Recebido em: 17/12/2014
Aprovado em: 16/02/2015
Um “empreendimento pioneiro”: o catálogo da Co-
leção Latino-Americana do MoMA (1931-1943).
A “pioneer undertaking”: the catalog of the Latin
American Collection of the MoMA (1931-1943).
COTA JR, Eustáquio Ornelas
1
Resumo: Este artigo tem o objetivo de refletir sobre o processo de formação da Coleção
Latino-Americana do Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA), no período entre
1931 e 1943. Para isso, utilizamos o catálogo da coleção intitulado The Latin American
Collection of The Museum of Modern Art, publicado pelo Museu. Trata-se de um
documento relevante sobre a Coleção e sua formação que nos possibilita analisar
questões políticas e culturais envolvidas nesse processo.
Palavras-chave: Arte latino-americana; MoMA; Política de boa vizinhança.
Abstract: This article aims to reflect on the process of formation of the
Latin American’s
Collection of the Museum of Modern Art in New York (MoMA), in the period between
1931 and 1943. For this we use the catalog of the collection entitled The Latin American
Collection of The Museum of Modern Art, published by the Museum. This is an important
document upon the collection and its formation that enables us to analyze political and
1 Mestrando em História - Programa de Pós-Graduação em História Social da Faculdade de Filosoa Letras e
Ciências Humanas – USP – Universidade de São Paulo – Av. Professor Lineu Prestes, 338, Cidade Universitária, Butantã,
CEP 05508-900 – São Paulo/SP – Brasil. Bolsista CNPq. E-mail: eustaquio.cota@usp.br
Um “empreendimento pioneiro”: o catálogo da Coleção Latino-Americana do MoMA (1931-1943).
FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.2, nº1, p. 63-79, jan.-jun., 2015.
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cultural issues involved in this process.
Keywords: Latin-American Art; MoMA; Good Neighbor Policy.
O MoMA
O Museu de Arte Moderna de Nova York nasceu de uma proposta efetuada por
três mulheres oriundas de famílias ricas e tradicionais: Lillie P. Bliss
2
, Mary Quinn
Sullivan
3
e Abby Aldrich Rockefeller
4
. Entusiastas da arte entendiam que era preciso
patrocinar novos espaços que dessem lugar à arte moderna e aos artistas norte-
americanos. Com essa perspectiva, a ideia tomou corpo na virada do ano de 1928
para 1929, quando Lillie Bliss e Abby Rockefeller se encontraram numa viagem
ao Egito e começaram a planejar a nova instituição. De volta aos Estados Unidos,
Lillie Bliss convidou Mary Sullivan a fazer parte do projeto e, em maio de 1929,
elas chamaram Anson Conger Goodyear
5
para presidir a comissão
6
de formação
do que viria a ser o então MoMA de Nova York. Posteriormente, ele se tornaria seu
presidente
7
.
No mesmo ano, Paul J. Sachs, um dos membros dessa comissão, apresentou o
jovem Alfred Hamilton Barr Jr.
8
, seu antigo aluno e colaborador, como candidato para
ser o primeiro diretor do MoMA. A comissão ficou convencida de que Alfred Barr tinha
2. Lillie P. Bliss (1864-1931) era filha do industrial Cornelius Newton Bliss e uma reconhecida coleciona-
dora de arte. Em 1921, sua tentativa de realizar uma exposição sobre arte moderna no Metropolitan foi
rejeitada, contribuindo para que ela se empenhasse na elaboração de um museu independente.
3. Mary Quinn Sullivan (1877-1939) nasceu em Indianápolis, posteriormente, mudou-se para Nova York
para estudar arte. Casou-se com Cornelius J. Sullivan e tornou-se uma importante colecionadora na épo-
ca. Tinha amigos em comum com Lillie Bliss.
4. Abby Aldrich Rockefeller (1874-1948) nasceu em Providence; era casada com John D. Rockefeller e mãe
de Nelson Aldrich Rockefeller. Tinha interesse pela arte desde muito jovem e sua família possuía uma
coleção relevante de arte.
5. Anson Conger Goodyear (1877-1964) nasceu em Bufallo, estado de Nova York, foi empresário e cole-
cionador de arte. Também foi presidente da Galeria de Arte Albright, em Buffalo e tinha conhecimento
sobre arte moderna.
6. A comissão de fundadores era composta por sete pessoas: As três patronas, Lillie P. Bliss, Mary Quinn
Sullivan e Abby Aldrich Rockefeller; o presidente Anson Goodyear; Josephine Porter B. Crane, cofun-
dadora da Dalton School; Frank Crowninshield, editor da revista Vanity Fair; Paul J. Sachs, acadêmico e
professor do Fogg Museum da Universidade de Harvard.
7. Há um número razoável de publicações que narram a formação do Museu de Arte Moderna de Nova
York. Destaco uma edição especial do período – GOODYEAR, Anson Conger. The Museum of Modern
Art: The First Ten Years. New York: MoMA, 1943. Outras duas referências publicadas são: HUNTER, Sam.
“Introduction” In: The Museum of Modern Art, New York: The History and the Collection. New York:
Harry N. Abrams, Inc.; MoMA, 1984. THE MUSEUM OF MODERN ART (New York, N.Y.). Art in our time:
a chronicle of the Museum of Modern Art. Edited by Harriet S. Bee and Michelle Elligott. New York : Mu-
seum of Modern Art, 2004.
8. Alfred Hamilton Barr Jr. (1902-1981) nasceu em Detroit, estudou história da arte na Universidade de
Princeton. Foi aluno do medievalista Charles Rufus Morey, com quem teve aulas sobre artes visuais na
Idade Média. Em 1923, passou a dar aulas sobre história da arte e no ano seguinte viajou para a Europa
com a intenção de aprimorar seus conhecimentos. Em 1926, Barr trabalhou no Wellesley College, em
Massachusetts, onde ministrou um curso de história da arte com enfoque no tema da arte moderna,
considerado algo novo nos EUA. Também foi aluno e colaborador de Paul J. Sachs e curador de algumas
exposições, incluindo uma das primeiras exposições sobre arte moderna do Fogg Museum of Art, da
Universidade de Harvard.
COTA JR, Eustáquio Ornelas
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capacidade para dirigir os futuros projetos do Museu, tendo em vista seu conhecimento
e entusiasmo pela arte moderna.
O Museu de Arte Moderna de Nova York abriu suas portas ao público em 7 de
novembro de 1929, dias após o colapso da bolsa de Nova York, com uma exposição
intitulada “Cezanne, Gauguin, Seurat, Van Gogh”. Essa exposição continha um conjunto
de aproximadamente 100 obras desses quatro artistas, emprestadas por instituições
europeias e colecionadores particulares. O evento atraiu um público de mais de 47 mil
visitantes.
É importante notar que Alfred Barr entendia o termo: “arte moderna, como
elástico e de difícil precisão. Mas afirmava que, nas últimas décadas do século XIX, alguns
princípios básicos da arte moderna haviam se estabelecido e foram desenvolvidos nos
movimentos do século XX. Salientava o modo particular de alguns artistas perceberem
o real, ou ainda, a importância dada à imaginação na composição de suas obras. Para
ele, Cezanne, Gauguin, Seurat e Van Gogh foram os pioneiros.
A citação a seguir expressa a visão de Barr sobre a arte moderna. Ela se referia às
mudanças ocorridas na sociedade contemporânea e ganhava sentidos muito diversos.
Os pintores modernos estavam imbuídos de um “espírito de aventura” e enfrentavam
inúmeras dificuldades, sofrendo constantes injustiças. Escreveu ele em 1943:
A variedade da arte moderna reflete a complexidade da vida moderna, e embora
o espetáculo dessa variedade possa dar-nos uma indigestão mental e emotiva,
oferece-nos também, a cada um de nós, possibilidades de ampla escolha... Os
maiores artistas modernos são pioneiros, exatamente como o são os modernos
cientistas, inventores e exploradores. Isto torna a arte moderna mais difícil
e, em muitos casos, mais fascinante do que a arte a que já nos habituamos.
Galileu, Colombo, Bartolomeu de Gusmão sofreram descaso, descrença, ou
foram até ridicularizados e perseguidos. Leia a vida dos artistas modernos de
setenta anos atrás, Whistler ou van Gogh, por exemplo, e você se guardará,
de condenar a arte de que ainda não goste ou que não compreenda. A menos
que consiga olhar a arte num espírito de aventura, os artistas pioneiros dos
nossos tempos poderão sofrer também... Parece-lhe talvez que esses quadros
pouco têm a ver com nossa vida quotidiana. Em parte, é verdade; alguns não
têm, e nisto reside muito do seu valor - com sua força poética erguem-se
acima da mesmice de nossas existências. Outros, contudo, têm muito a ver
com a vida ordinária: com a vaidade e a devo ção, a alegria e a tristeza, a beleza
da paisagem, bi chos e gente, e até com o aspecto da casa em que moramos.
Outros, ainda, têm a ver com os problemas cruciais da nossa civilização: a
guerra, o caráter de democracia e da tirania, os efeitos da industrialização, a
exploração do inconsciente, a sobrevivência da religião, a liberdade e a coação
do indivíduo9 (BARR JR., 1953, p.7).
Esse olhar com espírito de aventura, caracterizado por Alfred Barr, também
aparece na definição de Marshall Berman sobre “Ser moderno”. Segundo Berman,
“Ser moderno é encontrar-se em um ambiente que promete aventura, poder, alegria,
crescimento, autotransformação e transformação das coisas em redor - mas ao mesmo
tempo ameaça destruir tudo o que temos, tudo o que sabemos, tudo o que somos”
9. Este texto foi publicado pela primeira vez em 1943, no livro intitulado “What is modern painting?”, de
Alfred Barr Jr. Em 1953 a obra foi traduzida para o português numa parceria entre o Museu de Arte Mo-
derna de Nova York (MoMA) e o Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP).
Um “empreendimento pioneiro”: o catálogo da Coleção Latino-Americana do MoMA (1931-1943).
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(BERMAN, 2007, p.24).
Para Barr, a arte moderna não poderia se restringir apenas às chamadas “Belas
Artes” - arquitetura, pintura e escultura. Era preciso expandir esta visão para outras
formas de arte, sendo o novo Museu o lugar propício para isso.
Já nos primeiros anos do Museu, durante o processo de configuração do acervo
permanente, Alfred Barr teve uma visão arrojada ao propor um plano de acervo
distribuído de forma multidepartamental. Esses departamentos contemplavam não
apenas as ditas artes tradicionais, mas incluíam os de gravuras e ilustrações de livros,
design, arquitetura, fotografias e cinema, sendo geridos por curadores específicos. O
plano de Barr aos poucos foi se consolidando e triunfou no estabelecimento do acervo
do Museu. Essa configuração de acervo multidepartamental existe no MoMA até hoje.
Desde os primeiros anos após sua inauguração, o MoMA desenvolveu uma política
de publicação intensa. Foram publicados catálogos, volumes sobre acervos, cartazes,
edições especiais de aniversário, relatórios, entre outras. Muitas dessas publicações
contêm textos e imagens sobre o acervo. A intenção era imprimir um modo inovador de
publicação sobre arte na época, tanto que, em 1935, o Museu realizou uma exposição
chamada The Making of a Museum Publication e, em 1939, criou-se um Departamento
de Publicações para lidar com o crescente volume de publicações.
Assim, nos primeiros anos do Museu, quando o gosto pela arte acadêmica era
ainda dominante nos Estados Unidos, o MoMA foi se configurando como um espaço de
divulgação da arte moderna.
O catálogo da Coleção
O catálogo intitulado The Latin American Collection of The Museum of Modern
Art foi publicado, em 1943, pelo MoMA e se apresenta como uma das fontes mais
completas sobre esta Coleção. Contém informações relevantes acerca de sua formação,
além da catalogação das obras latino-americanas reunidas até 1943, incluindo textos e
imagens sobre o conjunto de obras. O prefácio foi escrito por Alfred Barr e os textos
sobre a Coleção e história da arte latino-americana por Lincoln Kirstein
10
.
Ainda sobre a confecção do catálogo, notamos que, apesar da existência de
um autor principal dos textos (Lincoln Kirstein), o volume foi um empreendimento da
equipe do Museu. Houve colaborações para o tratamento de imagens, composição das
biografias dos artistas, bibliografia de referências etc. Destaca-se a participação de
René D’Harnoncourt
11
, o qual contribuiu com a revisão crítica dos textos.
No item “Agradecimentos”, há uma lista com nomes de pessoas e instituições
que colaboraram para a formação da coleção de arte latino-americana do MoMA. Esses
nomes, chamados de “amigos do Museu”, eram provenientes dos Estados Unidos e dos
10. Lincoln Kirstein Edward (1907-1996) foi um escritor, empresário e critico de arte estadunidense. Nas-
ceu em Rochester- Nova York e graduou-se em Harvard. Ajudou a fundar a Harvard Society For Contem-
porary Art e tornou-se uma importante figura na cena cultural de Nova York. Também ficou conhecido
pelo grande incentivo ao Ballet na cidade. Sua companhia de Ballet realizou turnês na América Latina. Era
amigo de Alfred Barr Jr. e consultor de arte latino-americana do MoMA.
11. René D’Harnoncourt (1901-1968) nasceu em Viena. Em 1927, mudou-se para o México, onde trabalhou
com exposições sobre temas relacionados à arte mexicana, arte indígena e arte primitiva. Cabe destaque,
pois o mesmo assumirá a direção do MoMA em 1949.
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próprios países latino-americanos contemplados na coleção. A lista indica a variedade
de colaboradores, países e recursos envolvidos no processo de formação dessa Coleção.
Basicamente, os colaboradores eram oriundos das elites (econômica e cultural), membros
de governo, intelectuais e artistas. Apesar de muito bem hierarquizada, a participação
de cada um, o número extenso de envolvidos demonstra a complexidade dessa
operação. Também, podemos perceber que foi um empreendimento, majoritariamente,
estadunidense, no entanto, encontramos colaborações efetivas de personagens de
muitos países da América Latina, indicando que esse processo não foi unilateral.
Concordamos com a historiadora Barbara Weinstein. A autora nos traz elementos
importantes para pensarmos o papel da cultura nesses projetos interamericanos. Ela
acredita que, do ponto de vista cultural, as relações interamericanas não podem ser
pensadas como uma “rua de mão única”. Esse pensamento “corresponde às noções mais
convencionais do ‘imperialismo cultural’”. Ao invés disso, preferimos optar pelo conceito
ou imagem de circulação cultural. Nesse sentido, salienta a autora, “o exato ponto de
origem de certo conceito ou prática (às vezes irrecuperável) é menos importante do
que os contextos de sua circulação, implementação e apropriação” (WEINSTEIN, 2013,
pp.19-20).
No prefácio, Alfred Barr traz informações relevantes sobre a coleção e o seu
processo de formação. O diretor do MoMA reconhece a importância dessa publicação
e indica, claramente, a vontade de aproximação dos Estados Unidos em relação à
América Latina, identificando o crescente interesse cultural norte-americano pelo sul
do continente. Afirma ele:
No campo da arte estamos começando a olhar um ao outro direto no
rosto com interesse e alguma compreensão. Como prova desse progresso,
acreditamos que este volume tem certamente um valor, na verdade, um duplo
valor. Em primeiro lugar, este é o registro da mais importante coleção de arte
contemporânea da América Latina nos Estados Unidos, ou mesmo em todo o
mundo (incluindo nas nossas repúblicas irmãs do sul). Em segundo lugar, esta
é a primeira publicação em inglês de um estudo sobre as artes pictóricas da
América Latina durante os três séculos anteriores, considerados como um
todo, e com referências frequentes à nossa própria arte; um objeto tão vasto,
tão complexo e tão pouco explorado que esta mostra assume o caráter de um
empreendimento pioneiro
12
.
Logo em seguida, há o texto intitulado “Latin-American Art. Introduction: From the
Conquest to 1900”, de Lincoln Kirstein. O texto, como diz o próprio título, procura traçar
um panorama histórico da arte Latino-americana, sobretudo a arte pictórica, desde a
época das Conquistas até o ano de 1900. O próprio autor admite o caráter ambicioso do
texto, as generalizações e os silêncios, mas destaca o seu empreendedorismo ao refletir
12. No original: “In the field of art we are beginning to look each other full in the face with interest and
some comprehension. As evidence of progress we believe this volume has a certain value indeed a double
value. First of all this is a record of the most important collection of contemporary Latin American art in
the United States, or for that matter in the world (including our sister republics to the south). And, secon-
dly… the first publication in English of a survey of the pictorial arts of Latin America during the previous
three centuries, considered as a whole, and with frequent reference to our own art subject so vast, so
complex and so unexplored that his short piece takes on the character of a pioneer venture.” BARR, Al-
fred H. “Foreword.” In: Museum of Modern ART (New York, N.Y.). The Latin-American Collection of the
Museum of Modern Art. New York: MoMA, 1943, p.3.
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sobre um tema pouco discutido nos Estados Unidos até então.
Os países contemplados neste volume foram: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile,
Colômbia, Cuba, Equador, México, Peru e Uruguai. A escolha desses países foi comentada
por Lincoln Kirstein em seu texto. Nele, o autor explicita uma divisão geográfica e
cultural utilizada para pensar a América Latina. Ele diz: “Para os nossos propósitos,
América Latina é considerada por três grandes divisões - América Central, a Costa
Leste e a Costa Oeste da América do Sul, embora as categorias sejam arbitrárias e
quase acidental”. Além disso, Kirstein ressalta a complicada relação entre os países e as
subdivisões dessas regiões. Vejamos:
Houve pouca relação entre o México e Cuba até recentemente, mas eles são
pelo menos, América Central, geograficamente falando. Também não há muita
ligação entre o Brasil e as colônias espanholas do Estuário La Plata, ainda que,
Brasil, Uruguai e Argentina compõem a Costa Leste. Chile e Peru tiveram um
centro comum na capital do vice-reinado em Lima. Aceitando a divisão de La
Gran Colômbia de Bolivar, que continha Venezuela, Colômbia e Equador, nós
completamos o circuito. Eles, juntamente com Peru, Chile e Bolívia, compõem
a Costa Oeste
13
.
O texto, de apenas 15 páginas, foi subdividido em tópicos temáticos seguindo uma
lógica cronológica. Há referências de obras e artistas latino-americanos, desenhistas
que retrataram lugares e pessoas na América Latina e, também, comparações didáticas
entre obras latino-americanas e norte-americanas que fazem parte de um mesmo tema,
como pinturas de batalha, retratos de gênero, pinturas acadêmicas
14
.
Feito esse breve relato acerca da história da arte pictórica latino-americana,
apresenta-se a arte moderna da América Latina. Essa parte do catálogo foi dividida
por país, em ordem alfabética, ou seja, Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia,
Cuba, Equador, México, Peru e Uruguai. Para cada país há um texto curto acerca da
arte “moderna” local e, depois, constam ilustrações de algumas das obras desse país
pertencentes à coleção de arte latino-americana do MoMA.
A penúltima parte do livro, intitulada “Catalog and Biographies” consiste na
catalogação das obras da coleção e uma breve biografia sobre os artistas. As biografias
referem-se tanto aos artistas presentes na coleção quanto aos artistas citados ao longo
13. No original: “For our purposes Latin America is considered in three grand divisions—Middle Ameri-
ca, and the East and West Coasts of South America—although the categories are arbitrary and almost
accidental. There has been little re lation between Mexico and Cuba until recently, yet they are at least
Middle American, geographically speaking. Nor is there much connection between Portuguese Brazil
and the Spanish colonies of the La Plata Estuary yet Brazil, Uruguay and Argentina do comprise the East
Coast. Chile and Peru had a common center in the viceregal capital at Lima. Accepting Bolivar’s division
of La Gran Colombia, which contained Venezuela, Colombia and Ecuador, we complete the circuit. They,
together with Peru, Chile and Bolivia, comprise the West Coast”. KIRSTEIN, Lincoln. “Latin-American Art.
Introduction: From the Conquest to 1900” In: Museum of Modern ART (New York, N.Y.). The Latin-Ame-
rican Collection of the Museum of Modern Art. New York: MoMA, 1943, p.5.
14. Dentre as referências citadas no texto constam: Albert van Eckhout – A Tupí woman (Brazil, 1641);
School of Cuzco – St. Jerome (Peru, c. 1600); Jose de Paez – Alonso Núñez, Archbishop and Viceroy, of
Mexico (Mexico, 1773); Victor Meirelles – The second battle of Guararapes (Brasil, 1879); John Trumbull –
The battle of Bunker Hill (EUA, 1786); Prilidiano Pueyrredon – The Encounter of the Gauchos (Argentina,
1864); Eduardo Sivori – Le lever de la Bonne (Argentina, 1887); Thomas Eakins – Life Study (EUA, 1866);
Juan Manuel Blanes – Portrait of Doña Carlota Ferreira (Uruguai, 1870); Carlos Baca-Flor - J. P. Morgan
(Peru, c. 1908.), etc.
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do livro. As obras estão catalogadas por: país; autor; biografia; número; título; data;
tipologia; tamanho; fonte de aquisição; número de acesso do museu
15
. Analisando a
catalogação das obras da coleção chegamos aos seguintes números:
Tabela I – Contagem de artistas e obras por país de origem
16
País Nº de artistas Nº de Obras
Argentina 25 45
Bolívia 1 1
Brasil 12 32
Chile 4 6
Colômbia 4 7
Cuba 10 13
Equador 5 7
xico 40 148
Peru 2 2
Uruguai 3 5
Este levantamento numérico demonstra que a maioria da coleção de arte latino-
americana do MoMA, apresentada em 1943, era formada basicamente por obras do México.
Os muralistas mexicanos tiveram um enorme destaque dentro da coleção. Por exemplo,
Alfaro Siqueiros (8 obras), José Clemente Orozco (24 obras) e Diego Rivera (31 obras).
A Argentina e o Brasil seguem em segundo e terceiro lugar no número de artistas
e obras presentes na coleção. No caso da Argentina, não há um artista que se destaque
em relação aos demais, em número de obras. Isso demonstra uma aquisição de obras
menos concentrada. No entanto, no caso do Brasil, constam 17 obras do pintor brasileiro
Candido Portinari pertencentes à coleção.
Bolívia, Chile, Colômbia, Cuba, Equador, Peru e Uruguai somam 41 obras no
número total de obras da coleção do MoMA. Isso significa que essa coleção, em 1943,
apesar de possuir o título de coleção de arte latino-americana, ainda está longe de ser
um conjunto amplamente representativo no que se refere à arte produzida nos países
da América Latina.
Por fim, há uma relação bibliográfica, elaborada por Bernard Karpel, contendo
uma seleção de publicações, presentes na biblioteca do Museu. A relação é bastante
extensa e está dividida por referências gerais e por referências nacionais sobre os temas
da arte e cultura. Isso nos possibilita mapear as referências bibliográficas acessadas
pelo MoMA. Constam nessa bibliografia nomes como Sérgio Milliet (Brasil), Justino
Fernandez (México) e Jorge Zalamea (Colômbia).
3. O período entre 1931 e 1943: a arte da América Latina no Museu e o
15. O “Número de acesso do Museu” indica a numeração e o ano em que o trabalho foi adquirido. No
exemplo, o número 645.42 significa que o trabalho é o item 645 adquirido em 1942. Também, quando há
um asterisco (*) significa que há a ilustração da obra no catálogo, neste caso, a obra 7 está ilustrada na
página 28. Sem o (*) significa que a obra pertence à coleção, mas não se encontra ilustrada no catálogo,
no caso, a fig. 8. O tamanho das obras foi expresso em polegadas. Ver: Museum of Modern ART (New
York, N.Y.). The Latin-American Collection of the Museum of Modern Art. New York: MoMA, 1943, p.87.
16. Nessa contagem não foram incluídos os pôsteres e broadsides. No catálogo, eles foram apenas men-
cionados como grupo coletado, porém não estão catalogados com número de registro, assim como foram
as obras principais.
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momento político.
No prefácio do catálogo, Alfred Barr Jr. indica as primeiras iniciativas da
instituição em relação à arte latino-americana. Essas ações consistiram, basicamente,
em exposições artísticas e coletas de obras da América Latina. Por meio de suas
indicações, mapeamos as primeiras exposições e notamos algumas exposições
individuais de pintores da América Latina nos primeiros dez anos do MoMA. A primeira
delas foi a exposição intitulada Diego Rivera, que ocorreu entre dezembro de 1931 e
janeiro de 1932. Segundo o relatório, o evento atraiu em torno de 56.500 visitantes17.
Em comparação com as outras exposições ocorridas anteriormente, essa foi a segunda
maior em número de visitantes, desde a inauguração do Museu. A exposição do artista
mexicano atraiu mais visitantes que a exposição inaugural dos mestres modernos.
Alfred Barr e Diego Rivera haviam se conhecido durante uma viagem à Rússia, anos
antes deste evento. Rivera, já pintor consagrado em seu país, fora convidado a pintar oito
obras nos Estados Unidos. Dessa exposição, a obra intitulada Agrarian Leader Zapata
18
foi adquirida por Abby Aldrich Rockefeller e, posteriormente, doada ao Museu
19
.
Outra exposição sobre a produção artística mexicana ocorreu entre maio e
julho de 1933. Intitulada “American Sources of Modern Art (Aztec, Mayan, Incan)”20,
apresentou obras relacionadas à arte pré-colombiana. Uma futura análise dessa
exposição deverá mostrar como o curador trabalhou a relação entre arte pré-hispânica
e moderna.
No texto, selecionamos um trecho em que Alfred Barr nos fornece informações
relevantes sobre o inicio da formação da “coleção de arte latino-americana” do MoMA.
São identificados os primeiros doadores, países, artistas e algumas obras. Vejamos:
A coleção latino-americana do Museu foi iniciada em 1935 com a doação
efetuada pela Sra. John D. Rockefeller, Jr. da obra “Subway” de Orozco, e no ano
seguinte de mais dois grandes quadros de Rivera. Em 1937, um administrador
anonimamente deu um notável grupo de quatro quadros de Orozco, incluindo
o famoso “Zapatistas”, e no mesmo ano o Dr. Gregory Zilboorg apresentou a
primeira das pinturas de Siqueiros no Museu, uma série para a qual o tenente
Edward M.M. Warburg e o legado de George Gershwin também contribuíram.
Mais de uma centena de desenhos, aquarelas e gravuras de Rivera e Orozco
foram doadas pela Sra. Rockefeller, o que ampliou a coleção dos “três grandes”
do México, que foi ainda aumentada em 1940 com a aquisição da Zapata de
Rivera, Ethnography de Siqueiros e Dive Bomber de Orozco que o Museu
comissionou. Outros trabalhos mexicanos foram doados pelo Major Merle
Armitage, T. Catesby Jones e o Comitê Consultivo do Museu.
17. Ver: “Exhibitions”. In: GOODYEAR, Anson Conger. The Museum of Modern Art: The First Ten Years.
New York: MoMA, 1943, p. 154.
18. A obra é uma cópia de um detalhe do mural feito em Cuernavaca, México. Diego a pintou em um estú-
dio no próprio MoMA, dias antes de sua exposição.
19. Ver.: Dickerman, Leah and Indych-López, Anna. Diego Rivera: Murals for for the Museum of Modern
Art. New York: MoMA, 2011.
20. Museum of Modern ART (New York, N.Y). Exhibition History List, 1933 - American Sources of Modern
Art (Aztec, Mayan, Incan), nº 29 - New York: MoMA, s.d.
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A coleção sul-americana começou em 1939 com a compra de um dos melhores
quadros do brasileiro Portinari, o governo brasileiro doou recentemente ao
Museu o mural, St. John’s Day [sic]21. A escultura mais importante da coleção
também é brasileira. Christ de Maria [Martins], foi uma doação de Nelson A.
Rockefeller. Leigh Athearn deu a primeira pintura da Bolívia, e da Comissão
Nacional de Cuba para a Cooperação Intelectual veio a primeira aquisição
cubana. Assim, até o final de 1941, o Museu tinha cerca de 70 obras latino-
americanas, um terço delas eram gravuras, eram apenas 11 artistas de quatro
países. Quatro artistas foram, no entanto, de grande importância e foram
magnificamente representados: Orozco, Rivera, Siqueiros e Portinari22.
O texto de Alfred Barr revela o discurso institucional sobre a formação da coleção.
Escrito em 1943, Barr identifica a exposição de Diego Rivera, em 1931, e as doações
das primeiras obras da coleção, em 1935, como as primeiras iniciativas nos campos
da arte e cultura latino-americana. No entanto, percebemos que, entre 1931 e 1939, há
apenas exposições sobre arte mexicana, com destaque para os muralistas. Mesmo as
aquisições de obras no período, também foram basicamente de arte mexicana. Isso
nos fez questionar se havia, nesse período, realmente uma consciência representativa
da arte latino-americana ou eram apenas atividades voltadas ao contato, exposição e
aquisição da arte mexicana
23
.
Em 1939, quando ocorreu a aquisição de obras sul-americanas, o artista e país
mencionado por Alfred Barr foi Candido Portinari, do Brasil. Em 1939, Alfred Barr
havia adquirido para o MoMA a tela Morro, de Portinari, e, no mesmo ano, foi doado
pelo governo brasileiro a obra St. John’s Eve, tornando-se as primeiras obras de um
pintor brasileiro a fazer parte da coleção da instituição
24
. Entre outubro e novembro de
21. Aqui há uma incorreção. A tela cujo título é St. John’s Day é uma obra do artista brasileiro Heitor dos
Prazeres, adquirida em 1942. A obra de Cândido Portinari doada pelo governo brasileiro se chama St.
John’s Eve, como consta no catálogo. Pode se conferir na própria catalogação das obras presente no
documento. Ver. THE Museum of Modern ART (New York, N.Y.). The Latin-American Collection of the
Museum of Modern Art. Edited by Lincoln Kirstein. New York: MoMA, 1943, p. 91.
22. No original: The Museum’s Latin-American collection was begun in 1935 with Mrs. John D. Rockefel-
ler, Jr.’s gift of Orozco’s Subway, followed a year later by two large Riveras. In 1937 a trustee anonymously
gave a remark able group of four Orozcos, including the famous Zapa tistas; and the same year Dr. Gregory
Zilboorg pre sented the first of the Museum’s paintings by Siqueiros, a series to which Lieutenant Edward
M. M. Warburg and the Estate of George Gershwin have also contributed./Over a hundred drawings,
watercolors and prints by Rivera and Orozco, the gift of Mrs. Rockefeller, in creased the collection of Me-
xico’s “big three” which was further and greatly augmented in 1940 by the acquisition of Rivera’s Zapata,
Siqueiros’ Ethnography and Orozco’s Dive Bomber which the Museum commissioned. Other Mexican
works were given by Major Merle Armitage, T Catesby Jones and the Museum’s Advisory Committee./
The South American collection began in 1939 with the purchase of one of the best paintings by the Bra-
zilian, Portinari, whose government has recently given the Museum his large mural decoration, St. John’s
Day. The most important sculpture in the collection is also Bra zilian. Maria’s Christ, the gift of Nelson
A. Rockefeller. Leigh Athearn gave the first Bolivian painting and from the Cuban National Commission
for Intellectual Co operation came the first Cuban acquisition./Thus by the end of 1941 the Museum had
some 70 Latin-American works, a third of them prints, but by only 11 artists in four countries. Four artists
were, how ever, of great importance and were magnificently repre sented: Orozco, Rivera, Siqueiros and
Portinari. BARR, Alfred H. “Foreword.” In: Museum of Modern ART (New York, N.Y.). The Latin-American
Collection of the Museum of Modern Art. New York: MoMA, 1943, p.3.
23. Para responder essa questão se faz necessária a análise da documentação dessas ações do Museu
voltadas à arte no período entre 1931 – 1941. Elas são chamadas de arte latino-americana. De todo modo,
a questão é bastante relevante, pois mostra que no texto de Alfred Barr Jr. há um discurso institucional
que precisa ser analisado.
24. Museum of Modern Art (New York, N.Y.). MoMA Press Release Archives, 1940: nº 069_1940-10-
Um “empreendimento pioneiro”: o catálogo da Coleção Latino-Americana do MoMA (1931-1943).
FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.2, nº1, p. 63-79, jan.-jun., 2015.
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1940, também pela primeira vez, um artista brasileiro, Candido Portinari, ganhou uma
exposição individual no MoMA, Portinari of Brazil, continha 24 trabalhos do pintor.
Apesar disso, ainda prevalecia no MoMA eventos relacionados à arte mexicana,
em comparação com outros eventos de arte dos outros países da América Latina, tanto
que, entre maio e setembro de 1940, a instituição promoveu uma exposição chamada
Twenty Centuries of Mexican Art.
Entendemos que foi entre os anos de 1939 e 1943 que o Museu formou e cunhou
de latino-americano o conjunto de obras de artistas da América Latina e não desde 1931,
como afirma o diretor do Museu em seu texto. Podemos supor que existe uma forte
relação entre a formação da coleção e as diretrizes da política externa dos Estados
Unidos em relação aos países da América Latina. Essa relação não se deu de forma
simplificada ou estanque. A chamada “Política da Boa Vizinhança” ou Good Neighbor
Policy, que tomou forma a partir do governo de Franklin Delano Roosevelt, iniciado em
1933, caracterizou-se por uma série de iniciativas políticas, econômicas e culturais que
buscavam uma aproximação entre todos os países do continente americano.
A Política da Boa Vizinhança pretendia se distinguir da chamada política do Big
Stick ou “porrete grande” que marcou os primeiros trinta anos do século XX, defendida
pelo presidente Theodore Roosevelt. O intervencionismo político, militar e econômico
dos Estados Unidos, sobretudo, em questões internas de países da America Central,
tinha gerado profundo descontentamento de muitos países latino-americanos.
O presidente Franklin D. Roosevelt tratou de lançar a nova política externa
para o continente. A Política da Boa Vizinhança objetivava agir politicamente de forma
mais diplomática, respeitando as soberanias de outras nações, desestimulando o
intervencionismo americano na região, promovendo a cooperação política, econômica,
social, incentivando os intercâmbios, trocas culturais e educacionais entre os países do
continente
25
.
Apesar de suas diferenças claras, a Política da Boa Vizinhança e a Política do
Big Stick bebiam de uma mesma fonte ainda mais antiga na história da relação entre
os Estados Unidos e a América Latina: a Doutrina Monroe. Anunciada desde 1823
pelo presidente americano James Monroe, a doutrina pretendia, grosso modo, apoiar
e defender as independências dos países americanos e a não intervenção europeia no
continente. A ideia que sintetiza essa visão está contida na famosa frase: “América para
os americanos”.
É inegável que em toda essa história sempre houve o interesse estadunidense
de liderança em relação às repúblicas “irmãs” do sul. Tanto que, na década de 1930, a
presença comercial e ideológica alemã e italiana em países como o Brasil, por exemplo,
tornou-se indesejável aos Estados Unidos. Nos tensionados anos 1930 do século XX,
era crescente o interesse na América Latina como um mercado consumidor de produtos
industriais e fornecedor de matéria-prima. Esse era o desenho do contexto da Política
de Boa Vizinhança que marca a década de 1930 até o fim da Segunda Guerra Mundial,
em 1945.
03_401003-10.
25. Sobre os discursos de cooperação hemisférica na Política da Boa Vizinhança, e também da relação en-
tre política e cultura no contexto da Segunda Guerra Mundial, ver: ALVES JR, Alexandre G. C. Discursos
Americanos de Cooperação no contexto da 2ª Guerra Mundial. Rio de Janeiro: Multifoco, 2014.
COTA JR, Eustáquio Ornelas
FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.2, nº1, p. 63-79, jan.-jun., 2015.
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Sobre essa conjuntura, o historiador Carlos Guilherme Mota analisa que:
Em plena Segunda Guerra Mundial (1939-1945), tornava-se imperioso o
estreitamento das relações interamericanas, o fortalecimento da união
panamericana no confronto com o assustadoramente crescente esquema
bélico-industrial do Eixo (Alemanha, Japão, Itália). Voltavam as ideias de
integração continental, os ideais expressos na velha Doutrina Monroe do
século passado, a impressão forte de que nossos povos tem uma história em
comum, além de um passado colonial semelhante. A política da Boa Vizinhança
nasce nesse contexto internacional (MOTA, 1995, p.490).
Como bem destacou Carlos G. Mota, havia o interesse em demonstrar aspectos
comuns da nossa história, cultura e arte. Apesar da presente ideia de nações “irmãs”
na ideologia da boa vizinhança, era claro para os americanos a sua diferenciação em
termos políticos, econômicos e culturais. Era como se pensassem: se somos irmãs, a
nação norte-americana era uma espécie de irmã mais velha e mais experiente, capaz de
liderar às outras.
O chamado American Way Of Life era algo a servir de modelo para as demais
nações do continente e para o mundo, como indica Antônio Pedro Tota (2014, p.158):
“os valores da política americana, do sistema americano, da democracia, do espírito
comunitário, do republicanismo, do chamado American Way Of Life, transformaram-se
em modelo a ser seguido, a ser divulgado e difundido para o resto do mundo.
Com a entrada dos Estados Unidos na Guerra, era preciso garantir a adesão
da América Latina à política dos Estados Unidos e dos Aliados26. Em 16 de agosto
de 1940 foi criada a agência denominada Office for Coordination of Commercial and
Cultural Relations Between the American Republics (OCCCRBAR). A partir de julho
1941, a agência passou a se chamar Office of the Coordinator of Inter-American Affairs
(OCIAA) e, posteriormente, em 1945, apenas Office of Inter-American Affairs (OIAA),
sendo extinta em abril de 1946. (SMITH, 2007, p.156). No Brasil, a OCIAA também ficou
conhecida como Birô Interamericano27.
Para dirigir essa superagência, o escolhido foi o milionário Nelson Rockefeller28.
O empresário já tinha demonstrado grande interesse na colaboração de projetos
governamentais para a América Latina. Ele era eficazmente capaz de captar possíveis
investidores norte-americanos e também possuía contatos e experiência no trato com
26. Os Estados Unidos entrou efetivamente na Segunda Guerra Mundial em 1941, com o ataque da base
americana no pacífico Pearl Harbor pela Força Aérea do Japão. Conta Gerson Moura que “Antes mesmo
dos Estados Unidos entrassem na guerra, em 1941, o Birô já estava agindo a todo vapor no sentido de
afastar das Américas a influência do Eixo e assegurar a ‘posição internacional’ de seu país”. (MOURA,
Gerson,1985, p.22)
27. Sobre o termo, ver: MOURA, Gerson. Estados Unidos e América Latina. São Paulo: Contexto, 1991.
Também ver: PRADO, Maria Ligia Coelho. “Ser ou Não Ser um Bom Vizinho: América Latina e Estados
Unidos Durante a Guerra”. Revista USP. Dossiê 50 Anos de Final de Segunda Guerra. N°26 - São Paulo:
USP, 1995.
28. Nelson Aldrich Rockefeller (1908-1979) empresário e político. Foi governador do estado de Nova York
(1959-1973) e vice-presidente dos Estados Unidos (1974-1977). Assim como a sua mãe, foi um grande
entusiasta e colecionador das artes, ele entrou para o MoMA desde 1932 e atuou como tesoureiro, admi-
nistrador e presidente. Também foi uma figura importante na política dos Estados Unidos em relação à
América Latina.
Um “empreendimento pioneiro”: o catálogo da Coleção Latino-Americana do MoMA (1931-1943).
FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.2, nº1, p. 63-79, jan.-jun., 2015.
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importantes personalidades dos países da região29.
O OCIAA foi crucial para o desenvolvimento das relações políticas, comerciais e
culturais interamericanas e também para a pavimentação de uma identidade continental.
Gerson Moura faz uma reflexão interessante acerca do papel do Birô para a política
de Boa Vizinhança. De acordo com a sua análise, não bastava apenas vender a ideia
de “bons vizinhos”, era algo vago demais. Foi por meio da criação da agência que se
preocupou em embasar ideologicamente essa política. O autor relata que o OCIAA
gastou em torno de 140 milhões de dólares em 6 anos de atividades, chegou a empregar
1100 pessoas nos Estados Unidos e 200 no estrangeiro, além dos comitês voluntários
de cidadãos norte-americanos (geralmente empresários) que apoiavam as atividades
em 20 países americanos. A estrutura da agência era formada por quatro divisões:
Comunicações, Relações Culturais, Saúde e Comercial/Financeira. Cada uma delas se
subdividia em seções, com ampla margem de atuação. Comunicações abrangia rádio,
cinema, imprensa, viagens e esportes; Relações Culturais incluía arte, música, literatura,
publicações, intercâmbio e educação. Saúde trabalhava com problemas sanitários em
geral. A Divisão comercial/financeira lidava com prioridades de exportação, transporte,
finanças e desenvolvimento. Para Moura (1985, pp. 21-24), o “Birô não era uma mera
extensão de programas de colaboração interamericana. Era uma agência coordenadora
de esforços, ligada à segurança nacional dos Estados Unidos”.
Segundo Tota (2000, p.53), “no campo das relações culturais, ainda havia muito a
ser feito. Cultura e propaganda passaram a ser consideradas materiais tão estratégicos
como qualquer outro produto. Nesse sentido, algumas instituições culturais norte-
americanas, como o MoMA, por exemplo, foram se transformando em importantes
ferramentas nessa empreitada.
A relação entre o OCIAA e o MoMA definitivamente se costurou por meio de
Nelson Rockefeller. Ao mesmo tempo em que Nelson assumia a presidência do Museu,
em 1939, substituindo Anson Conger Goodyear, transformava-se em figura chave da
política externa dos Estados Unidos. Em 1941, quando assumiu a direção do OCIAA,
Rockefeller deixou a presidência do Museu
30
.
O período em que Nelson Rockfeller esteve na presidência do MoMA (1939-1941)
foi marcado pelo crescimento do espaço latino-americano na instituição. Os esforços
de aproximação com as repúblicas vizinhas eram evidentes. Por exemplo, no caso da
exposição Twenty centuries of Mexican Art, em 1940, Nelson esteve pessoalmente
no México para negociar o apoio do Governo Mexicano à elaboração da exposição
no MoMA. Para assinar o contrato, foi enviado à Cidade do México o vice-presidente
executivo do Museu, John E. Abbott, que tratou diretamente com o General Eduardo
Hay, Ministro de Relações Exteriores do Governo de Lázaro Cárdenas. No discurso de
abertura da exposição Nelson Rockfeller disse:
Na montagem e apresentação da exposição Twenty Centuries of Mexican
Art, em cooperação com o governo mexicano, o Museu de Arte Moderna
tenta fazer algo que nunca foi feito, mesmo no México, em uma escala tão
29. Sobre a cooperação de grupos privados e agências governamentais, especialmente do OCIAA para as
relações interamericanas na época, ver: MONTEIRO, Érica. Quando a Guerra é um negócio: F. D. Roose-
velt, Iniciativa privada e relações interamericanas durante a II Guerra Mundial. Curitiba: Editora Prismas,
2014.
30. Em seu lugar, John Hay Whitney assumiu a presidência do Museu.
COTA JR, Eustáquio Ornelas
FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.2, nº1, p. 63-79, jan.-jun., 2015.
75
abrangente... A exposição deverá contribuir para uma melhor compreensão
das pessoas e da vida cultural do México neste momento em que existe um
interesse generalizado por todo o país em relação a nossos vizinhos latino-
americanos
31
.
Claramente, o discurso de Nelson Rockfeller faz menção à Política de Boa
Vizinhança. Esse é mais um indício da presença dessa política no MoMA. Outros eventos
expositivos sobre a cultura e arte dos países latino-americanos ocorreram durante esse
período. Por exemplo, a exposição Mexincan Costumes by Carlos Merida, em 1942, e
também, Faces and Places in Brazil: Photographs by Genevieve Naylor
32
, em 1943. É
possível observar ainda eventos de confraternização entre autoridades americanas e
latino-americanas nas instalações do Museu. Enfim, o Museu cada vez mais assumia as
causas patrióticas em suas atividades, sobretudo nesses anos de Guerra. Sob o comando
de Nelson Rockfeller, definitivamente, a ideia de América Latina tinha se estabelecido no
MoMA. Nessa ótica, como já podemos perceber, o primeiro país cortejado foi o México
e, depois, o Brasil.
O OCIAA criou o Fundo Interamericano cujos recursos foram utilizados pelo
MoMA para a aquisição de obras provindas de países da América Latina. Para realizar
a tarefa, o diretor Alfred Barr Jr. e Lincoln Kirstein, curador de algumas exposições
do Museu e amigo de Barr, viajaram para a América Latina em busca de obras para
o acervo. Compraram ou receberam doações de artistas do México, Cuba, Brasil,
Argentina, Uruguai, Chile, Equador, Peru e Colômbia.
Nota-se que a América Latina não foi vista de forma indistinta. Como já tínhamos
notado, México, Brasil e Argentina foram mais contemplados em obras adquiridas. Esse
tratamento diferenciado estava em conformidade com a política externa americana
durante a Guerra. Para os Estados Unidos, esses países ocupavam posições estratégicas
no jogo político da época.
Segundo Alfred Barr: “Graças ao Fundo Interamericano, quase 200 obras de
arte foram adicionadas à coleção do Museu: 58 pinturas e aquarelas, 17 desenhos, 3
peças de escultura, 63 gravuras e muitos cartazes”33. Também podemos constatar essa
relevância do fundo para a aquisição de obras ao analisar os registros de catalogação
presentes no final do catálogo.
Estava, assim, constituída a primeira coleção de arte latino-americana do
MoMA. As obras foram apresentadas na exposição intitulada “Latin-American Art
31. Trechos selecionados do original: In assembling and presenting the exhibition Twenty Centuries of
Mexican Art, in cooperation with the Mexican Government, the Museum of Modern Art Is attempting to
do something that has never been done, even in Mexico, on so comprehensive a scale…The exhibition
should contribute to a better understanding of the people and the cultural life of Mexico at this time
when there is such widespread interest throughout this country in our Latin-American neighbors. In:
THE MUSEUM OF MODERN ART (New York, N.Y.). MoMA Press Release Archives, 1940: N° 0016_1940-
02-20_40220-14.
32. Um artigo sobre a produção da fotógrafa Genevieve Naylor foi escrito por Ana Maria Mauad. A his-
toriadora problematiza a estada da artista no Brasil num contexto da Política de Boa Vizinhança. Ver.
MAUAD, Ana Maria. Genevieve Naylor, fotógrafa: impressões de viagem (Brasil, 1941-1942). In: Revista
Brasileira de História. São Paulo, v. 25, nº 49, p.43-75, 2005.
33. No original: “Thanks to the Inter-American Fund nearly 200 works of art have been added to the
Museum Collection: 58 paintings and watercolors, 17 drawings, 3 pieces of sculpture, 63 prints and many
posters.” BARR, Alfred H. “Foreword.” In: Museum of Modern ART (New York, N.Y.). The Latin-American
Collection of the Museum of Modern Art. New York: MoMA, 1943, p.4.
Um “empreendimento pioneiro”: o catálogo da Coleção Latino-Americana do MoMA (1931-1943).
FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.2, nº1, p. 63-79, jan.-jun., 2015.
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in the Museum’s Collection”, ocorrida entre 31 de março e 06 de junho de 1943, na
cidade de Nova York.
A cidade de Nova York, o surgimento do MoMA e o seu investimento na arte
latino-americana são elementos relevantes para pensarmos a questão da modernidade
nesse contexto. Essa não é a proposta central desse artigo, afinal, o tema é amplo e
controverso, havendo uma extensa bibliografia a respeito34. No entanto, uma questão
nos chama atenção: a historiografia reconhece a importância de Paris como paradigma
da modernidade artística e cultural do mundo ocidental, entre o século XIX e meados
do século XX. Ou seja, “a cidade luz” geralmente é apresentada como o principal
polo cultural desse período, por onde circulavam e de onde emanavam as diretrizes
artísticas e culturais modernas para outras partes do globo, incluindo a América Latina
e os Estados Unidos.
No caso das “vanguardas latino-americanas”, por exemplo, o autor Jorge Schwartz
(2013, p.188) destaca:
Escolhemos, num jogo de espelhos enfrentados, cenografias e desenhos
geométricos de Xul [Solar] para dialogar com artistas brasileiros dos anos
1920 e inicio dos 1930: além de Nery, Vicente do Rego Monteiro, Emiliano Di
Cavalcanti, Lasar Segall e Antônio Gomide. Todos eles, sem exceção, fizeram
a peregrinação cultural a Paris, capital das vanguardas por excelência.
No livro Civilização material, economia e capitalismo, Fernand Braudel indica
a importância de algumas cidades em momentos da história, ou seja, polos relevantes
dentro da lógica de uma economia-mundo. Mas, ao tratar do aspecto cultural em sua
obra, o autor ressalva que, não necessariamente, um centro econômico influente é um
centro culturalmente influente. Ele diz:
Do mesmo modo, no fim do século XIX, no principio do século XX, a França,
grandemente a reboque da Europa econômica, é o centro indubitável da
literatura e da pintura do Ocidente; a primazia da Itália, depois da Alemanha,
exerceu-se em épocas que nem a Itália nem a Alemanha dominavam
economicamente a Europa; e, ainda hoje, o formidável avanço econômico
dos Estados Unidos não os colocou à frente do universo literário e artístico
(BRAUDEL, 1998, p.57).
O complexo empreendimento de formação dessa coleção nos propõe pensar o
MoMA e a cidade de Nova York como espaços de constituição de um novo polo artístico-
cultural da modernidade, na primeira metade do século XX. Ou seja, trabalhamos com
a ideia de que o MoMA é representativo da intenção de membros da elite nova-iorquina
em transformar a cidade de Nova York num importante polo cultural moderno do
mundo, concorrendo com outras cidades, sobretudo, com Paris. Sendo assim, propomos
a reflexão livre da questão: Por que a arte da América Latina esteve presente na pauta
da instituição nesse período?
Certamente a questão das identidades esteve presente na formação da coleção.
Apresentou-se a arte Latino-americana diferenciando-a da arte produzida em outra
34. Ver BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. São Paulo: Companhia
da Letras, 2007. Ainda COMPAGNON, Antoine. Os cinco paradoxos da modernidade. Minas Gerais: UFMG, 1999.
COTA JR, Eustáquio Ornelas
FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.2, nº1, p. 63-79, jan.-jun., 2015.
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parte do planeta, sobretudo, da arte norte-americana. No tocante ao tema das
identidades, sejam elas nacionais ou culturais, verificamos que sua construção se dá
a partir de variados discursos, tornando o binômio identidade/alteridade importante
chave de entendimento da questão. A historiadora Maria Ligia Coelho Prado (2009, p.68)
afirma que “a análise das identidades supõe acompanhar o intrincado e contraditório
movimento de inclusão e exclusão, de lembrança e esquecimento, de semelhança e
diferença, de harmonia e tensão, atravessado por relações de poder”.
Outro autor que ilumina a questão é João Feres Jr. (2005, p.279) ao afirmar
que os termos “América Latina” e “Latino-americanos” foram se consolidando nos
Estados Unidos a partir do final do século XIX. Para ele, “a história do conceito de Latin
America, no inglês americano, revela a presença persistente de oposições assimétricas
estruturando seu campo semântico. Latin America tem sido definida, implícita ou
explicitamente, em oposição a uma imagem idealizada da America (Estados Unidos)”.
Também não pretendemos aprofundar a questão nesse artigo, de todo modo,
a chave de entendimento apresentada por João Feres Jr. é muito interessante para o
estudo. Essa assimetria apresentada pelo autor entre Latin America e America, ou
entre Latin American e American, também pode ser vista no embate entre a Latin-
american art e American art. Não há dúvida que, no bojo desse processo de formação
da Coleção Latino-americana, estão sendo construídas ou reforçadas identidades e isso
se fez direta ou indiretamente a partir da representação do “outro”.
Considerações Finais
Afinal, a que interesses serve a formação de uma coleção de arte latino-americana?
Como vimos, esses interesses não foram apenas de ordem artística ou estética. Há
também questões políticas no processo de formação dessa coleção. Segundo Jean-
Pierre Rioux, a “história das políticas e das instituições culturais” são também áreas
de estudo da História Cultural, pois essas trabalham com a “perspectiva das relações
entre o político e o cultural, quer se trate de ideais, de agentes ou de culturas políticas”
(RIOUX; SIRINELLI, 1998, p. 21).
Supomos que o olhar da instituição estadunidense voltado para a arte latino-
americana trabalha com a visão de um “outro”. Essa perspectiva coloca, em um mesmo
conjunto, um variado número de artistas e obras procedentes de países diversos,
destacando alguns e, por conseguinte, ocultando outros. Essa política cultural foi
compartilhada por um grupo de artistas, críticos, intelectuais, mecenas, personalidades
de diversas instâncias, formando um bloco de referência no trato das artes visuais
latino-americanas a partir do MoMA como centro.
Neste artigo, apresentamos o catálogo intitulado The Latin American Collection
of The Museum of Modern Art sem esgotar a sua análise. O tom que marca essa
publicação, sem dúvida, é o mesmo presente no processo de formação da Coleção: “um
empreendimento pioneiro. Documentam-se as marcas do processo de formação da
coleção e o início da construção de uma visão sobre arte latino-americana, elaborada
pelo MoMA, na primeira metade do século XX. Mais que entender os aspectos “formais”
da obra de arte, nos interessa compreender a relação entre arte, cultura e política nesse
processo. Com clareza, esse catálogo nos mostra que as atividades em torno da arte
estão longe de ser um campo “neutro.
Um “empreendimento pioneiro”: o catálogo da Coleção Latino-Americana do MoMA (1931-1943).
FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.2, nº1, p. 63-79, jan.-jun., 2015.
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