SANTOS, Fabio Luis Barbosa dos
FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.2, nº1, p. 06-16, jan.-jun., 2015.
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de Cuba em 1898 – que se converteu então em uma “Guerra Hispano-americana” – o
marco referente dessa consciência hispano-americana, como mostra, entre outros, o
crítico literário espanhol Teodosio Fernandez (FERNÁNDEZ, 2000). A indignação frente
à agressividade dos Estados Unidos aproximaria homens de letra hispano-americanos
das raízes espanholas do continente, a despeito da simpatia generalizada com a causa
cubana prevalente na época.
Assim, no próprio ano de 1898, Ruben Dario mobilizou a figura de Caliban
em defesa do campo hispânico e, na virada do século, o uruguaio José Enrique Rodó
celebrou, no continente, a dicotomia com Ariel em seu ensaio (RODÓ, 1998). Entre outras
expressões dessa consciência identitária, nos anos seguintes, é possível mencionar,
em polos opostos do sub-continente, a utopia da “Nação Latinoamericana” avançada
pelo argentino Manuel Ugarte (UGARTE, 1987), e as especulações em torno a uma
“raça cósmica” do ministro revolucionário mexicano José Vasconcelos – indicando a
longevidade da noção de raça na América Latina, ainda que em uma direção humanista,
sugerida pela consigna que batizou a Universidad Nacional Autónoma de México
(UNAM): “por mi raza hablará el espíritu” (VASCONCELOS, 2002).
Retomando o argumento de Monica Quijada, observa-se que no processo de
afirmação da identidade latino-americana no final do século XIX e princípios do século
XX, conflui uma reação ao expansionismo estadunidense que a historiadora espanhola
denominou como uma “racialização” das categorias explicativas. Assim, a “América
Latina” afirmou-se em oposição à “América Anglo-saxônica” e por aproximação ao
legado latina da cultura europeia. Depois dos eventos na América Central que motivaram
o termo na sua origem, Quijada identificou, na Primeira Conferência Panamericana,
convocada por James Blaine e na Guerra da Independência Cubana, entre 1895-98, dois
marcos sucessivos nesse processo identitário.
Houve um personagem que participou desses dois eventos e cujo ideário, na
minha leitura, endossa a interpretação de Quijada por um caminho complementar. O
cubano José Martí (1853-1898) participou da Conferência Panamericana, em 1889, como
delegado pelo Uruguai e teve atuação decisiva, juntamente com o delegado argentino,
Roque Saenz Peña, para frustrar os desígnios estadunidenses. Saenz Peña, que depois
seria presidente da Argentina, cunhou o lema “América para a humanidade” em oposição
à doutrina Monroe (RONNING, 1970), enquanto Martí pronunciou um de seus discursos
mais famosos, “Madre América”, em um evento cultural em que estavam presentes os
delegados da Conferência.
Martí também foi o mentor intelectual e principal articulador do Partido
Revolucionário Cubano, fundado poucos anos depois (1892), responsável por
desencadear a Guerra da Independência em 1895. Exegetas do pensamento martiano,
como Fernandez Retamar, localizam no final dos anos 1880 a maturação do ideário do
militante cubano, que se condensaria no projeto de “Nuestra América”. Dois eventos são
considerados determinantes para essa evolução: os protestos operários em Chicago no
ano de 1886 (que estão na origem do 1º de maio como dia do Trabalhador) e a referida
Conferência Panamericana. Deve-se lembrar que Martí vivia nos Estados Unidos,
depois de circular por diversos países latino-americanos (como México, Guatemala e
Venezuela), já que estava banido de Cuba desde a sua prisão aos dezessete anos –
pena que seu pai, um militar espanhol em serviço na ilha, conseguiu comutar pelo exílio
(FERNÁNDEZ RETAMAR, 1971).