CAVLAK, Iuri
FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.2, nº1, p. 96-114, jan.-jun., 2015.
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e ditaduras militares, não se aplicam ali, destacando a unicidade dessa história e os
desafios na busca por identidade.
Não obstante, essa situação vem se transformando, no tempo presente, num
processo em que alguns especialistas apontam como “sul-americanização” das Guianas,
que dialogam mais fortemente com a nova projeção do Brasil e, de alguma forma, influem
e participam de instituições multilaterais como a UNASUL (União das Nações Sul-
Americanas), a ALBA (Aliança Bolivariana para as Américas) e o MERCOSUL (Mercado
Comum do Sul), além dos vários grupos de integração amazônico, com destaque para
a OTCA (Organização do Tratado de Cooperação Amazônica) e a IIRSA (Iniciativa para
a Integração Regional Sul Americana), todos viabilizados a partir dos anos 2000.
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Na
contrapartida, o povoamento de Roraima e Amapá e a ida periódica de seus habitantes
em busca do garimpo e outras atividades guianenses e surinamesas tem tornado a
fronteira cada vez mais dinâmica e conflituosa.
Nesse texto, pequena parte de uma pesquisa de maior escopo, abordo alguns
aspectos que julgo chave para entender o presente da Guiana e do Suriname, centrado
no século XIX, período de revoltas escravas, abolição do trabalho servil, e da imigração
de trabalhadores asiáticos, indianos e javaneses na sua maioria, que contribuíram, junto
com os afro-descentes, para tornar esse cadinho como um dos lugares, relativamente,
mais pluriétnicos das Américas. E que, certamente, manifestou-se no processo de
independência tardia, em 1966 para a Guiana e 1975 para o Suriname.
No caso da Guiana, objetivo desenvolver o estudo de um contexto posterior a
da revolta escrava ocorrida em Demerara no ano de 1823, investigada pela historiadora
brasileira Emilia Viotti da Costa (COSTA, 1998). Essa rebelião acelerou as transformações
políticas, como a unificação dos três povoados (Demerara, Berbice e Essequibo) em
1831, e a abolição da escravidão e seus desdobramentos a partir de 1838.
A pobreza atual desses Estados em muito se liga ao seu passado colonial. Na
Guiana, com destaque para as terras baixa e a necessidade de investimentos permanentes
em diques e sistemas de irrigação. No Suriname, o absenteísmo dos proprietários e a
fragmentação da vida social. Em ambos, as constantes trocas de soberanias – nove até
a formatação jurídica final na Convenção de Londres em 1815 – fruto, por sua vez, dos
desentendimentos metropolitanos e das guerras anglo/holandesas.
Com exceção da invasão portuguesa em Caiena, que durou de 1809 até 1815,
retaliação à invasão francesa em Portugal na época, as potências ibérica não se
mostraram fortemente interessadas na região, até pelos problemas do litoral, de
águas rasas e barrentas em vários pontos, e do interior, mata fechada e temperaturas
elevadas. A busca do El Dorado, que segundo a principal versão da lenda localizar-
se-ia no coração da Guiana Inglesa, onde um recluso imperador inca estaria exilado
numa cidade feita de ouro, foi a aspiração principal para que colonizadores espanhóis e
portugueses, em vários momentos, intentassem subjugar, sem sucesso, permanente os
ingleses e holandeses (RALEIGH, 1997). Abandonado esse mito, a tradicional exploração
de açúcar e, posteriormente, de minério configurou a atividade econômica local.
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4. O termo “sul americanização” foi usado pelo geógrafo Stéphane Granger ao se referir a Guiana Fran-
cesa (GRANGER, 2011, p. 79).
5. Relativo desinteresse que não se espelhou na formação das fronteiras, litigadas entre Brasil e França
(soberania brasileira confirmada da região do Oiapoque em 1900), Brasil e Inglaterra (perda da região do
Pirara em 1904 para os ingleses – única derrota brasileira nos litígios fronteiriços) e disputa que segue