FIGUEIREDO, Bruna Leite
*
https://orcid.org/0000-0001-8725-0181
SANTOS, Raiane Souza Ferreira dos
**
https://orcid.org/ orcid.org/0000-0001-9895-6586
BATISTA, Eliana Evangelista
***
https://orcid.org/0000-0003-3598-9093
NASCIMENTO, Francisco Alves Ramon do
****
https://orcid.org/0000-0001-8246-7760
RESUMO: Esta pesquisa avaliou historicamente a
expansão da cidade de Seabra e os impactos
ambientais e socioeconômicos relacionados ao rio
Cochó. Os resultados apontaram que o município
se destacou de diferentes formas na Chapada
Diamantina e que o rio Cochó revelou-se um fator
atrativo para o desenvolvimento local. Evidenciou-
se a relação da degradação do rio com a ausência
de planejamento ambiental urbano e com a falta de
sensibilização coletiva quanto à importância do
corpo hídrico. Elencaram-se medidas associadas à
recuperação do rio, ao planejamento ambiental
urbano e à educação ambiental e histórica,
reafirmando-se a relação entre a história de um
local e seus desdobramentos socioambientais,
através da avaliação do processo de expansão da
cidade de Seabra e a degradação do rio Cochó.
Palavras-chave: expansão urbana; planejamento
ambiental urbano; degradação; educação ambiental;
recuperação.
PALAVRAS-CHAVE: expansão urbana;
planejamento ambiental urbano; degradação;
educação ambiental; recuperação.
ABSTRACT: This research has evaluated
historically the expansion of the city of
Seabra
and
the environmental and socioeconomic impacts
related to the
Rio Cochó
(
Cochó
River). The results
showed that the city stood out in different ways in
Chapada Diamantina
, and that the Cochó River
proved to be an attractive factor for local
development. The relationship between the
degradation of the river with the absence of urban
environmental planning and the lack of collective
awareness regarding the importance of the river
was evidenced. Measures related to the recovery of
the river, urban environmental planning, besides
historical and ambient education were listed. In
short, this work reaffirmed the relationship
between the history of a place and its socio-
environmental consequences, through the
evaluation of the expansion process of the city of
Seabra and the degradation of the
Cochó
River.
KEYWORDS: urban sprawl; urban environmental
planning; degradation; environmental education;
recover.
Recebido em: 15/02/2021
Aprovado em: 03/05/2021
*
Técnica em Meio Ambiente pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA),
Seabra/BA. Graduanda em Psicologia pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), Santo
Antônio de Jesus/BA. Esse Artigo apresentado como Trabalho de Conclusão do Curso (FIGUEREDO;
SANTOS, 2020), em dezembro de 2020. E-mail: brunalft@gmail.com.
**
Técnica em Meio Ambiente pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA),
Seabra/BA. Graduanda em História pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), Feira de
Santana/BA. E-mail: rai.a.ne@hotmail.com.
***
Doutora em História pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador/BA. Docente de História no
Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia (IFBA), Seabra/BA. E-mail: eliana25d@hotmail.com.
****
Doutor em Engenharia Industrial pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador/BA. Docente na
Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador/BA. E-mail: ramonacademico@gmail.com.
Este é um artigo de acesso livre distribuído sob licença dos termos da Creative Commons Attribution License.
Introdução
O rio inspira os homens. De suas águas,
pescam o sonho e o conhecimento, colhem a
história e o encantamento [...]. (QUEM
NUNCA...,2017, s/p.).
A epígrafe, fragmento do samba-enredo da Escola de Samba Portela, que venceu o
carnaval carioca no ano de 2017, parece-nos oportuna para abrir este artigo: um estudo
sobre o rio Cochó cujas águas abasteceram, entre outros, o município de Seabra,
localizado no território da Chapada Diamantina, região central da Bahia. Segundo o
samba-enredo, as águas dos rios inspiram canções e poemas, purificam o corpo e
afogam a tristeza, e, enquanto crescem colhendo poesias dos demais rios que lhes
cruzam o caminho, fecundam as margens de onde se colhe o alimento do corpo e da
alma. De maneira análoga, a história da cidade de Seabra teve os processos de
surgimento e expansão em torno de importantes trechos hídricos, particularmente o rio
Cochó, principal responsável pela mudança da sede do município da antiga Vila do
Campestre, abastecimento da cidade, desenvolvimento da agricultura, criação de gado e,
conforme relatam os memorialistas locais, responsável por impedir, pela força e volume
de suas águas, a invasão da cidade pelos tenentes revoltosos da Coluna Prestes, na
segunda metade da década de 1920.
Apesar da importância, desde a década de 1980, o rio Cochó vem sendo
gradualmente degradado. Parte dos moradores de Seabra habituaram-se a atravessar as
diversas pontes que cortam a cidade sem ao menos se dar conta de que são extensas
demais se considerarmos o volume das águas “sujas” que correm lentamente sob elas. O
rio Cochó, que tanto inspirou a poetas e memorialistas e motivou os coronéis locais a
buscar melhor localização para a sede do município no início da Primeira República,
testemunha hoje a inexistência de atividades como pesca, banho e captação de água,
impossibilitadas pela sua atual condição ambiental.
Na Enciclopédia dos Municípios da década de 1950, o IBGE apontava o rio Cochó,
ou Santo Antônio como era também conhecido, como o principal rio do município de
Seabra. Nascido na Serra dos Três Morros, recebia os afluentes dos povoados
Campestre, antiga sede do município, Prata, Tijuco, Ribeirão e Preto. Segundo o
documento, a terra banhada pelas suas águas era propícia para a criação de gado, mas
também para o cultivo de café principal produto da região na época cana-de açúcar,
mandioca, feijão, milho, aipim, alho, arroz, batata, cebola, fava, fumo em folha e mamona
e ainda o cultivo de frutas europeias como uvas e maçãs (IBGE, 1958). A agricultura é
ainda uma atividade econômica importante em Seabra, mas a água do Cochó, antes
volumosa, atualmente é escassa e poluída, e tem interferido no cotidiano dos moradores
de forma direta e indireta, impactando no desenvolvimento socioeconômico local.
De acordo com o samba enredo mencionado, o rio não pode voltar e segue em
busca de seu destino. A sentença parece trágica ao rio Cochó, que muito não inspira
cantadores, poetas e memorialistas, sempre afeitos às emoções e subjetividades. A
degradação do rio, por sua vez, coloca-se ao historiador como um importante objeto de
pesquisa, isso porque a história da cidade está estritamente relacionada ao rio, e,
portanto, as condições ambientais dele devem ser analisadas à luz das relações de poder
locais. Por essa razão, se justifica como fundamental a realização de uma análise
histórica do processo de formação e desenvolvimento da cidade de Seabra, dando
protagonismo ao papel do rio Cochó, problematizando de que modo as alterações nele
sofridas, ao longo do tempo, impactaram diretamente o desenvolvimento local e regional.
A pesquisa buscou verificar a falta de planejamento urbano e ambiental na cidade
como a principal causa do problema levantado. Portanto, uma questão diretamente
relacionada às esferas de poder. Além disso, pretendeu visualizar a importância da
educação ambiental e da recuperação do rio Cochó como estratégias de
restabelecimento da qualidade urbana e ambiental local. Nesse sentido, buscamos
avaliar, historicamente, a expansão da cidade de Seabra e os impactos ambientais e
socioeconômicos relacionados ao rio Cochó, por meio da investigação do processo
histórico de desenvolvimento local, da identificação dos efeitos da degradação do rio no
meio ambiente e na população, além da indicação de possíveis intervenções para a
mitigação dos impactos identificados.
Para tanto, investimos em uma pesquisa bibliográfica e documental que tomou
como ponto de partida a consulta à literatura e à legislação ambiental, seguida de estudo
de caso, com a consulta à população local a partir da utilização de questionários e
entrevistas aplicadas por meio da plataforma virtual
Google Forms
, na qual foram
registradas 27 perguntas objetivas, apresentadas ao público alvo através de dispositivo
móvel. Dado o acesso antigo ou diário desses moradores às transformações locais, os
seus depoimentos permitem a comparação entre passado e presente, bem como a
identificação dos impactos ambientais.
Dessa mesma forma, com o objetivo de avaliar especificamente os impactos
gerados por empreendimentos de lava a jato no rio, foi aplicado um questionário
direcionado a três estabelecimentos, contendo cinco perguntas subjetivas relacionadas à
geração de efluentes por eles. A definição do público contemplado pelos questionários se
baseou na delimitação de um raio de 100 metros do rio Cochó em diversos pontos da
cidade mediante o uso do software
Google Maps
.
Considerando o caráter objetivo do questionário e a necessidade de se recorrer à
memória local para a apresentação de uma narrativa da história de Seabra, foram
realizadas entrevistas semiestruturadas com dois moradores antigos da cidade, indicados
por pessoas consultadas durante a pesquisa de campo como referências de
conhecimento da história local devido às profissões e atuação destes na cidade, além do
fundador do Parque Nacional da Chapada Diamantina (PNCD) e da representante local
da Empresa Baiana de Águas e Saneamento (Embasa).
Considerando que as entrevistas semiestruturadas foram feitas com o objetivo de
resgatar a memória local, as informações colhidas foram cruzadas e/ou complementadas
com a documentação de arquivo, permitindo a elaboração de uma linha do tempo com a
síntese dos fatos históricos da cidade relacionados à questão hídrica, bem como a
problematização da relação da população com o rio Cochó e deste com as esferas do
poder blico, tendo em vista que, ainda que haja mobilização de setores da sociedade
civil e de instituições, é do poder público a responsabilidade de elaboração/acolhimento,
implantação e implementação de projetos que venham a modificar a condição atual do
rio Cochó.
O papel dos corpos hídricos na formação de núcleos urbanos
Em função das necessidades apresentadas pelos seres humanos ao longo da
história, eles buscaram, por muito tempo, se fixar em locais próximos a fontes de água,
por isso, a “[...] história urbana pode ser traçada tendo como eixos as formas de
apropriação das dinâmicas hídricas.” (MELLO, 2008 apud
BAPTISTA; CARDOSO, 2013,
p. 126). A documentação histórica demonstra que, desde a Antiguidade, povos como os
sumérios, egípcios, mesopotâmicos e persas construíram importantes projetos e obras
de irrigação, captação de água, saneamento e drenagem. Havia também preocupações
relacionadas ao uso da água e à transmissão de doenças vinculadas a ela (SILVA, 1998, p.
27).
1
Assim como numerosos núcleos urbanos foram possíveis graças à presença de
recursos hídricos, registraram-se também o esfacelamento de outros tantos em
decorrência do desabastecimento de água
2
. Por esta razão, muitos povos investiram na
captação e armazenamento de água das chuvas, de modo que o controle e suprimento de
1
Cabe destacar que não é nosso objetivo aprofundar sobre todos os processos de transformação humana
em suas relações com a água, o que fugiria do escopo da pesquisa e dos limites desse artigo que detém o
olhar no município de Seabra. Os exemplos arrolados no texto cumprem mais a função de demonstrar as
relações de poder que foram estruturadas a partir do “domínio das águas”, do que analisar, com
profundidade, o processo de transformação humana no seu entorno.
2
Os Maias, por exemplo, teriam abandonado suas cidades, provavelmente, pela carência de água e erosão
do solo provocadas pela destruição da mata primitiva (SILVA, 1998. p. 27).
água, ao longo do tempo, estiveram determinados pelas estruturas de poder. Na chamada
Idade Média, por exemplo, era a aristocracia quem detinha os direitos sobre a maior
parte dos recursos hídricos (SILVA, 1998, p. 27).
Mais tarde, sobretudo a partir do Renascimento Europeu do século XV, a
preocupação com a água foi refletida na estética renascentista presente em parques,
palácios, monumentos e jardins. Data também desse período o processo de vigilância das
águas por oficiais do rei, “[...] sendo obrigatório o pagamento das concessões para
consumo, demonstrando haver conflitos de poder em torno da apropriação dos
recursos hídricos.” (SILVA, 1998, p. 27).
Entre os séculos XVI e XIX, no bojo do surgimento e expansão do sistema
capitalista europeu, cresceram também as aglomerações urbanas e desenvolveram-se
grandes centros industriais, nos quais numerosas pessoas passaram a viver sob
condições sanitárias bastante vulneráveis (HOBSBAWM, 1983. p. 74-82). Entre os
problemas enfrentados, estava o acesso e a gestão da água e suas relações com o
desenvolvimento econômico e a saúde coletiva.
O processo de urbanização do Brasil não foi diferente, tendo em vista que a
presença frequente de corpos d´água foi uma das principais motivações para o
surgimento das cidades. Além de se constituir em fonte imprescindível à sobrevivência
dos seres vivos, os rios, córregos e riachos, “[...] por meio dos recursos de seu
ecossistema, eram utilizados como fontes de subsistência e circulação de pessoas e
mercadorias [...]” (PENNA, 2017. p. 24).
Posteriormente, com o avanço das técnicas de abastecimento e os processos de
urbanização, as cidades puderam ser expandidas para locais mais distantes dos
mananciais. No entanto, a ocorrência desses processos sem planejamento urbano e
ambiental, em diversas localidades, tem contribuído para a degradação de ambientes
naturais, inclusive de corpos hídricos.
Apesar da dependência dos seres humanos em relação aos recursos hídricos, eles
mantêm “[...] uma relação negativa com este recurso natural, com consequências nocivas
ao meio e ao próprio ser humano.” (MENDONÇA, 2008 apud NOVAIS, 2010, p. 2). Nesse
sentido, atualmente podem ser observados diversos impactos nos rios urbanos,
decorrentes da expansão desordenada de construções no seu entorno, bem como de
problemas relacionados à falta de sistemas de saneamento ambiental. O resultado são
efeitos negativos não no meio ambiente, como também na qualidade de vida das
populações que têm estabelecidas relações históricas, culturais ou simplesmente
cotidianas com os rios. Com isso, torna-se necessária a intervenção humana para a
recuperação dessas áreas, visto que o nível de perturbação ambiental alcançado, muitas
vezes, impede a regeneração espontânea destas.
Caracterização da área de estudo
A cidade de Seabra, área de estudo desta pesquisa, localiza-se na região central
do estado da Bahia, sob as coordenadas geográficas GMS 12°25'6.17"S / 41°46'6.21"O,
com área territorial correspondente a 2.402,170 km². Considerada a capital da Chapada
Diamantina, o município possui uma população estimada em 44.091 habitantes em 2019,
pouco mais de 3.000, se comparada ao censo realizado em 2010, segundo o qual, 48,5%
da população censitária residia na zona urbana do município (IBGE, 2010).
No que se refere à economia local, dados do IBGE e do Sistema Eletrônico de
Informações (SEI) mostraram que, no ano 2016, o setor de comércio e serviço
representava 90,2 % do Produto Interno Bruto (PIB), enquanto os setores de indústria e
agropecuária correspondiam a 5,0 % e 4,8 %, respectivamente (IBGE, 2018;
INDICADORES Municipais - SEI/GOV Bahia, 2019). Quanto à geografia física, a cidade
possui clima tropical semiárido, com temperatura anual média de 21,8 ºC, vegetação
característica do bioma caatinga, com solo do tipo latossolo e neossolo litólico, altitude
de 886 m, relevo composto por morros, planícies e serras, e hidrografia (Imagem 1)
composta pelos rios Cochó, Tejuco, da Prata, Dois Riachos, e pelos riachos Campestre,
Chifre de Boi e Banha Tatu.
Imagem 1. Imagem aérea da cidade de Seabra BA (2009/2010), com representação
da hidrografia (linhas azuis).
Fonte: Geobahia (2020).
Caracterizado por ser um dos principais rios da Bacia do Paraguaçu, o rio Cochó
possui nascente na cidade de Piatã e percorre cerca de 36 km entre os diversos
povoados e comunidades rurais dos municípios de Piatã, Boninal e Seabra, até cortar a
sede deste último. Na Imagem 1 é mostrado o encontro de afluentes locais intermitentes -
indicados pelas linhas azuis tracejadas - com o rio Cochó, perene, indicado pela linha
azul contínua. O caráter natural permanente do rio Cochó deveria significar que ele se
mantém com vazões médias durante todo o período do ano, sem enfrentar fases de seca.
No entanto, quatro décadas de constante degradação no trecho que corta a sede de
Seabra resultaram em um rio que permanece seco ou quase seco na maior parte do ano,
devido aos diferentes impactos.
O atual nível de degradação do rio Cochó dificulta a medição da largura natural do
seu leito e, consequentemente, das margens, as quais abrangem a mata ciliar e
constituem a Área de Preservação Permanente (APP) do corpo hídrico.
O rio Cochó e o processo de urbanização da cidade de Seabra
“A cidade nasce da água. [...] A trajetória das relações entre cidades e corpos
d’água reflete, assim, os ciclos históricos da relação entre homem e natureza.” (MELLO,
2008 apud BAPTISTA; CARDOSO, 2013, p. 126). Tal afirmação ilustra a estratégia dos
seres humanos que, dependentes da água para a subsistência, possuem a própria história
marcada pela ocupação das margens dos rios. Dessa mesma forma, em meados do século
XIX, as localidades de Campestre e São Sebastião do Cochó do Pega, que mais tarde
constituiriam a cidade de Seabra, se desenvolveram em torno de dois trechos hídricos:
Riacho Campestre e rio Cochó.
A tradição oral conta que simultaneamente, naquela época, o entorno do rio
Cochó, situado cerca de 8,6 km de distância do povoado Campestre, foi ocupado por
casas que tinham como função abrigar viajantes. Esses viajantes possuíam como destino
as minas e se estabeleciam na localidade, principalmente nas épocas de cheia do rio
Cochó, no ponto de cruzamento deste com a Estrada Real.
O rio Cochó exerceu influência em diversos fatos históricos, como a mudança de
sede do povoado de Campestre para o Cochó do Pega, e a passagem da Coluna Prestes,
impedida pela cheia do rio. O acontecimento foi abordado por Vaz (2018) e é
frequentemente recordado pelos moradores locais, demonstrando a importância social e
histórica do rio na proteção da população contra os chamados “revoltosos”, como
ficaram conhecidos na época (VAZ, 2018).
As informações encontradas mostraram que o rio Cochó, enquanto esteve em
condições naturais, exerceu importante função social. Era comum a captação de água
com latas e a prática de lavação de roupas no leito do rio, pesca, banho e, inclusive, lazer,
como aparece nas falas de moradores antigos entrevistados. Para um deles, Edésio
Rodrigues de Oliveira, “[A água] era limpa… Esse rio era uma coisa maravilhosa, viu? [...]
A gente ia para lá, muita gente assim, nos domingos, em vez de ir pro Mucugezinho
3
nós
ia para lá.” (FIGUEREDO; SANTOS, 2020).
Marilande Queiroz da Silva, outra moradora entrevistada, por sua vez, lembra que
no rio Cochó “tinha o Poço Grande, que era um ponto de lazer, tinha muita pedra, água
corria, correnteza, as cachoeiras, né, e domingo ia todo mundo pra lá. Domingo, feriado,
a gente ia de pé, não precisava nem de carro.” (FIGUEREDO; SANTOS, 2020).
Como demonstram as entrevistas, o rio Cochó era também uma fonte importante
de lazer para a população local. Esse quadro se modificou a partir do processo de
urbanização da cidade de tal modo que, nos dias atuais, conforme evidenciaram as
entrevistas, quase não há possibilidade de ele vir a ser visto como fonte de lazer.
Procuramos compreender como se efetivou esse distanciamento, tendo em vista que o
sistema de canalização, que chegou à Seabra junto com o processo de urbanização,
poderia ter liberado as águas do Cochó das atividades laborais, como a lavagem de
roupa, por exemplo, e fortalecido o papel do rio como lugar de entretenimento, tal como
ocorre ao atual Mucugezinho, também da região.
No Brasil, a partir de 1930, com o fortalecimento do papel do Estado, a gestão da
água passou ao interesse público com maior ordenamento, principalmente no que se
refere ao interesse por explorar as bacias hidrográficas.
4
O processo de urbanização que
ocorreu a partir de então e o desmantelamento pós Estado Novo das ações estatais em
favor do capital privado eliminaram parte dos órgãos estatais, buscando-se negar a
prática do planejamento centralizado (ABU-EL-HAJ, 2005). Taxas e tarifas relacionadas
aos serviços públicos tais como energia, água e esgoto eram abominadas pelos governos
pós Vargas sem que outros recursos fossem destinados à preservação dos recursos
hídricos.
Desse modo, a partir da década de 1960, quando a BR-242 que corta a cidade foi
construída, Seabra teve um impulso populacional e econômico que ocorreu sem
planejamento ambiental urbano. Sem iniciativas voltadas para a proteção do trecho
hídrico, estabelecimentos e residências foram sendo instalados no seu entorno com
consequente lançamento de efluentes produzidos, sendo este um dos fatores iniciais do
processo de degradação do rio Cochó. Diante das diversas circunstâncias de alteração
3
O Rio Mucugezinho está situado a cerca de 50 km de Seabra.
4
O Decreto Federal nº 24.643, que criou o digo de Águas, foi sancionado pelo chefe do governo
provisório da República, em 10 de julho de 1934, e permitia ao poder público controlar e incentivar o
aproveitamento industrial das águas, considerando, em particular, a energia hidráulica. Esse serviço
deveria ser organizado da seguinte forma: seção técnica de estudos de regime e censos d’água e avaliação
do respectivo potencial hidráulico e seção de fiscalização, concessões e cadastros, sob chefia de um
profissional competente com o pessoal necessário às exigências do serviço.
do cenário do rio, com o passar do tempo ele sofreu diversos impactos, como a redução
na qualidade e quantidade de água.
A questão ambiental a nível nacional e suas repercussões a partir da segunda metade do
século XX
Em escala nacional, no âmbito da temática tratada por esta pesquisa, a gestão da
água, a partir da década de 1960, foi marcada pela criação de um modelo autárquico
municipal de água e esgotos - o SAAE (Serviços Autônomos de Água e Esgotos). Com
isso, buscava-se a autossustentação dos serviços por intermédio de tarifação adequada.
Conforme assegurou Silva embora bem sucedidos, os SAAEs eram poucos e não
conseguiam se multiplicar o suficiente para dar resposta ao gigantesco problema do
país.” (SILVA, 1998, p. 65).
Com o sucessivo governo de militares a partir de 1964, características
governamentais, como a centralização do poder, o fortalecimento do executivo e o
crescimento da burocracia foram retomadas. Desse modo, a ideologia e a prática do
planejamento, vista como ‘administração racional’, foram os principais instrumentos na
construção do estado planificador [...]” (SILVA, 1998, p. 68). Apesar da tentativa de
planejamento, sobretudo entre os anos de 1968 e 1973, marcados pelo governo Médici, o
chamado “milagre econômico” e a crença no crescimento da economia brasileira
impediram o governo de adotar medidas relacionadas à proteção ambiental, sugeridas na
Conferência de Estocolmo (1972), da qual o Brasil foi partícipe. Na época, o pensamento
vigente era de que a degradação ambiental era intrínseca ao desenvolvimento industrial.
Ainda assim, a participação na Conferência de Estocolmo resultou na criação, em 1973,
da Secretaria Especial de Meio Ambiente (SEMA), responsável pelo avanço da legislação
e negociações de nível nacional.
Resultado da Conferência de Estocolmo, da criação da SEMA e da formação de
organizações da sociedade civil em diferentes regiões, nasceu o movimento ambientalista
no Brasil. Foi esse movimento que primeiro associou o debate político ao ambiental,
motivados pela ideia de que os problemas ambientais resultavam do modelo de
desenvolvimento do país adotado pelo regime autoritário vigente na época. Como
consequência desta percepção a união das mobilizações ambientais com as
reivindicações pelo retorno da democracia.
A ação do movimento em torno da temática ambiental influenciou positivamente
no âmbito nacional, uma vez que as pressões postas por ele contribuíram para o
desenvolvimento de uma política ambiental brasileira. Entre os resultados destaca-se a
realização de eventos de abrangência internacional voltados para a temática que se
iniciaram em meados de 1970 e se mantêm até a atualidade, nos quais são firmados
importantes acordos (DINIZ, 2002, p. 31-33), bem como o amparo da questão ambiental
pela Constituição da República Federativa do Brasil (1988), que impôs ao poder público e
à coletividade o dever de preservar o Meio Ambiente (BRASIL, 2012, p. 59).
O debate, no entanto, foi sentido e tomado de diferentes maneiras em todo o
Brasil. No território da Chapada Diamantina, por exemplo, são numerosos os conflitos
em torno das legislações de proteção ao meio ambiente.
5
De acordo com informações
fornecidas pela Embasa de Seabra, em entrevista, quando a autarquia se estabeleceu na
cidade e instalou o sistema coletivo de abastecimento de água, na cada de 1980, o rio
Cochó se encontrava em condição precária, não sendo viável a captação de água no
rio para tratamento e posterior distribuição à população (FIGUEREDO; SANTOS, 2020).
Por isso, a empresa utilizou áreas mais distantes do centro da cidade como fontes de
abastecimento, inicialmente o Rio da Prata, afluente do rio Cochó na cidade de Seabra.
Considerando esse dado da Embasa, somado às informações colhidas nas
entrevistas, segundo as quais as águas do Cochó eram abundantes pelo menos até a
década de 1940, infere-se que o período de maior degradação do rio pode estar situado
entre 1950 e 1980, ou seja, exatamente quando o município foi cortado pela Rodovia.
Desse modo, foi possível constatar que, desde o início do desenvolvimento da
cidade até os dias atuais, o município enfrenta problemas como a ausência de serviços
adequados de saneamento básico e a escassez hídrica. Além disso, percebeu-se que a
trajetória política, administrativa e comercial da cidade foi conduzida com base na
existência do rio Cochó. Por vezes, as pessoas desassociam essas questões do meio
ambiente, o qual, na verdade, eso tempo todo ligado ao serviço da política, sobretudo
quando se trata de uma região de potencial turístico como a Chapada Diamantina.
Uma análise dos impactos ambientais e socioeconômicos decorrentes da degradação do
rio Cochó
De acordo com Sousa (2005), a preocupação ambiental no Brasil, impulsionada
pela pressão do movimento internacional ambientalista na segunda metade do século
XX, desenvolveu-se de forma tardia em relação às demais políticas setoriais brasileiras, o
que se deu porque a busca pelo desenvolvimento econômico característico da Revolução
Industrial, durante séculos, impediu que a questão ambiental fosse ponderada, sendo
vista, até hoje, como um “mal necessário”.
5
Ver NASCIMENTO, 2018.
Como verificamos, no Brasil, a existência do Direito Ambiental, ou seja, uma
proteção ao meio ambiente explícita de forma jurídica, só veio à lume com a Constituição
de 1988. A partir daí, foram sancionadas leis com o objetivo de regulamentar a gestão dos
recursos ambientais pelo homem, demonstrando a necessidade de um uso consciente e
equilibrado desses recursos. Entre essas leis situa-se a de 9.605, sancionada em 12 de
fevereiro de 1998 Lei de Crimes Ambientais, que prevê punição para atividades
consideradas lesivas à natureza.
Apesar dessa e das demais legislações complementares, as consequências da
negligência do poder público e da sociedade em geral em relação ao meio ambiente têm
se tornado cada vez mais evidentes, considerando os crescentes impactos do
desenvolvimento industrial e urbano nos ambientes de ecossistemas naturais, inclusive
nos aquáticos, como é o caso do rio Tietê, abordado por Souza e Carpi Jr. (2016), e do rio
Cochó, cuja degradação foi explorada ao longo da pesquisa.
Na avaliação de impactos ambientais no rio Cochó, a princípio, verificou-se que a
atual condição do curso de água foi resultado de uma série de impactos negativos
gerados por atividades humanas realizadas de forma desarmônica com a dinâmica
natural dos ecossistemas. O primeiro impacto abordado foi o desmatamento da mata
ciliar, termo utilizado para se referir à vegetação presente no entorno de corpos hídricos
(CAMPANILI, 2010, p. 22), cuja supressão ocorreu devido às construções desordenadas
no entorno do rio, processo que motivou o surgimento de outros impactos nesse trecho
hídrico da cidade ao longo do tempo, uma vez que a mata ciliar exerce a função de
protegê-lo. Como consequência, houve, também, a redução da biodiversidade da fauna e
da flora, causada pela supressão da mata ciliar e pela poluição da água, porque a
ausência de vegetação e a contaminação da água, com o despejo de efluentes e o
consequente aumento de matéria orgânica no meio aquático, afetam a quantidade de
indivíduos do ecossistema.
A supressão da mata ciliar contribui, ainda, para processos como a erosão, uma
vez que a ausência de vegetação facilita o carreamento das partículas do solo e os
processos erosivos se comportam como um aspecto motivador do assoreamento de um
rio. Castro e Pereira (2017) mencionaram a ausência de mata ciliar como uma das causas
da erosão próxima ao rio São Francisco, por exemplo. No caso de Seabra, por se tratar
de uma cidade desenvolvida adjacente a um corpo hídrico, naturalmente em altitude mais
elevada a este e, ainda, com ruas íngremes, o rio torna-se susceptível à recepção da areia
que tende a ser carreada devido aos processos erosivos. Além disso, esses fatores são
intensificados em virtude da ausência de pavimentação em determinadas vias.
Uma das principais consequências do assoreamento de um rio é a ocorrência de
enchentes e inundações, as quais estão associadas ao grau de urbanização da cidade e às
condições do solo. A região central da cidade de Seabra possui quantidade expressiva de
áreas construídas e impermeabilizadas, que, junto à consequente redução na infiltração e
aumento do escoamento superficial, originam as enchentes e inundações (SANTOS
JÚNIOR; SANTOS, 2013). Ambos os processos são provenientes das águas pluviais que
têm o curso natural desviado por esses fatores e são intensificados pela ineficácia dos
sistemas de drenagem instalados na cidade.
Além das formas irregulares de despejo de efluentes, a cidade de Seabra não
possui sistema público de esgotamento sanitário, e apenas 3,9% da cidade tem acesso a
um serviço adequado (IBGE, 2010), o que implica no lançamento de dejetos no corpo
hídrico. Este cenário é reflexo de uma problemática estrutural. Segundo Barreto
et al
.,
“no Brasil e na maioria dos países em desenvolvimento, a maior parte do esgoto bruto
[...] é lançado sem tratamento prévio nos cursos d’água.” (BARRETO
et al.,
2013, p. 2166).
O impacto destes resíduos nos rios, como é o caso do rio Cochó, é prejudicial, pois além
da proliferação de microrganismos patogênicos, devido à presença de fezes humanas,
apresenta concentração elevada de matéria orgânica e óleos. As consequências são a
alteração da turbidez e coloração da água, a eutrofização, além do provável desequilíbrio
ecológico do ecossistema e do comprometimento da qualidade da água.
Com relação ao descarte de resíduos no rio, embora a população em geral o
considere um problema, durante as visitas de campo foram visualizados diversos tipos
de resíduos dispersos no leito e nas margens do rio, como garrafas, sacolas e outros
materiais plásticos, latas de metal, objetos de vidro e borracha. Essa prática, no rio
Cochó, pode estar resultando em interferências na fauna, flora e nas características
físicas, químicas e biológicas da água. Apesar disso, a população local não foi
considerada, nesta pesquisa, a única responsável por estes problemas: tal
comportamento é resultante de problemáticas estruturais, principalmente no que se
refere à falta de ações de educação ambiental no contexto histórico e social.
Dessarte, verificou-se uma série de impactos ambientais negativos no rio Cochó
decorrentes da expansão urbana da cidade de Seabra e da ausência de planejamento
urbano e ambiental. Constatou-se que a degradação do rio Cochó gerou consideráveis
impactos socioeconômicos na cidade e na qualidade de vida da população local,
discutidos a seguir.
No Plano Diretor do município de Seabra, documento que serviu de base para a
análise de diferentes aspectos da cidade, sobretudo voltados para o r , foi apontado que a
qualidade de vida da população é um dos objetivos específicos que visam o atendimento
das funções sociais da cidade e da propriedade urbana (SEABRA, 2006, Art. 2º, parágrafo
único). Nesse sentido, realizou-se a avaliação das consequências dos impactos
ambientais do rio Cochó nas atividades humanas e, consequentemente, na qualidade de
vida dos moradores, uma vez considerada a indissociabilidade entre o ser humano e o
meio ambiente.
Quanto às interferências no cotidiano dos moradores, destacou-se, por exemplo,
o impacto na sensação térmica, causado pela supressão da vegetação circundante e pela
redução da quantidade de água no rio, além do fato de a localidade apresentar
expressivos traços de urbanização. Apesar disso, as áreas do microclima do rio
manifestaram sensação rmica mais amena em relação a outras áreas da cidade, já que
o trecho hídrico, mesmo deteriorado, apresentou resquícios de vegetação.
Outro impacto foi a poluição visual, compreendida como resultado do conjunto de
impactos ambientais abordados, que desfavorecem a paisagem do rio. No questionário,
essa questão foi abordada, e 76% dos entrevistados consideraram o atual aspecto visual
do rio como um incômodo, enquanto 24% disseram que não é, ocorrendo até mesmo
elogios a elementos da paisagem, como os animais e a vegetação. Essa naturalização
pode ser explicada se considerarmos que os indivíduos percebem irregularidades
quando são apontadas informações a respeito, pois “[...] o ser humano tem a capacidade
de se adaptar e se acostumar com as diferentes situações a que são expostos [...]
(CODATO, 2014, p. 1314).
Apontou-se, também, a alteração na estrutura sica das edificações devido à
proximidade delas com o rio, uma vez que, de acordo com Freitas e Guimarães (2014), as
paredes e o chão podem ser danificados pelo excesso de umidade no local, ao que se
atribui o conceito de umidade ascensional. Além do desconforto causado pela umidade,
ela cria o ambiente ideal para a proliferação de vetores adaptados a esse tipo de local,
bem como aumenta o risco de desabamentos e acidentes.
Sobre as implicações nas atividades socioeconômicas da cidade decorrentes da
degradação do rio, ocorreu a perda do rio como alternativa de lazer e recreação, o que já
é escasso na cidade, e o impacto no turismo local. Embora a cidade seja o polo comercial
da região e exerça grande influência socioeconômica, ela não participa da atividade
senão por meio da prestação de serviços de hospedagem.
Quanto aos efeitos na saúde pública local, foi relatada a manifestação de insetos,
animais peçonhentos e anfíbios nas casas dos moradores das proximidades do rio, além
de doenças de veiculação hídrica, como a esquistossomose. Houve, também, o relato de
infecção por água poluída por uma das respondentes do questionário e sua família, que
consumiam o peixe pescado no rio, e relato de pesca e consumo com naturalidade por
outro respondente, o que pode estar associado à necessidade gerada pela sua situação
de baixa renda, informada no questionário, além da falta de informação acerca do fator
de risco gerado pelas atuais condições do rio.
Outro ponto abordado foi acerca dos contrastes do papel da água, com a crise
hídrica e as inundações urbanas. Quanto à crise hídrica, foi avaliada a impossibilidade de
uso do rio como fonte de captação de água para abastecimento, sendo que a cidade
possui um déficit de 30 L/hab/dia, segundo a Embasa, quando o ideal seria de 100
L/hab/dia e são distribuídos 70 L/hab/dia para a população (FIGUEREDO; SANTOS,
2020). Atualmente, a água subterrânea é a principal fonte de abastecimento coletivo na
cidade.
Foi avaliada a possível relação entre essa crise hídrica e a ocorrência de dengue
na cidade. A partir de certo ponto da aplicação dos questionários, passou-se a citar a
dengue como exemplo de doença de veiculação hídrica, embora esta não seja
necessariamente uma causa da água poluída.
Muitas pessoas relataram já ter apresentado a doença, o que pode estar associado
à utilização de recipientes improvisados em condições inadequadas para o
armazenamento de água nas casas, facilitando a proliferação do vetor.
Em contrapartida, se existem problemas gerados pela falta de água, também
existem contratempos ocasionados pelo excesso dela nos períodos de chuvas intensas
na cidade. As inundações urbanas são geradas também pela degradação do rio Cochó e,
através delas, a passagem de veículos e pessoas acaba impedida ou dificultada, sendo
que, em muitos casos, a água chega a invadir residências e comércios.
Por fim, foram avaliados os efeitos na percepção das pessoas acerca do rio em
estudo considerando seu distanciamento ao longo do tempo, conforme o avanço do
processo de degradação. Isso se tornou evidente durante a aplicação dos questionários,
por exemplo, em que as pessoas utilizaram expressões como “lagoa”, “taboa” e “esgoto”
em referência ao rio Cochó, demonstrando uma concepção de inferiorização do trecho
hídrico e a dificuldade de percepção dos indivíduos acerca da sua dimensão.
Ademais, constatou-se uma crença da população na viabilidade do rio Cochó
voltar às condições naturais. Quando a resposta foi positiva para a possibilidade de
recuperação, apontou-se a necessidade de intervenção governamental no processo, e,
quando negativa, a resposta esteve associada à descrença na atuação do poder público
nesse sentido, demonstrando que a percepção dos moradores sobre a questão é marcada
pela importância da ação do Estado, em suas diferentes esferas de atuação, na resolução
do problema. Portanto, ficou evidente que parte da população ainda acredita na
recuperação do rio Cochó e tem conhecimento da necessidade de intervenções humanas
para isso.
Possíveis alternativas de intervenção para a recuperação do rio Cochó
A partir das considerações feitas, verificou-se que a recuperação da estabilidade
ambiental do rio Cochó depende de uma série de intervenções estruturais nas questões
técnica e social. Notou-se que existem duas variáveis principais nesse processo. A
primeira é o planejamento urbano e ambiental, no qual entram o saneamento, o
zoneamento, o uso e ocupação do solo, a urbanização e a educação ambiental, fatores
que foram determinantes no processo de degradação do rio e são igualmente
determinantes em sua recuperação. A segunda é a questão ecossistêmica,
principalmente em relação à vegetação, a qual exerce papel substancial na qualidade
ambiental, sobretudo quando consideradas as características geomorfológicas do rio
Cochó.
O Plano Diretor do município, até o momento, é o único instrumento de
planejamento com o qual conta a cidade oficialmente, sendo que o mais recente foi
elaborado no ano 2006, tornando-se necessária, portanto, a sua revisão, que deve ser
feita no mínimo a cada dez anos, conforme indica o § do artigo 40º, da Lei nº
10.257/2001 (Estatuto da Cidade). Convém ressaltar que o documento, embora
desatualizado, aponta propostas voltadas para a recuperação do rio Cochó.
A educação ambiental es relacionada ao conhecimento e à compreensão do
processo histórico no qual determinado fenômeno se insere. Acerca da educação como
um todo, Freire (1996, apud SOUZA; CARPI JR., 2016) afirma que não se trata apenas de
transmitir conhecimento, mas também de reconhecer o papel da História na prática
pedagógica. Em perspectiva semelhante e mais específica, para Fritzsons e Mantovani
(2004, apud SOUZA; CARPI JR., 2016, p. 23), o objetivo da EA é a “[...] conservação da
natureza por indivíduos conscientes do seu papel como agentes da história do planeta.”.
Isso posto, cabe pontuar a importância da associação entre as práticas de EA e o
entendimento social e histórico da questão ambiental.
Para um resultado eficaz, as alternativas de intervenção devem ser combinadas e
aplicadas em conjunto, afinal, sem saneamento ambiental, as ações de recuperação do
corpo hídrico tendem a ser improdutivas, na mesma medida em que, sem educação
ambiental, os resultados obtidos com a recuperação podem ser gradativamente
revertidos. Da mesma maneira, a realização da educação ambiental não deveria
acontecer isoladamente e apenas na teoria, uma vez que a população deve receber
retornos positivos práticos que estimulem a perpetuação da sensibilização ambiental.
Como mencionado, a política ambiental brasileira se desenvolveu de forma tardia
e, quando desenvolvida, não foi abordada sob uma ótica integrada às demais políticas
setoriais do país, o que significa que, por muito tempo, temas como crescimento
populacional e o saneamento básico ficaram desarticulados da questão ambiental
(SOUSA, 2005). No cenário local não foi diferente, uma vez que os documentos
legislativos municipais oficiais encontrados datam do século XXI, sendo eles: a Lei
Complementar Municipal 01 / 06 de 10 de outubro de 2006, que dispõe sobre o Plano
Diretor Participativo do Município de Seabra e outras providências; e a Lei
498/2013, que estabelece a Política Municipal do Meio Ambiente e da Proteção à
Biodiversidade. Com isso, foi possível compreender que o desenvolvimento do município,
durante o século XX, ocorreu sem qualquer amparo legal quanto ao uso e ocupação do
solo e ao esgotamento sanitário, por exemplo, o que resultou em problemáticas
socioambientais que reverberam até os dias atuais.
Além da magnitude do impacto ambiental que envolve a questão do rio Cochó, a
sua degradação possuiu desdobramentos significativos na vida das pessoas, sendo
resultado, entre outras questões, do tardio desenvolvimento e integração da política
ambiental brasileira com os demais setores da sociedade. Dessa forma, entende-se como
indispensável, hoje, a utilização desta política como estratégia de redução ou reparação
dos danos causados, na medida em que deve amparar legalmente as medidas a serem
tomadas nesse sentido. Com isso, o empenho do poder legislativo se torna fundamental,
talvez até mesmo como ponto de partida para a proposta de recuperação do rio Cochó.
Por fim, constatou-se que qualquer mudança no cenário do rio Cochó não é
possível sem o investimento do poder público, devido ao nível de perturbação ambiental
avaliado. Julgou-se necessária a articulação entre a comunidade e o poder público no
processo de recuperação ambiental do rio Cochó, de modo a estabelecer qualidade
urbana e ambiental e tornar possível a mitigação dos impactos ambientais e sociais
identificados.
Considerações finais
A trajetória da presente pesquisa possibilitou avaliar historicamente os impactos
ambientais e socioeconômicos resultados do processo de degradação do rio Cochó, fruto
do desenvolvimento da cidade de Seabra, que ocorreu desprovido de planejamento
urbano e ambiental. A pesquisa permitiu, também, a proposição de alternativas de
intervenção voltadas para a recuperação ambiental do rio e mitigação dos impactos
identificados, além de reforçar a importância da educação ambiental e do conhecimento
da história local nesse contexto.
Considerando a existência de diversas outras localidades que vivenciaram
problemas semelhantes ao pesquisado
6
, este estudo se mostrou fundamental na medida
em que explorou a realidade da cidade de Seabra de uma perspectiva até então não
registrada em acervo bibliográfico. Além disso, resgatou as memórias e a história locais,
evidenciando a importância do rio Cochó no discurso de moradores que tiveram contato
com ele antes das alterações das condições naturais e acompanharam o processo de
degradação.
Apesar do cunho formal da pesquisa, buscou-se trabalhar a percepção dos
sujeitos envolvidos na problemática, abordando a perspectiva de pessoas que convivem
cotidianamente com o fenômeno, permitindo maior aproximação da comunidade com a
pesquisa durante e posteriormente. Portanto, pode representar uma forma de incentivo
para os moradores e o Estado se atentarem e priorizarem a aplicação de soluções para o
problema levantado.
Constatou-se que o crescimento desordenado da cidade de Seabra, sem o uso de
instrumentos de planejamento urbano e ambiental, sobretudo no que tange ao sistema de
saneamento, foram fatores cruciais na degradação do rio Cochó. Seu atual cenário é
marcado por diversos impactos ambientais, como eutrofização, poluição, assoreamento e
erosão, os quais geram efeitos sociais e econômicos para a população seabrense.
Verificou-se, dessa forma, a importância do conhecimento da história para a
compreensão do processo quando perdidas as funcionalidades naturais.
Dessarte, identificou-se a necessidade de iniciativas que envolvam os atores
sociais e o poder público, no intuito de transformar positivamente a atual realidade do
rio Cochó em Seabra, pois a despeito de situar-se numa região de forte apelo turístico -
Chapada Diamantina/BA - a degradação do rio Cochó parece passar ao largo dos
interesses do poder público, tendo em vista que as preocupações com o meio ambiente
na região estão, em sua maioria, centradas na “rota do turismo”, que envolve grutas,
cachoeiras, morros, sítios arqueológicos e trilhas, demonstrando que a preservação do
meio ambiente e dos corpos hídricos parece continuar na região estritamente ligada ao
capital e aos interesses econômicos que o rio, em suas condições atuais, não pode
propiciar.
Referências
6
No Brasil, por exemplo, Rio de Janeiro (RJ), Teresina (PI), Viçosa (MG), Jacobina (BA), entre outros,
também experenciaram problemas relacionados à falta de planejamento ambiental urbano, assim como o
município de Seabra (SILVA, 2005; MELO FILHO, 2018; SOARES, 2006; NOVAIS, 2010 apud FIGUEREDO;
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