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“[...] o humor às vezes é a única forma de lidar
com o turbilhão da vida.”
(SALIBA, 2017, p. 09)
“[...] também sorrio, pois a consciência irônica de
meu tempo me faz praticar meu ofício como
lugar de desconstrução do rosto sério e sisudo
das verdades definitivas e estabelecidas. [...] Sou,
às vezes, como um rio, mero objeto de fluxos, de
processos, de relações que passam por mim, que
têm em mim um ponto de apoio, mas às vezes
sorrio porque posso burlar estes processos, estas
determinações, estas estruturas, posso negá-las,
a elas resistir, com elas me divertir e divergir,
muitas vezes com um simples sorriso de ironia.”
(ALBUQUERQUE JUNIOR, 2017, p. 43-44)
A Faces da História chega ao final de 2020 apresentando a toda a comunidade
acadêmica o seu mais recente número. Aqui se apresentam dez artigos reunidos no Dossiê
História Cultural do Humor; sete textos na seção de Artigos Livres, duas Resenhas e uma
Entrevista. Somados a estes trabalhos, dois artigos que marcam a inauguração da seção
Notas de Pesquisa, espaço dedicado exclusivamente a alunos e alunas de graduação que
desejam participar do debate científico e com ele aprender. A publicação destes trabalhos,
com recortes, temas e abordagens bastante diversos possui uma gama diferenciada de
autores e autoras nos mais diversos estágios de formação, bem como de profissionais com
carreiras iniciadas, mais ou menos tempo, no ensino superior. Um número que
expressa de forma bastante sensível o perfil da Revista Faces da História: um periódico
comprometido com a divulgação de pesquisas acadêmicas em História e em Humanidades,
que se pretende e se faz um espaço de diálogo aberto às diferenças.
É sempre importante registrar, ainda que possa parecer repetitivo, que os números
que a Faces da História vem publicando desde sua fundação, em 2013, são o resultado do
esforço coletivo de alunas e alunos do Programa de Pós-graduação em História da Unesp
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(Campus de Assis), que, além de se dedicarem às suas próprias pesquisas, também se
comprometem a oferecer, voluntariamente, conhecimento histórico de qualidade e de
forma gratuita a quem quer que possa interessar. Além disso, a Faces da História tornou-
se também instrumento efetivo de formação e capacitação desses discentes, que
aprendem os meandros, por vezes desagradáveis e inóspitos, de se editar uma revista
acadêmica. Os trabalhos que se apresentam aqui não poderiam vir a público sem a
colaboração dos nossos autores e de nossas autoras; de pareceristas externos que
emitiram avaliações detalhadas e às cegas; das equipes de revisão de língua portuguesa e
estrangeira; bem como dos coordenadores do dossiê História Cultural do Humor, Camila
Rodrigues e João Paulo Capelotti. Por fim, o registro que não se cansa de se fazer presente
tantas vezes quantas forem necessárias: a pesquisa acadêmica no Brasil só é possível com
o financiamento de bolsas, projetos, instalações e salários que garantam a sobrevivência
de seus pesquisadores e pesquisadoras. Não é possível criar saída para as crises do
presente sem o investimento nas universidades, na pesquisa e na educação, que devem
ser e continuar sendo públicas, gratuitas e de qualidade.
O resultado do compromisso da Faces da História com a pesquisa acadêmica,
gratuita e de qualidade, está evidente nas páginas que compõem esta publicação. Como
forma de convidar à leitura, apresentamos a seguir as seções que compõem este número.
O dossiê conta com apresentação própria, escrita pelos seus coordenadores, que merece
ser lida na íntegra.
A seção de Artigos Livres vem se apresentar à luz destes debates candentes do
nosso cotidiano, não fugindo de uma tradição já consolidada pela revista, pautada na
diversidade de pesquisas e temáticas e no diálogo interdisciplinar entre as Ciências
Humanas e Sociais. Questões importantes são analisadas pelos nossos autores, tais como
as análises pelas narrativas de viajantes e eclesiásticos sobre a diversidade cultural dos
povos indígenas latino-americanos aqui residentes na época da chegada do europeu à
América; uma análise pelas discussões sobre a formação do pensamento conservador em
nossa república e suas vertentes intelectuais, além de debates sobre a recente história
política e cultural do Brasil e América Latina, seja nas questões dos conflitos armados
deflagrados em nossa história recente, no intenso diálogo entre a literatura produzida no
continente e a História, ou a importância do folclore e seus personagens como um dos
pilares formadores da identidade cultural brasileira. A diversidade dos textos apresentados
demonstra a importância do debate historiográfico produzido em nosso país, fruto de uma
intensa produção científica dos pesquisadores brasileiros e da qualidade destes trabalhos,
hoje tão ameaçados pelas políticas governamentais vigentes em nosso país. São sete
leituras imprescindíveis, no qual destacamos alguns pontos importantes:
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Na esteira das discussões iniciadas no dossiê anterior, apresenta-se o artigo Índios
(maravilhosamente) assombrosos na América Portuguesa do século XVI, do autor Kelvin
Oliveira da Silva. O trabalho nos traz uma interessante visão sobre as descrições dos
diversos cronistas da América Portuguesa dos quinhentos sobre o indígena recém
“descoberto”, detendo-se, especificamente, àquelas que se referiam a situações de
assombro e/ou perigo, cujas narrativas mobilizaram imagens maravilhosas e assombrosas,
semelhantes aos relatos outrora descritos por viajantes medievais. A importância do artigo
está, justamente, em revelar as impressões destes viajantes sobre a beleza (ou assombro)
dos europeus para com os povos aqui residentes.
Ainda na esteira desta discussão, temos o texto Os curacas e a capacocha: de
representações escritas a vestígios materiais, do autor Vinícius Soares de Lima. Ao
confrontar as fontes eclesiásticas espanholas sobre a prática da capacocha, isto é, os
sacrifícios realizados pelas elites dos povos nativos dos Andes, os chamados curacas, o
autor coloca em evidência o posicionamento da Igreja frente às mais diversas práticas
ritualísticas destes povos, além dos ordenamentos jurídicos discutidos por essas
autoridades para dar conta de tais práticas, à luz de uma visão religiosa enraizada no
reinado espanhol do século XVI.
Em Teoria da história e sua aplicação ptica um olhar a partir de uma hipótese
de pesquisa, Andrei Tonini realiza um trabalho de fôlego ao aproximar Teoria da História
a questões importantes da História do Direito, visando apresentar um meio de diálogo
entre teoria e pesquisa em História, cujas possibilidades permitiram evidenciar uma
hipótese de pesquisa entre o envolvimento do regionalismo político-histórico e o Poder
Judiciário. Em suma, sua tentativa consegue vislumbrar ao leitor a necessidade de fazer
com que todo o trabalho histórico possua um cientificismo.
Jhalleson Khovalik Oliveira, com o seu texto Belisário Pena: educação eugênica,
eugenia e formação da consciência sanitária nacional (1916-1932), nos traz uma breve,
porém importante análise sobre a vida e obra do médico sanitarista Belisário Pena e o seu
contato com o debate sobre a prática da eugenia que, no momento da proclamação da
República, era um assunto candente na sociedade brasileira. Com uma visão inovadora, o
médico rechaçou o uso da eugenia “negativa”, que se pautava no racismo científico, e
apostou numa regeneração da sociedade brasileira, baseada na eugenia “preventiva”, cujas
práticas estavam na educação higiênica e nas reformas sociais e do meio.
Em Elaborações de si: o folclorista Ademar Vital na década de 1940, a autora Maria
Joedna Rodrigues Marques, realiza uma breve trajetória do folclorista paraibano Ademar
Vital e sua importância para a consolidação da Sociedade Brasileira de Folclore (SBF) e a
criação da Sociedade Paraibana de Folclore (SFP), sendo estas entidades fundamentais
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para consolidar o folclore como elemento de formação da identidade de “Brasil” nos idos
dos anos de 1940. O diálogo, por meio de cartas, com o amigo Câmara Cascudo, foi
analisado pela autora no sentido de enfatizar as contradições e aproximações entre os
personagens na construção do conceito de folclore, cultura popular e identidade, bem
como a importância da preservação dos elementos culturais presentes na tradição da
cultura sertaneja.
No artigo O anoitecer das noites chilenas: a resistência oculta e literária de
Roberto Bolaño, o autor Fábio dos Santos Souza nos traz uma importante análise de três
trabalhos do poeta chileno Roberto Bolaño, cuja militância literária foi de suma
importância na luta contra a instauração da ditadura militar de Augusto Pinochet no Chile.
O autor analisa o contexto de produção desses escritos, as suas narrativas e como o
escritor chileno trabalhou com a memória, o esquecimento e, por fim, com a resistência
oculta, em transpor, para a ficção, todo o impacto da queda de Salvador Allende e do
governo de exceção de Pinochet.
Por fim, Ingrid Laisa Melo Mattos nos traz um importante trabalho intitulado A crise
e a Guerra das Malvinas no jornal Tribuna da Imprensa, cujo escopo analisa os
desdobramentos da Guerra das Malvinas sob a ótica de um jornal brasileiro, A Tribuna da
Imprensa, fundado pelo então jornalista Carlos Lacerda, importante figura política
brasileira, cuja ação foi decisiva, a favor e contra o golpe militar de 1964. A análise da
autora procura confrontar as ações da diplomacia brasileira frente aos acontecimentos da
guerra, refletidos nas páginas do jornal, demonstrando a importância da imprensa para
cristalizar as visões políticas de mundo perante à opinião pública.
Com grande satisfação, a estreia da seção Notas de Pesquisa recebeu trabalhos de
jovens pesquisadores que demonstram o comprometimento com os estudos históricos.
Em Dentro de mim, um convite para a história”: fatores do pensamento histórico na
escrita da história de Manoelito de Ornellas (1948), Pâmela Cristina de Lima apresenta um
trabalho consistente de pesquisa sobre a historiografia sul-rio-grandense a partir da
análise da obra Gaúchos e Beduínos, do intelectual Manoelito de Ornellas, com vistas a
traçar a função social do pensamento ornelliano na produção do conhecimento histórico
do período. A segunda colaboração é assinada por Thiago Borges e Natália Zampella que
apresentam o texto Extratos da memória ferroviária: Nos bastidores da luta sindical” da
Sorocabana (1945-1964), pesquisa que traz contribuições à história trabalhista no Brasil a
partir da análise articulada das reminiscências de Guarino Fernandes sobre o sindicalismo
ferroviário.
Na seção de resenhas, apresentamos as considerações de José Antonio Abreu
Colibri em La evolución de las mentalidades durante la fase final de la dictadura
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franquista y la restauración de la monarquía en España (1962-1982) a respeito do livro
From Franco to freedom (2018), de Miguel Ángel Ruiz Carnicer, destacando os aspectos
coletivos das mentalidades no período de transição da ditadura franquista na história
recente da Espanha. Em O início das unções régias no Reino Visigodo de Toledo e a
valorização do papel político de Taio de Zaragoza: uma releitura, Vinícius da Silva
Proença retoma os debates historiográficos sobre o tema e apresenta as novas
perspectivas propostas pela publicação recente do livro de Everton Grein.
Finalizando este número, fechamos com a entrevista do Professor José Carlos
Barreiro, do departamento de História da Unesp/Assis, realizada por Eduardo Neves. A
conversa teve como tema central os quinze anos de fundação do Grupo de Estudos e
Pesquisas Interdisciplinares sobre Cultura, Política e Sociabilidade completados em 2020
e se estendeu a outros assuntos que englobam a produção do conhecimento, como a
fundamental garantia de universidades públicas gratuitas e agências de fomento que
possibilitem o avanço das pesquisas no Brasil.
Inúmeros desafios têm sido colocados aos brasileiros e às brasileiras que estão
enfrentando o amargo e entristecido apagar de luzes de 2020. Imobilizados por um
presente que soterra qualquer esperança de vida, não parece restar qualquer possibilidade
para lidar com a precarização de nossas existências. Diante dos impasses que nos foram
colocados, o humor parece emergir freneticamente como ferramenta possível para lidar
com as mazelas do mundo e com o turbilhão da vida. Exemplo disso são os famosos memes
que inundam cotidianamente as nossas redes sociais. Não por acaso, talvez, é que a Faces
da História traz a público um número que reflete, a partir de diferentes lugares e vieses,
como homens e mulheres do passado, que produziram e consumiram humor, puderam
lidar com as verdades que lhes foram impostas.
Assim, a Faces da História convida a todos e a todas a lerem este número que agora
é publicado. Convida também a refletir sobre o(s) passado(s) que se estampa(m) nestas
páginas, a pensar e a agir sobre o presente que nos assola e, como não poderia deixar de
ser, convida-nos a rir. Não necessariamente nesta ordem.
Benedito Inácio Ribeiro Jr.
https://orcid.org/0000-0002-4874-6835
Lucas Thiago Rodarte Alvarenga
https://orcid.org/0000-0002-2650-0623
Luciana Francisco
https://orcid.org/0000-0002-1809-2068
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Referências
SALIBA, Elias Thomé. História Cultural do Humor: balanço provisório e perspectivas de
pesquisa. Revista de História (São Paulo), n. 176, p. 1-39, 2017.
ALBUQUERQUE JUNIOR, Durval Muniz de. História: a arte de inventar o passado.
Curitiba: Editora Prismas, 2017.