MOYA, Fernanda Nunes
FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.2, nº1, p. 17-37, jan.-jun., 2015.
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Nessa conjuntura, Lange questionava a função pedagógica das orquestras que,
inseridas em um cenário de competição com teatros e cinemas, incorporavam aos seus
programas obras comerciais ou de efeito, mas de escasso valor artístico e, por isso, não
contribuíam com a elevação musical da população. Pensando nisso, em 1931, Francisco
Curt Lange criou a OSSODRE, a Orquestra Sinfónica del Servicio Oficial de Difusión
Radio Electrica – que, a princípio, tinha interesses artísticos de caráter nacionalista.
Como o ensino musical era tido como forma de fundir a cultura estrangeira à
nacional, Francisco Curt Lange defendia a prática do canto orfeônico. Por isso, nos
anos 1930, nutriu profunda admiração pelo trabalho que Heitor Villa-Lobos desenvolvia
no Rio de Janeiro. Em tom de homenagem e cobrando reconhecimento ao brasileiro, o
alemão escreveu o artigo Villa-Lobos, un pedagogo creador, dando notícias do trabalho
deste com corais infantis. Curt Lange considerava o canto “una expresión suprema
del bienestar colectivo” que, utilizado de maneira pedagógica, educaria e prepararia
as crianças para o futuro artístico do continente. A obra deste compositor e maestro
brasileiro trazia consigo, segundo o americanista, não só aspectos musicais, mas
também sociológicos, raciais, nacionais e continentais. Por isso, deveria ser valorada
em todos os projetos de iniciação artística musical (LANGE, 1935d, p.189-194).10
Dentro do seu projeto musical americanista a pedagogia teve um papel de
destaque tanto no ensino infantil como vimos, quanto no ensino de estética musical
em liceus e escolas secundárias. Lange dava palestras, desde 1932, aos professores de
escolas públicas, criava planos de aulas e de estudos sempre observando o papel dos
discos, discotecas e bibliotecas musicais na iniciação musical dos alunos. Em todas
essas iniciativas, destacava a atenção que deveria ser dada à música latino-americana
(LANGE, 1935e, p.197-262).
Além do ensino musical nas escolas, Lange também defendia a difusão radiofônica
como meio de educação das massas, graças ao seu poder de atingir um grande número
de pessoas. Contudo, questionava o modelo radiofônico americano no qual prevalecia
as estações comerciais que não nutriam interesse em contribuir com “la mejora de
la cultura de la nación” (LANGE, 1936, p.134). O teuto-uruguaio defendia o controle
da indústria radiofônica nos moldes europeus, nos quais os governos reduziam o
número de estações e fiscalizavam as transmissões. Para Curt Lange, possivelmente
os países europeus tinham reconhecido o “peligro que encerraba este nuevo invento e
inmediatamente se contrarrestó sus posibles efectos” (LANGE, 1936, p.134). O aumento
da potência das estações de rádio comerciais e consequentemente do seu círculo de
irradiação, faria crescer a decadência cultural principalmente nas cidades interioranas,
guardiãs da cultura autóctone. A difusão pedagógica orientada iria contra esse cenário,
pois, como apontou Lange, atuaria na educação principalmente da população que não
tinha acesso às escolas. Servindo às necessidades culturais americanas, as rádios
teriam que dispor de uma discoteca que contasse com exemplares de música americana
e da literatura musical mundial (LANGE, 1936, p.136-141).
Outro aspecto importante do Americanismo Musical, e que merece ser salientado,
é o incentivo à investigação das tradições folclóricas. O professor Curt Lange defendia
o emprego de elementos da cultura popular na música artística. Por isso, militava
10. Na década seguinte, 1940, Curt Lange e Villa-Lobos entraram em atrito. O musicólogo teuto-alemão
passou a questionar as relações entre Villa-Lobos e o governo Vargas, principalmente no episódio que
envolveu a publicação do VI tomo do Boletín Latino Americano de Música, dedicado ao Brasil – no qual
o compositor brasileiro foi acusado de atrasar propositalmente a edição da obra.