936, p. 330) sobre o primeiro ano da AIAPE.
27. EN AMERIQUE latine. Vigilance, Paris, n. 32, p. 14, 15 janv. 1936.
28. Idem.
O papel da imprensa na circulação de ideias e de intelectuais antifascistas entre a Argentina, Uruguai e a França
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FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.2, nº1, p. 159-171, jan.-jun., 2015.
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de Vigilância dos Intelectuais Antifascistas (CVIA) foi uma organização de atuação
predominantemente nacional que esteve na base das manifestações em prol da Frente
Popular Francesa. Seus animadores foram Alain, Paul Rivet e Paul Langevin, mas
também foi integrada por inúmeros comunistas. A partir de sua fundação, intelectuais
de tendências políticas diversas se agregaram ao grupo
29
, que acabou por se desintegrar
em julho de 1936 devido às polêmicas em torno do pacifismo
30
. Os comunistas e
simpatizantes do PCF se desvincularam do CVIA, entre eles Paul Langevin. Nos anos de
1936 a 1939, a organização fez a defesa inconteste de um pacifismo radical e, segundo
Racine-Furlaud (1977, p.112), foi se aproximando do anticomunismo.
Ainda no que se refere à relação entre a França e Argentina, a escritora Nydia
Lamarque, que também estivera em Paris e testemunhara um evento que ela denominou
“Mítin de Frente Único, el primer que se realizará desde que el Partido Comunista y el
Partido Socialista firmaron su pacto de unidad de acción, (…)”
31
. Em seu relato, publicado
em Unidad, a autora afirma ter ficado hospedada, em Paris, na casa de um membro do
Partido Comunista. Ela se considerou uma “pequeña espectadora casi invisible” das
inúmeras reuniões de que participara, já que, segundo seu relato, era proibida pelos
membros do partido de participar de grandes manifestações, devido ao risco de ser
deportada pela polícia. A escritora narrou o encontro com os membros da Frente
Única, ao mesmo tempo em que refletiu sobre as práticas políticas dos movimentos
antifascistas de seu país:
¿Por qué en Argentina somos mudos? Recuerdo grandes, ardientes mítines
en Rosario, en Santa Fe, en Buenos Aires misma, antes de la ilegalidad total.
Eran silenciosos: terminados los discursos, la multitud que durante ellos había
crepitado y llamado, se apagaba de golpe, como lámpara que repentinamente
se quema. ¡Sí ni siquiera sabemos repetir con cadencia una consigna como
lo hacen aquí en este momento! “Les Soviets partout!” Sin duda, nos falta
tradición revolucionaria, no es posible comparar esta masa, que tiene a
sus espaldas la Commune y cientos de insurrecciones menores, esta masa
homogénea, consciente, levantisca, con los contingentes heterogéneos
y todavía tan poco informados que el Partido debe educar y conducir a la
batalla. Pero, sin embargo, yo creo que debemos aprender a cantar
32
.
Na imprensa francesa, Nydia Lamarque publicou um artigo sobre a Guerra do
Chaco (1932-1935) no periódico Monde, fazendo referência à amplitude do movimento
Amsterdam-Pleyel na América do Sul após a realização do Congresso de Montevidéu
(1933). Segundo sua narrativa, a adesão ao movimento aumentara entre os soldados que
29. Segundo Racine-Furlaud (1977, p. 89) são eles J. Baby, M. Prenant, H. Wallon, A. Wurmser pelo partido
comunista, J. Dominois, socialista; A. Bayet, radical, etc.
30. Para Racine-Furlaud (1977, p. 96-106), as polêmicas em torno do pacifismo renderam duas grandes
rupturas ao CVIA. Em julho de 1936, os comunistas e simpatizantes abandonaram a associação devido à
ausência de um posicionamento concreto quanto à luta contra o fascismo, relacionadas também às dis-
cordâncias sobre a urgência ou não de se travar acordos com Hitler. Em um segundo momento, em junho
de 1938, outro grupo rompe com o CVIA acusando o “pacifismo extremo” do grupo como um afastamento
da luta contra o fascismo.
31. Na ausência de uma biografia da escritora Nydia Lamarque, ou de dados mais preciso nas fontes do-
cumentais, não foi possível precisar a data de sua viagem a Paris nem do encontro de Frente Única por
ela narrado.
32. LAMARQUE, Nydia. Mitin del Frente Único en Paris. Unidad, por la defensa de la cultura, Buenos
Aires, año 1, n. 1, p. 10-11, enero 1936.
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se insurgiam contra os oficiais e, como punição, foram assassinados
33
.
Raúl González Tuñón abordou esse tema na imprensa francesa. Nos meses
iniciais do conflito no Chaco boreal, o jornalista fora enviado como correspondente do
diário Crítica ao campo de batalhas (ORGAMBIDE, 1998, p. 79). Ali recolheu histórias
do dramático cotidiano da guerra, que envolveu as populações da Bolívia e do Paraguai.
Tuñon não cansava de abordar, em seus artigos, o conflito, repetindo que as populações
dos dois países não sabiam as razões pelas quais estavam lutando. Tuñon ofereceu aos
leitores de Monde um relato vivo e humano do conflito que fazia parte da pauta do
movimento antiguerreiro europeu
34
.
O papel de Raúl González Tuñón como mediador entre os movimentos europeus
e os sul-americanos não se esgotou nessa circunstância. Ele compareceu ao Congresso
de Escritores em Defesa da Cultura em Paris, em julho de 1935 e, mais tarde, com
Córdova Iturburu, ao II Congresso de Escritores em Defesa da Cultura, realizado na
Espanha em 1937. Após o encontro de 1935, Tuñon elaborou um inflamado relato sobre
a mobilização dos escritores em Paris, que foi publicado na primeira edição do boletim
Unidad
35
.
Tuñón e Iturburu divulgaram relatos do Congresso da Espanha na imprensa
antifascista da Argentina e do Uruguai. O discurso de Iturburu foi, excepcionalmente,
reproduzido nos dois jornais das AIAPEs do Prata
36
. Na ocasião da partida dos dois
jornalistas para o Congresso, a AIAPE, do Uruguai, solicitou a colaboração de ambos para
a revista a respeito de “sus impresiones sobre la guerra de España y otros problemas
europeos”
37
.
Conclusão
Os jornais e revistas que foram instrumentos de contrapropaganda e de debate
de ideias na luta contra o fascismo tiveram uma atuação para além do âmbito nacional.
As trocas efetivadas entre essas revistas revelam uma aspiração ao intercâmbio por
parte dos intelectuais que as mantinham, intercâmbio que visava à partilha de ideias e
soluções para problemas políticos e culturais comuns.
A amplitude da circulação dos impressos políticos, tanto nos espaços nacionais
como em outros países, oferece a possibilidade de acompanhar os contatos entre
intelectuais de lugares distintos e o impacto que a leitura dos textos causou. O alcance
geográfico que as publicações tiveram permite aquilatar a importância das redes que
elas ajudaram a constituir.
Os intelectuais argentinos, uruguaios e franceses que se destacaram pelo trânsito
em diferentes espaços nacionais exerciam a atividade jornalística como uma forma
de militância. Muitos deles exerceram a função de mediadores entre tais realidades
33. LAMARQUE, Nydia. La guerre dans le Chaco. Monde, Paris, an 8, n. 319, p. 15, 18 janv. 1936.
34. GONZÁLEZ TUÑÓN, Raúl. La guerre dans le Chaco. Monde, Paris, an 7, n. 290, p. 4, 6 janv. 1934.
35. GONZÁLEZ TUÑÓN, Raúl. Los escritores católicos en el Frente Popular. Unidad, por la defensa de la
cultura, Buenos Aires, año 1, n. 1, p. 14, enero 1936.
36. O discurso foi publicado com títulos diferentes, mas o conteúdo é idêntico. Cf. ITURBURU, Córdova.
Nuestra palabra en la Asamblea de Valencia. Unidad, por la defensa de la cultura, Buenos Aires, año 2,
n. 2, sept. 1937, p. 6-7 e Idem, El símbolo de las Cibeles. AIAPE, por la defensa de la cultura, Montevideo,
año 1, n. 7, p. 4, jul. 1937.
37. AIAPEANOS en viaje. AIAPE, por la defensa de la cultura, Montevideo, año 1, n. 3, p. 6, marzo 1937.
O papel da imprensa na circulação de ideias e de intelectuais antifascistas entre a Argentina, Uruguai e a França
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nacionais, servindo de porta-vozes e intérpretes da situação política de seus países
frente a outros grupos. Nesse caso, ficou evidente o papel de Álvaro e Gervário Guillot
Muñoz conectando os três países em foco nesse estudo, assim como os argentinos
Hector Agosti no Uruguai e Nydia Lamarque, Raúl González Tuñón e Aníbal Ponce
na França. Outros personagens, como o poeta franco-uruguaio Jules Supervielle ou o
argentino Orzábal Quintana, não cumpriram a mesma função. Apesar de conectarem
duas realidades nacionais ligadas à luta antifascista, não serviram propriamente como
mediadores.
O artigo também colocou em destaque a importância do exílio para os diálogos
transnacionais, já que muitos intelectuais seguiram com a militância em outros locais
por conta de perseguições políticas em seus países. Em muitos casos, o deslocamento
territorial acabou por promover um aprofundamento do olhar dos intelectuais sobre
suas próprias realidades, evidenciando a importância de estar “de fora” para apurar o
olhar sobre nós mesmos.
Por fim, para além da ideia de que a luta contra o fascismo na Argentina e no Uruguai
foi coordenada a partir da Europa (a França ou mesmo Moscou), procuramos evidenciar o
fato de que a consciência de fazerem parte de um movimento global pela defesa da cultura
impulsionou e dinamizou a atuação dos intelectuais das AIAPEs nesses países.
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