Recebido em: 06/03/2015
Aprovado em: 14/04/2015
O Extremo Norte da América do Sul: A Guiana
Inglesa e o Suriname
no século XIX.
The Extreme North of South America: The British
Guiana and Suriname in the Nineteen Century.
CAVLAK, Iuri
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Resumo: A Guiana Inglesa e o Suriname, embora não sejam países latinos, fazem parte
da América do Sul e com ela interagem. No passado, os dois países demonstraram
uma formação social sui generis, de rebeliões escravas e formação de comunidades
de escravos fugitivos de todo continente. Após a emancipação dos cativos advindos da
África, uma onda de emigração de um continente também colonizado, a Ásia, compôs o
espectro restante da força de trabalho assalariada, relegando problemas, mas igualmente
oportunidades para o futuro. Neste artigo, abordo a intersecção de pontos chaves da
história no século XIX, intentando aclarar alguns contextos importantes de nações, algo
ignota para a historiografia brasileira.
Palavras-chaves: história, Guiana, Suriname, política, economia.
1. Iuri Cavlak é formado em História pela Universidade Estadual Paulista (Unesp-Assis). Tem mestrado e
doutorado pela mesma instituição, onde pesquisou as relações diplomáticas entre Brasil e Argentina no
século XX. Realizou pós-doutorado na New York University, investigando a formação histórica das Guia-
nas de um ponto de vista transnacional. Atualmente é professor de Teoria da História na Universidade Fe-
deral do Amapá e de História do Brasil no Mestrado em Desenvolvimento Regional da mesma instituição.
O Extremo Norte da América do Sul: A Guiana Inglesa e o Suriname
no século XIX.
FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.2, nº1, p. 96-114, jan.-jun., 2015.
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Abstract: The British Guiana and Suriname, although not Latin’s countries, are part of
South America and interact with it. In the past, those two countries showed a sui generis
social formation, with slave’s rebellions and formation of communities of runaways
slaves some of the most important in the whole continent. After the emancipation of
captives that came from Africa, a wave of emigration from another colonized continent,
Asia, composed the remainder spectrum of salaried labor force, generated problems but
also opportunities for the future. In this article, my approach is about the intersection
among keys points of XIX history, aiming clear up some important contexts of nations
unknown for the Brazilian historiography.
Keywords: history, Guiana, Suriname, politics, economy.
Introdução
Um lugar nessa América tão plural e complexa parece pouco explorado pelos
historiadores brasileiros, qual seja, o chamado platô das Guianas, onde se localizam,
atualmente, duas nações e um território francês, a República da Guiana, o Suriname e a
Guiana Francesa respectivamente.
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Justo ressaltar a ausência de pesquisas sobre esse extremo norte-sul americano
igualmente em outras línguas, fazendo pensar, ou tentar adivinhar, as idiossincrasias do
lugar, os motivos de seu olvido e as articulações com a história americana no sentido
amplo. No caso brasileiro, a tardia configuração política da “Guiana Portuguesa” (Amapá
e Roraima), surgidos, enquanto territórios, em 1943, e transformados em Estados apenas
em 1988, e a recentíssima concretização das universidades federais, de 1990 em diante,
tem pressionado, nos dias atuais, a produção de conhecimento histórico local, diante da
demanda criada pelo crescimento populacional e científico das últimas duas décadas.
Uma ambiguidade no que tange a inserção nos estudos internacionais mais
atrapalha que ajuda a reconstituição histórica em apreço. As Guianas, embora
geograficamente situadas na América do Sul, grande parte na região Amazônica, foram
incorporadas à produção historiográfica do Caribe, por conta das peculiaridades de sua
colonização, que tratarei neste texto, e ainda de maneira marginal, na medida em que as
grandes ilhas como Cuba, Haiti e República Dominicana, ou menores, mas com impactos
mais explícitos na geopolítica regional, como a Jamaica, hegemonizaram esse campo.
Por outro lado, em relação à história sul-americana, na falta de contatos comerciais e
políticos historicamente construídos se despertou pouco interesse dos pesquisadores
por esse objeto.
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A Guiana e o Suriname desenvolveram-se sob a hegemonia inglesa e holandesa,
enquanto a latina Guiana Francesa não obteve status de nação independente, hoje o
último território sul-americano ainda pertencente a uma nação colonizadora europeia.
As simetrias com o restante do subcontinente, como independências no século XIX,
imigração europeia pós-escravidão, Estado republicano/oligárquico, populismo
2. A Guiana Inglesa passou a chamar-se Guyana a partir da independência em 1966. Buscou-se com isso
uma grafia que mais se assemelhasse a denominação indígena primitiva. Opto pela nomenclatura mais
utilizada em português, sem o “y”.
3. José Luis Beired chama atenção para a virtual inexistência, com a exceção de Cuba, de pesquisas nas
universidades paulistas sobre América Central e o Caribe, entre os anos de 1942 e 2004. O autor mapeou
apenas uma pesquisa sobre Porto Rico e uma sobre o Panamá, o que confere uma dimensão maior ao
problema da ausência de trabalhos sobre a região. (BEIRED, 2005, p. 41).
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e ditaduras militares, não se aplicam ali, destacando a unicidade dessa história e os
desafios na busca por identidade.
Não obstante, essa situação vem se transformando, no tempo presente, num
processo em que alguns especialistas apontam como “sul-americanização” das Guianas,
que dialogam mais fortemente com a nova projeção do Brasil e, de alguma forma, influem
e participam de instituições multilaterais como a UNASUL (União das Nações Sul-
Americanas), a ALBA (Aliança Bolivariana para as Américas) e o MERCOSUL (Mercado
Comum do Sul), além dos vários grupos de integração amazônico, com destaque para
a OTCA (Organização do Tratado de Cooperação Amazônica) e a IIRSA (Iniciativa para
a Integração Regional Sul Americana), todos viabilizados a partir dos anos 2000.
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Na
contrapartida, o povoamento de Roraima e Amapá e a ida periódica de seus habitantes
em busca do garimpo e outras atividades guianenses e surinamesas tem tornado a
fronteira cada vez mais dinâmica e conflituosa.
Nesse texto, pequena parte de uma pesquisa de maior escopo, abordo alguns
aspectos que julgo chave para entender o presente da Guiana e do Suriname, centrado
no século XIX, período de revoltas escravas, abolição do trabalho servil, e da imigração
de trabalhadores asiáticos, indianos e javaneses na sua maioria, que contribuíram, junto
com os afro-descentes, para tornar esse cadinho como um dos lugares, relativamente,
mais pluriétnicos das Américas. E que, certamente, manifestou-se no processo de
independência tardia, em 1966 para a Guiana e 1975 para o Suriname.
No caso da Guiana, objetivo desenvolver o estudo de um contexto posterior a
da revolta escrava ocorrida em Demerara no ano de 1823, investigada pela historiadora
brasileira Emilia Viotti da Costa (COSTA, 1998). Essa rebelião acelerou as transformações
políticas, como a unificação dos três povoados (Demerara, Berbice e Essequibo) em
1831, e a abolição da escravidão e seus desdobramentos a partir de 1838.
A pobreza atual desses Estados em muito se liga ao seu passado colonial. Na
Guiana, com destaque para as terras baixa e a necessidade de investimentos permanentes
em diques e sistemas de irrigação. No Suriname, o absenteísmo dos proprietários e a
fragmentação da vida social. Em ambos, as constantes trocas de soberanias – nove até
a formatação jurídica final na Convenção de Londres em 1815 – fruto, por sua vez, dos
desentendimentos metropolitanos e das guerras anglo/holandesas.
Com exceção da invasão portuguesa em Caiena, que durou de 1809 até 1815,
retaliação à invasão francesa em Portugal na época, as potências ibérica não se
mostraram fortemente interessadas na região, até pelos problemas do litoral, de
águas rasas e barrentas em vários pontos, e do interior, mata fechada e temperaturas
elevadas. A busca do El Dorado, que segundo a principal versão da lenda localizar-
se-ia no coração da Guiana Inglesa, onde um recluso imperador inca estaria exilado
numa cidade feita de ouro, foi a aspiração principal para que colonizadores espanhóis e
portugueses, em vários momentos, intentassem subjugar, sem sucesso, permanente os
ingleses e holandeses (RALEIGH, 1997). Abandonado esse mito, a tradicional exploração
de açúcar e, posteriormente, de minério configurou a atividade econômica local.
5
4. O termo “sul americanização” foi usado pelo geógrafo Stéphane Granger ao se referir a Guiana Fran-
cesa (GRANGER, 2011, p. 79).
5. Relativo desinteresse que não se espelhou na formação das fronteiras, litigadas entre Brasil e França
(soberania brasileira confirmada da região do Oiapoque em 1900), Brasil e Inglaterra (perda da região do
Pirara em 1904 para os ingleses – única derrota brasileira nos litígios fronteiriços) e disputa que segue
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Pela dificuldade de acesso às fontes primárias e bibliografia dei vazão a um
estilo introdutório e de apresentação em detrimento de discussões mais acuradas e
conceituais. Eventualmente, posso ter incorrido em equívocos factuais, em razão dos
poucos registros históricos disponíveis, possibilidade, esta, quiçá eliminada quando da
concretização de um campo historiográfico pertinente.
A Guiana Inglesa após a revolta de Demerara
Pode-se afirmar, grosso modo, que, a partir de 1838, a contradição entre os
donos das fazendas e os agora libertos se configurou em um novo patamar. Os afro-
guianenses foram se retirando das plantations, em algumas regiões quase metade delas
simplesmente interromperam a produção. A maioria dos senhores se retiraram para
Londres e delegaram a administração de suas culturas para capatazes e procuradores. O
controle do trabalho começou a escapar das mãos da classe proprietária, concomitante
a formação de pequenas comunidades livres. Há relatos de casos em que vários
brancos destruíram árvores frutíferas e colheitas, na esperança de manter os escravos
dependentes das plantations.
ComoafirmaAdamson,emrelaçãoaodecêniopós-emancipaҫão:
Para muitos fazendeiros essa década foi de fato o fim. Havia mesmo sérias
dúvidas a respeito da possibilidade da sobrevivência do açúcar. A crise de
1847-48, quando a depressão financeira na Grã-Bretanha coincidiu com a
abrupta queda nos preços do açúcar e com uma greve dos trabalhadores das
fazendas “quase aniquilou a colônia”, conforme o (governador) Henry Barkly.
“Pânico universal prevaleceu e um sanguíneo desespero”. (ADAMSON, 1972,
p. 32, tradução nossa).
Na nova constituição dos libertos, começou a emergir uma dualidade no sentido
do trabalho, com muitos labutando nas terras livres e, ao mesmo tempo, alugando sua
mão de obra para os grandes fazendeiros. As task gangs (grupos de trabalhos por
empreita), criadas no período da escravidão, foram retomadas, com a eleição de líderes
que, diretamente, negociavam os salários para o serviço nos engenhos. Única mão de
obra disponível, os afro-guianenses lograram, em muitos casos, recebendo pagamentos
acima da média histórica dos tempos passados, elevando, momentaneamente, o nível de
vida e de consumo de bens, impondo certo controle sobre as condições e a duração do
trabalho. Esse poder de barganha se mostrou inaceitável para os brancos que criaram
uma lei, em 1841, limitando a liberdade de movimento dos grupos e estabelecendo um
teto para seus salários. A resposta foi a primeira greve de trabalhadores assalariados
conhecida na colônia, talvez, na época, uma das primeiras dessa região:
Trabalhadores do açúcar coordenaram sua oposição numa greve que durou
de doze a treze semanas. Menos de três anos depois de ser emancipados
da escravidão, a nova classe trabalhadora estava se comportando como em
certos aspectos como o proletariado moderno; e o primeiro registro de greve
na história da classe trabalhadora guianense foi um sucesso, levando os
até hoje entre Venezuela e Guyana por uma parte oeste dessa última.
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fazendeiros a retirarem a lei e continuarem a subida moderada dos salários
(RODNEY, 1981, p. 33, tradução nossa)
Essa interpretação se ancora no fato de que, desde o início do século XIX, a
consciência dos escravos em relação ao cativeiro vinha sofrendo uma transformação
sensível, resultante das insurreições e da organização em gangs, que permitia o rodízio
por várias fazendas, o contato com outras ideias e situações, a comparação com a
condição dos cativos de diferentes culturas e a solidificação de um sentimento comum
pela longa convivência entre sujeitos na mesma situação social.
Concomitante a luta por melhores condições de trabalho, seguiu o crescimento
da aquisição dos libertos de pequenas propriedades. Elas se dividiram em dois tipos:
proprietárias e comunais. As primeiras advieram dos antigos donos que alienaram
parte da sua propriedade para tentar manter os ex-escravos próximos. No final de
1839, já existiam 267 fazendas desse tipo. Em novembro desse mesmo ano, a primeira
propriedade comunal foi formada quando 84 trabalhadores compraram a Plantation
North Brook, na costa oeste de Demerara, por $10 mil. A opção inicial era para continuar
produzindo e exportando açúcar. Outras grandes aquisições foram feitas entre 1838 e
1844: 500 acres da Plantation Friendship, comprada, por 168 afro-guianenses, por $80
mil; 500 acres da Plantation New Orage Nassau, por 128 afro-guianenses, no valor de
$50 mil; 400 acres da Plantation Beterverwagting, por 145 afro-guianenses, no valor de
$22 mil; e 300 acres da Plantation Plaisance, por 88 afro-guianenses, no valor de $39
mil. Essas propriedades imediatamente se tornaram vilas camponesas, numa reviravolta
interessante da história, qual seja, a posse de terras para os negros, negadas no tempo
da escravidão e severamente bloqueada na revolta de 1823 finalmente sendo alcançada.
(ADAMSON, 1972, p. 36)
A tendência de combinar salários e possuir o próprio pedaço de terra abriu uma
nova possibilidade de vida para uma população recém-saída de uma secular condição
de ultraje. Na conceituação de Rodney:
A dinâmica das fazendas camponesas não pode ser entendida sem a constante
referência as plantations... A aquisição de terras pela população emancipada
durante os anos de 1840 representou a procura por algum grau de posse e
controle dos meios de produção... Cada pedaço de terra comprado e cada
vila criada forneceu aos crioulos africanos envolvidos uma pequena medida
de independência que frustrava a estratégia dos senhores de intimidação
(RODNEY, 1981, p.60, tradução nossa).
Por conta dessa dualidade, vivendo nas novas terras e trabalhando nas
plantations, não é possível afirmar, segundo Rodney, que uma classe camponesa tout
court tenha sido formada.
De qualquer forma, morar numa vila significava a abertura de possibilidades para
a participação em processos políticos não controlados pelos grandes latifundiários. Em
1850, a população era de 127.695, havia 916 eleitores dentro do sistema representativo
colonial (ADAMSON, 1972, p. 23). Os moradores das vilas mandavam em seus destinos,
inventavam suas regras, determinavam o tempo de trabalho, descanso, lazer e atividades
religiosas.“Duranteafaseinicialdahistóriapós-Emancipaҫão,osvilarejosnaGuiana
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Inglesa eram de uma liberdade única, se comparados a média prevalecente nas Índias
Ocidentais”. (ADAMSON, 1972, p. 128, tradução nossa).
Na fase atual em que se encontram os arquivos guianenses se mostram
dificuldades de encontrar registros mais precisos para reconstituir esse contexto,
embora vários autores concordem em destacar a questão da liberdade, solidariedade
e igualitarismo na vida interna desses povoados. Estabelecendo um paralelo com a
Jamaica, que protagonizou um cenário semelhante, especialistas apontam para a “pálida
autonomia” das vilas se comparado ao que ocorria na Guiana Inglesa (MCLEWIN, 1971,
tradução nossa).
O autogoverno parecia envolver participação das mulheres e alta rotatividade
nas funções de liderança política e religiosa. A relativa falta de grandes líderes afro-
guianenses, nessa fase, pode ser um indício de como as comunidades manejavam para
manutenção da isonomia e do não surgimento de grandes privilégios. Em meados de
1840, o conceituado jornal The Times, de Londres, descreveu as comunidades de ex-
escravos na Guiana Inglesa como “pequenos bandos de socialistas” (RODNEY, 1981, p.
128, tradução nossa).
Não obstante às dificuldades, essas vilas continuaram a crescer rapidamente.
Em novembro de 1842 havia 15 mil pessoas, índice que aumentou para 49 mil em 1854.
Nessas terras, mesmo em forma de cooperativa, a agricultura de subsistência se mostrou
dificultosa. A falta de preparo e a pobreza do solo, combinado com a impossibilidade de
utilização de adubos – a Guiana Inglesa possuía uma quantidade pequena de gado – e as
enchentes conspiravam para uma vida não tão idílica. A alimentação na colônia consistia
em produtos importados como a carne, trigo e conservas, bem como a vestimenta,
quase toda comprada dos comerciantes de além mar. Mesmo com algum excedente
gerado, apresentou-se complicado para os afro-guianenses a obtenção de dinheiro fora
do aluguel de sua força de trabalho. Adamson assim resume o problema:
Os habitantes das vilas estavam condenados a abandonarem o sonho de
independência total e dedicar uma parte da semana no trabalho assalariado
nas plantations. Como resultado, ele se achou com cada um dos pés em dois
diferentes tipos de economia. Em uma delas ele era seu próprio mestre, mas
sua produtividade era acentuadamente primitiva, ele não tinha máquinas,
e sua terra era pobremente drenada, e mesmo quando a drenagem era
adequada a área cultivada era geralmente muito pequena para possibilitar
autossuficiência. Sua capacidade para gerar recursos em dinheiro era baixa.
Na outra ele era um trabalhador assalariado e um servo, sujeitado como nos
dias da escravidão pelos senhores e capatazes mas capaz de ganhar algum
dinheiro que nunca conseguiria com sua pequena plantação (ADAMSON,
1972, p. 38, tradução nossa).
Interessante que a disciplina do trabalho nas plantations era muito diferente
daquela esperada pelos proprietários. Desprovidos do ideário da acumulação, os afro-
guianenses trabalhavam até certo ponto e, frequentemente, largavam as tarefas quando
alcançavam determinada quantia que satisfizesse sua reprodução diária, para desespero
dos empresários do açúcar inseridos na lógica da economia de mercado. M.J. Higgins,
grande produtor de açúcar da época, forneceu o seguinte depoimento para o Comitê
Colonial em 1848:
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Eu estava procurando na lista de pagamento da minha fazenda esta manhã
e descobri que tenho 209 pessoas na lista de pagamentos, mas a média de
pessoas que trabalham não passa de 87: eles vêm e vão em dia de trabalho e
então vão embora de novo... Toda mulher na fazenda trabalhava então (nos
tempos da escravidão) no campo, agora tudo mudou: quando eles ficam ricos
eles deixam suas mulheres em casa cuidando do lar, ou cuidando dos filhos
(ADAMSON, 1972, p. 40, tradução nossa).
Na sequência dessas situações foram implementadas novas leis que dificultaram
o acesso dos negros às terras. A chamada Ordinance Number 1, de 1852, proibiu a
compra de terras por mais de vinte afro-guianenses. Além disso:
Ordinance Number 3, de 1856, especificou que se mais de dez pessoas
comprasse uma fazenda a terra seria fracionada e os donos individualmente
estariam sujeitos a taxas compulsórias mensais para a reparação de estradas
e pontes e a manutenção e drenagem de outros serviços... a proibição do
comunalismo iria afastar os ex-escravos da compra de terras e assim fazê-los
mais submissos para retornar ao trabalho nas plantations (ADAMSON, 1972,
p. 57, tradução nossa).
Lutando contra as diversidades, a população liberta começou a demonstrar uma
queda demográfica a partir dos anos de 1860. Embora as vilas estivessem cada vez mais
populosas, o maior crescimento passou a ocorrer pela chegada dos imigrantes, fato que
abordarei em seguida. Adamson aponta para as enchentes constantes e a pobreza do
solo, somada a baixíssima capitalização dos moradores, para o medíocre crescimento
populacional (ADAMSON, 1972, p. 59). A posse das melhores terras pelos brancos e a
proximidade com os rios e a região costeira, sem falar nas cercanias de Georgetown,
deixava as vilas ainda em situação de maior isolamento.
A população negra dessas vilas tentou, por diversas vezes, estabelecer cooperativas
de trocas, barradas pelas proibições políticas e pela força econômica dos imigrantes
portugueses, para quem foi dado a exclusividade no comércio varejista (ADAMSON, 1972,
p. 71). Por conta disso, em 1856, mais uma grande revolta explodiu na Guiana Inglesa,
dessa feita envolvendo os afro-guianenses contra os comerciantes lusos:
Nesse contexto que teve lugar a famosa revolta do Anjo Gabriel em
fevereiro de 1856. A ocasião, mas não a causa fundamental, foi o retorno
para Georgetown de um pregador apocalíptico negro, John Sayers Orr. Sua
anticatólica, anti-portuguesa oratória de rua traduziu em termos raciais e
religiosos o sentimento de opressão que os crioulos possuíam em relação aos
comerciantes portugueses. ... Em uma noite todas as lojas pertencentes aos
portugueses na cidade foram atacadas. Como um raio a revolta se espraiou
para a zona rural, atingindo cerca de dois terços da colônia. Em três ou quatro
dias, 617 lojas portuguesas foram saqueadas... Centenas de crioulos foram
presos em cadeias superlotadas (ADAMSON, 1972, p.71, tradução nossa)
Parecida como a revolta de 1823, o número de vítimas do lado dos dominantes
foi mínimo, um policial, sendo que nenhum português perdeu a vida. A consciência do
movimento, formatada por múltiplos descontentamentos, manteve-se contra um dos
símbolos da exploração econômica na cidade, a atividade comercial.
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O que se seguiu foi a severa repressão e incremento nas proibições de trocas
e deslocamento pela colônia. Cada vez mais o cerco se fechou contra a autonomia da
vida social nas vilas, forçando os negros a voltarem para as antigas plantações e se
ajustarem ao assalariamento. Alguns jornais, como a Real Gazeta, perceberam traços
do problema, na proibição da autossubsistência e na resistência negra em retornar aos
antigos lugares da escravidão. Esse jornal cogitou “não haver lugar” para os ex-escravos
na Guiana Inglesa, idealizando sua retirada para o Suriname e mesmo para o Brasil, onde
a abolição ainda não havia sido decretada (ADAMSON, 1972, p. 73, tradução nossa).
Parte da elite vislumbrava a volta ao cativeiro como único caminho pra a população
negra guianense.
Imigração na Guiana Inglesa
Entre 1838 e 1870, foram importados trabalhadores portugueses da Ilha da
Madeira e chineses de Hong Kong, totalizando cerca de 25 mil pessoas. Diante das
péssimas condições de trabalhos na zona rural, esses dois grupos imigraram para as
cidades, buscando postos no comércio e no artesanato para a sobrevivência. Procurou-
se, então, mais mão de obra asiática, sobretudo das possessões coloniais na ilha de Java
e na própria Índia continental (RABE, 2005, p. 18).
Aproximadamente 240 mil indianos chegaram na Guiana Inglesa no século XIX.
Eram de extração muito baixa, das últimas castas ou párias em seus lugares de origens
que, já com uma população considerável, não oferecia razoáveis condições de vida para
esses indivíduos, convencidos de poder fazer uma vida melhor em outras paragens.
As epidemias de fome que assolavam sua terra natal também contribuíram para essa
fuga. O sistema construído foi conhecido como indentureship, em que o trabalhador
assinava, ainda em seu continente de origem, um contrato de trabalho de cinco ou dez
anos, que podia ser renovado, recebendo as passagens de ida e de volta.
Tratava-se da melhor saída encontrada, do ponto de vista dos latifundiários, para
a crise do trabalho enfeixada pela liberdade dos escravos. Em 1838, ano da abolição, uma
primeira experiência foi realizada, quando 396 indianos foram trazidos para a Guiana
Inglesa. O novo tráfico humano rumo à América do Sul mostrar-se-ia tão severo quanto
o antigo, na medida em que os indianos eram convencidos a viajarem sem a mínima
condição de conforto e higiene, ou mesmo informações básicas para onde estavam
indo. A ignomínia era tanta que, em 1839, há relatos de vinte imigrantes cortando a mata
em direção ao oeste, numa fuga desesperada das péssimas condições encontradas no
novo trabalho, tentando regressar para a Ásia (ADAMSON, 1972, p. 42).
Os imigrantes que aportaram não tinham experiência na agricultura tropical.
Oriundos de famílias pobres, facilmente sucumbiam ao novo habitat, ao clima tropical
e toda sorte de doenças. A baixa produtividade era a queixa de vários fazendeiros,
pois nos primeiros seis meses de estada na Guiana Inglesa, os novos trabalhadores,
geralmente, não se sentiam em condições físicas para a labuta, uma condição batizada
de seasoning sickness (ADAMSON, 1972, p. 47).
O tratamento conferido a nova população contribuía para sua falta de reprodução
demográfica e a consequentemente manutenção do problema referente à mão de obra.
Há que lembrar-se que em sua terra natal os indianos já eram reconhecidos por altas
taxas de nascimentos e uma expansão crescente em seu contingente populacional. As
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queixas dos maus tratos apareceram em diferentes lugares, como nos jornais britânicos,
portugueses e, sobretudo, no sudoeste asiático. Embora tenha desembarcado na colônia,
entre 1838 e 1848, 46.514 indianos, somente cerca de 12 mil continuava trabalhando, a
imensa maioria morria ou fugia para as cidades e para a selva (ADAMSON, 1972, p. 50).
O ditado de que a vizinha Guiana Francesa era uma “guilhotina seca”, uma grande cova
para homens e mulheres, poderia ser estendido igualmente para a Guiana Inglesa.
Nesse sentido, também um movimento para a formação de vilas indianas teve
lugar na colônia. Pelos dados de 1881, havia 52 mil indianos nas fazendas, 2.500 nas
cidades e 25 mil nas vilas e pequenas plantações (ADAMSON, 1972, p. 94). Expirado os
contratos de trabalho, os grandes fazendeiros eram obrigados a liberar os imigrantes
para voltarem aos seus lugares de origem ou estabelecerem-se onde bem entenderem.
Os que não lograram voltar optaram pelas vilas na zona rural, assim como os negros
pós-aboliҫão,todavia,comadiferençamarcantedepossuíremalgumdinheiroiniciale
experiência na cultura do arroz que, eventualmente, se tornaria a primeira lavoura em
escala significativa na história da colônia direcionada para o mercado interno.
Em 1870, teve início os arrozais. E, como já havia ocorrido, a elite colonial dificultou
ao máximo a vida dos pequenos lavradores, por meio de impostos, impedimentos
comerciais e a proibição de aquisições em conjunto, truncando a formação de novas
comunidades. O medo era sempre do esvaziamento dos engenhos de açúcar.
De acordo com uma comissão de inquérito que esteve na colônia em 1870,
o perigo de uma insurreição estava descartado por conta da fragmentação dos
trabalhadores em etnias e castas: “Os coolies desprezam os negros porque consideram
eles não tão civilizados como eles mesmos, enquanto o negro despreza os coolies
porque ele e imensamente inferior em força física. (ADAMSON, 1972, p. 158, tradução
nossa). Segundo o historiador guianense Walter Rodney, coolie era um termo
empregado, originalmente, para descrever os trabalhadores contratados para servir
individualmente outra pessoa na Índia. (RODNEY, 1981, p. 111). Com o tempo ganhou
conotações diversas, de alguma forma sempre ligada ao pertencimento nos segmentos
mais baixos da sociedade. A diferença de língua e cultura contribuiu para a dificuldade
de união com os afro-guianenses em todas as esferas. O casamento de um coolie com
um negro era praticamente impossível na Guiana Inglesa no século XIX. A união de
ambos, trabalhando no mesmo local, fundando sindicatos e partidos multiétnicos, só
aconteceria a partir dos anos de 1940.
A crise internacional do comércio açucareiro na década de 1880 e a falta de
investimento da metrópole, voltada para outros continentes, contribuiu para uma
segunda série de falências das grandes propriedades. No final dessa década, havia 32 mil
acres de terras sem uso e 60 mil imigrantes sendo liberados dos contratos (ADAMSON,
1972, p. 98-99).
Após 1884, um salto na mecanização dos engenhos foi levado a cabo,
induzindo a necessidade de maior capitalização das fazendas e o desaparecimento dos
menos competitivos, além do incremento na exploração do trabalho dos cortadores de
cana. A força política dos senhores manteve a colônia dependente de um único produto:
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no século XIX.
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A economia do açúcar era monopolística sobre suas próprias terras também.
Ela sempre manteve uma ampla parcela de terra arável sem cultivo. Isso teve
a vantagem de reduzir os custos com fertilizantes. Por outro lado, manteve
alguma das melhores terras da colônia improdutivas. Assim, em 1884, o ano
em que o açúcar alcançou a mais extensa área de cultivo, se achava 79.502
acres com plantação de cana e outros 62.158 acres de terras sem proteção
contra inundações pertencentes às fazendas de açúcar mantidas ociosas
(ADAMSON, 1972, p. 259, tradução nossa).
A relativa eficiência da indústria do açúcar manteve o controle dos meios de
produção, desencorajando o crescimento de outras culturas. A Gazeta Real, em edição
de 1880, indicou uma “abundância de dinheiro procurando investimento”, a maioria
migrando para outras colônias britânicas (ADAMSON, 1972, p. 260).
A área plantada se multiplicou juntamente com a maior produtividade e qualidade
do produto, fruto da inovação tecnológica. Pari passu as plantations encolheram em
número após as fusões que acompanharam o avanço do capital monopolista. De quase
duzentas, no final do século XIX, limitou-se a dezenove no início do século XX, de sorte
que a maioria, quinze delas, propriedade da multinacional Booker Brothers McConnel
and Company Limited. O chiste que passou a correr, então, era que a colônia, ao invés
de British Guiana poderia se chamar Booker’s Guiana (SPINNER JR, 1984, p. 9)
Suriname no século XIX
O Suriname, desde a chegada dos primeiros europeus, revestiu-se de um caráter
acentuadamente comercial. O entreposto foi fundado, originalmente, por ingleses,
em 1651, posteriormente ocupados pelos holandeses após esses terem sido expulsos
de Pernambuco em 1654. Com o término da Segunda Guerra Anglo/Holandesa e a
assinatura do Tratado de Breda, em 1667, a então possessão britânica no extremo norte
sul-americano foi trocada pela holandesa ilha de Manhattan, porta de entrada para o
que se tornaria os Estados Unidos (GOSLINGA, 1979, pp. 100-101).
Os primeiros habitantes dessa nova etapa não eram colonizadores a serviço de
um reino, tampouco evangelizadores a serviço de um papa, senão funcionários de uma
empresa, a Companhia das Índias Ocidentais Holandesas (West Indian Company,-WIC,
como ficaria conhecida na historiografia), por sua vez criada em 1621. Em 1683, a WIC se
associou a cidade de Amsterdam e a família Van Aerseen van Sommelsdjk para otimizar
a exploração (HYLES, 2014, p. 90).
O século XVII seria conhecido como “século de ouro” para as então chamadas
Províncias Unidas, com suas empresas destacando-se nas trocas comerciais nos
dois hemisférios. O Suriname tornar-se-ia extremamente lucrativo nesse contexto,
acompanhando a decadência holandesa a partir do final do século XVIII. Do ponto de
vista político, foi instaurado uma configuração em que o governador era apontado pela
Companhia diretamente da Europa, enquanto a Corte de Polícia e Justiça Criminal e a
Corte de Justiça Civil eram eleitas pelos colonos. Essa configuração durou até a extinção
da WIC em 1795.
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No domínio socioeconômico o Suriname se desenvolveu como uma colônia
de plantation. Os colonizadores fizeram um grande esforço para preparar
e desenvolver a nova terra para o cultivo de açúcar e café. Em 1667 havia
menos de 180 plantações de açúcar, em 1795 esse número havia subido para
591 (JANSSEN, 2011, p. 5, tradução nossa).
Além das guerras entre as metrópoles, outras razões podem ser arroladas para
explicar a acentuada decadência surinamesa em relação aos outros domínios holandeses:
a falta de proteção comercial para suas exportações, que competiam no mercado
consumidor europeu com as colônias britânicas e francesas em igualdade de condições;
a ausência de colonos, a maioria interessado no Oriente; a falta de investimentos do
Estado, mais preocupado em evitar gastos nessas paragens.
Após o Tratado de Viena, em 1815, e a desocupação da metrópole das tropas
francesas, a colônia foi reforçada seus laços políticos, com a diminuição do poder
administrativo das cortes locais e a centralização no governo apontado pela Coroa. Indo
mais além, o Rei Willem I unificou a administração de todas as Antilhas com o Suriname
(Curaçao, Aruba, Bonaire, St. Eustatius, St. Maarten e Saba), sendo Paramaribo a sede
geral. Um arranjo que durou de 1828 até 1845.
O tratamento da metrópole em relação ao Suriname foi peculiar no decorrer
do antigo sistema colonial. Permitiu que fazendeiros viessem do Caribe britânico para
ali se instalar, contrariando a lógica mercantilista de evitar a participação estrangeira
no processo produtivo. Além disso, grassou o absenteísmo dos proprietários oriundos
das Províncias Unidas. De acordo com Joshua Hyles, em 1813, 80% dos donos das
plantations viviam em Amsterdam ou em outra possessão colonial. “Os holandeses
eram investidores, não colonizadores” (HYLES, 2014, p. 74, tradução nossa).
Outra questão levantada por Hyles diz respeito à crueldade no trato com os
escravos, que gerou um alto índice de escravos fugitivos e, por outro lado, baixo índice
de reprodução:
De 1668 até 1823, entre 300,000 e 325.000 escravos africanos foram
importados para as plantations holandesas: em 1823, o total da população de
descendentes de africanos rondava em torno de 50.000. Por outro lado, as
colônias britânicas e francesas na América do Norte importaram um número
comparado de escravos no mesmo período, cerca de 427.000; mas em 1825,
os Estados Unidos sozinho possuíam uma população negra de mais de dois
milhões (HYLES, 2014, p. 76, tradução nossa).
Reconhecendo o problema relativo ao gerenciamento da mão de obra escrava,
cujo tráfico havia sido abolido em 1814, o governo holandês enviou para a colônia um
representante pessoal do Rei Willem I, Johannes Van den Bosch, no intuito de investigar
a situação do trabalho em 1828. Bosch concluiu que a escravidão havia se tornado
deficitária, e com o avizinhamento da abolição na vizinha Guiana Inglesa, que depois da
insurreição de 1823 acelerara seu processo de passagem para a mão de obra assalariada,
o conselho era de terminar com esse tipo de trabalho também no Suriname.
A situação se arrastou até os próprios fazendeiros convencerem o governo holandês
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a pagar pela emancipação dos escravos. O temor entre a minoria branca era de que os
escravos libertos da Guiana Inglesa poderiam chegar ao Suriname e se misturar com os
afro-surinameses, fortalecendo a busca pela liberdade. As gestões foram, então, no sentido
de retardar a abolição, uma maneira de manutenção das forças policiais na colônia e
igualmente de negociar melhores preços para as indenizações (HYLES, 2014, p. 81).
A questão dos quilombos possuía uma importância chave, como se a colônia fosse
dividida em duas partes, uma na costa, urbanizada e com uma elite branca cercada por
afro-guianenses, muitos deles libertos e em contato com a cultura europeia e, de outro
lado, no interior, centenas de grupamentos quilombolas configurando comunidades
diversas, com ligações, cultura e língua diferente dos antigos mestres.
De acordo com o especialista Richard Price, a comunidade de escravos fugitivos
no Suriname talvez tenha sido, no século XIX, a segunda maior do Ocidente, apenas
atrás do Haiti. Na língua inglesa, ficaram conhecidos como maroons ou bush negroes,
tendo desempenhado um papel primordial na história surinamesa até os dias atuais. Para
alguns estudiosos, o volume dos escravos fugitivos que formaram novas sociedades na
mata seria uma prova do alto grau de exploração e violência sofrido nas plantations
holandesas na América do Sul (PRICE, 1976).
6
O fato dos holandeses prestarem pouca atenção para a assimilação cultural
também conspirou no sentido de fortificar uma separação entre a sociedade branca
e a sociedade escrava. A extrema dificuldade de sobrevivência no novo ambiente
surinamês levou as comunidades a estabelecerem laços de solidariedade. Para alguns
donos de plantations, as comunidades no interior da colônia serviriam como válvula de
escape para os indivíduos que, no limite do descontentamento, poderiam abandonar
a plantação e ter para onde se esconder. Por outro lado, quando os quilombos se
mostravam bastante populosos, excursões de captura eram organizadas pelas forças
policiais em aliança com alguns indígenas e negros libertos.
As revoltas foram constantes. Em 1821, por exemplo, um grupo de maroons
invadiu Paramaribo e incendiou mais de 400 casas, em resposta a um ataque anterior
e a dificuldade de sobrevivência na selva (HYLES, 2014, p. 84). A opção pela repetida
compra de escravos, implicando na renovação continua do plantel, igualmente atuou
no sentido de separar os escravos recém-chegados dos antigos maroons, fortalecendo
essa cultura segregada. A combinação de tradições africanas com as novas formadas no
local resultou num amálgama conhecido como creole, uma vida social afro-americana
bastante original. Segundo Hyles:
A rápida criolização não pode ser explicada pela origem dos escravos somente
– escravos da Inglesa e Guiana Francesa geralmente vieram da mesma região,
tribos e passaram pelos mesmos pontos comerciais. Os grupos de cativos
africanos que chegaram nas Guianas eram relativamente similares pelas três
colônias. Ainda assim, os escravos holandeses criaram com maior sucesso e
com uma maior hibridização sociedades duradouras, um resultado direto da
forma que os colonos foram governados (HYLES, 2014, p. 84, tradução nossa).
6. Segundo Hobsbawm, o termo marrons ou maroons teria sido uma corruptela do espanhol cimarrón,
palavra usada, por sua vez, para designar animais domésticos trazidos da Europa que fugiam para a mata
e voltavam ao estado selvagem. No capítulo intitulado “Pós-modernismo na Floresta” há uma interessan-
te crítica da pesquisa de Price. (In: HOBSBAWM, 1998, p. 207).
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As dificuldades levaram a uma maior união entre as tribos dentro da comunidade,
desenvolvendo um sentido de “africanidade” que paradoxalmente não existia no
continente de origem, por conta das divisões em reinos e culturas distintas.
A abolição da escravidão no Suriname ocorreu em 1863, sendo que, no momento
da emancipação, o Estado planejou um sistema de aprendizado, pagando indenização
para cada dono de escravo e, assim, idealizando um sistema de contrato com os
recém-libertos, obrigando-os, pois, a permanecerem nas fazendas, sob-pena de serem
encarcerados e forçados novamente ao trabalho. Mais de 33 mil se encontravam nessa
situação, e dez milhões de florins foram pagos aos plantadores, lucro holandês advindo
do comércio na Ásia (HOEFTE, 1998, p. 2).
Ocorre que os ex-escravos não aceitaram, em sua maioria, os baixos pagamentos
e as condições precárias, optando por mudar para Paramaribo. Alguns escaparam para
a Guiana Inglesa e a Guiana Francesa. Em 1864, um ano depois da abolição, somente 15
mil assinaram contratos, tendo esse número diminuído nos anos seguintes.
O problema era que no século XIX a economia surinamesa havia entrado em
decadência. A ilha de Java tornou-se, portanto, a segunda maior produtora de açúcar do
mundo, atrás apenas de Cuba, e a abertura do Canal de Suez, em 1869, incrementou o
interesse da metrópole para o outro lado do globo. O dinheiro oriundo das indenizações
foi investido em mercados externos e a produção de açúcar acabou monopolizada. Em
1890, somente catorze fazendas produziam esse produto, número que diminuiu para
quatro, em 1930, embora a área cultivada tenha mais que dobrado (HOEFTE, 1998, p. 15).
Com a predominância da visão dos favoráveis a imigração, iniciou-se os acordos
com a Inglaterra para o deslocamento dos indianos. Entre 1873 e 1916, cerca de 35
mil trabalhadores chegaram da Índia, na condição de indentured immigrants, assinado
contratos de cinco a dez anos para o trabalho nos canaviais. No lugar da África, o novo
suprimento de mão de obra na colônia seria a Ásia.
Desde os anos de 1830 os ingleses traziam indianos para suas possessões no
Caribe, bem como na vizinha Guiana Inglesa.
Quando os holandeses decidiram recorrer a imigração de larga-escala, a Índia
Britânica pareceu o lugar ideal para recrutar trabalhadores. Os britânicos
já haviam montado o sistema, e os holandeses não precisavam suportar os
gastos totais de estabelecer seu próprio entreposto e aparato administrativo
num longínquo canto do mundo (HOEFTE, 1998, p. 30, tradução nossa).
A administração colonial inglesa em Bombaim, a princípio, posicionou-se
contraria a imigração de seus súditos para o Suriname. O temor era de perder seu
exército industrial de reserva, causando uma subida nos salários e no poder de barganha
dos assalariados, bem como na insalubridade da viagem e do novo ambiente de trabalho
e moradia. Em 1870, os ministros encarregados das relações exteriores de ambos
chegaram a um acordo que viabilizou os indianos, sob dominação inglesa, mudarem
para o Suriname:
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Isso foi estritamente um acordo imperial que proporcionou a soberania
britânica sobre as possessões holandesas na Costa do Ouro (atualmente
Gana) na África Ocidental. Em troca, os britânicos desistiram de lutar pela ilha
de Sumatra na Índia Ocidental. As negociações se arrastaram por vários anos,
e somente em 1872 que o parlamento holandês ratificou o tratado (HOEFTE,
1998, p. 31, tradução nossa).
Embora aos holandeses fossem conferidas todas as vantagens que os próprios
ingleses possuíam nesse novo tráfico humano, os indianos permaneceriam súditos
britânicos, mesmo no tempo em que habitassem a América holandesa.
Mas a chegada dessa nova mão de obra no Suriname não esteve só restrita
aos indianos. Os problemas políticos encontrados, como as queixas da população
surinamesa, as reclamações e obstáculos criados por governos locais na Índia em
relação aos maus tratos e a confusa questão jurídica levaram a diminuição do ritmo
desse fluxo, os proprietários surinameses passaram a reivindicar imigrantes das
possessões holandesas do leste asiático.
Havia uma proibição quanto à imigração de indonésios para fora das Índias
Orientais e o governo holandês temia ferir o acordado com os britânicos ao lançar mão
de outra população que não a indiana. Após um longo debate, em 1890 começaram a
chegar as primeiras levas de javaneses, sob o controle da Dutch Trading Company. Até
o final dos anos de 1930, 33 mil pessoas oriundas dessa ilha do arquipélago da Indonésia
aportaram na América do Sul.
O recrutamento de trabalhadores em Java seguiu um padrão parecido com o
exemplo da Índia britânica. Ao passo que já havia um precedente de deslocamento
dessa população para outras possessões holandesas como em Sumatra e Bornéu. Eram
abundantes as promessas de que, no Suriname, os javaneses se fartariam de ouro,
terras e mulheres.
A partir de 1890, começaram a serem oferecidos pequenos pedaços permanentes
de terra, tanto para javaneses quanto para indianos, com a condição de que abrissem mão
do direito de retornar à terra natal. Havia o temor por parte do governo de que a alta taxa
de mortalidade e baixa reprodução levassem a um despovoamento comprometedor, daí
a tentativa de melhorar as condições de vida com a formação de pequenos camponeses
proprietários. A volta dos imigrantes para sua terra natal de fato nunca se caracterizou
enquanto um desafio a ser enfrentado pelos senhores:
A maioria dos imigrantes assentaram de forma permanente no Suriname. Em
geral, essa decisão parece ter sido baseada em considerações negativas ao
invés de positivas. Muitos imigrantes se sentiam envergonhados e temiam
ser ridicularizados porque eles haviam deixado suas casas para uma terra
longínqua e não lograram se tornarem ricos (HOEFTE, 1998, p. 63, tradução
nossa).
Muitos eram tão pobres, mesmo depois de cinco anos de trabalho pesado nas
plantações de cana, que não tinham como quitar dívidas e se acharem liberados para o
regresso.
No geral, a divisão social no Suriname no século XIX era bastante demarcada,
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semelhante às colônias recém-saídas da escravidão e na transição para o trabalho
assalariado: “A vida no Suriname podia ser bastante monótona. Os europeus viviam
em áreas isoladas em suas mansões de madeira coloniais, perfeitamente mantidos seus
jardins e gramados, e possuindo seu próprio cemitério” (HOEFTE, 1998, p. 95, tradução
nossa).
É de se destacar que as três raças que compunham a classe trabalhadora da
colônia, afro-surinameses, indianos e javaneses compartilhavam de preconceitos e
estranhavam-se entre si grande parte do tempo:
Os imigrantes e os ex-escravos dividiam um desprezo mútuo e uma visão
estereotipada uns em relação aos outros, ainda assim não houve grandes
violências entre Crioulos e Asiáticos. Os Crioulos olhavam com soberba os
Asiáticos, quem eles consideravam intrusos e com um estilo de vida que eles
não poderiam gostar... Os Hindus por sua parte consideravam os Crioulos
como incivilizados, preguiçosos e criaturas pretenciosas (HOEFTE, 1998, p.
102, tradução nossa).
Entre os indianos e javaneses também o preconceito germinava. As marcantes
diferenças culturais pesavam para essa falta de empatia. A distância de casa e as
interações nesse novo ambiente levou, progressivamente, os indianos a criarem uma
nova língua, que ficou conhecida posteriormente como sarnami. Pelo fato dos imigrantes
da Índia Britânica ser originários de diferentes distritos, falavam diferentes dialetos,
embora próximos uns dos outros.
Logo cedo, ainda durante o recrutamento e transporte, os migrantes
começaram a se comunicar numa nova língua baseada no entrelaçamento
de linguagens e dialetos do Nordeste Central da Índia. O linguista Theo
Damsteegt enfatiza que Sarmani não é identificada com nenhuma língua
indiana; sendo uma mistura gramatical de várias línguas indianas. Além disso,
o desenvolvimento posterior no Suriname levou a criação de novas formas
gramaticais, que não podem ser encontradas em nenhuma língua indiana.
Finalmente, essa língua franca dos indianos britânicos adotou, emprestada
palavras da Sranan Tongo, a língua franca do Suriname (HOEFTE, 1998, p. 163,
tradução nossa).
Outra importante manifestação cultural ligada a essa nova condição dos
indianos foi a dissolução do sistema de castas, incapaz de ser mantido nesse ambiente
de trabalho incessante e de privações materiais. Era impossível para as castas mais
altas respeitar os tabus religiosos como comidas específicas e proibição do trabalho
manual. A exemplo dos quilombolas, as relações entre os hindus nesse exílio sugerem
a superação das barreiras que existiam na terra natal e a interessante criação de novos
laços. Segundo a visão de um observador daquela época, D.W.D. Comings:
Eles vestem roupas sahib e chapéus, falam um patoá, o que é considerado
um inglês, bebem rum, possuem aves e porcos, geralmente em suas casas
quando é permitido, e comem os ovos e os animais quando precisam. Eles
acreditam que nenhum homem pode se considerar um Hindu após cruzar o
Oceano, então eles perdem o respeito pelas castas e pela religião de seus pais
que eles negligenciam, e não adquirem nenhuma outra no lugar. Eles ainda
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usam amuletos e sortilégios e acreditam no mal olhado, inúmeros fantasmas
e demônios, mas em nenhum Deus. Um dos motivos para o não retorno para
a Índia é que eles seriam desprezados e mal tratados em suas vilas nativas
ou teriam que gastar muito dinheiro para serem readmitidos em suas castas
(HOEFTE, 1998, p. 164, tradução nossa).
Grandes revoltas foram registradas nos anos de 1873, 1875, 1876 e 1877 com
queimas de plantações e dos armazéns de cana. Em 1884, quatro indianos atacaram um
motorista da fazenda Zorg en Hoop, por conta dele ter questionado a produtividade
do grupo. O gerente rapidamente chamou as forças policiais e oitenta trabalhadores
se juntaram para defender os quatro perseguidos, atirando pedras nos soldados que
responderam abrindo fogo, ceifando a vida de ao menos sete indivíduos (HOEFTE, 1998,
p. 191).
Em 1891, outra revolta foi registrada, quando no meio de uma comemoração
religiosa dos hindus, alguns trabalhadores começaram a reclamar sobre as condições
de trabalho e pedir uma audiência com o advogado geral das fazendas Zoelen e
Geertruidenberg. Vários trabalhadores foram presos e as forças policiais foram
chamadas. Apesar da resistência pacífica, um hindu foi morto, o que aumentou o clima de
descontentamento. O gerente da fazenda ameaçou com mais repressão, levando várias
famílias a abandonarem a fazenda e fugir para a mata, temendo serem presas fáceis.
O cônsul britânico tomou partido de seus súditos e o conflito foi momentaneamente
resolvido.
Porém, alguns meses depois, em vingança, os imigrantes indianos mataram o
diretor da plantation Jagtlust, um fato inédito e que foi entendido pelas autoridades
como tendo ligação com os fatos ocorridos nas outras fazendas meses antes. Com
medo de também serem atingidos, os outros plantadores se uniram e, desobedecendo
aos conselhos do cônsul britânico, armaram seus capatazes com revolveres e soaram
o alarme do perigo de uma revolta generalizada. Os donos das fazendas enviaram uma
carta para o governador colonial exigindo incremento da força policial nas fazendas,
maior liberdade para castigos corporais e justiça severa contra os imigrantes. Nesse
pedido, também incluíram uma crítica a pena de morte que existia, mas era vista como
ineficaz na medida em que “os coolies não valorizam suas vidas e a pena de morte por
enforcamento, de acordo com suas crenças, não evitam a bem aventurança eterna”. A
solução demandada era a permissão para a mutilação do corpo e a tortura sistematizada
(HOEFTE, 1998, p. 193, tradução nossa).
Enquanto as autoridades discutiam as possibilidades da implantação dessas
novas medidas repressivas, o clima tenso continuou nas fazendas. Em Santa Barbara, um
trabalhador indiano foi morto quando intentou atacar seu diretor. Com mais repressão
e algumas concessões, a condição foi aparentemente contornada e os atos violentos
mais explícitos tiveram uma pausa.
Em muitas ocasiões os javaneses se mostraram mais conformados com as
duras condições de vida, enquanto os indianos apresentaram maior resistência, quiçá
confiantes na eventual proteção do consulado inglês. Na ausência de uma maior
consciência de classe, as revoltas geralmente explodiam contra uma pessoa particular,
um capataz desonesto ou um determinado diretor que não cumpria devidamente com
suas promessas. A falta de comunicação entre as fazendas, a proibição dos imigrantes
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de se deslocarem livremente concorreu para a falta de articulações mais profundas
entre os imigrantes como um todo. Cada plantation era uma espécie de universo em
si e a ausência de cidades minimamente estruturadas, com exceção de Paramaribo,
bloqueou o contato dos trabalhadores com novas ideias e movimentos exógenos.
Embora tratados de forma muito semelhante aos ex-escravos, os imigrantes
mantinham a esperança do acordado nos contratos, ou seja, após cinco ou dez anos
serem liberados e, com dinheiro acumulado, poder voltar para sua terra natal. Ou mesmo
receber terras na colônia e passarem a serem tratados como homens totalmente livres,
proprietários de terras como a elite colonial.
Afinal de contas, os trabalhadores contratados diferenciavam-se dos escravos
na forma de, supostamente, sua própria volição, tendo assinado um contrato de
tempo limitado. Havia uma luz no fim do túnel para os imigrantes contratados.
Ao mesmo tempo, entretanto, essa futura liberdade também serviu como mais
um mecanismo de controle para o sistema de plantations durante o período
de trabalho contratado (HOEFTE, 1998, p. 202, tradução nossa).
De qualquer forma, a virada do século não trouxe novidades alvissareiras para os
imigrantes e tampouco para os afrodescendentes. A exploração colonial se intensificou
com a descoberta da bauxita, os proprietários brancos passaram a sofrer cada vez
mais com a concorrência internacional e a formação de sindicatos e partidos políticos
demorou a se solidificar.
Poucos retornaram ao seu continente de origem, outros tantos alcançaram o
título de pequenos proprietários e muitos compuseram a força de trabalho na mineração
e nas grandes fazendas em processo de modernização. Nas cidades, o pequeno comércio
varejista e o funcionalismo público empregaram a maioria dos que abondaram o campo
e foram para a capital. No interior, as comunidades quilombolas seguiram criando e
recriando formas de sociabilidade alternativas. Na metrópole, a corrida imperialista
desdobrou outros pontos de colonização, relegando a região das guianas um papel
secundário no mercado mundial.
Conclusão
A Guiana Inglesa e o Suriname sofreram, na primeira metade do século XX,
com a permanência do colonialismo e a consequente ausência de autonomia política.
Aprofundou-se a ligação com as metrópoles e o isolamento com o entorno regional,
então politicamente independente – com exceção da Guiana Francesa - e na luta pelo
desenvolvimento econômico autossustentado.
Depois da Segunda Guerra Mundial, a situação se tornou crítica para a Inglaterra
e a Holanda no manejo de suas colônias americanas. Com a Índia e a Indonésia libertando-
se, sua população espalhadas deram sequência às lutas de resistência com maior
contumácia. Enquanto que no início dos anos 1950 um importante partido multiétnico
de inspiração marxista se formou na Guiana Inglesa, no Suriname, a representação
religiosa hegemonizou a luta política, não impedindo que na esfera sindical a organização
da classe trabalhadora tivesse um papel fundamental.
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A expansão do socialismo na Guiana Inglesa foi barrada pela intervenção anglo/
norte-americana, viabilizando uma independência política, em 1966, que desestabilizou
a esquerda e atiçou os conflitos étnicos, gerando uma democracia fraudulenta, violenta
e corrupta que duraria até os anos 1980 (RABE, 2005). No Suriname, a independência
chegou, em 1975, com a paradoxal oposição da maioria dos próprios surinameses, que,
por sua vez, temiam a espiral de violência que ocorria na Guiana vizinha. O primeiro
presidente foi o antigo governador geral holandês, que manteve o agora país numa
mesma estrutura econômica, enfim desafiada com o golpe militar de jovens coronéis em
1980. O estreitamento de relações com Cuba, Nicarágua e Granada, por um lado, e com a
Líbia de Muammar Kadaffi, por outro, ameaçou a pax americana para a região, de sorte
que uma invasão estadunidense e holandesa somente não se concretizou pela mediação
da ditadura brasileira e o apoio técnico e financeiro que eliminou a preponderância
cubana.
Não obstante, uma guerra civil no Suriname não pode ser evitada, durando de
1986 até 1992 e deixando o saldo de milhares de mortos e exilados, além de destruição
da já combalida infraestrutura econômica. Na Guiana, com a presença dos Peace Corps
e da OEA (Organização dos Estados Americanos), eleições idôneas finalmente foram
realizadas no início dos anos 1990, logrando retirar o país do arbítrio político, mas
não do extremo subdesenvolvimento, naquele novo contexto neoliberal embasado no
Consenso de Washington.
O passado desses dois países, com a luta dos negros contra a escravidão, por
formas comunais de gerenciamento da produção, com a pluralidade étnica e a criação
de novas identidades e costumes resulta numa inspiração para melhores formas de
organização social no presente, sobretudo agora com o aparente início efetivo tanto
da ligação material quanto intelectual com o restante da América do Sul e o Brasil em
particular.
Referências
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1904. London: Yale University Press, 1972.
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