PEREIRA, Caio Murilo
*
https://orcid.org/0000-0001-8105-7815
RESUMO: Este artigo tem como objetivo
analisar a inauguração do monumento do
Cristo Redentor ocorrida no Rio de Janeiro, na
época capital federal da República. Tomando
como fontes duas capas de edições do jornal
O
Globo
, o presente trabalho revela uma
compreensão frente à manifestação discursiva
da Igreja durante o evento, como resposta aos
efeitos da laicidade executada pelo Estado
durante o início da República. Para tal efeito,
realizou-se um levantamento de dados,
utilizando de autores da historiografia para a
investigação bibliográfica e da análise do
discurso como metodologia para obtenção dos
resultados. A pesquisa demonstrou que o
monumento do Cristo Redentor representou
uma tentativa da Igreja Católica em romper
com alguns preceitos da legislação que tornava
o Brasil um país laico, de modo a realçar a
relação da crença católica com a política do
Estado na primeira metade do século XX.
PALAVRAS-CHAVE: Cristo Redentor; Estado
Laico; Igreja Católica.
ABSTRACT: This article aims to analyze the
inauguration of the monument Christ the
Redeemer in Rio de Janeiro, at that time the
federal capital of the Brazilian Republic. Using
two covers of the Brazilian newspaper,
O
Globo
, the present article seeks to reveal an
understanding of the discursive manifestation
of the Catholic Church during the
inauguration, as a response to the effects of
the secularism implemented in the early
republican era. Based on that, we use authors
of historiography for bibliographic research
and the discourse analysis as way to obtain the
results. The research showed that the
monument Christ the Redeemer represented
an attempt by the Catholic Church to break
some precepts of the legislation that made
Brazil a secular country, highlighting the
relationship between the catholic faith and the
Brazilian State policy in the first half of the
20th Century.
KEYWORDS: Christ the Redeemer; Secular
State; Catholic Church.
Recebido em:
27/01/2021
Aceito em:
01/02/2021
* Graduando e formando em História pela Pontifícia Universidade Católica do Para(PUC-PR), Curitiba-
PR. Atual bolsista pelo Programa de Residência Pedagógica da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior (CAPES). E-mail: murilo.caio@pucpr.edu.br. Este artigo constitui um extrato do
Trabalho de Conclusão de Curso do referido autor, aprovado pela Banca Examinadora do Curso de
Graduação em Licenciatura em História da PUC-PR, em 27 de novembro de 2020.
Este é um artigo de acesso livre distribuído sob licença dos termos da Creative Commons Attribution License.
Introdução
Entre o final do século XIX e início do século XX, os cenários sócio, político e
econômico do Brasil passaram por uma série de transformações. Desde a Proclamação
da República (1889), o recém-instituído governo republicano não mediu esforços para
remover as mais variadas características do Poder Moderador, o qual havia sido incluso
na Constituição Imperial de 1824 e definido como “[…] a chave de toda a organização
política […] delegado privativamente ao Imperador, como Chefe Supremo da Nação […]
(BRASIL, 1824). O novo sistema de governo não expurgou os aspectos característicos
da Família Real e da Corte para instaurar mudanças sustentadas pelo Federalismo
1
,
sobretudo a partir dos governos civis, como também hasteou a bandeira do Liberalismo
2
no campo econômico do país. Desse modo, “[…] os próprios reformistas republicanos
dividiram-se entre liberais […], e autoritários (positivistas), todos em luta contra os
reformistas monarquistas” (CARVALHO, 2012, p. 394).
O atrito causado dentro do sistema imperial e que o levou à sua queda ocorreu
por conta de alguns fatores. A monarquia brasileira teve as suas estruturas abaladas
devido às crises provocadas pela oposição, principalmente entre os abolicionistas,
republicanos e pelo Exército, além do próprio “monarca dos trópicos”, Dom Pedro II,
afastar-se cada vez mais da política (SCHWARCZ; STARLIN, 2015a, p. 302). No entanto,
não só o distanciamento do Imperador em relação ao regime imperial e os grupos
políticos afastados da realeza tomavam forma, como também a própria Igreja Católica
sofreu alterações internas no contexto que gerou o fim do Segundo Reinado e que cedeu
espaço ao projeto republicano.
Com a transição dos regimes, o “privilégio” que a Igreja Católica desfrutou
durante os dois reinados no Brasil passou a ser muito mais restrito durante a nova era
republicana. “O projeto da Nova Constituição […] apresentava propostas evidentes de
limitação da esfera de ação da Igreja e de religiosos no Brasil.” (HERMANN, 2013, p. 123).
Isso ocorre pelo fato da Igreja não só perder o seu estatuto de instituição religiosa oficial
do país, como também em não poder interferir mais nas decisões do Estado,
característica que a marcou de maneira intrínseca durante as décadas do Império.
1
O Federalismo é uma forma de organização governamental a qual os entes federados são dotados de
autonomia administrativa, política, tributária e financeira, e se aliam na criação de um governo central por
meio de um pacto federativo. Para mais informações sobre tal conceito é possível acessar:
https://www.repositorio.enap.gov.br. Acesso em: 28 set. 2020.
2
Considerado como uma corrente ideológica surgida na Inglaterra após a Revolução Industrial (1760
1840), o Liberalismo econômico tem como algumas de suas características a não intervenção estatal na
economia e o direito à propriedade privada. Aqui no Brasil, o liberalismo já possuía um campo de discussão
ao longo do século XIX, ainda que incipiente. No entanto, após a Proclamação da República, Carvalho
(2012, p. 394) afirma que o liberalismo econômico, defendido pelos federalistas e positivistas, derrotou o
liberalismo social de alguns republicanos e monarquistas.
Com base nisso, um quadro de tensões entre a Igreja e o Estado, no alvorecer da
República Brasileira, respondeu por uma das dimensões entre religião e política ao longo
da história republicana. “Se a Igreja soube contornar as limitações políticas impostas […]
não foi capaz, entretanto, de controlar as reações […] diante da perda de poder das
autoridades religiosas.” (HERMANN, 2013, p. 125). Tal apontamento pode ser associado
aos efeitos causados pela laicidade implementada no início da República, como possível
solução para desatar o entre Estado e Igreja que, por longa data, permeou na
sociedade brasileira.
No Rio de Janeiro, a então capital que de imperial passou a ser federal, o maior
marco de mobilização da Igreja está associado ao projeto da construção do Cristo
Redentor (19221931). Dado todo o exposto, levanta-se o questionamento que norteia o
artigo: de que maneira o monumento Cristo Redentor representou uma tentativa da
Igreja Católica em romper com os efeitos da laicidade institucionalizada na Primeira
República? Tal problemática será alvo de estudo neste texto.
Assim sendo, o objetivo do presente estudo consiste em analisar alguns dos
papéis políticos e religiosos da Igreja Católica e do Estado Brasileiro durante a
inauguração do Cristo Redentor. Torna-se de suma importância verificar, também, as
ações de reaproximação da Igreja com o Estado durante o início do Governo Provisório
de Getúlio Vargas (19301934), além de abordar os contextos político e social do Brasil
no começo da Era Vargas. Por fim, será levado em consideração o discurso da Igreja e a
representação de entidades políticas e episcopais na inauguração por meio dos
documentos utilizados para a análise.
A documentação examinada para a elaboração deste estudo consiste em duas
capas de edições do veículo de comunicação de mídia e imprensa, O Globo
,
publicadas
no início da década de 1930. Esses documentos trazem consigo registros que
contemplam alguns momentos do evento de inauguração da estátua que ocupa o topo do
Corcovado. As duas fontes podem ser encontradas no acervo digital do site do periódico
e estão disponibilizadas para os seus assinantes.
Fundado em 1925, o jornal O Globo teve inicialmente como público-alvo a
população da metrópole do Rio de Janeiro, tornando-se líder absoluto entre os membros
das classes A e B da capital fluminense (INFOGLOBO, 2009, p. 1). Com o lançamento de
edições diárias na cidade, este mesmo veículo publicou, no dia 12 de outubro de 1931,
duas edições sobre a inauguração do monumento, as quais descrevem alguns discursos
feitos por uma parcela dos membros da elite eclesiástica e de fiéis leigos brasileiros da
Igreja Católica
3
presentes no evento.
Referente ao arcabouço teórico-metodológico, o método de aplicação à
documentação da análise faz-se por um teor qualitativo. A metodologia é inspirada na
proposta de análise do discurso da autora Maria Gregolin (1995), a qual descreve o
discurso enquanto suporte de vários textos que circulam em uma determinada sociedade
e que se tornam responsáveis pela concretização de estruturas semionarrativas.
Em se tratando do quadro teórico do artigo, mencionam-se autores da
historiografia brasileira, como Lilia Schwarcz e Heloísa Starlin (2015b), Bóris Fausto
(1997) e Thomas Skidmore (2010) para a contextualização da Revolução de 1930
período que incorpora o contexto da inauguração do monumento. Outros autores como
Jaques Le Goff (1990) e Fernanda Severo (2004), por exemplo, abarcam discussões
teóricas sobre o conceito do que vem a ser, de fato, um “Monumento”.
Por último, mas não menos importante, pode-se citar ainda alguns dos autores
que em seus estudos se propuseram a investigar a temática da Igreja Católica no Brasil
republicano e os processos da construção e inauguração do Cristo, como Jaqueline
Hermann (2013), Antônio Edmilson Martins Rodrigues (2008) e Felipe Castellotti (2008).
Sendo assim, os diálogos a serem desenvolvidos com os autores aqui mencionados
auxiliarão não só na análise, como também na interpretação e nas análises-críticas feitas
pelo autor do artigo em relação aos documentos selecionados.
De braços abertos no alto da Guanabara: análise documental sobre a inauguração do
Cristo Redentor
Antes de dar início às investigações documentais propriamente ditas desta
pesquisa, é necessário afirmar que o propósito da seção se baseia em analisar os jornais
com um olhar crítico de pesquisador, rompendo com o ideal de somente descrevê-los
neste espaço. Antes de tudo, “o pesquisador deve ter ciência de que um periódico,
independente do perfil, está envolvido em um jogo de interesses, ora convergentes, ora
conflitantes.” (LAPUENTE, 2015, p. 6), para assim evidenciar e cativar o seu público-
leitor.
Com base nisso, entende-se que, no período que incorpora o final do século XIX,
a República havia chegado com o intuito de alterar as estruturas da sociedade brasileira
e, da mesma forma, discorrer um novo capítulo para a história do Brasil. Com o declínio
3
Os jornais analisados não possuem a(s) assinatura(s) do(s) autor(es) que escreveu e/ou escreveram os
textos. É importante pontuar que o acervo digital do jornal O Globo só disponibilizou as capas dos
periódicos que aqui serão investigados.
da monarquia houve o início da Primeira República, marcada como a época que comporta
a institucionalização do Estado Laico, a incorporação do Federalismo dentro do sistema
de governo, a promulgação da primeira Constituição Republicana (1891) e, sobretudo, o
predomínio dos oligarcas na esfera da política nacional. Em síntese, a Primeira República
promoveu novas expectativas, como aberturas políticas,
4
modos e costumes que,
sustentadas pelo ideal de uma “renovação econômica” desejada principalmente por
oligarcas produtores de café do setor progressista acabaram atingindo os ideais de
“prosperidade” e “ordem” para a Nação. No entanto, uma série de conflitos colidiu com
tudo o que inicialmente havia sido aspirado após a deposição da monarquia brasileira no
final do século XIX. Assim, a partir dos anos 1920, o país passou a apresentar sinais
inquietantes de desequilíbrio nos primeiros anos da década (FAUSTO, 1997, p. 122).
Um dos maiores fatores que causou uma demanda de “turbulências” no Estado
Brasileiro possui relação com o descontentamento de alguns estados da República em
relação à preponderância paulista no poder. Por muito tempo, acreditou-se que São
Paulo e Minas Gerais detinham o poder, de forma exclusiva, no cenário político nacional.
No entanto, a hegemonia política desses dois estados durante a Primeira República
assim como a própria explicação da força de Minas Gerais na política nacional que se
justificava pela aquisição econômica do estado baseada apenas no gado de leite vem
sendo enfraquecida. Além dos dois estados do Sudeste brasileiro, havia outros quatro
que tinham força dentro da política nacional: Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Bahia e
Pernambuco, o que derruba, em parte, a antiga tese da “política do ca com leite”
(VISCARDI, 2005, p. 45).
Acerca disso, Viscardi (2005, p. 45), indica ainda que para garantirem a sua
hegemonia, os seis estados possuíam uma forte economia, ou ainda, uma elite política
bem representada no Parlamento. Juntas ou separadas, essas unidades federativas
participaram ativamente de todas as sucessões presidenciais ocorridas no período.
Ademais, o poder de Minas devia-se, também, a duas causas: o fato de o estado mineiro
possuir a maior bancada do país 37 deputados e por ser, à época, o segundo maior
produtor de café do Brasil. Por isso, a ideia de que São Paulo estava se tornando o
principal estado da federação, uma vez que o seu destino se voltava para governar o
país, em decorrência da sua alta influência econômica, perdurou diante da oposição. “As
elites estavam longe de identificar o país somente com o café, e seus interesses tendiam
a dar prioridade ao mercado interno.” (SCHWARCZ; STARLIN, 2015b, p. 353).
4
É relevante destacar que a noção de “abertura de direitos políticos” aqui mencionada significava garantir
acesso à cidadania em uma expectativa nutrida pela e somente para a classe média do país.
Os problemas gerados pelo Federalismo e o descontentamento dos outros estados
em relação ao Poder Central de São Paulo são percebidos durante alguns momentos
ocorridos na década de 1920. Acerca disso, pode-se tomar como exemplo a Reação
Republicana e, sobretudo, a deposição de Washington Luís (18691957). No caso do
último exemplo mencionado, afirma-se que “[…] a oposição, por meio da Aliança Liberal,
ressentiu-se com a tentativa do então presidente, Washington Luís, de instaurar outro
político que representasse São Paulo na presidência.” (SKIDMORE, 2010, p. 37).
A campanha eleitoral das eleições de 1930 foi aberta com o lançamento da
candidatura do político gaúcho Getúlio Vargas (18821954) pela Aliança Liberal, cuja
iniciativa de lançá-lo como candidato, segundo indica Fausto (1997, p. 41) proveio dos
estados de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul. Tal medida serviu como oposição à
chapa governista do paulista Júlio Prestes (18821946), posteriormente declarado como
vencedor nas eleições. Dentre as inúmeras causas organizadas para a eclosão de uma
conspiração fomentada pela tomada de poder, o que de fato surgiu como estopim para o
início da rebelião foi o assassinato do então governador da Paraíba e candidato à vice-
presidência do país, João Pessoa (18781930), na cidade do Recife.
5
“Washington Luís
apoiava o grupo político ao qual o assassino do vice que compunha a mesma chapa
eleitoral de Vargas estava ligado.” (SKIDMORE, 2010, p. 37).
A partir desse marco que caracterizou o início da década de 1930 no Brasil, os
tenentes alguns dos jovens militares brasileiros que prestavam críticas e não eram
favoráveis ao sistema federativo unidos à Aliança Liberal, marcharam rumo ao então
Distrito Federal (RJ), tendo como objetivo não só impedir a posse de Júlio Prestes, como
também reajustar a estrutura do país e retirar a figura de Washington Luís da
presidência. Assim, ao chegar ao poder, a Junta Governativa Provisória confiou-o a
Getúlio Vargas, líder que estava controlando as forças político-militares durante a
Revolução, o qual contava com o apoio das oligarquias e dos militares e que assumiu o
comando da Nação provisoriamente. Dessa maneira, a Primeira República estava
encerrada, e a Revolução de 1930, como a rebelião ficou conhecida, tornou-se um marco
decisivo.” (SCHWARCZ; STARLIN, 2015b, p. 361). Diante disso, será exatamente no
espaço desse cenário que a inauguração do Cristo Redentor irá ocorrer, uma vez que a
Revolução de 1930 adiou a festividade da obra que foi aberta ao público um ano após
o turbulento evento que pôs fim ao primeiro período republicano.
5
Como explicam Schwarcz e Starlin (2015b, p. 358), a crise da morte de João Pessoa, ocorrida no
Pernambuco, passou de regional para um nível totalmente nacional, pois a Aliança Liberal usufruiu desse
pretexto para acusar o Governo Federal de fomentar uma intervenção no estado da Paraíba.
que a sua construção foi iniciada ainda no segundo quartel do século XX na
cidade do Rio de Janeiro, a estátua do Cristo Redentor possui uma gama de sentidos e
curiosidades por trás da sua história. Devido às celebrações do centenário da
Independência do Brasil (1922), “[…] o Governo Federal decidiu promover uma grande
exposição internacional na cidade do Rio aos moldes de eventos semelhantes realizados
na Europa.” (CASTELLOTTI, 2008, p. 71).
Mergulhado nessa ideia e inspirado pelo esforço de promover a recatolização”
6
,
Dom Sebastião Leme da Silveira Cintra (18821942), Cardeal-Arcebispo metropolitano do
Rio, tomou a frente do Primeiro Congresso Eucarístico Nacional
7
, estipulando que “se
tratava de esboçar o lugar da Igreja e da religião na vida nacional republicana […]” (AZZI,
1977 apud GRINBERG, 1999, p. 3). Assim, a Igreja Católica se mobilizou para atuar mais
diretamente junto à sociedade, a ponto de tirar do papel a ideia de erigir, no alto da
paisagem carioca, uma estátua que homenageasse a figura do Filho de Deus, Jesus Cristo.
Apesar de ter sido colocada em prática na era republicana, a ideia da construção
do Cristo Redentor tem a sua raiz fincada nos tempos do Império. No ano de 1859, o
sacerdote francês, Padre Pierre Marie Bos, capelão do Colégio da Imaculada Conceição
8
,
esboçou a primeira sugestão de que no topo do Corcovado ficaria muito bem um
monumento religioso. A aspiração do religioso acabou sendo passada para a Princesa
Isabel, a qual guardou, em sua memória, o sonho do presbítero. No entanto, tal ideia
acabou sendo “engavetada”, permanecendo assim por décadas até que fosse colocada
em pauta. Somente no início do século XX fora retomada pelas lideranças da Igreja na
sociedade brasileira, sendo o propulsor dessa medida o Cardeal-Arcebispo da metrópole,
Sebastião Leme. A ideia de tirar do papel o projeto que havia sido fruto de uma
idealização no Império teve, como principal objetivo, aumentar a influência católica na
sociedade brasileira. Desse modo:
A construção de um monumento religioso […] seria a grande realização da
Igreja. Assim, o propósito era construir um monumento no alto do Corcovado
que coroasse a atuação e reação da Igreja e, ao mesmo tempo, consolidasse a
presença da instituição no mundo político e social. Esse projeto representava a
consolidação do catolicismo no Brasil (RODRIGUES, 2008, p. 48).
6
Segundo Hermann (2013, p. 124), o processo de “recatolização”, ou ainda, “romanização”, nada mais foi
que um movimento extremamente reformador, promovido pelos Papas Pio IX e Leão XIII. Tal pauta
pontifical procurou retomar as decisões tomadas no Concílio de Trento (15451563), como reforçar a
estrutura hierárquica da Igreja, moralizar o clérigo e diminuir o poder das irmandades leigas.
7
Conforme afirma Castellotti (2008, p. 71), o evento do Congresso Eucarístico foi estimulado por um
debate no Círculo Católico do Rio de Janeiro a respeito da construção de um grande símbolo que deveria
ser capaz de reafirmar a presença da Igreja no Brasil e a fé católica dos brasileiros.
8
O Colégio e a Paróquia da Imaculada Conceição estão localizados no bairro de Botafogo, Zona Sul da
capital fluminense.
Durante as comemorações do Centenário da Independência no início dos anos
1920, uma votação sobre qual elevação da cidade a estátua deveria ser construída fora
aberta aos católicos e devotos cariocas. Assim, “[…] três locais foram inicialmente
pensados para a edificação da estátua: o Corcovado, o Pão de Açúcar e o Morro de Santo
Antônio […]” (RODRIGUES, 2008, p. 48). Este último acabou sendo descartado devido à
sua altura e, entre os dois outros concorrentes, a escolha ocorrera pelo morro do
Corcovado.
Então, no ano de 1926, a construção da obra havia sido iniciada, cuja maquete do
engenheiro-arquiteto Heitor da Silva Costa (18731947) fora eleita como vencedora para
assumir o cume do Corcovado. Segundo Castelotti (2008, p. 72), o evento que elegeu o
projeto arquitetônico como vencedor, e que era denominado como “Semana do
Monumento”, consistiu em um evento pastoral com o propósito de arrecadar fundos
para a obra do Cristo ao longo de uma semana, em 1923. Um ano antes, entretanto, a
Igreja havia encaminhado ao presidente Epitácio Pessoa (18651942) um documento que
continha em torno de 20 mil assinaturas todas femininas solicitando o topo da
montanha para a realização da obra e pedindo a transferência do espaço do Corcovado
para a arquidiocese do Rio.
9
Não obstante, os primeiros rascunhos do Cristo contaram ainda com a
colaboração do escultor franco-polonês, Paul Landowski
10
(18751961), e com os esboços
do pintor e desenhista brasileiro, Carlos Oswald (18821971), na cidade de Paris
(CASTELOTTI, 2008, p. 72). Após cinco anos de construção, a estátua revestida de
pequenos cacos de pedra-sabão foi finalizada: estava, então, no dia 12 de outubro de 1931,
a mesma data de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, padroeira do país, inaugurado
aquele que se tornaria o mais famoso e conhecido monumento
art deco
11
do Brasil.
O termo “Monumento” tem a sua origem enraizada no substantivo latino
Monumentum
. Expressões como “Monumento” e “Patrimônio”, por exemplo, abrem, a
partir de suas etimologias, um leque de significados, mas aqui, tanto um termo quanto o
outro podem ser atribuídos à ideia daquilo que remete à lembrança humana, como
objetos, espaços ou símbolos de um passado que pode ser ou não muito antigo. Em
sua pesquisa, Severo (2004, p. 1) explica que:
9
Por conta desse acontecimento, vários protestos na imprensa e manifestações contrárias por parte de
líderes e representantes de outras crenças não católicas foram realizados no Rio, insuficientes, porém,
para deter o fervor católico da cidade (CASTELOTTI, 2008, p. 72).
10
Silva Costa partiu para a Europa para transformar os seus estudos sobre o monumento do Cristo em
projetos. Foi nesse contexto que ele conheceu o artista Paul Landowski, tal como contratou o escritório
parisiense Pelnard para o plano técnico do monumento.
11
Estilo artístico e visual que surgiu na Europa entre os anos 1910 e 1920 e que se afirmou principalmente
nas artes visuais aplicadas e/ou arquitetônicas.
O trazer à lembrança é uma espécie de exercício de resgate do tempo perdido,
evocação de um passado que compartilhamos com os que nos precederam. […]
Os vestígios do passado investidos de um poder que adverte e interpela a
memória coletiva, materializam esse passado no presente e se oferecem como
experiências cognitivas e estéticas.
Da mesma forma que a autora Severo, compreendendo que é um sinal do passado
e baseado nas origens do termo, Le Goff (1990, p. 535) afirma que um monumento
usado correntemente em meados do século XIX para as grandes coleções de
documentos tem também como características “ligar-se o poder de perpetuação,
voluntária ou involuntária, das sociedades históricas […]”. Diante de tais afirmações, o
monumento passa a ser uma espécie de “material de memória” apresentado como
herança do passado e memória coletiva.
Caracterizada como um monumento religioso, a estátua do Cristo Redentor
assinala consigo um teor de modernidade, tanto no campo das devoções, quanto nos
campos artístico e tecnológico. Desse modo, o monumento do Cristo Redentor “[…] em
vez de se colocar como apenas afirmação do passado, procura situar-se no
contemporâneo.” (GIUMBELLI, 2008, pp. 77–78). Por conseguinte, o monumento do
Cristo Redentor possui uma série de aspectos a partir de sua concepção e construção,
levando em conta que a sua inauguração também fora dominada por discursos
sustentados em metáforas mais orgânicas e hierárquicas, o que acaba sendo bem visível
nos textos das capas de edições da inauguração da estátua ambas publicadas e
divulgadas pelo jornal O Globo.
As duas capas dos jornais possuem trechos de narrativas feitas em terceira
pessoa. Além disso, a linguagem encontrada em boa parte dos textos também não é de
difícil compreensão, uma vez que o uso de termos mais propícios à época acaba se
fazendo presente no decorrer da leitura. Há também o uso de imagens nos jornais,
caracterizado por seu aspecto icônico de linguagem visual, não contendo, em sua
composição, elementos linguísticos.
O primeiro jornal (Imagem 1) tem como enunciado: “Depois de aberto na cruz,
para salvação do mundo, abrem-se hoje para nossa cidade os braços do Christo
Redemptor […]” (O GLOBO, 1931a, p. 1). Logo em seguida, é possível visualizar o subtítulo,
descrito como: “memorável acontecimento a inauguração official do monumento do alto
do Corcovado Como transcorreram as grandiosas cerimônias de , as pompas de
ritual e as vozes de exaltação e mysticismo.” (O GLOBO, 1931a, p. 1). É interessante
perceber que os enunciados abrem a seção ao leitor com uma “exaltação de fé” baseada
na crença católica, para assim descrever a cerimônia de inauguração, reconhecendo que
o sacrifício do filho de Deus no Calvário em prol da salvação humana estava, durante a
primeira missa rezada no Corcovado, sendo repetido. Isso concerne com o que Freitas
(2007, p. 14) descreveu em sua análise a respeito do Cristo Redentor, no instante em que
a autora evidencia o fato de a estátua estar de braços abertos para simbolizar a cruz, a
dor e a tortura de Cristo, elementos estes que são o maior sentido da fé cristã.
Imagem 1. Capa da primeira edição vespertina do jornal O Globo, intitulada como “depois
de abertos na cruz para salvação do mundo, abrem-se hoje para nossa cidade os braços
do Christo Redemptor!” e publicada no dia 12 de outubro de 1931
Fonte: Acervo Digital O Globo (1931)
No primeiro trecho do artigo, é possível ver o uso do discurso indireto. O
narrador inicia-o destacando a importância que o Cristo Redentor carregou consigo para
aquele contexto. “A imagem do Redemptor, que sempre viveu fixada no coração do Rio
[…], agora se integra, visível, no seenario majestoso da metrópole.” (O GLOBO, 1931a,
p. 1). Diante do trecho mencionado, torna-se pertinente levantar alguns pontos em
relação ao nível do discurso apresentado. O primeiro deles é referente à espacialização:
O Cristo Redentor acaba tendo relação com o local em que ele se encontra o topo do
Corcovado, o ponto mais alto da paisagística Zona Sul do Rio de Janeiro. A partir disso,
entende-se que a posição elevada da imagem do monumento ajuda a compreender a
representação do Cristo como “[…] um ser sagrado que, do alto do Corcovado, tudo sabe
e tudo vê.” (REDENTOR, 2007 apud FREITAS, 2007, p. 14).
O narrador da manchete menciona ainda que a imagem do Cristo Redentor
sempre esteve presente no dia a dia dos cariocas, muito antes da sua construção ser
realizada, o que acaba sendo notável por meio das manifestações de católica descritas
e apresentadas nos enunciados do texto. A descrição do narrador prossegue na capa do
jornal, agora, porém, destacando um novo enunciado para o artigo, escrito como: “fora
das competições políticas e dentro da unidade da pátria” (O GLOBO, 1931a, p. 1), para
referir-se à sessão solene da inauguração do monumento.
O texto também apresenta trechos que são totalmente sustentados pelo discurso
direto. O narrador destaca inicialmente a figura de Padre Amaral, que expressa, em sua
fala, um posicionamento discursivo imbuído em sentimentos de fé e patriotismo. “Eu não
posso permitir que haja no Brasil uma mentalidade que compreenda e conheça a nossa
história e que pretenda negar a ação de Christo na formação da nossa raça, na obra da
nossa civilização […]” (O GLOBO, 1931a, p. 1).
A fala do presbítero incita alguns aspectos relevantes em pontuar. Em primeiro
lugar, a maneira como a Igreja Católica atuou na história do Brasil. O catolicismo sempre
foi a crença que, desde os tempos da colonização, predominou no país. Aqui, o sacerdote
Amaral tem consciência dessa ideia, a ponto de alegar que o Brasil não teria sido
civilizado se não fosse pelo papel que a Igreja, na formação da sociedade brasileira,
desempenhou. Isso também possui relação com o que é afirmado por Giumbelli (2008, p.
84) quando, no entorno da inauguração do monumento, criava-se uma continuidade
entre o princípio republicano e a reivindicação católica sobre a essencialidade cristã da
nação brasileira, baseada em pretensos direitos sobre o entorno da sociedade.
Sustentado novamente pelo discurso indireto, o texto segue dando sequência aos
pronunciamentos feitos no evento, enfatizando em determinados trechos a presença de
Alceu de Amoroso Lima
12
enquanto convidado orante. “[…] A seguir, o Doutor Alceu de
Amoroso Lima uma moção do Congresso ao chefe do Governo Provisório sobre a
execução da lei do ensino religioso nas escolas públicas do país, que é delirantemente
aplaudida […]” (O GLOBO, 1931a, p. 1).
Na citação anterior, é possível perceber alguns elementos importantes, a começar
pela moção do Congresso lida ao Chefe do Governo Provisório Getúlio Vargas.
Conforme o que a capa do jornal relata, o evento contou com a presença de lideranças
religiosas, políticas e de alguns fiéis leigos e intelectuais católicos. A menção desse
12
Alceu de Amoroso Lima (Petrópolis, 1893/Petrópolis, 1983), mais conhecido pelo seu pseudônimo nome
“Tristão de Ataíde”, foi um crítico literário e polígrafo. Convertido ao catolicismo ainda jovem, tornou-se
um dos mais respeitados paladinos da Igreja Católica no Brasil, a ponto de receber o título de “Conde” pela
Santa Sé de Roma. Disponível em: www.academia.org.br. Acesso em: 18 set. 2020.
trecho gera a possibilidade de entender que a Igreja já estava visando estabelecer um
melhor contato com a população por meio do novo governo, para assim colher bons
frutos em relação ao processo de “recatolização” por ela implementado.
É interessante perceber o eixo de representação que surge neste fragmento do
texto. A necessidade de ler um documento oficial que pede a implementação do ensino
religioso sobre a fé católica nas escolas resgata, de forma geral, a ideia de que somente o
Chefe do Estado seria capaz de instaurar um governo que não se distanciasse da religião
e que representasse, por conseguinte, o líder que promoveria uma sociedade mais
harmoniosa para todos os brasileiros. Nesse sentido e de acordo com as pesquisas
levantadas pelo autor Silva (2012a, p. 1300), uma das reivindicações católicas feitas a
Getúlio Vargas durante o início do Governo Provisório era quanto à obrigatoriedade do
ensino religioso nas escolas públicas, já que ao longo da Proclamação da República,
Igreja e Estado romperam com os laços que haviam sido selados durante os tempos do
Império.
Ainda sobre o que é discorrido no texto do primeiro documento analisado, o
evento da inauguração do Cristo Redentor serviu para que novamente tal pauta fosse
colocada na presença do novo der do país. Isso tem certa relação com o que Hermann
(2013, p. 124) contempla, quando é pontuado pela autora que teorias teológico-políticas
promovidas por lideranças episcopais, ainda no alvorecer da República, alegavam que o
Brasil não poderia progredir sem a proteção da religião, o que acabou resultando na luta
de algumas lideranças episcopais pelos interesses da Igreja Católica Romana no cenário
político do país. Diante disso, assim pelos anos seguintes foi feito: Igreja e Estado se
apoderaram do contexto das crises política e social instauradas no final dos anos 1920,
visando, dessa forma, “contornarem” os moldes da sociedade brasileira, afinal, “[…] havia
uma união ‘oficiosa’ nas duas partes de manter o país na ordem’, livre de outros credos
religiosos e, principalmente, de comunistas.” (CAVALCANTI, 1994 apud SILVA, 2012, p.
1300).
Em outro trecho selecionado do artigo, o narrador focaliza em apresentar a fala
do Conde Affonso Celso (18601938), político republicano que também marcara
presença na festa e que abriu com a frase “O reinado de Jesus Cristo no Brasil” o seu
discurso:
[…] O Brasil exige que Christo impere, que reine no Brasil pela Lei das leis: a
sciencia divina do seu Evangelho. O reinado de Jesus é imenso. Abrange todos
os tempos, todas as edades, todos os res, todos os homens. […] Deve Elle
dominar os nossos sentimentos, as nossas vontades, as nossas paixões. Salve,
salve, salve, Senhor Jesus, nós todos: desde o Excmo. Cardeal até o último
Congressista […] (O GLOBO, 1931a, p. 1).
As ideias manifestadas por Affonso Celso carregam tonalidades de patriotismo e
religiosidade. O que o “Conde” manifesta em seu discurso estipula que a presença do
Cristo no Corcovado seria uma bênção para os cariocas e brasileiros de uma forma
geral ainda que um monumento sagrado e que representasse a Igreja Católica no
ponto geográfico mais alto da cidade não teria como trazer malefícios para a população.
É possível também perceber que o político usa a primeira pessoa do plural em sua
fala, para assim se referir a todos que ali se encontravam. Os termos utilizados por ele
como “queremos”, “nossos(as)” e a frase Salve […] Senhor Jesus, nós todos: desde o
Excelentíssimo Cardeal até o último Congressista […]” (O GLOBO, 1931a, p. 1), realçam a
manifestação dos católicos para estimular os interesses políticos da Igreja diante do
Estado.
O posicionamento de Affonso Celso também se relaciona com o que Giumbelli
(2008, p. 78) afirma, quando é enfatizado pelo autor que o Cristo, naquele contexto,
deveria ser visto como um rei, enquanto todos os brasileiros católicos e não católicos,
políticos ou religiosos seriam os seus súditos, mesmo que o regime fosse republicano
e as leis republicanas tivessem projetado a disjunção entre Estado e religião após 1889.
em “Christo reina, impera e livrará o Brasil de todos os males.” (Imagem 2), é
possível observar novamente o uso dos discursos direto e indireto feito pelo narrador do
texto. A capa da manchete apresenta as consagrações da estátua e do Brasil, além dos
ritos litúrgicos realizados pelo principal celebrante do evento, Dom Leme.
Imagem 2. Capa da segunda edição vespertina do jornal O Globo, intitulada como
“Christo reina, impera e livrará o Brasil de todos os males”, publicada no dia 12 de
outubro de 1931
Fonte: Acervo Digital O Globo (1931)
Ao passar dos ritos solenes feitos pelo Cardeal, o texto descreve que Dom João
Becker (18701946), o então Arcebispo de Porto Alegre, também fora um dos oradores
do evento:
Mais belo diadema não poderia receber este gigante de granito, que
assistiu à fundação e ao desenvolvimento desta metrópole e contemplou suas
lutas e vitórias […] até nos dias agitados da Nova República. No centro do país
sobre o altar da Pátria, levanta-se este grandioso monumento, em sinal de que
Cristo deverá ser o Redentor da Nação, mormente a época difícil em que
estamos atravessando […] (O GLOBO, 1931b, p. 1).
O discurso explícito de Dom Becker carrega elementos que se configuram como
manifestações baseadas em desejos e aspirações para promover um novo cenário e
despertar uma nova realidade para toda a sociedade brasileira. Isso passa a ser
compreendido quando o Arcebispo metropolitano da capital gaúcha menciona os “dias
agitados da Nova República”, fazendo referência ao novo governo que pôs fim ao
primeiro sistema republicano do país, e ao “gigante de granito” descrito por ele e
representado no monumento para se referir a Jesus Cristo como “[…] o guia das nações
[...], o mentor das democracias pela legítima interpretação do lema republicano de
liberdade, igualdade e fraternidade” (SOARES, 1934 apud GUIMBELLI, 2008, p. 78).
Ademais, nota-se que o líder arquidiocesano não hesitou em tecer críticas ao
modelo da Primeira República durante o seu posicionamento ainda que de uma
maneira não tão direta em sua fala. Anteriormente ao que é discursado pelo Arcebispo, o
narrador realça que no cume do Corcovado estava inaugurado aquele que poderia livrar
o Brasil do “mal” que a doutrina social do Comunismo e as demais crenças não católicas
estavam “propagando” na sociedade. Tanto o discurso católico manifestado por
Dom João Becker, quanto o que é posto pelo narrador acabam reivindicando, por meio
dos lemas republicanos, uma apropriação do que seria mais “legítimo” naquele período
para o Brasil (GIUMBELLI, 2008, p. 78).
O teor de representação presente no discurso feito por Dom Becker também
acaba ficando visível na análise. De acordo com as suas palavras, a “época difícil”,
descrita por ele, poderia ser superada se o perfil do novo governo estivesse
relacionado com o que a Igreja almejava para aqueles contextos político e social do país;
assim a paz seria finalmente implementada no Brasil. A ideia de um governo cristão,
ou ainda, que abraçasse os preceitos do catolicismo, certamente propiciaria condições
de melhoria para os brasileiros, uma vez que um Chefe de Estado influenciado pelo
laicismo poderia representar um líder que estaria colocando os valores cristãos, as
condutas e o futuro de uma Nação fervorosa em alta escala de risco.
Mesmo que constitucionalmente o Estado não tivesse mais relações oficializadas
com a Igreja, a imagem de Jesus Cristo representada pelo monumento estava acima de
qualquer ideário político, de qualquer cargo ou indivíduo que atuasse dentro dos campos
político e social do país. O Cristo o significava apenas um novo “enfeite” que estava
compondo a paisagem da cidade do Rio de Janeiro, mas sim aquele que conduziria,
segundo os discursos católicos da festividade, a vida de cada brasileiro que vivesse no
país, livrando a Nação de qualquer orientação ou ameaça política sob influência laicista.
Considerações Finais
Diante do que foi exposto neste artigo, pode-se inferir que a inauguração do
Cristo Redentor, em 1931, representou muito mais do que o evento de uma inovação
artística e moderna para o Brasil no período. A separação entre Estado e Igreja, então
ocorrida no início da República, serviu para inspirar algumas lideranças católicas a gerar
espaços maiores à precedência do catolicismo no cotidiano da vida dos brasileiros.
Considera-se, ainda, que a festa da inauguração possuiu, sim, certa tonalidade
política. A “união” das autoridades religiosas e governamentais que ali se encontravam
retrata o propósito que o Estado nutria em dialogar com a Igreja, para que assim o
incipiente “novo governo” de Getúlio Vargas administrasse o país sob o apoio e o zelo da
Igreja Católica. Isso significava para muitos outros grupos de crenças não católicas o
descompromisso do Estado com a laicidade e o desrespeito do Chefe de Nação em
relação a alguns dispositivos da primeira Constituição Republicana a qual ainda
perdurava como Carta Magna do Brasil.
Em razão disso, entende-se que, devido à laicidade instaurada na primeira fase do
período republicano, a Igreja Católica visou rearticular novas ações e estratégias para
recuperar o seu papel dentro do cenário político nacional, o que ficou perceptível nos
discursos apresentados pelos documentos aqui anteriormente examinados. As capas dos
dois jornais demonstram a persistência de determinadas entidades católicas em relação à
implementação do ensino católico nas escolas blicas do país, assim como as práticas
de representação entre Estado e Igreja diante dos interesses políticos fomentados por
ambas as instituições o que transmite, em parte, a ideia da busca pelo “bem comum”
para os cidadãos brasileiros. Assim, fica evidenciado que a inauguração do monumento
Cristo Redentor passa a ser entendida como um reflexo da luta que a Igreja desferiu
dentro da sociedade brasileira, de modo a demostrar a sua força e o seu combate contra
os efeitos causados pela legislação que tornava o Brasil um país sem religião ou crença
oficial.
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