O papel da imprensa na circulação de ideias e de intelectuais antifascistas entre a Argentina, Uruguai e a França
(1933-1939)
FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.2, nº1, p. 159-171, jan.-jun., 2015.
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aos acontecimentos de 6 de fevereiro do mesmo ano
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. No entanto, as AIAPEs foram,
gradualmente, aproximando-se da atuação da Associação Internacional pela Defesa da
Cultura (AIDC), criada em 1935, e da qual se consideravam um desdobramento. Por sua
vez, a AIDC, apesar de ter sido criada por orientação direta de Moscou (em substituição
à União Internacional de Escritores Revolucionários – UIER), logo passou a divergir das
orientações do Partido Comunista da URSS e, como consequência, sofrer de falta de
recursos e de uma direção que orientasse a atuação da entidade no âmbito internacional
(TERONI; KLEIN, 2005, p. 573). No caso específico de AIDC e como consequência
de tais dificuldades, a inserção internacional foi pequena e a liderança e orientação,
débeis. Tal fato contribuiu enormemente para que as organizações sul-americanas se
desenvolvessem segundo suas possibilidades.
As AIAPEs da Argentina e do Uruguai tinham, por ideal, a “defesa da cultura”, visto
que entendiam que a liberdade de pensamento e as artes, de maneira geral, estavam
ameaçadas pelo fortalecimento do fascismo na Europa, pelo surgimento de grupos
inspirados pelo fascismo na região, bem como pela emergência de regimes autoritários,
por meio de golpes de Estado ou fraudes eleitorais em seus países.
A ascensão dos regimes autoritários no Uruguai e na Argentina foi uma das
consequências da crise de 1929. Golpes de Estado liderados por José Felix Uriburu, em
1930, na Argentina e, em 1933, por Gabriel Terra, no Uruguai (PORRINI, 1994) visavam,
entre outras medidas, combater as conquistas sociais e democráticas incorporadas
pelos governos anteriores. Nos dois casos, os golpes vieram acompanhados de forte
retórica conservadora. Nessa cruzada política, os avanços sociais e democráticos do
batllismo
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, no Uruguai e do radicalismo
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, na Argentina, foram associados aos fracassos
econômicos derivados da crise, aos “males da democracia”; o discurso estendia-se
também aos liberais e aos comunistas, “(...) fuente primigenia de los males denunciados”
Defesa da Cultura (AIDC), do que por uma aspiração de mobilização internacional dos intelectuais mem-
bros do CVIA que, como destacado, estava direcionada para a articulação de uma Frente Popular na
França.
5. A data se refere a uma manifestação de monarquistas e antiparlamentaristas, muitos integrantes da
Action Française, que tomaram as ruas de Paris para protestar contra o governo radical de Édouard Da-
ladier. Os protestos resultaram em dezenas de mortos e milhares de feridos, no que foi entendido como
uma tentativa de golpe pelos fascistas contra a III República na França, por resultar na renúncia de Da-
ladier. Em reação a esta expressão da direita francesa, a esquerda deu início às articulações para a ação
conjunta contra o fascismo. Ver BERNSTEIN (1975).
6. Batllismo é a uma corrente política do Partido Colorado no Uruguai que denomina os seguidores do
presidente José Batlle y Ordoñez. Segundo Souza (2003), em seus dois governos (1903-1907 e 1911-1915),
Batlle foi responsável pelas reformas políticas e eleitorais que culminaram com a hegemonia do urbano
frente ao mundo rural. No plano econômico, o batllismo impulsionou desenvolvimento industrial baseado
na modernização e diversificação da produção agropecuária; no plano político, realizou reformas eleito-
rais que garantiriam aos cidadãos direitos democráticos. Aproximou-se dos setores populares urbanos,
com a fundação de Clubes Políticos dos quais participavam a população em geral. Em seu governo, hou-
ve significativa mudança nos quadros administrativos, isolando a velha aristocracia do poder e dando
espaço para técnicos e intelectuais mais jovens. Batlle era também profundamente anticatólico, e foi
responsável pela secularização do país: separação total entre a Igreja e o Estado, aprovação do divórcio
por mútuo consentimento (1910), abolição do juramento sobre os evangelhos (1908), supressão do ensino
religioso nas escolas públicas (1909).
7. O partido da União Cívica Radical (UCR) governava o país há 14 anos por meio do sufrágio livre mascu-
lino. Este partido, criado no ano 1889, havia ganhado força com a representação das massas populares,
dos imigrantes e filhos de imigrantes, das classes médias, cada vez mais numerosas e com aspirações
políticas e também dos operários. Os radicais combatiam os grupos oligárquicos tradicionais na política
nacional, defendendo o estabelecimento de uma democracia formal.