PERES, Jackson Alexsandro
*
https://orcid.org/0000-0003-0799-395X
RESUMO: Este artigo analisa a construção do
pensamento e da legislação ambiental no Brasil
a partir do final do século XIX até a
promulgação da Lei 9.985 de 2000 que institui
o Sistema Nacional de Unidades de
Conservação (SNUC). A análise se deu a partir
dos pressupostos da História Ambiental na
medida em que se debruçasobre a relação do
ser humano com o meio ambiente. Foram
usados textos de pesquisadores que
analisaram o pensamento e a legislação
ambiental, bem como as próprias legislações.
Observou-se que a degradação ambiental do
Bioma Mata Atlântica por conta da exploração
de recursos naturais em seu processo
histórico de ocupação resultou na produção de
pesquisas e na publicação de diferentes leis,
principalmente na região sudeste do país.
Percebem-se também avanços legais em
relação à proteção do Meio Ambiente a partir
da Constituição Federal de 1988.
PALAVRAS-CHAVE: Recursos Naturais;
Legislação Ambiental; Pensamento Ambiental
ABSTRACT: This article analyzes the
construction of environmental thought and
legislation in Brazil from the end of the 19th
century until the promulgation of Law 9,985 of
2000 that instituted the National System of
Conservation Units (SNUC). The analysis was
based on the assumptions of Environmental
History as it focuses on the relationship
between human beings and the environment.
Texts by researchers who analyzed
environmental thought and legislation were
used, as well as the legislation itself. It was
observed that the environmental degradation
of the Atlantic Forest Biome due to the
exploitation of natural resources in its
historical occupation process resulted in the
production of research and in the publication
of different laws, mainly in the southeastern
region of the country. Legal advances can also
be seen in relation to the protection of the
environment since the Federal Constitution of
1988.
KEYWORDS: Natural Resources;
Environmental legislation; Environmental
Thought.
Recebido em: 14/02/2021
Aprovado em: 03/05/2021
* Doutor em História pela UFSC, Florianópolis-SC. Professor da Faculdade Municipal de Palhoça (SC) e da
Rede Estadual de Ensino de Santa Catarina. E-mail: jackson.peres@fmpsc.edu.br. Texto originalmente
organizado como sub-capítulo da Tese do autor de título “Parque Estadual da Serra do Tabuleiro: natureza,
legislação e conflitos na Baixada do Maciambú, Palhoça-SC (1975-2014)”.
Este é um artigo de acesso livre distribuído sob licença dos termos da Creative Commons Attribution License.
Introdução
O uso de recursos naturais decorrente da ocupação humana no território que
hoje compreende o Brasil exerceu de maneira crescente a pressão sobre as florestas,
sobretudo no Bioma Mata Atlântica, dado o processo histórico de colonização do
território. O visível desaparecimento de espécies vegetais e animais despertaram as
primeiras preocupações sobre o controle e a preservação da floresta, mesmo que de
maneira bastante incipiente, já durante o período colonial.
Desde o período do Brasil Colônia, surgiram as primeiras manifestações por
parte da metrópole em conservar as matas, principalmente aquelas que
costeavam os rios e permitiam um estoque de madeira aos portugueses, sem a
necessidade de adentrar na mata fechada para o corte das árvores. A principal
serventia desta madeira era para reparo dos navios. No século XVII, uma Carta
Régia assinada por D. Maria I, mencionava a necessidade de punição aos que
cortassem de forma indiscriminada as árvores. A Carta dirigida ao Governador
da Capitania de Pernambuco determinava que este deveria agir com severas
penas contra os incendiários destruidores de mata. [...]. Com o passar dos
séculos, apenas crescia a exploração e a falta de preocupação com a
conservação dos recursos naturais do Brasil. As primeiras manifestações sobre
o uso discriminado do meio natural surgiram no período moderno, em meados
do século XVIII. (MORETTO; CARVALHO; NODARI, 2010, n.p).
Ainda sobre o período colonial, José Augusto Pádua (2004) afirma que no Brasil
existiu uma reflexão profunda e consistente sobre o problema da destruição do ambiente
natural desde 1786. Isso porque a elite brasileira, cuja formação se deu na Europa, com
acesso às discussões que se desenvolviam por lá, entendeu que para que a colônia
continuasse a render era necessária uma mudança. Esta mudança deveria ser, pelo
menos, na forma de lidar com o meio natural para continuar se beneficiando
economicamente deste. A matriz filosófica que impulsionava essas discussões era a
Fisiocracia, “[...] com sua leitura agrarista do ideal do progresso típico da Ilustração.”
(PÁDUA, 2004, p. 38).
Em um estudo que teve por objetivo examinar o surgimento e o desenvolvimento
de preocupações com o mundo natural no Brasil, Franco e Drummond ratificam que a
primeira onda de escritos em que se percebe a preocupação com o mundo natural surgiu
[...] já nos séculos 18 e 19. Ela foi produzida por brasileiros e portugueses
residentes no Brasil que haviam estudado na Europa. Na sua maioria, foram
inspirados pelos círculos de debates ocorridos no âmbito da Universidade de
Coimbra e da Academia de Ciências de Lisboa, em torno do cientista italiano
(professor de Coimbra) Domenico Vandelli (1735-1816) e de Rodrigo de Sousa
Coutinho (1745-1812). [...] As suas principais influências provinham da história
natural Lineu, Buffon e Humboldt e da fisiocracia. [...] Eles não tinham um
interesse especial pelo valor estético ou intrínseco da natureza, mas sim pelo
seu valor político e instrumental para o progresso material do país. (FRANCO;
DRUMMOND, 2012, p. 334).
Nesse período, destaca-se a figura de José Bonifácio de Andrada e Silva que no
século XIX deixou o maior número de escritos em relação ao meio ambiente.Mesmo que
os assuntos versem sobre diversos temas, pode-se observar em sua obra indiscutível
inspiração fisiocrata. Pádua (2004) observa quatro elementos teóricos presentes na obra
de Bonifácio quando trata sobre o meio ambiente, a saber:
[...] a visão de mundo fundada na economia da natureza; a defesa do progresso
econômico como instrumento civilizatório; a apologia da racionalização das
técnicas produtivas através da aplicação pragmática do conhecimento
científico; e a crítica destrutiva dos recursos naturais. (PÁDUA, 2004, p. 134).
Para Franco e Drummond (2012), o grupo que se propôs a criticar a destruição do
patrimônio natural brasileiro durante o século XIX obteve avanços pontuais, neste caso
o mais relevante, visível e duradouro foi o da recuperação e proteção da Floresta da
Tijuca no Rio de Janeiro. A iniciativa proibiu o desmatamento para preservar as
nascentes de água que abasteciam a capital do império. Ainda no Rio de Janeiro, destaca-
se o papel do Museu Nacional, do Jardim Botânico e do Instituto de Manguinhos (hoje
Fundação Oswaldo Cruz) como importantes centros de pesquisa que ajudaram a ampliar
o conhecimento sobre a natureza. “Esse interesse científico pela natureza coincidiu com
o surgimento de preocupações com a proteção do patrimônio natural brasileiro, com
base em argumentos tanto de utilidade econômica quanto de fruição estética.” (FRANCO;
DRUMMOND, 2012, p. 336).
Os exemplos acima demonstram que em diferentes espaços e tempos, buscou-se
por meio de leis e de ações controlar o uso de recursos naturais. Durante o século XX,
mesmo que ainda esteja engajado na problemática de recursos naturais e sua escassez, o
debate em torno do meio ambiente passou a ser direcionado também sob a ótica da
sustentabilidade e do direito ambiental. Outra mudança substancial é que além de serem
debatidas em escala regional e nacional, as questões ambientais passaram a partir da
segunda metade do século XX, à pauta global. O debate do tema em escala global se
aglutinou em conferências que resultaram em documentos que passaram a balizar as
discussões ambientais como um todo.
Nesse contexto tem-se no Brasil a promulgação da Constituição Federal (CF) de
1988 (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988 apud FILHO, 2007), que foi um marco em
diferentes aspectos. Um deles foi o espaço que a mesma dedicou para tratar do meio
ambiente. A relevância da temática garantiu um capítulo exclusivo, que foi embasado em
discussões de escala global.
Neste contexto, o artigo analisa como o Estado Brasileiro construiu o pensamento
e a legislação ambiental a partir do final do século XIX até o ano 2000. Dentro desse
recorte, dar-semaior espaço à Constituição Federal de 1988 e à Lei N. 9.985 de 2000
que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC). A narrativa parte
de obras de pesquisadores que se debruçaram a encontrar vestígios de um pensamento
preservacionista e de legislações sobre meio ambiente no Brasil em diferentes espaços e
tempos e utiliza como fontes as legislações ambientais do século XX.
A análise se deu a partir dos pressupostos da História Ambiental na medida em
que se debruça sobre a relação do ser humano com o meio ambiente. Em especial nesse
caso, como essa relação se aglutina para questões na esfera jurídica. Donald Worster,
historiador estadunidense, define que, na sua especificidade, a História Ambiental opera
em três níveis, “[...] três conjuntos de questões que ela enfrenta (embora o
necessariamente na mesma pesquisa), três grupos de perguntas que ela procura
responder, cada um deles exigindo contribuições de outras disciplinas e aplicando
métodos especiais de análise.” (WORSTER, 1991, p. 201-202). O primeiro nível consiste
em entender a natureza, tal como ela se organizou e funcionou no passado. Nesse nível,
é imprescindível o auxílio das ciências naturais. O segundo nível introduz o
socioeconômico na medida em que este interage com o ambiente. O historiador
ambiental, nesse ponto, se preocupa com as ferramentas de trabalho, com as relações
sociais que nascem desse trabalho e com os diversos modos que os povos criaram para
produzir bens a partir dos recursos naturais. Outra questão neste nível de análise diz
respeito ao estudo do poder, que o poder de tomar decisões, inclusive as que afetam o
meio ambiente não se dão de maneira igual em uma sociedade. O terceiro e último nível
de análise, segundo Worster é a interação mais intangível e exclusivamente humana,
como as percepções, valores éticos, leis, mitos e outras estruturas que se dão a partir do
diálogo de uma sociedade com a natureza (WORSTER, 1991, p. 202).
Como definiu Worster, os três níveis não necessariamente precisam estar
incluídos em uma pesquisa. Desse modo, este artigo sustenta-se nos dois últimos níveis
de análise. Primeiramente porque o que concerne à questão do poder a tomada de
decisão pode resultar na promulgação de leis, objeto deste artigo. Em segundo lugar
porque essa tomada de decisão deriva da disputa de diferentes atores e envolvendo
questões humanas subjetivas. Sendo a História Ambiental uma abordagem
interdisciplinar buscou-se auxílio em pesquisadores da área do Direito Ambiental para
análise das leis.
Legislação ambiental no Brasil: os caminhos até 1988
Assim como observado no período colonial e imperial, em fins do século XIX e
início do XX, na Primeira República, também surgem iniciativas para melhor aproveitar
os recursos naturais. Com esse objetivo, o governo do Estado de São Paulo passou a
contratar técnicos e cientistas, entre os quais se destacam Orville Adelbert Derby, Franz
Willem Daerf, Herman von Ihering, Albert Löefgren e Edmundo Navarro de Andrade.
Em 1896 instalou-se na serra da Cantareira (SP) a seção Botânica vinculada à
Comissão Geológica e Geográfica (criada em 1886), sob a coordenação de Derby. Foi,
segundo Warren Dean, a primeira reserva florestal do estado e, como a da Tijuca (RJ),
sua principal finalidade era proteger as bacias dos riachos canalizados para o
reservatório da cidade (DEAN, 1996). Ainda em fins do XIX, foi criado o Museu Paulista,
fundado por von Ihering. Suas experiências em zoologia e botânica contribuíram para
fundamentar suas preocupações e propostas em relação ao patrimônio natural brasileiro.
Para ele, a silvicultura, necessária ao desenvolvimento do país, deveria ser de maneira
racional, com ação firme do Estado. Dessa maneira, conseguiria garantir as metas que
considerava para a conservação das matas: fornecimento de lenha, extração de madeira-
de-lei e outros recursos e a proteção dos mananciais de água. Foi von Ihering que,
segundo Franco e Drummond, propôs em 1911 um anteprojeto de um código florestal. O
primeiro Código Florestal Brasileiro foi regulamentado em 1934, 23 anos após a proposta
de von Ihering (FRANCO; DRUMMOND, 2012, p. 337).
Dos cientistas que desenvolveram trabalhos em São Paulo no início do XX, o mais
influente, de acordocom Dean, Franco e Drummond, foi Johan Albert Constantin
Löefgran. Löefgran foi um botânico sueco que chegou ao Brasil em 1874. Teve uma
carreira longa, diversificada e produtiva. Fez coletas em todos os ecossistemas do estado
e publicou suas descobertas em artigos científicos na Europa e no Brasil, além de
traduzir importantes obras de botânica e ecologia. Como Ihering, o sueco fez campanha
em prol da criação de um código nacional de florestas e de um serviço nacional de
florestas, além de estar empenhado na criação de parques nacionais. Inspirou a
institucionalização do Dia da Árvore no Brasil, em 1902. Conseguiu que fosse
estabelecida em Itatiaia (RJ), uma estação Biológica que posteriormente se tornou o
primeiro Parque Nacional em 1937
1
(DEAN, 1996; FRANCO; DRUMMOND, 2012).
1
Este é o primeiro parque nacional criado no Brasil. A sua fundação data de junho de 1937. Situado na Serra
da Mantiqueira, o Parque Nacional do Itatiaia abrange os municípios de Itatiaia e Resende, no estado do Rio
de Janeiro, e Bocaina de Minas e Itamonte, em Minas Gerais, onde ficam aproximadamente 60% de seu
território. A unidade está localizada entre as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, próximo a Rodovia
Presidente Dutra, tendo como polo econômico mais próximo a cidade de Resende. Apresenta um relevo
caracterizado por montanhas e elevações rochosas, com altitude variando de 540 a 2.791 metros no seu
ponto culminante, o Pico das Agulhas Negras. Disponível em: <www.icmbio.gov.br> Acesso: 15 set. 2015.
Os passos dados em fins do século XIX e início do XX, ainda que tímidos,
mostram que o grupo de cientistas atuante na área ambiental procurava dar importância
à natureza, indo além da função estritamente utilitarista e/ ou econômica. Desse modo,
Se as ideias da Primeira República sobre a proteção da natureza e o uso racional
dos recursos naturais não foram efetivadas no seu tempo, formaram uma
linhagem de pensamento que ajudou a equacionar e legitimar as preocupações
com o mundo natural, em associação com o desenvolvimento da ciência e de um
projeto de nação. (FRANCO; DRUMMOND, 2012, p. 341).
Somaram a esse grupo outros cientistas, como Frederico Carlos Hoehne, Alberto
José Sampaio e Armando Magalhães
2
, que tomaram lugar nas discussões que
desencadearam um debate mais objetivo com relação aos recursos naturais. O debate
que se deu conseguiu elaborar leis e políticas de proteção à natureza. No início do
governo Vargas, entre 1933 e 1934, atendendo ao conselho de Sampaio, Hoehne e
Guimarães, algumas leis foram editadas. No rol dessa legislação ambiental estão códigos
regulamentando expedições científicas, uso da água, minas, caça e pesca e florestas.
Além disso, uma nova Constituição, promulgada em 1934, trazia em seu Artigo 10:
“Compete concorrentemente à União e aos Estados: [...] III proteger as belezas naturais e
os monumentos de valor histórico ou artístico.” (BRASIL, CF 1934). Neste mesmo ano,
ocorreu a primeira Conferência Brasileira sobre Proteção da Natureza. A conferência foi
realizada entre 8 e 15 de abrilna cidade do Rio de Janeiro. Para Warren Dean (1996, p.
275), “O objetivo claro da conferência era pressionar o governo a cumprir as medidas
conservacionistas recém-aprovadas pelo Congresso Constituinte e criar um sistema de
parques nacionais”.
A Conferência evidenciou duas linhas de pensamento que estariam presentes nas
discussões a respeito da natureza a partir de então: a conservacionista e a
preservacionista. A primeira argumenta em favor do uso racional da natureza; enquanto
que para a segunda, a natureza era objeto de culto e contemplação. A discussão dentro
dessas linhas de pensamento esteve presente ainda no século XIX nos Estados Unidos,
quando da criação dos primeiros parques nacionais daquele país. Apesar de muitas vezes
serem usados frequentemente como sinônimos, existe diferença entre os
termospreservação e conservação. Segundo a Bióloga Mariana Araguaia de Castro
Lima,
2
Muitos outros pensadores levantaram a bandeira da proteção aos recursos naturais nesse período. No
entanto, para o propósito dessa discussão, buscamos elencar os que mais se destacaram. Para maiores
detalhes da discussão ambiental no final do século XIX e início do XX, ver as obras citadas.
O preservacionismo e o conservacionismo são correntes ideológicas que
surgiram no fim do século XIX, nos Estados Unidos.[...]. O primeiro, o
preservacionismo, aborda a proteção da natureza independentemente de seu
valor econômico e/ou utilitário, apontando o homem como o causador da
quebra desse “equilíbrio”. De caráter explicitamente protetor, propõe a criação
de santuários, intocáveis, sem sofrer interferências relativas aos avanços do
progresso e sua consequente degradação. Em outras palavras, “tocar”,
“explorar”, “consumir” e, muitas vezes, até “pesquisar”, tornam-se, então,
atitudes que ferem tais princípios. De posição considerada mais radical, esse
movimento foi responsável pela criação de parques nacionais, como o Parque
Nacional de Yellowstone, em 1872, nos Estados Unidos. a segunda corrente, a
conservacionista, contempla o amor à natureza, mas aliado ao seu uso racional
e manejo criterioso pela nossa espécie, executando um papel de gestor e parte
integrante do processo. Podendo ser identificado como o meio-termo entre o
preservacionismo e o desenvolvimentismo, o pensamento conservacionista
caracteriza a maioria dos movimentos ambientalistas, e é alicerce de políticas de
desenvolvimento sustentável, que são aquelas que buscam um modelo de
desenvolvimento que garanta a qualidade de vida hoje, mas que não destrua os
recursos necessários às gerações futuras [...]. Em razão de a temática ambiental
ter sido incorporada em nosso dia a dia apenas nas últimas décadas, tais termos
relativamente novos acabam sendo empregados sem muitos critérios mesmo
por profissionais como biólogos, pedagogos, jornalistas e políticos. Prova disso
é que a própria legislação brasileira, que nem sempre considera correto o uso
desses termos, atribui a proteção integral e “intocabilidade” à preservação; e
conservação dos recursos naturais, com a utilização racional, garantindo sua
sustentabilidade e existência para as futuras gerações, à conservação”. (LIMA,
2014, online).
As duas perspectivas fundiram-se na Conferência em uma visão única sobre o
que a proteção da natureza deveria representar. Desse modo, os dois conceitos no Brasil
eram intercambiáveis, e indicavam que a natureza deveria ser protegida tanto por conta
de seus recursos necessários para as gerações presentes e futuras, quanto pela
biodiversidade a ser objeto de pesquisa científica e contemplação estética.
Como resultado desse movimento, a primeira lei que tratava especificamente das
florestas foi editada no Brasil. O primeiro Código Florestal Brasileiro, Decreto 23.793
de 23 de Janeiro de 1934, editado no governo provisório de Getúlio Vargas, instituiu em
seu Artigo 1º: “As florestas existentes no territorio nacional, consideradas em conjuncto,
constituem bem de interesse commum a todos os habitantes, do paiz, exercendo-se os
direitos de propriedade com as limitações que as leis em geral, e especialmente este
código, estabelecem.” (BRASIL, 1934). Outra informação importante contida nessa lei diz
respeito à classificação de florestas quanto ao estado em que se encontram e suas
especificidades. Dessa forma, o código instituiu quatro tipos de florestas: protetoras,
remanescentes, modelo e de rendimento.
As florestas protetoras eram um esboço do instituto das florestas de
preservação permanente do atual Código Florestal. As florestas remanescentes,
por sua vez, eram formadas por áreas hoje denominadas unidades de
conservação; as florestas modelo constituíam as florestas plantadas com
limitado número de essências florestais, nativas ou exóticas, e finalmente as
florestas de rendimento, eram aquelas não previstas entre as outras
modalidades e destinadas ao uso intensivo dos recursos florestais. O Código
Florestal de 1934, também introduziu dispositivos de natureza penal. (RESENDE,
2006, p. 76).
O documento também previa, em seu artigo 23, que “Nenhum proprietario de
terras cobertas de mattas poderá abater mais de tres quartas partes da vegetação
existente, salvo o disposto nos arts. 24, 31 e 52.” (BRASIL, 1934). Warren Dean (1996)
observa que as falhas do código se evidenciavam na prática. Um exemplo que o autor
é em relação a esse artigo. Segundo Dean (1996), os tribunais entendiam que, se um
proprietário reduzisse a floresta em sua terra a um mínimo de um quarto, poderia então
vender esta fração com floresta e o novo proprietário desfrutava o direito de derrubar
três quartos de sua aquisição e assim por diante. Fora isso, um proprietário poderia
cortar madeiras de lei valiosas e alegar que tinha cumprido sua obrigação de replantar
simplesmente permitindo que nascesse capoeira em seu lugar.
O decreto também introduziu na legislação brasileira a noção de “área reservada”,
ainda que de forma limitada, reconhecendo três categorias básicas: Parque Nacional,
Estadual e Municipal. Essas categorias seriam formadas pela Floresta Remanescente,
pois este código incorporou o modelo de planejamento florestal e gestão territorial e
ambiental dos EUA do final do século XIX. Sobre os parques, o Código Florestal no seu
artigo 9º traz:
Art. 9º. Os parques nacionaes, estaduaes ou municipaes, constituem
monumentos públicos naturaes, que perpetuam em sua composição floristica
primitiva, trechos do paiz, que, por circumstancias peculiares, o merecem.
(BRASIL, 1934).
O Código Florestal de 1934 ficou em vigor por trinta anos. Desde a época de sua
publicação, porém, cresceram no país as discussões e ações com vistas a promover a
proteção dos recursos naturais. Nesse contexto, o discurso conservacionista acabou
ganhando espaço, principalmente com a criação da Fundação Brasileira para a
Conservação da Natureza (FBCN), em 1958. Franco e Drummond (2012, p. 351), afirmam
que “Com ela o discurso conservacionista ganhou um corpo conceitual bem definido,
engajou-se em ações e estratégias que buscavam a preservação de áreas naturais
protegidas e de espécies da fauna e o uso racional e previdente dos recursos naturais.”.
No início do período político da Ditadura Militar, um novo Código Florestal
Brasileiro foi outorgado pelo então Presidente Castello Branco. Sob a influência da FBCN
e da política desenvolvimentista
3
, entrou em vigor em 1965 o novo Código Florestal. A
nova redação do Código Florestal trazia novidades em relação às áreas de preservação.
O artigo 5º incumbia o Poder Público de criar:
a) Parques Nacionais, Estaduais e Municipais e Reservas Biológicas, com a
finalidade de resguardar atributos excepcionais da natureza, conciliando a
proteção integral da flora, da fauna e das belezas naturais com a utilização para
objetivos educacionais, recreativos e científicos;
b) Florestas Nacionais, Estaduais e Municipais, com fins econômicos, técnicos
ou sociais, inclusive reservando áreas ainda não florestadas e destinadas a
atingir aquele fim.
Parágrafo único. Fica proibida qualquer forma de exploração dos recursos
naturais nos Parques Nacionais, Estaduais e Municipais. (BRASIL, 1965).
Percebe-se nessa lei um fato importante: a proibição de qualquer forma de
exploração dos recursos naturais nos Parques. Isso acentuou a ideia de preservação e
permanência das florestas denominadas como “protetoras” pelo Código Florestal de
1934. No entanto, entende os parques como locais propícios a atividades educacionais,
recreativas e científicas. Outro destaque é o fato de as Reservas Biológicas terem sido
inseridas no mesmo artigo. Ficaram desse modo, definidas duas linhas da política em
relação aos recursos florestais. A primeira é a de proteção (parques), ao estabelecer a
proteção integral de áreas; e a segunda, de conservação (florestas nacionais), na qual a
exploração das florestas plantadas e nativas estava vinculada à reposição florestal, na
obrigação da constituição de serviço florestal nas grandes consumidoras e, finalmente,
pelo incentivo ao reflorestamento através de deduções fiscais.
Para Warren Dean (1996, p. 364-5), o novo Código Florestal,
[...] ratificava a autoridade do Estado sobre as florestas particulares,
restabelecia penalidades criminais por infrações, estendia a proteção a outros
tipos de vegetação, incluindo florestas de galeria e manguezais, e simplificava a
classificação das floretas. [...] O Código Florestal foi seguido de uma lei que
permitia uma dedução de imposto em função dos custos de reflorestamento. [...]
Em meados da década de 1960, talvez 500 milhões de árvores plantadas, na
maioria eucaliptos, cresciam na área da Mata Atlântica.
Para completar a legislação ambiental no período militar, foi promulgado um novo
código de caça e pesca (Lei N. 5197 de 1967), autorizando a criação de refúgios de vida
selvagem e proibindo a exportação de caça; e o Decreto-Lei N. 289, de 28 de fevereiro
de 1967, que criou o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF). O órgão se
formou com a junção do Instituto do Pinho, o Instituto do Mate e o Departamento de
3
Referimo-nos ao período conhecido na historiografia como “milagre econômico”, do final da década de
1960 e metade da década de 1970.
Recursos Naturais Renováveis e se estruturou como autarquia vinculada ao Ministério da
Agricultura. Sua principal função era a de conservação do Meio Ambiente por meio da
instituição e manutenção de Parques Nacionais e Reservas Equivalentes. Na década de
1960, o Brasil contava com 18 Parques Nacionais com área total de 1.238.832 ha.; e
Reservas Equivalentes no total da área global de 16.785.368 ha., estando nestas incluídas
as Florestas Nacionais ou de Rendimento e as Reservas da Fauna. Além disso, o IBDF
tinha a função de administrar o Código Florestal vigente. (RESENDE, 2006, p. 91).
Em 1973, foi criada a Secretaria Especial de Meio Ambiente (Sema), vinculada ao
Ministério do Interior. Foi nesse período, final da década de 1960 e início da década de
1970, que observamos o aumento da preocupação com o Meio Ambiente em escala
mundial. Em 1989, da incorporação do IBDF e da Sema foi criado o Instituto Brasileiro do
Meio Ambiente e de Recursos Naturais (Ibama). Em 1992 foi criado o Ministério do Meio
Ambiente (MMA), responsável por executar as políticas ambientais no país (FRANCO;
DRUMMOND, 2012).
O pensamento e a legislação ambiental no Brasil após 1988
A Ditadura Militar no Brasil, iniciada em 1964, chegou ao fim em 1985 quando uma
eleição indireta elegeu para Presidente da República o primeiro presidente civil em 20
anos. No mesmo ano, antes de poder assumir o cargo, o presidente eleito Tancredo
Neves morre e assume seu vice, José Sarney. Uma Assembleia Nacional Constituinte é
convocada para elaborar uma nova Constituição Federal (CF), que seria promulgada em
cinco de outubro de 1988. Nesta, o Meio Ambiente recebe maior atenção, sendo a
primeira Constituição Brasileira a reservar um capítulo inteiro para tratar do tema. O
Capítulo VI, intitulado “Do Meio Ambiente”, afirma no artigo 225 que “Todos têm direito
ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à
sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” (FILHO, 2007, p. 97).
Para entendermos o contexto no qual a CF de 1988 foi elaborada, devemos
observar os movimentos ambientalistas, bem como os clamores sociais do país por meio
de reivindicações que remontam às décadas de 1970 e 1980. Entre as reivindicações
estavam a liberdade de organização sindical, a reforma agrária, o reconhecimento dos
direitos das minorias étnicas e melhorias das condições de vida dos segmentos sociais
mais sofridos da população, além do debate internacional a respeito do Meio Ambiente.
Assim, o contexto mundial na qual a Assembleia Nacional Constituinte passou a elaborar
a Carta Magna legitimou a inserção de temas como direitos das minorias, combate ao
racismo, direito dos índios, das crianças, dos idosos, proteção do patrimônio cultural e
proteção do Meio Ambiente.
Dessa maneira, a Constituição Federal Brasileira é um marco para o país no que
concerne às questões ambientais. Isso porque torna a biodiversidade, os processos
ecológicos, as espécies de flora e fauna e os ecossistemas protegidos
constitucionalmente. O texto constitucional levou em conta um marco na história do
ambientalismo, que foi a divulgação em 1987 do relatório das Nações Unidas. Intitulado
“Nosso futuro comum”, o documento foi coordenado pela primeira-ministra da Noruega
Gro Harlem Brundtland, e justamente por isso ficou conhecido como “Relatório
Brundtland”. Esse foi o primeiro relatório internacional que utilizou e defendeu o
conceito de “desenvolvimento sustentável”, denunciando a rápida devastação ambiental
e o risco que o ritmo de desenvolvimento mundial, tal qual se encontrava, impediria
futuras gerações de terem acesso a esses recursos. Além disso, o conceito de
“desenvolvimento sustentável” leva em conta não somente os aspectos da natureza,
como também os aspectos sociais, conforme apresentado a seguir:
A humanidade é capaz de tornar o desenvolvimento sustentável de garantir
que ele atenda as necessidades do presente sem comprometer a capacidade de
as gerações futuras atenderem também às suas. O conceito de desenvolvimento
sustentável tem, é claro, limites não limites absolutos, mas limitações
impostas pelo estágio atual da tecnologia e da organização social, no tocante
aos recursos ambientais, e pela capacidade da biosfera de absorver os efeitos
da atividade humana. Mas tanto a tecnologia quanto a organização social podem
ser geridas e aprimoradas a fim de proporcionar uma nova era de crescimento
econômico. Para a Comissão, a pobreza generalizada já não é inevitável. A
pobreza não é apenas um mal em si mesma, mas para haver um
desenvolvimento sustentável é preciso atender às necessidades básicas de
todos e dar a todos a oportunidade de realizar suas aspirações de uma vida
melhor. Um mundo onde a pobreza é endêmica estará sempre sujeito a
catástrofes ecológicas ou de outra natureza. (BRUNDTLAND, 1991, p.9).
Dentro dessa perspectiva, cabe uma discussão a respeito do Direito Ambiental
implícito na legislação. Para isso, busca-se auxílio em pesquisadores da área do Direito
Ambiental. Segundo Reisewitz (2004, p. 11), “[...] para o direito, criação do ser humano
para atender seus desígnios, a expressão
meio ambiente
não faz sentido isoladamente.
Tal expressão passa a incorporar o mundo jurídico porque os recursos ambientais se
tornam objeto de disputa humana.” Ou seja, a preocupação com o Meio Ambiente se dá a
partir do momento em que a degradação passa a ameaçar, além da qualidade de vida, a
própria sobrevivência do ser humano. Dessa forma, “[...] o ordenamento jurídico
brasileiro não tutela um direito da natureza ou da cultura, ou seja, nenhum ambiente é
protegido pelo simples fato de existir. Sua proteção, a tutela jurídica que hoje recebe,
existe em função do que ele representa para o ser humano.” (REISEWITZ, 2004, p.11).
Para garantir um ambiente ecologicamente equilibrado, direito de todos os
cidadãos brasileiros, a CF de 1988, no § 1º incube o poder público de:
I Preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e promover o manejo
ecológico das espécies e ecossistemas;
II Preservar a diversidade e a integridade do patrinio genético do País e
fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa manipulação de material genérico;
III definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus
componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e supressão
permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa
a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção. (FILHO, 2007, p. 97).
Para Ferreira e Leite, a Constituição Federal de 1988, [...] em muitos aspectos,
procura concretizar os objetivos do Estado de Direito Ambiental, o que em tese deveria
aproximar o país de um modelo ambientalmente mais orientado.” (FERREIRA; LEITE,
2012, p. 39). Os objetivos do Estado de Direito Ambiental referidos pelos autores dizem
respeito a objetivos considerados essenciais para se conseguir um nível adequado de
proteção jurídica do meio ambiente. Desse modo, analisam que o primeiro objetivo do
Estado do Direito Ambiental seria propiciar uma maior compreensão do meio ambiente.
Na CF de 1988, o constituinte faz referência ao Meio Ambiente sem qualquer
particularização dos seus elementos constitutivos. Assim, o texto parece considerar o
conceito de Meio Ambiente expresso na Lei N. 6.938/1981, como “[...] o conjunto de
condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite,
abriga e rege a vida em todas as suas formas.” (BRASIL, 1981). A Constituição adotou um
conceito integrado de Meio Ambiente, essencial para que o ser humano se perceba como
parte do planeta em que vive e do qual depende sua existência.
O segundo objetivo do Estado do Direito Ambiental diz respeito ao
desenvolvimento de um conceito de direito ambiental integrativo, partindo do
pressuposto que sua defesa requer abordagens multitemáticas capazes de considerar e
incorporar sua amplitude. Por esse motivo, a proteção dada pela Constituição é extensa,
abrangendo outros dispositivos que se relacionam com valores ambientais.
O terceiro objetivo apontado pelos autores refere-se ao estímulo e a formação de
uma consciência ambiental, indispensável para o exercício da responsabilidade
compartilhada preconizada na CF. Para essa tomada de consciência, incumbiu-se o Poder
Público de promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino. Para isso, foi
promulgada a Lei N. 9.795 de 1999, 11 anos depois da CF, instituindo no país a Política
Nacional de Educação Ambiental, entendida no seu artigo como “[...] os processos por
meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos,
habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem
de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade.”
(BRASIL, 1999).
Favorecer a institucionalização de mecanismos mais compatíveis com a natureza
diferenciada dos problemas ambientais constitui o quarto objetivo do Estado do Direito
Ambiental. Sobre esse objetivo, a CF designa ao Poder Público o controle do
desenvolvimento de atividades que comportem risco para a qualidade de vida e ao meio
ambiente. O intuito é assegurar o meio ambiente ecologicamente equilibrado. Em
sintonia com esse objetivo, apresenta-se o último objetivo do Estado do Direito
Ambiental: a juridicização de instrumentos que possam garantir um nível de proteção
adequado ao meio ambiente, fortalecendo os enfoques: preventivo e de precaução. Para
isso, a CF legou ao Poder Público o dever de exigir a realização do Estudo Prévio de
Impacto Ambiental (EPIA) para todas as atividades capazes de causar significativa
degradação ambiental (FERREIRA; LEITE, 2012, p. 31-37).
A Constituição Federal de 1988 aproxima o país de um modelo estatal
ambientalmente mais orientado, incumbindo não apenas o Poder Público, mas toda a
sociedade no dever de protegê-lo e preservá-lo. Além disso, delega ao Poder Público as
responsabilidades expressas nos incisos de I a III do Artigo 225 da CF e ainda os incisos
IV, V, VI e VII, que exige o estudo prévio de impacto ambiental; controla a produção e
comercialização de substâncias que comportem risco para a qualidade de vida e meio
ambiente; garante a promoção da educação ambiental; e protege a fauna e flora de
práticas que coloquem em risco sua função ecológica, respectivamente.
A partir da Carta Magna Brasileira, outras legislações correlatas e
complementares regulamentaram o artigo 225 da Constituição Federal. A primeira delas
é a Política Nacional do Meio Ambiente, Lei N. 6.938, elaborada e sancionada em 31 de
agosto de 1981, ainda durante o período da Ditadura Militar. A lei teve várias alterações
com o passar do tempo. Em 1990, com a modificação do artigo primeiro, o texto passou a
ter a seguinte redação:
Esta lei, com fundamento nos incisos VI e VII do art. 23 e no art. 235 da
Constituição, estabelece a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e
mecanismos de formulação e aplicação, constitui o Sistema Nacional do Meio
Ambiente (Sisnama) e institui o Cadastro de Defesa Ambiental. (BRASIL, 1981).
A Política Nacional do Meio Ambiente, conforme o texto preconiza, objetiva a
preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida. Visa
assegurar condições ao desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurança
nacional e à proteção da dignidade da vida humana no país. Para isso, a Política Nacional
do Meio Ambiente procura atender os princípios elencados no artigo 2º:
I - ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o
meio ambiente como um patrimônio público a ser necessariamente assegurado
e protegido, tendo em vista o uso coletivo;
II - racionalização do uso do solo, do subsolo, da água e do ar;
III - planejamento e fiscalização do uso dos recursos ambientais;
IV - proteção dos ecossistemas, com a preservação de áreas representativas;
V - controle e zoneamento das atividades potencial ou efetivamente poluidoras;
VI - incentivos ao estudo e à pesquisa de tecnologias orientadas para o uso
racional e a proteção dos recursos ambientais;
VII - acompanhamento do estado da qualidade ambiental;
VIII - recuperação de áreas degradadas;
IX - proteção de áreas ameaçadas de degradação;
X - educação ambiental a todos os níveis de ensino, inclusive a educação da
comunidade, objetivando capacitá-la para participação ativa na defesa do meio
ambiente. (BRASIL, 1981).
A partir da Política Nacional do Meio Ambiente, promulgou-se a Lei 9.605, de 12
de fevereiro de 1998. Esta lei, “[...] que dispõe sobre as sanções penais e administrativas
derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.” (DEREZEN, 2002, p. 73),
detalha os tipos de crimes ambientais. O capítulo V, que trata dos crimes contra o meio
ambiente, está dividido em cinco seções. Discorre sobre os crimes contra a fauna e
flora, sobre poluição, sobre os crimes contra o ordenamento urbano e o patrimônio
cultural e crimes contra a administração ambiental. Por sua abrangência, a Lei
9.605/1998 é também conhecida como Lei da Natureza.
Para regulamentar a Lei 9.605/1998, foi editado o Decreto N. 3.179 de 21 de
setembro de 1999, revogado pelo Decreto N. 6.514 de 2008, que “[...] dispõe sobre a
especificação das sanções aplicadas às condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e
outras providências.” (BRASIL, 2008). O decreto fixa as penas (multas) para cada
crime ambiental previsto na Lei 9.605/1998.
Dentro da legislação ligada ainda ao Art. 225 da CF, criou-se uma lei
especificamente para tratar da Educação Ambiental. A Lei 9.795 foi promulgada em 27 de
abril de 1999 e "[...] dispõe sobre a educação ambiental, institui a Política Nacional de
Educação Ambiental e outras providências.” (BRASIL, 1999). Com isso, regulamentou
o inciso VI do Art. 225 da CF que prevê a educação ambiental em todos os níveis de
ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente. Essa lei
também regulamentou o inciso X do Artigo da Política Nacional do Meio Ambiente,
que tem como princípio a Educação ambiental em todos os níveis de ensino, inclusive a
educação da comunidade, objetivando capacitá-la para participação ativa na defesa do
meio ambiente. Os artigos e especificam o termo Educação Ambiental e como a
temática deve estar inserida no processo educativo:
Art. 1
o
Entendem-se por educação ambiental os processos por meio dos quais o
indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos,
habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio
ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua
sustentabilidade.
Art. 2
o
A educação ambiental é um componente essencial e permanente da
educação nacional, devendo estar presente, de forma articulada, em todos os
níveis e modalidades do processo educativo, em caráter formal e não-formal.
(BRASIL, 1999).
Mesmo estabelecendo a Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA) no
capítulo II da Lei e garantindo a Educação Ambiental em todos os níveis de ensino
4
, a Lei
não obriga a se criar disciplinas específicas de Educação Ambiental, conforme a
parágrafo do Art. 10: “§ 1
o
A educação ambiental não deve ser implantada como
disciplina específica no currículo de ensino.” (BRASIL, 1999). No que concerne à
educação formal, foi instituído em 1997 os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN),
conjunto de documentos que norteia a educação no país em termos de conteúdos e que
estabeleceu a Educação Ambiental como tema transversal, ou seja, deve ser abordada em
todas as disciplinas, mas não como uma disciplina isolada.
A legislação entende educação não formal como “[...] ações e práticas educativas
voltadas à sensibilização da coletividade sobre as questões ambientais e à sua
organização e participação na defesa da qualidade do meio ambiente.” (Brasil, 1999), e
estabelece política de atendimento da educação ambiental nessa modalidade de
educação.
Parágrafo único. O Poder Público, em níveis federal, estadual e municipal,
incentivará:
I - a difusão, por intermédio dos meios de comunicação de massa, em espaços
nobres, de programas e campanhas educativas, e de informações acerca de
temas relacionados ao meio ambiente;
4
Art. 9
o
Entende-se por educação ambiental na educação escolar a desenvolvida no âmbito dos currículos
das instituições de ensino públicas e privadas, englobando:
I - educação básica:
a) educação infantil;
b) ensino fundamental e
c) ensino médio;
II - educação superior;
III - educação especial;
IV - educação profissional;
V - educação de jovens e adultos.
Art. 10. A educação ambiental será desenvolvida como uma prática educativa integrada, contínua e
permanente em todos os níveis e modalidades do ensino formal. (BRASIL, 1999).
II - a ampla participação da escola, da universidade e de organizações não-
governamentais na formulação e execução de programas e atividades
vinculadas à educação ambiental não-formal;
III - a participação de empresas públicas e privadas no desenvolvimento de
programas de educação ambiental em parceria com a escola, a universidade e as
organizações não-governamentais;
IV - a sensibilização da sociedade para a importância das unidades de
conservação;
V - a sensibilização ambiental das populações tradicionais ligadas às unidades
de conservação;
VI - a sensibilização ambiental dos agricultores;
VII - o ecoturismo. (Brasil, 1999).
Para completar a legislação ligada ao artigo 225 da CF, tem-se a Lei 9.985, de 18
de julho de 2000, que regulamenta o §1º, incisos I, II, III e VII. Esta lei instituiu o Sistema
Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), estabelecendo critérios e normas para a
criação, implementação e gestão das unidades de conservação no país.
Não se configura como ineditismo uma legislação voltada para a criação de áreas
de conservação, visto a legislação que se deu ao longo do século XX, principalmente a
partir da Constituição de 1934, quando
[...] surgem os principais dispositivos legais de proteção da natureza, que
levaram à criação e consolidação das primeiras áreas protegidas, são criados
contemporaneamente no Brasil: o Código Florestal (Decreto 23793/1934), o
Código de Águas (Decreto 24643/1934), o Código de Caça e Pesca (Decreto
23672/1934) e o Decreto de Proteção aos Animais (Decreto 24645/1934).
(NODARI, 2011, p. 99).
Porém, o ineditismo está em uma lei específica e que trata exclusivamente o tema,
buscando atender aos clamores da comunidade científica. Ao mesmo tempo, ao se criar a
Lei 9.985/2000, buscou-se garantir o que preconiza o enunciado do Artigo 225 da CF,
quando anuncia que “[...] todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado
[...], impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo
para as presentes e futuras gerações.” (DEREZEN, 2002, p. 31). Além disso, expressa a
orientação socioambiental da Constituição Federal, que não se revela pela leitura
fragmentada e compartimentalizada dos dispositivos referentes à cultura, ao meio
ambiente, aos povos indígenas e quilombolas e a função socioambiental da propriedade,
e sim por uma leitura sistêmica e integrada do todo (SANTILLI, 2005, p. 91).
Áreas protegidas foram pensadas como mencionado a partir do século XIX
e constituem importante instrumento para a conservação da biodiversidade.
Hoje, considera-se que elas estejam representadas em praticamente todos os
diferentes biomas e zonas da biosfera. Segundo a Comissão Mundial para as
Áreas Protegidas do Programa das Nações Unidas para o Meio
Ambiente/PNUMA, o mero total destas áreas distribuídas no mundo é
estimado, na atualidade, em 11.713.(GARAY, 2006, p. 159).
No Brasil, os números variam de acordo com as fontes. De acordo com Rocha,
Drummond e Ganem (2010), em 2010 existiam 65 Parques Nacionais, sendo que destes,
21 foram criados a partir da lei do SNUC. Em pesquisa no
site
do ICMbio, são listados
apenas 52 Parques Nacionais e 320 Unidades de Conservação ao todo.
Para clarear alguns termos recorrentes na legislação, a Lei 9.985 tratou de
conceituar aqueles que, além de facilitar a compreensão da lei, evitam que determinados
conceitos entrem no senso comum. São ao todo dezenove termos conceituados, dos
quais cabe aqui tratarmos de cinco, já que são os mais recorrentes e que muitas vezes as
pessoas confundem. O primeiro diz respeito ao próprio conceito de unidade de
conservação, que é entendida pelo poder público como um
[...] espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas
jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído
pelo Poder Público com o objetivo de conservação e limites definidos, sob
regime especial de administração ao qual se aplicam garantias adequadas de
proteção. (DEREZEN, 2002, p. 35).
Em seguida, define-se conservação da natureza como:
O manejo do uso humano da natureza, compreendendo a preservação, a
manutenção, a utilização sustentável, a restauração e a recuperação do
ambiente natural, para que possa produzir o maior benefício, em bases
sustentáveis, às atuais gerações, mantendo seu potencial de satisfazer as
necessidades e aspirações das gerações futuras, e garantindo a sobrevivência
dos seres vivos em geral. (DEREZEN, 2002, p. 36).
A noção de conservação da natureza vai ao encontro da percepção norte-
americana do século XIX, quando se pensa em fazer uso dessa natureza de maneira
sustentável. Uso sustentável é outro conceito expresso na legislação do SNUC.
Entendido como a “[...] exploração do ambiente de maneira a garantir a perenidade dos
recursos ambientais renováveis e dos processos ecológicos, mantendo a biodiversidade e
os demais atributos ecológicos, de forma socialmente justa e economicamente viável.”
(DEREZEN, 2002, p. 37), o texto está claramente baseado no Relatório de Brundtland.
Nem todos os tipos de Unidades de Conservação previstas na Lei permitem o uso
dos recursos, mesmo de maneira sustentável. Por esse motivo foi definido o termo
‘proteção integral’, como sendo “[...] a manutenção dos ecossistemas livres de alterações
causadas por interferência humana, admitindo apenas o uso indireto de seus recursos.”
(DEREZEN, 2002, p. 37). Neste caso, a presença humana na Unidade de Conservação é
proibida.
O Sistema Nacional de Unidades de Conservação é constituído pelo conjunto de
unidades de conservação federais, estaduais e municipais, criadas antes e após a
promulgação da lei. Essas unidades de conservação são divididas em duas grandes
categorias: Unidades de Proteção Integral e Unidades de Uso Sustentável. Dentro da
categoria de Unidades de Proteção Integral, encontram-se as Estações Ecológicas,
Reservas Biológicas, Parques Nacionais, Monumentos Nacionais e Refúgios da Vida
Silvestre. O objetivo básico dessas unidades é integrar a natureza, sendo admitido
apenas o uso indireto de seus recursos naturais. Dentro do grupo das Unidades de Uso
Sustentável encontram-se as Áreas de Proteção Ambiental, Áreas de Relevante Interesse
Ecológico, Florestas Nacionais, Reservas Extrativistas, Reservas de Fauna, Reservas de
Desenvolvimento Sustentável e Reservas Particulares do Patrimônio Natural. O objetivo
dessa categoria é compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de
parcela de seus recursos naturais (DEREZEN, 2002).
Além das Unidades de Conservação, definidas no SNUC pela Lei 9.985/2000,
existem no Brasil mais quatro tipologias de áreas protegidas: área de preservação
permanente, reserva legal, terra indígena e áreas de reconhecimento internacional
(GARAY, 2006, p. 162).
As Áreas de Preservação Permanentes (APPs) e as Reservas Legais (RLs) foram
instituídas no Brasil em 1965 pelo Código Florestal. Para Garay (2006), elas representam
uma tentativa clara de conter os avanços sobre a floresta, sob a forma de desmatamento
e grilagem de terras, em um momento crucial do desenvolvimento do país. As APPs
declararam intocáveis todos os espaços nos quais a presença da vegetação garante a sua
integridade, sendo que boa parte encontra-se em terras públicas ou devolutas onde não
existem condições de o Estado estar presente para garantir a integridade ambiental ou
onde a criação de outras tipologias de áreas protegidas é inviável e demorada. As
Reservas Legais transferiram para os proprietários rurais a responsabilidade e o ônus da
proteção.
Através da criação das APPs e das RLs, grande parte dos remanescentes
florestais existentes no país, sobretudo no sudeste onde o desmatamento
ocorria de forma expressiva, tornara-se obrigatoriamente protegida pelo
Estado, sem a necessidade de criar-se um ato específico para tal, como no caso
dos Parques e Florestas Nacionais da época. (GARAY, 2006, p. 166).
As Terras Indígenas constituem um avanço na legislação brasileira no sentido de
reconhecer e garantir os direitos dos primeiros povos que habitavam o território antes
da chegada dos europeus. Pensada desde 1910 com o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), a
política de demarcação de terras ganhou força com a criação da Fundação Nacional do
Índio (FUNAI) em 1965, e com o Estatuto do Índio, em 1973.
Diferente das outras tipologias, as áreas de reconhecimento internacional (ARIs)
não possuem um único instrumento de criação, podendo englobar diversos tipos de
áreas protegidas existentes no país. “Trata-se, pelo essencial, de áreas instituídas no
nível planetário que têm em comum o fato de possuírem instrumento de reconhecimento
internacional, usualmente ratificado pelos Estados, mas de serem mantidas sob sua
gestão soberana.” (GARAY, 2006, p. 167).
Considerações finais
Este artigo buscou explicitar o pensamento em relação ao meio ambiente no
Brasil desde o final do século XIX até a Lei 9.985/2000 que institui o Sistema Nacional
de Unidades de Conservação (SNUC). Dado a especificidade de um artigo e o recorte
temporal e espacial pesquisado, optou-se por uma abordagem generalizada. Essa
abordagem objetiva subsidiar pesquisadores que trabalham com o tema.
Durante o período colonial, as primeiras leis que versaram sobre o meio ambiente
indicavam preocupação com escassez de lenha e água, principalmente em regiões do
Bioma Mata Atlântica. Esse viés utilitarista da natureza permanece presente no
pensamento ambiental até o século XIX. As mudanças do pensamento ambiental no
Brasil se deram com auxílio de pesquisadores estrangeiros que trabalharam
principalmente na região sudeste, no final do século XIX e início do século XX. As
pesquisas subsidiaram a criação na década de 1930 de novas leis ambientais,
demonstrando pequeno avanço com a elaboração do Código Florestal de 1934. Ainda
nessa década foi criado o primeiro Parque Nacional, em Itatiaia, pertencente ao estado
do Rio de Janeiro e de Minas Gerais.
O pensamento ambiental relacionado ao utilitarismo da natureza foi dando espaço
a discussões mais abrangentes. Conferências internacionais sobre o tema passaram a
discutir o meio ambiente em escala global. Nesse sentido, o texto evidencia que o
pensamento e a legislação brasileira tiveram influência direta deste debate internacional
e o resultado foi o da inclusão de um capítulo sobre Meio Ambiente na Constituição
Federal de 1988. A CF de 1988registra um avanço no que diz respeito à questão ambiental
no país. A partir dela, uma série de legislações correlatas busca regulamentarem o que
preconiza o artigo 225, que é o caso da lei que instituiu a Política Nacional de Educação
Ambiental (1999) e a lei que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação
(2000).
O Brasil tem procurado a partir dessa legislação, pelo menos em termos legais,
equilibrar a natureza com as necessidades humanas. No entanto, não podemos pensar
nessa questão fazendo apenas uma análise da legislação que trata do tema, pois nem
sempre a força da lei se reflete na prática. Além disso, as leis ambientais podem sofrer
alterações. É o caso do Código Florestal vigente, promulgado em 2012. O Código
Florestal atual não foi abordado neste texto por conta do recorte temporal, mas
exemplifica quão frágil e oscilante é a questão ambiental no Brasil.
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