RAMOS, Paula da Silva
FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.2, nº1, p. 143-158, jan.-jun., 2015.
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A imprensa é entendida, nesse trabalho, como fonte e objeto de pesquisa, ou
seja, como um agente de intervenção na vida social e não apenas como veiculo de
informações, transmissor imparcial dos acontecimentos, isolado da realidade política
na qual se insere (CAPELATO; PRADO, 1980, p.XIX). Assim, procuramos discutir,
além do conteúdo propriamente dito, os elementos que permearam o discurso do
Jornal do Commercio sobre a Argentina e que são essenciais à compreensão de seus
posicionamentos, tais como as inclinações políticas do proprietário e colaboradores, a
diagramação, materialidade e recursos técnicos do jornal, a interlocução com os outros
periódicos, tanto brasileiros, quanto argentinos e a relação entre as pautas do impresso
e o debate político em curso no cenário nacional
2
.
Convergências e rivalidades: a Argentina por meio do Jornal do
Commercio.
Fundado em 1827 pelo francês Pierre René François Plancher de La Noé, o Jornal
do Commercio era considerado um dos órgãos de imprensa mais importantes da Corte
imperial ao final do século XIX
3
. Ligado à classe latifundiária, o periódico declarou,
em seu primeiro número, ser exclusivamente dedicado aos “senhores negociantes”,
restringindo-se, a princípio, a assuntos mercantis. Em 1828, o título do jornal passou
a refletir suas incursões pelo território do político, adotando, por um curto período, o
nome Jornal do Commercio, Folha Comercial e Política. No ano de 1832, Plancher decidiu
voltar para França e por esse motivo vendeu a empresa a Junius Villeneuve. Depois da
morte de Junius, o Jornal pertenceu ao seu filho Júlio Constâncio de Villeneuve. Este,
por sua vez, tinha trânsito fluido no Paço Imperial, sendo, inclusive, condecorado com
o título nobiliárquico de Conde (SILVEIRA, 2014, p. 216) – o periódico permaneceria sob
o controle da família Villeneuve até o ano de 1890.
Sob a administração da família Villeneuve e direção do francês naturalizado
brasileiro François Picot, o diário esteve alinhado com o que havia de mais moderno na
imprensa mundial (SILVEIRA, 2014, p. 216). Em 1836, passou a ser impresso em um prelo
mecânico importado da França, o primeiro instalado na América Latina, proporcionando
um aumento significativo em sua circulação. Em 1871, após a aquisição de impressoras
rotativas, sua tiragem atingiu a cifra de 15 mil exemplares diários, número bastante
expressivo para a época e, em 1874, publicou as primeiras notas telegráficas distribuídas
pela agência de notícias Havas no Brasil.
Quanto à sua inclinação política, o Jornal do Commercio era um dos poucos
jornais não partidários existentes no Brasil, ele “era antes informativo que de opinião,
mas tendia ao compromisso com as instituições, adotando um tom moderadamente
conservador, em sintonia com o espírito do Império” (ALONSO, 2002, p.277). Porém,
segundo Nelson Werneck Sodré (1999. p. 189), sua estreita ligação com o poder
monárquico e o caráter conservador, o aproximava do que poderia se chamar de
jornalismo oficial. A diagramação do Jornal, que contava com oito colunas distribuídas
em páginas de 58,5 cm de largura e 98 cm de altura (SILVEIRA, 2014, p. 216), facilitava a
2. Sobre a metodologia referente à utilização da imprensa como fonte/objeto de pesquisa ver: (LUCA,
2005); (BUSETTO, 2008); (ZICKMAN, 1981).
3. No ano de 1889, o Jornal do Commercio era considerado pelo jornalista francês Max Leclerc, corres-
pondente no Rio de Janeiro de um jornal parisiense, um dos dois grandes jornais da capital do país, sendo
o outro A Gazeta de Notícias. Cf. (LEAL; SADRONI, 2001. p. 2877).